Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
314/15.5T8BRR.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
HABILITAÇÃO ACADÉMICA
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES - DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª edição, 550.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º3, 639.º, N.º1.
CÓDIGO DE TRABALHO (CT): - ARTIGOS 23.º, 368.º, N.º 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 53.º, 59.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 07/03/85, IN B.M.J., 347.º/477.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/89, IN B.M.J. 386/446, DE 23/03/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/95, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/06/96, C.J., 1996, II/143, DE 31/01/91, IN B.M.J. 403.º/382.
-DE 06/12/2006, PROC. N.º 06S1825, IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-DE 08/06/1993, DR, II SÉRIE, DE 06/10/1993; N.º 282/2005, DE 25/05/2005; N.º 187/2013, DE 05/05/2013; N.º 47/2010; N.º 353/2012 E O Nº 313/89, TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
1 - Os critérios de seleção estabelecidos no nº 2 do art. 368º do CT, são sucessivos e hierarquizados, isto é, só é aplicável o seguinte se o anterior não se verificar ou se os trabalhadores visados reunirem os mesmos requisitos relativamente a esse critério.

2 - Tendo um trabalhador concluído com êxito o 9º ano de escolaridade e o outro apenas o 6º ano, para afeitos do art. 368º, nº 2, al. b) do CT, aquele é detentor de habilitação académica superior ainda que, tendo em consideração a respetiva data de nascimento, ambos sejam apenas detentores da escolaridade mínima obrigatória.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1 – RELATÓRIO ([2])

AA intentou contra BB, L.DA a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho.

A R. veio motivar o despedimento, alegando, em síntese, que o A., contratado como vigilante, passou, a partir de maio de 2012, a exercer as funções de vigilante de transporte de valores afeto ao cliente BANCO CC, o qual, em junho de 2014, encerrou um elevado número de agências, num momento em que a R. já vinha a sentir uma forte redução no número de clientes, o que levou à extinção de três postos de trabalho. Mais alegou que, dos dezanove trabalhadores afetos à vigilância de transporte de valores, o A. era quem tinha menor experiência na função e menor antiguidade na empresa; e que, se havia nove trabalhadores com menos habilitações literárias do que o A., a verdade é que todos eles, tal como o A., têm apenas a escolaridade mínima obrigatória (obrigatória para o exercício da função), a qual varia consoante o ano de nascimento de cada um deles. Conclui requerendo a declaração da licitude do despedimento.

O A. apresentou contestação, impugnando parte dos factos alegados. Arguiu que o despedimento é ilícito porque, tendo em conta o número de postos de trabalho extintos (181), deveria ter sido utilizada a figura do despedimento coletivo. Por outro lado, para além de ter habilitações literárias superiores às de outros trabalhadores que não foram despedidos, verificou-se falta de pagamento das quantias devidas, dado que a indemnização foi calculada com base no valor mensal de € 962,33, quando, de acordo com o CCTV, deveria então auferir € 976,76 mensais.

Mais alegou que trabalhava igualmente nas rotas de outros clientes e que foi colocado na rota do BANCO CC justamente quando este cliente começou a reduzir o número de agências, ou seja, num momento em que a R. já sabia da necessidade de vir a extinguir tal posto de trabalho. Exerceu as funções de chefe de grupo, nunca a R. lhe tendo pago o respetivo subsídio. Auferia quantia inferior à devida. Prestou trabalho noturno que foi remunerado com um acréscimo retributivo de 25% e o trabalho suplementar não foi pago nos termos previstos, nem lhe foi concedido descanso compensatório.

Com tais fundamentos, requereu que:

a. Fosse declarada a ilicitude do despedimento, por manifesta falta dos necessários pressupostos, nos termos do art. 384º, do Código do Trabalho, resultante, nomeadamente, do não cumprimento dos requisitos constantes do art. 368º, nº 1, da não observância do preceituado no art. 368º, nº 2, do não cumprimento dos deveres retributivos constantes do art. 366º e do dever de recolocação estabelecido no art. 368º, nº 3, todos do Código do Trabalho;

b. Fosse condenada a empregadora a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com efeitos reportados à data do despedimento, sem prejuízo da antiguidade e categoria, ou,

c. Em alternativa à reintegração, fosse a empregadora condenada a pagar-lhe a indemnização a que se reporta o art. 391º do Código do Trabalho, a qual deve ser graduada no seu limite máximo, correspondente a € 9.489,29;

Em qualquer dos casos, a condenação da R. a pagar-lhe:

d. As retribuições já vencidas, no montante de € 1.953,52 acrescidas das que se vierem a vencer até ao trânsito em julgado da presente ação;

e. A quantia de € 1.286,04 a título de diferenças salariais emergentes do exercício de funções de chefe de grupo;

f. A quantia de € 6.494,58 a título de diferenças salariais emergentes do exercício de funções de vigilante de transporte de valores;

g. A quantia de € 12.064,37 a título de diferenças salariais emergentes da prestação de trabalho noturno;

h. A quantia de € 2.119,21 a título de diferenças salariais emergentes da prestação de trabalho suplementar, incluindo o correspondente descanso compensatório;

i. Os correspondentes juros de mora sobre todas as referidas quantias, calculados à taxa legal, desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento.

A R. respondeu, impugnando os factos alegados pelo A. e, no mais, mantendo a posição já expressa nos autos.

Saneado o processo, realizou-se audiência de discussão e julgamento, na qual o A. optou pela indemnização em detrimento da reintegração, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Nestes termos, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo A. e, em consequência:

A. Condeno a R. BB, L.da no pagamento ao A. AA:

a) De indemnização por extinção do posto de trabalho calculada tendo por base a retribuição mensal de € 976,76 (novecentos e setenta e seis euros e setenta e seis cêntimos);

b) A quantia de € 1.047,78 (mil e quarenta e sete euros e setenta e oito cêntimos) a título de diferenças salariais;

c) A quantia de € 12.023,49 (doze mil e vinte e três euros e quarenta e nove cêntimos) a título de trabalho nocturno;

d) A quantia de € 2.119,21 (dois mil cento e dezanove euros e vinte e um cêntimos) a título de trabalho suplementar e descanso compensatório;

e) Quantias estas referidas em b) a d) acrescidas de juros de mora, contados, à taxa anual legal, desde o respectivos vencimentos até integral pagamento.

B. Absolvo a R. do demais peticionado.»

Inconformados, apelaram o A. e a R., tendo sido proferida a seguinte deliberação:

«Pelo exposto se acorda em:

- julgar procedente o recurso do A. alterando a sentença no sentido de:

a) declarar a ilicitude do despedimento e, consequentemente condenar a R.:

b) a pagar-lhe a indemnização correspondente ao valor da retribuição mensal de € 976,76 por cada ano ou fracção de antiguidade contada até à data do trânsito em julgado (que nesta data perfaz € 7.914,08)

c) a pagar-lhe as retribuições vencidas desde a data o despedimento, igualmente até à data do trânsito, a que serão deduzidas as importâncias que o trabalhador auferiu com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, designadamente, se for caso disso, o subsídio de desemprego, que, nesse caso, a R. entregará à Segurança Social (art. 391º CT), relegando-se o respectivo apuramento para o incidente de liquidação, se necessário.

- Julgar parcialmente procedente o recurso da R. revogando a), c) e d) do dispostivo da sentença, cuja al. b) passará agora (face aos items que antecedem) a constituir a al. d).

Custas do recurso do A. pela R. e do recurso da R. por ambas as partes, na proporção do decaimento.»

Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão na parte em que declarou ilícito e irregular o despedimento.

A A. contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da revista e consequente confirmação do acórdão recorrido, o qual não mereceu resposta.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

“1. O presente Recurso visa a reapreciação da decisão na parte em que declarou a ilicitude do despedimento por violação dos critérios constantes do n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho.

2. Entendeu aquele Venerando Tribunal da Relação que a Ré/Recorrente não observou os critérios definidos no n.º 2 do artigo 368.º do Cód. de Trabalho, ao considerar em igualdade de circunstâncias os trabalhadores que possuíam habilitações académicas diferentes, mas com a habilitação mínima exigida para o exercício da função, referindo que "pessoas dotadas do 9º ano de escolaridade ou equivalente tiveram uma mais vasta e aprofundada preparação escolar de base do que aquelas que se encontram apenas habilitadas com o 6º ano de escolaridade, sendo por isso de presumir que tenham, certamente, ficado apetrechadas de mais competências e qualificação para o desempenho de uma actividade profissional."

3. Cremos, contudo, que a interpretação levada a cabo pelo Venerando Tribunal das Relação da norma contida no n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho é restritiva e violadora dos princípios da igualdade e não discriminação, previstos no artigo 23.º do Código de Trabalho e do princípio da segurança no trabalho previsto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos,

4. No despedimento por extinção de postos de trabalho levado a cabo pela Ré/Recorrente e do qual resultaram três despedimentos, entre os quais o do Autor/Recorrido, observaram-se criteriosamente as normas contidas nos artigos 367.º e seguintes do Código de Trabalho em consonância com os princípios que regem as relações laborais.

5. Por referência ao quadro de pessoal de vigilantes de transporte de valores que integravam a Área de Transporte de Fundos e Valores em Lisboa, resultou que o Autor/Recorrido era, de todos os trabalhadores afectos ao serviço de transporte de valores, o que tinha, simultaneamente, menor experiência na função e menor antiguidade junto da Ré/Recorrente.

6. No tocante aos demais critérios - alíneas a), b) e c), do nº 2 do mesmo Artigo 368º do CÓD. TRABALHO - verificou-se que não existia avaliação de desempenho com parâmetros previamente conhecidos pelos trabalhadores acima identificados,

7. Verificou-se ainda que todos os trabalhadores acima identificados possuem idênticas habilitações académicas e profissionais, dado todos possuírem, pelo menos, a escolaridade obrigatória exigida no quadro legal da actividade de Segurança Privada nos termos da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, que estabelece o regime jurídico do exercício da actividade de segurança privada, encontrando-se todos habilitados a exercer a respectiva função, tendo frequentado, e obtido aprovação, na formação profissional legalmente exigida para o exercício da função, e sendo, todos, titulares de cartão profissional válido para esse mesmo exercício; e

8. Mais se verificou igual onerosidade na manutenção do vínculo laboral em virtude de todos os trabalhadores auferirem igual vencimento base e demais retribuições, inexistindo retribuições diferenciadas nomeadamente diuturnidades, e prestando, todos, trabalho em regime de tempo inteiro.

9. Considerou a Ré/Recorrente que as habilitações académicas detidas pelo Autor/Recorrido correspondem nada mais e nada menos que à escolaridade mínima obrigatória que se encontra legalmente definida pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), e pela Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto (Regime da Escolaridade Obrigatória), em função da data de nascimento de cada indivíduo, e

10. Que apesar de ter um grau académico superior (9.º ano) tal não era relevante, uma vez que essencial para o exercício da função é os trabalhadores estarem dotados de habilitações profissionais, para as quais releva a experiência na função.

11. Na apreciação da alínea b) do n.º 2 do artigo 368.º deve, pois, atender-se não só às habilitações literárias detidas por cada um dos trabalhadores, mas também às habilitações profissionais, que neste caso em concreto se revelam essenciais.

12. Se é normal que, em certas funções o trabalhador mais novo tenha mais habilitações académicas que um trabalhador mais antigo,

13. Também se deverá ter em conta que este último terá claramente mais habilitações profissionais, fruto da experiência de trabalho que detém.

14. Se em determinadas tarefas fará sentido privilegiar as habilitações académicas, como aquelas mais complexas e exigentes que devam ser suportadas por vastos conhecimentos técnicos e científicos,

15. Outras há em que as habilitações académicas superiores se revelam despiciendas, como aquelas em que a prática é a mais-valia, como é o caso do vigilante de transporte de valores.

16. Haverá, pois que usar o critério definido pela alínea b) do n.º 2 do artigo 368.º do Código do Trabalho em consonância com os princípios da igualdade e não discriminação, previstos no artigo 23.º do Código de Trabalho e o princípio da segurança no trabalho previsto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.

17. Não devendo fazer-se uma interpretação restritiva e literal do conceito de habilitação académica referido no n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho, sob pena de se violarem aqueles princípios do Direito do Trabalho.

Pelo que,

18. Declarando-se regular e lícito o despedimento do Autor/Recorrido, levado a cabo pela Ré/Recorrente, revogando-se o Acórdão do Tribunal da Relação no que respeita às alíneas se fará a acostumada justiça!”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Os presentes autos respeitam a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho e foram instaurados em 28 de janeiro de 2015.

O acórdão recorrido foi proferido em 20 de abril de 2016.

Nessa medida, é aplicável:

         O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

         O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se na apreciação dos critérios definidos no art.º 368.º, n.º 2, al. b) do CT, deve atender-se às habilitações académicas efetivamente detidas por cada um dos trabalhadores, ou apenas às habilitações académicas mínimas exigíveis para o posto de trabalho, complementadas com a experiência profissional;

2 - Se o despedimento do A. por extinção do posto de trabalho promovido pela R. deve ser declarado lícito;

3 – Se a interpretação da norma contida no nº 2 do art. 368º do CT levada a cabo pelo Tribunal da Relação viola os princípios da igualdade e da não discriminação previstos no artigo 23.º do Código de Trabalho e o princípio da segurança no trabalho previsto no artigo 53.º da CRP.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

Foram os seguintes os factos julgados provados pelas instâncias:

“1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 1 de Agosto de 2008, para exercer as funções de Vigilante.

2. Nessa data, o Autor foi contratado pela Ré para exercer as suas funções junto do Cliente da Ré “Metropolitano de Lisboa”, competindo-lhe proceder à vigilância das instalações no seu posto e efectuar as rondas em conformidade com que estava planeado.

3. A partir de Maio de 2012 o Autor passou a exercer as funções de vigilante de transporte de valores, tendo ficado afecto, para além de outras, à rota de transporte de valores do BANCO CC a partir de Outubro de 2013.

4. Em Junho de 2014, o BANCO CC, o maior cliente da Ré em transporte e tratamento de valores, encerrou um elevado número de agências em todo o território nacional, reorganizando a sua operação de transporte de valores, suprimindo-a às segundas e quartas-feiras, nomeadamente fora do distrito de Lisboa.

5. Este encerramento de agências por parte do BANCO CC obrigou à negociação do contrato de prestação de serviços que aquele cliente mantinha com a Ré, com a consequente reorganização de rotas e reformulação do quadro de tripulações de vigilantes de transporte de valores afectos àqueles serviços.

6. Por outro lado, a Ré vinha já a sentir uma redução significativa de clientes, bem como uma redução drástica das operações de transporte, guarda e tratamento de valores, bem como dos horários dos dispositivos de vigilância contratados em numerosas instalações onde a Ré vinha prestando serviços de vigilância, chegando-se em alguns casos a extinguir totalmente tais operações de transporte, guarda e tratamento de valores e postos de vigilância humana, ou mesmo a fazer cessar os respectivos contratos de prestação de serviços invocando-se, para o efeito, a necessidade de contenção de despesas e controle de custos ditada pela actual conjuntura económica e financeira, nacional e internacional.

7. Considerando apenas as já mencionadas extinções de prestações de serviços e reduções de dispositivos de vigilância, verificou-se a supressão de 181 (cento e oitenta e um) postos de trabalho de vigilante a tempo inteiro.

8. Neste quadro e inexistindo qualquer possibilidade de transferência de local de trabalho e ponderados todos os critérios e fundamentos, subsistia a necessidade de extinguir postos de trabalho, nomeadamente os relativos à prestação de serviço que a Ré mantinha com o BANCO CC, por forma a garantir a sua sustentabilidade económica e financeira.

8A. Em 23/10/2014 a R. enviou ao A. a comunicação da intenção de proceder à extinção do respectivo posto de trabalho, nos termos do doc. que consta junto a fls. 48/50, cujo teor se dá por reproduzido carta que foi recebida em 27/10/2014 (aditado pela Relação).

8B. A requerimento do A., a ACT elaborou o relatório junto a fls. 52/54, que se dá por reproduzido (aditado pela Relação).

9. Em 18/11/2014 a R. comunicou ao A. a extinção do contrato por extinção do posto de trabalho nos termos do doc. junto a fs. 54v./57, cujo teor se dá por reproduzido, carta por ele recebida em 21/11/2014 (aditado pela Relação).

10. Resultaria na extinção do posto de trabalho relativo a 3 (três) trabalhadores.

11. Por referência ao quadro de pessoal de vigilantes de transporte de valores que integram a Área de Transporte de Fundos e Valores em Lisboa que aqui se reproduz (…), o Autor era aquele que tinha menor experiência na função e menor antiguidade na empresa, inexistindo avaliação de desempenho (alterado pela Relação):

NomeAntiguidade no GRUPO 8Experiência da

Função/Serviço

Habilitações académicasData de nascimento
DD10.10.1986anterior a 08.19953º. Ciclo EB (5ºlic., 9º unif.)00-00-1958
EE21.05.1998anterior a 11.19992º ciclo EB

(E.P,2º lic.).

00-00-1952
FF06.08.1998anterior a 01.2002Ens. Secund.
(12º ou equiv), ES lic. compl.
00-00-1974
GG23.10.1999anterior a 04.20022º ciclo EB (EP,Tel., 2ºlic)00-00-1973
HH09.06.2000anterior a 01.20032º ciclo EB (EP,Tel., 2ºlic)00-00-1975
II09.12.2000anterior a 11.20022º ciclo EB (EP,Tel., 2ºlic)00-00-1969
JJ06.07.2001anterior a 06.20052º ciclo EB (EP,Tel., 2ºlic)00-00-1976
KK12.12.2001desde 06.07.2006

3º. Ciclo EB (5ºlic., 9º unif.)00-00-1981
LL20.03.2003desde 21.03.20063º. Ciclo EB (5ºlic., 9º unif.)00-00-1979
MM30.05.2003desde 24.07.2008

3º. Ciclo EB (5ºlic., 9º unif.)00-00-1980
NN16.06.2003desde 02.06.2005Ens.Sec.comp (10º,11º,12º, 7ºlic.)00-00-1977
OO11.07.2003anterior a 06.2004Ens.Sec.comp (10º,11º,12º, 7ºlic.)00-00-1979
PP21.11.2003desde 20.02.20092º ciclo EB (EP,Tel., 2ºlic)00-00-1970
QQ09.12.2003desde 15.02.2010

3º. Ciclo EB (5ºlic., 9º unif.)00-00-1972
RR03.05.2004desde 05.07.2006

2º ciclo EB (EP,Tel., 2ºlic)00-00-1966
SS09.06.2008desde 11.05.2010

Ens.Sec. (12º, ou equiv. c// C. índole prof.00-00-1984
TT desde 04.08.20083º. Ciclo EB (5ºlic., 9º unif.)00-00-1984
UU30.11.2007desde 23.04.2009Ens.Sec. (12º, ou equiv. c// C. índole prof.00-00-1985
VV01.08.2008desde 23.05.20123º. Ciclo EB (5ºlic., 9º unif.)00-00-1981

12. [eliminado pela Relação].

13. [eliminado pela Relação].

14. [eliminado pela Relação].

15. À data da cessação do contrato, a empregadora retribuía o trabalhador pelo valor mensal de € 962,33.

16. O trabalhador, para além da rota do BANCO CC, desempenhava igualmente as suas funções em diversas outras rotas, nomeadamente as do Metro de Lisboa, Banco de Portugal, Caixas Multibanco e Casas de comércio de ouro.

17. Em data não apurada dentro do período compreendido entre 1 de Junho de 2010 e 30 de Abril de 2012, o trabalhador desempenhou funções de chefe de grupo.

18. A empregadora nunca pagou ao trabalhador o acréscimo retributivo correspondente ao exercício de tais funções.

19. Em 2012, a R. pagou ao A., a título de retribuição mensal, de Maio a Dezembro e a título de subsídios de férias e de Natal, a quantia mensal de € 641,93.

20. Em 2013, a R. pagou ao A., a título de retribuição mensal, de Janeiro a Outubro, a quantia mensal de € 641,93 e em Novembro e Dezembro e a título de subsídios de férias e de Natal, a quantia mensal de € 962,33.

21. De Julho de 2012 a Novembro de 2013, a R. pagou ao A. uma quantia denominada “rectificação de vencimento”, de modo a atingir o montante de € 962,33 de vencimento base.

22. Em 2014, a R. pagou ao A., a título de retribuição mensal, de Janeiro a Dezembro e a título de subsídios de férias e de Natal, a quantia mensal de € 962,33.

23. O A. prestou trabalho nocturno em 2008, tendo auferido, a esse título, em Setembro, por 30 horas, a quantia de € 26,50, em Outubro, por 27 horas, a quantia de € 23,85, em Novembro, por 27 horas, € 23,85, e em Dezembro, por 15 horas, € 13,25.

24. O A. prestou trabalho nocturno em 2009, tendo auferido, a esse título, em Janeiro, por 33 horas, a quantia de € 29,15, em Fevereiro, por 21 horas, a quantia de € 18,55, em Março, por 15 horas, € 13,62, em Abril, por 24 horas, a quantia de € 21,79, em Maio, por 36 horas, a quantia de € 32,69, em Junho, por 21 horas, € 19,07, em Julho, por 24 horas, a quantia de € 21,79, em Agosto, por 24 horas, a quantia de € 21,79, em Setembro, por 24 horas, a quantia de € 21,79, em Outubro, por 27 horas, a quantia de € 24,72, em Novembro, por 33 horas, € 29,97, e em Dezembro, por 30 horas, € 27,24.

25. O A. prestou trabalho nocturno em 2010, tendo auferido, a esse título, em Janeiro, por 30 horas, a quantia de € 27,24, em Fevereiro, por 30 horas, a quantia de € 27,24, em Março, por 24 horas, € 21,79, em Abril, por 43 horas, a quantia de € 39,05, em Maio, por 14 horas, a quantia de € 12,71, em Junho, por 41 horas, € 37,23, em Julho, por 49,5 horas, a quantia de € 44,95, em Agosto, por 13 horas, a quantia de € 11,89, em Setembro, por 44,5 horas, a quantia de € 40,71, em Outubro, por 41,5 horas, a quantia de € 37,97, em Novembro, por 62 horas, € 56,72, e em Dezembro, por 54 horas, € 49,40.

26. O A. prestou trabalho nocturno em 2011, tendo auferido, a esse título, em Janeiro, por 83 horas, a quantia de € 75,94, em Fevereiro, por 57 horas, a quantia de € 52,15, em Março, por 78 horas, € 72,22, em Maio, por 60 horas, a quantia de € 55,55, em Junho, por 57 horas, € 52,77, em Julho, por 78 horas, a quantia de € 72,22, em Agosto, por 60 horas, a quantia de € 55,55, em Setembro, por 74 horas, a quantia de € 68,51, e em Dezembro, por 66 horas, € 61,11.

27. O A. prestou trabalho nocturno em 2012, tendo auferido, a esse título, em Janeiro, por 54 horas, a quantia de € 50,00, em Fevereiro, por 72 horas, a quantia de € 66,66, em Março, por 48 horas, € 44,44, em Abril, por 108 horas, a quantia de € 99,99, em Junho, por 33 horas, € 30,55, em Julho, por 84 horas, a quantia de € 77,77, em Agosto, por 88 horas, a quantia de € 81,48, em Setembro, por 88 horas, a quantia de € 81,48, em Outubro, por 76 horas, a quantia de € 70,37, em Novembro, por 44 horas, € 40,74, e em Dezembro, por 31 horas, € 28,70.

28. No mês de Setembro de 2012, foram pagos a título de “rectificação de vencimento”, mais € 40,88, para pagamento de trabalho nocturno.

29. O A. prestou trabalho nocturno em 2013, tendo auferido, a esse título, em Janeiro, por 76 horas, a quantia de € 70,37, em Fevereiro, por 28 horas, a quantia de € 25,92, em Março, por 28 horas, € 25,92, em Abril, por 2 horas, a quantia de € 1,85, em Maio, por 24 horas, a quantia de € 22,22, em Junho, por 65 horas, € 60,18, em Julho, por 13 horas, a quantia de € 12,04, em Agosto, por 1 horas, a quantia de € 0,93, em Setembro, por 49 horas, a quantia de € 45,37, em Outubro, por 3 horas, a quantia de € 4,17, em Novembro, por 24 horas, € 33,31, e em Dezembro, por 59 horas, € 81,89.

30. O A. prestou trabalho nocturno em 2014, tendo auferido, a esse título, em Janeiro, por 3 horas, a quantia de € 4,16, em Fevereiro, por 9 horas, a quantia de € 12,49, em Abril, por 6 horas, a quantia de € 8,33, em Julho, por 15 horas, a quantia de € 20,82, em Agosto, por 32 horas, a quantia de € 44,42, em Setembro, por 5 horas, a quantia de € 6,94, e em Outubro, por 44,5 horas, a quantia de € 61,77.

31. [eliminado pela Relação].

32. No ano de 2008, o A. prestou 45,5 horas de trabalho suplementar, sendo 29h remuneradas a 50% num total de € 153,70 e 16,5h remuneradas a 100% num total de € 116,60.

33. No ano de 2009, o A. prestou 73 horas de trabalho suplementar, sendo 49h remuneradas a 50% num total de € 233,44 e 24h remuneradas a 100% num total de € 86,39.

34. No ano de 2010, o A. prestou 121,5 horas de trabalho suplementar, sendo 14h remuneradas a 50% num total de € 76,65, 17h remuneradas a 75% num total de € 108,87 e 90,5h remuneradas a 100% num total de € 348,87.

35. No ano de 2011, o A. prestou 263 horas de trabalho suplementar, sendo 64h remuneradas a 50% num total de € 354,89, 108h remuneradas a 75% num total de € 696,97 e 91h remuneradas a 100% num total de € 743,47.

36. No ano de 2012, o A. prestou 154,5 horas de trabalho suplementar, sendo, até Julho, 40,5h remuneradas a 50% num total de € 166,66, 53h remuneradas a 75% num total de € 343,49 e 60h remuneradas a 100% num total de € 296,27 e, de Agosto a Dezembro, 1h remunerada a 25% num total de € 1,85.

37. No ano de 2013, o A. prestou 32 horas de trabalho suplementar, sendo 9h remuneradas a 25% num total de € 41,67, 7h remuneradas a 33,75% num total de € 38,89 e 16h remuneradas a 100% num total de € 29,62.

38. No ano de 2014, o A. prestou 106 horas de trabalho suplementar, remuneradas a 25% num total de € 588,51.”

4.2 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]), bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

4.2.1 – Se na apreciação dos critérios definidos no art.º 368.º, n.º 2, al. b) do CT, deve atender-se às habilitações académicas efetivamente detidas por cada um dos trabalhadores, ou apenas às habilitações académicas mínimas exigíveis para o posto de trabalho, complementadas com a experiência profissional.

A figura do despedimento por extinção do posto de trabalho foi introduzida pelo DL. 64-A/89 de 27/02 (LCCT), que estabelecia, no nº 2 do seu art. 27º, os seguintes critérios sucessivos na escolha do trabalhador a despedir:

“2 — Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, a entidade empregadora, na concretização de postos de trabalho a extinguir, observará, por referência aos respectivos titulares, os critérios a seguir indicados, pela ordem estabelecida:

1.º Menor antiguidade no posto de trabalho;

2.º Menor antiguidade na categoria profissional;

3.º Categoria profissional de classe inferior;

4.º Menor antiguidade na empresa.”

Estas regras foram mantidas no Código do Trabalho de 2003 (art. 403º, nº 2), tendo o Código do Trabalho de 2009 (art. 368º, nº 2), na sua primitiva redação, introduzido alterações na al. c), nos seguintes termos:

“2 — Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, o empregador, na concretização de postos de trabalho a extinguir, deve observar, por referência aos respectivos titulares, os critérios a seguir indicados, pela ordem estabelecida:

a) Menor antiguidade no posto de trabalho;

 b) Menor antiguidade na categoria profissional;

 c) Classe inferior da mesma categoria profissional;

 d) Menor antiguidade na empresa.”

Os critérios foram profundamente alterados pela Lei 23/2012 de 25/06, passando o nº 2 do art. 368º a ter a seguinte redação:

“2 - Havendo, na secção ou estrutura equivalente, uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, cabe ao empregador definir, por referência aos respetivos titulares, critérios relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do posto de trabalho.”

Estas alterações foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 602/2013 de 20/09, em consequência do que a Lei 27/2014 de 8/05 alterou o preceito, passando o nº 2 a ter a seguinte redação, que se mantém, e à luz da qual se apreciará a questão proposta:

“2 - Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios:

a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador;

b) Menores habilitações académicas e profissionais;

c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;

d) Menor experiência na função;

e) Menor antiguidade na empresa.”

Como resulta claramente do preceito ([5]), os critérios de seleção são sucessivos e hierarquizados, “existe uma ordem legal de precedência para o despedimento” ([6]), isto é, só é aplicável o critério seguinte se o anterior não se verificar ou se os trabalhadores visados reunirem os mesmos requisitos relativamente a essa regra.

Vejamos então o caso dos autos.

Está provado que a R. não tinha procedido à avaliação de desempenho de qualquer dos vigilantes de transporte de valores que integram a Área de Transporte de Fundos e Valores em Lisboa, estando, por isso, afastado o critério estabelecido na alínea a).

Aplicando o critério da alínea b), considerou a R. que os trabalhadores potencialmente visados detinham as mesmas habilitações literárias, consistindo estas nas habilitações escolares mínimas exigidas nos arts. 17º, nº 2 e 22º, nº 1, al. a) da Lei 34/2013 de 16/05, para o pessoal de vigilância – a escolaridade mínima obrigatória -, aferível em função da idade de nascimento do trabalhador ou do ano em que as mesmas foram completadas ([7]).  

Assim, tendo considerado que todos os trabalhadores que detinham apenas a escolaridade mínima obrigatória, independentemente do número de anos de escolaridade, se encontravam “em plano de rigorosa igualdade”, como alega, entendeu a R. que o critério deveria ser o das habilitações profissionais e aqui, na sua tese, terá maiores habilitações profissionais o trabalhador que há mais tempo exerce aquela função, por ser maior a sua experiência profissional.

Sendo o A., de entre os trabalhadores detentores apenas da escolaridade mínima obrigatória, o que há menos tempo exercia a função, foi ele o despedido.

Mas não tem razão.

De entre os critérios relativos à escolha do trabalhador a despedir o legislador consagrou, de forma bem discriminada e sequencial, as menores habilitações académicas [(al. b)], as menores habilitações profissionais [(al. b)], e a menor experiência na função [al. d)].

A habilitação académica corresponde ao nível de ensino frequentado ou concluído com êxito, por referência ao ano de escolaridade (1º ano, 2º ano, 3º ano, etc., do ensino básico, secundário, complementar ou superior, licenciatura, bacharelato, doutoramento, etc.).

Já a escolaridade mínima obrigatória, não corresponde a uma habilitação académica propriamente dita, mas ao número de anos mínimo de ensino que obrigatoriamente têm que ser frequentados até uma determinada idade, e que vem variando e sido sucessivamente aumentado, tendo como referência a data de nascimento dos cidadãos, sendo certo que essa frequência obrigatória não é sinónimo de sucesso, ou seja, não significa que, atingido o limite da idade legalmente fixado, o cidadão tenha concluído, com sucesso, o ciclo de estudos como seja, o 4º, o 6º, o 9º ou o 12º anos de ensino.

Cremos até, que não oferecerá dúvida que os cidadãos detentores apenas da escolaridade mínima obrigatória em que esta foi de 4 ou mesmo de 6 anos, não terão adquirido o mesmo nível de conhecimentos daqueles em que essa escolaridade mínima obrigatória já foi de 9 ou 12 anos.

Se fosse o mesmo, não se entenderia a razão do aumento progressivo dos anos de escolaridade mínima obrigatória que vem sendo estabelecido.

Não sendo o ensino escolar obrigatório uma habilitação académica, na aceção que atrás consignámos, mas um determinado número de anos de frequência obrigatória do ensino, com ou sem sucesso, parece-nos evidente que um cidadão que tenha concluído com êxito o 4º ano de escolaridade (1º ciclo de ensino básico), não é detentor da mesma habilitação académica daquele que concluiu com êxito o 6º ano de escolaridade (2º ciclo de ensino básico), e assim sucessivamente, pese embora a conclusão por ambos da escolaridade mínima obrigatória, tendo em consideração a respetiva data de nascimento.

Em suma, tendo o A. concluído com êxito o 9º ano é detentor de habilitação académica superior àquele que apenas concluiu o 6º ano, pese embora a conclusão, por ambos, do ensino escolar obrigatório.

Por outro lado, na construção que faz, apesar de constituírem critérios bem diferenciados e separados e de grau hierárquico diferente, a R. funde as habilitações profissionais com a experiência profissional, considerando que à maior experiência profissional corresponde uma maior habilitação profissional.

Mas se assim fosse, a alínea d) constituiria mera redundância.

A habilitação profissional corresponde à habilitação académica mínima exigida para o desempenho de determinada profissão ou função, complementada ou não com a obtenção de aprovação no curso destinado a conferir competências específicas para o cabal exercício dessa profissão ou função, concedendo, muitas vezes, um cartão de identificação profissional ou um título profissional.

Já a experiência profissional corresponde ao tempo de exercício na função concreta, que embora não atribua uma habilitação profissional, poderá conferir, ainda que não necessariamente, maior capacidade e facilidade no desempenho da função.

A experiência profissional pode, eventualmente, ser adquirida mesmo por quem não seja titular da respetiva habilitação profissional e/ou académica.

Aqui chegados e respondendo à questão colocada, concluímos que na aferição dos critérios definidos no art.º 368.º, n.º 2, al. b) do CT, deve atender-se às diferentes habilitações académicas efetivamente detidas por cada um dos trabalhadores e correspondentes ao nível de ensino frequentado ou concluído com êxito, por referência ao ano de escolaridade, ainda que todas elas correspondam às habilitações académicas mínimas exigíveis para o posto de trabalho a extinguir.

4.2.2 - Se o despedimento do A. por extinção do posto de trabalho promovido pela R. deve ser declarado lícito.

A resposta a esta questão terá que ser, necessariamente, negativa como resulta do que consignámos no item anterior.

Concluímos que nos postos de trabalho a extinguir havia trabalhadores cuja habilitação académica era apenas o 6º ano de escolaridade, enquanto o A. tinha concluído o 9º ano de escolaridade, sendo, por conseguinte, aqueles detentores de menor habilitação académica.

Ora, constituindo a detenção de menor habilitação académica, o primeiro critério a ter em conta na seleção do trabalhador a despedir, conclui-se que o despedimento do A. foi ilícito, como se concluiu no acórdão revidendo.

4.2.3 – Se a interpretação da norma contida no nº 2 do art. 368º do CT levada a cabo pelo Tribunal da Relação viola os princípios da igualdade e da não discriminação previstos no artigo 23.º do Código de Trabalho e o princípio da segurança no trabalho previsto no artigo 53.º da CRP.

Vejamos.

Reza o art. 23º do CT:

“1 - Para efeitos do presente Código, considera-se:

a) Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b) Discriminação indirecta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar uma pessoa, por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;

d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado.

2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um factor de discriminação.”

Como resulta deste preceito, o que aqui se visa impedir é o tratamento menos favorável.

Ora, na interpretação do art. 368º, nº 2 do CT levada a cabo pela Relação e aqui reiterada, deu-se corpo a esta norma, porquanto se impediu, precisamente, o tratamento menos favorável do A., que foi despedido por ser o que detinha menor antiguidade na função pese embora fosse detentor de habilitações académicas superiores às de outros trabalhadores há mais tempo na função.

Por conseguinte não se mostram violados os invocados princípios da igualdade e da não discriminação, previstos no artigo 23.º do Código de Trabalho.

Embora não o invoque expressamente, o princípio da igualdade está também consagrado no art. 13º da CRP, nos seguintes termos:

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

É vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a densificação do princípio constitucional da igualdade, e no sentido de que o mesmo impõe “que seja conferido um tratamento igual a situações de facto iguais e, reversamente, que sejam objecto de tratamento diferenciado situações de facto desiguais” ([8]).

“Só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (acórdão n.º 47/2010)”([9]).

A propósito do princípio constitucional ínsito no art. 59º/1 da CRP, referiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 313/89 ([10]): “O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias”.

“No dizer de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pp. 127--128), a proibição de discriminação ínsita no âmbito de protecção do princípio da igualdade «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento», o que se exige «é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio»

Isto é, deve tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual” ([11]).

No caso, como concluímos, a titularidade do 9º ano de escolaridade ou apenas do 6º ano, não configuram situações iguais, motivo pelo qual têm que ser tratadas de forma diferente, em abono do princípio da igualdade e da não discriminação.

Invoca a recorrente a violação do princípio constitucional da segurança do emprego, mas sem que esclareça em que consiste, no caso, tal pretensa violação.

Estabelece o art. 53º da CRP:

“É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”.

Não descortinamos em que medida a norma em causa possa ter sido violada com a interpretação que foi dada ao art. 368º, nº 2 do CT.

Efetivamente, no caso sub judice não se está perante qualquer despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas por extinção do posto de trabalho, sendo que a iniciativa do despedimento foi da recorrente, apenas estando em causa saber se a sua decisão, no que tange ao A., foi lícita.

Ora, o que é suscetível de pôr em causa a segurança no emprego é o despedimento em si e não a forma como foram ou deveriam ter sido aplicados os critérios de escolha do trabalhador visado com esse despedimento.

Com a decisão de julgar ilícito o despedimento do A. (não fora a sua opção pela indemnização substitutiva da reintegração) foi conferida segurança ao respetivo emprego.

Em suma, a norma do art. 368º, nº 2 do CT, na interpretação feita pela Relação e que aqui avalizamos, não viola os invocados princípios do Código do Trabalho e constitucionais.

Em face do referido impõe-se a negação da revista e a confirmação do acórdão recorrido.

5. DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 13.10.2016

Ribeiro Cardoso - Relator

João Fernando Ferreira Pinto

Pinto Hespanhol



________________________________________________________________________
[1] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico e ou entre aspas) em que se manteve a original.
[2] Relatório elaborado tendo por base o constante no acórdão recorrido.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[5]  “A decisão do empregador deve observar…, a seguinte ordem de critérios…
[6] António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 17ª edição, pág. 550.
[7] “(i) em 1956, foi decretada a obrigatoriedade de frequência até à 3ª classe para as raparigas e até à 4ª classe para os rapazes; 
(ii) em 1960, é estabelecida a obrigatoriedade de frequência de um ensino primário de 4 anos entre 7 e 12 anos de idade; 
 (iii) em 1964, a obrigatoriedade passou a ser de seis anos, seguindo-se a criação de um ciclo complementar ao ensino primário e da Telescola [*];
[A Lei 5/73 de 25/07 passa para 8 anos o ensino básico obrigatório – Base VI, nºs 2 e 3. Este alargamento para os 8 anos nunca chegou a entrar em vigor, devido à ocorrência do 25 de Abril de 1974].
(iv) em 1986, com a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE - Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), a escolaridade obrigatória sobe para nove anos, entre os 6 e os 15 anos de idade [**];
(v) em 2009, foi instaurada a obrigatoriedade de frequência até à conclusão de formação de nível secundário ou até aos 18 anos de idade, que se aplica aos alunos que iniciarem o nível secundário no ano letivo 2012-2013 e seguintes (Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto). Será o Decreto-Lei n.º 176/2012, de 2 de agosto, a concretizar as condições administrativas de aplicação da nova obrigatoriedade.” In http://fundacao-betania.org/ges/Educacao2015/PENSAR_A_EDUCACAO_Escolaridade%20_Obrigatoria.pdf
* [DL 45810 de 9/07/1964 - para os cidadãos nascidos entre 1 de janeiro de 1967 e 15 de setembro de 1981].
** [Lei 46/86 de 14/10 (Lei de Bases do Sistema Educativo)] - para os cidadãos nascidos depois de 15 de setembro de 1981.
[8] Ac. do TC de 8.06.1993, DR, IIª série de 6/10/1993; ac. do TC nº 282/2005, de 25.05.2005; ac. do TC nº 187/2013 de 5/05/2013; ac. do TC nº 47/2010; ac. do TC nº 353/2012 e o ac. TC nº 313/89, entre outros.
[9] Ac. do TC 187/2013 de 5/05/2013 referido na nota anterior.
[10] Referido no acórdão de 6.12.2006 desta secção, proc. 06S1825 (Pinto Hespanhol), in www.dgsi.pt.
[11] Acórdão desta secção referido na nota anterior.