Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1046/15.0T8PFN.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Abílio Neto, Código de Processo Civil, Anotado, 22.ª edição, p. 948;
- Alberto dos Reis, Revista dos Tribunais, 89.º, p. 456 e 90.º, p. 219;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, p. 591 e 865;
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, Almedina, p. 137;
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume, II, Almedina, p. 422;
- Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material, BMJ, 325, p. 171 e ss.;
- Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, p. 60 e 61.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 4, 615.º, N.º 1, 631.º, N.ºS 1 E 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1 E 662.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-11-2016, PROCESSO N.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. É reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda de capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, nomeadamente, quer quanto ao tempo de vida do lesado, quer quanto à própria evolução salarial que a vítima teria ao longo da sua vida, evolução que hoje, mais do que nunca, é de uma imprevisibilidade evidente, inclusive, a própria manutenção do emprego, cada vez mais incerta, outrossim, os próprios índices de inflação, entre outros.

II. Não podendo ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda de capacidade aquisitiva futura, impondo-se ao Tribunal que julga equitativamente.

III. Na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, encontrando, assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, enunciados na precedente alínea.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO



AA, intentou contra, BB - Companhia de Seguros, S.A. (CC - Companhia de Seguros, S.A., nova denominação social de BB, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.), acção com processo comum, pedindo a condenação da Ré, a pagar-lhe o montante total de €1.452.033,90, a título de danos patrimoniais, assim discriminados:

“a) 28 744,90€ a título de indemnização por perdas salariais referentes ao período de ITA na profissão de professor;

b) 850 000,00€ a título de indemnização de danos futuros pela perda de capacidade aquisitiva na profissão de advogado;

c) 13 289,00€ a título de lucros cessantes referentes ao período de ITA de advogado;

d) 310 000,00€ a título de indemnização por danos futuros decorrentes da perda de capacidade de ganho na advocacia;

e o montante de 250 000,00€ a título de dano biológico não patrimonial, tudo acrescido de juros à taxa legal calculados desde a citação da Ré.”

Articulou, com utilidade, o atropelamento, por veículo automóvel, sofrido em 4 de Outubro de 2012, que descreveu como imputável a culpa exclusiva do condutor segurado da Ré.

Regularmente citada, contestou a Ré, alegando, no essencial, aceitar a descrição do acidente, e impugnando a demais matéria, bem como, os montantes peticionados por excessivos, sustentando ainda dever ser descontado o que o Autor receber, quer da Caixa Geral de Aposentações (CGA), quer da Caixa de Previdência dos advogados e solicitadores, no montante da indemnização a fixar.

A Caixa Geral de Aposentações (CGA) veio aos autos pedir a condenação da Ré no reembolso dos montantes pagos e a pagar ao Autor, por força do acidente que foi considerado de serviço, quer a título de pensão vitalícia atribuída, na importância global de €203.682,13, quer de subsídio por elevada incapacidade permanente, de €3.873,59, importância já paga.

A Ré respondeu a tal pedido de reembolso, no essencial impugnando por desconhecimento a factualidade invocada.

Consignou-se o objecto do litígio e enunciou-se os temas da prova.

O Autor veio requerer a ampliação do pedido, posteriormente admitida, onde se requereu a alteração da alínea b) do pedido para passar a constar: “€850.000,00 a título de indemnização por lucros cessantes decorrentes da perda de capacidade aquisitiva na profissão de professor, correspondendo o montante de 164 845,186 aos danos presentes, calculados entre o dia 03/07/2013 e o dia 04/05/2017 e o montante de 685 154,826 aos danos futuros;” e a alteração da redacção da alínea d) do pedido, passando a constar: “€310.000,00 a título de indemnização por lucros cessantes, decorrentes da perda de capacidade aquisitiva na profissão de advogado, correspondendo o quantum indemnizatório de 66 619,07€ aos danos presentes, calculados entre o dia 08/07/2013 e o dia 04/05/2017 e o montante de 243 380,93€ aos danos futuros.”

Mais requereu, que a Ré seja condenada a suportar todas as despesas com medicação do foro de otorrinolaringologia, neurologia e oftalmologia que se revelem necessárias perante o quadro sequelar resultante para o Autor.

Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a acção e decidindo:“1. Absolver a R. BB - Companhia de Seguros, S.A.. do pedido formulado pela Caixa Geral de Aposentações; 2. Condenar a Ré BB - Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor: a) a título de danos patrimoniais (perdas salariais), a quantia de global de €41.766,84 (quarenta e um mil setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; b) a título de dano pela perda da capacidade de ganho e pela incapacidade permanente total para as profissões habituais, a quantia global de €988.000,00 (novecentos e oitenta e oito mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; c) a título de danos não patrimoniais, a quantia global de €50.000,00 (cinquenta mil euros); d) todas as despesas com medicação do foro de otorrinolaringologia, neurologia e oftalmologia que o A. venha a necessitar. 3. No mais, absolve a R. do peticionado pelo A.”.

Inconformada com o decidido, a Ré/BB - Companhia de Seguros, S.A., interpôs recurso de apelação, outrossim, o Autor/AA, interpôs recurso subordinado, tendo o Tribunal a quo conhecido dos interpostos recursos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela Ré e improcedente a apelação interposta pelo Autor, em consequência do que alteram o montante da condenação fixada pela 1.ª instância a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros sofridos pelo autor pela perda da capacidade de trabalho e de ganho (al. b) da parte decisória) para €400.000,00 (quatrocentos mil euros), acrescidos de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, mantendo-se, no mais, o aí decidido. Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.”


É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação do Porto, que o Autor/AA, se insurge, interpondo recurso de revista, sustentado nas seguintes conclusões:

“A) Constituem objeto do presente recurso de revista, as seguintes questões:

1 - ILEGITIMIDADE da recorrida para recorrer da matéria do segmento decisório do ponto 1 da sentença da 1ª instância;

2 - Ofensa da AUTORIDADE DE CASO JULGADO MATERIAL;

3 - TRÊS NULIDADES de excesso de pronúncia do acórdão recorrido;

4 - QUANTUM INDEMNIZATÓRIO a título de dano pela perda da capacidade de ganho e pela incapacidade permanente total para as profissões habituais do recorrente

B) A recorrida seguradora suscitou à cognição do Tribunal da Relação do Porto, apenas uma única questão em que propugnou pela redução do montante indemnizatório, arbitrado pela 1ª instância, apresentando para o efeito dois pedidos a saber: Um pedido principal de redução do montante indemnizatório de 988 000,00€ para 75 000,00€, baseado nos argumentos vertidos as conclusões das alíneas A), B), C, D, E, F, G, H, I, J, L e M); d) Em alternativa, um pedido subsidiário, em que pede a redução da indemnização de 988 000,00€, arbitrada na 1ª instância, para 150 801,23€ e 66 376,93€, respetivamente, pela perda aquisitiva da profissão de …. e de ….

C) A recorrida seguradora não indica, por um lado, os fundamentos por que pediu a alteração da decisão da 1ª instância e, por outro lado, quais as normas jurídicas violadas, não dando, por isso, cumprimento ao preceituado no artigo 639º, nºs 1 e 2, alíneas a), b) e c) do CPC.

D) O Tribunal da Relação considerou que o objeto do recurso da seguradora abrangia duas questões enquadrando na primeira (“saber se devem ser deduzidas às prestações da responsabilidade da Ré os pagamentos a efetuados ou a efetuar pela CGA”) o conteúdo das alíneas A) até M) das conclusões subjacentes ao seu pedido principal de redução do quantum indemnizatório arbitrado pela 1ª instância, de 988 000,00€ para 75 000,00€ e na segunda (“determinação do montante indemnizatório devido pela perda de capacidade de trabalho e ganho do Autor” ) o aludido pedido subsidiário de redução para 150 801,23€ e 66 376,93€.

ILEGITIMIDADE

E) Os argumentos aduzidos pela recorrida seguradora nas referidas alíneas A) a M) das suas conclusões, como motivação da redução do quantum indemnizatório, correspondem exatamente aos mesmos argumentos apresentados, como causa de pedir, contra ela pela interveniente CGA, sendo que a 1ª instância decretou a sua absolvição do pedido de condenação, o que se traduziu num ganho de causa, conforme se mostra do primeiro segmento da sentença daquela 1ª instância.

F) Destarte, a recorrida seguradora deveria ter sido declarada parte ilegítima por que, com base na arguição da matéria que foi objeto de decisão definitiva da 1ª instância a seu favor, não podia constituir objeto do seu recurso, pois “os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.” – artigo 631º nº 1 CPC).

CASO JULGADO

G) Por outro lado, não tendo a interveniente CGA interposto recurso daquele primeiro segmento decisório da 1ª instância, em que a recorrida seguradora foi absolvida, essa parte da decisão da 1ª instância tornou-se definitiva, ou seja, passou a constituir caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado material, dentro e fora do processo.

H) De acordo com a jurisprudência corrente, a força do caso julgado material com o respetivo efeito preclusivo, abrange, para além das questões diretamente decididas no dispositivo da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão do julgado, no caso em apreço, a causa de pedir do requerimento de intervenção da CGA.

I) Assim, a matéria alegada pela recorrida seguradora nas referidas conclusões,( A a M) por ter sido objeto da primeira decisão da 1ª instância (e transitada em julgado) constitui questão prejudicial na decisão do Tribunal da Relação, como pressuposto necessário da decisão de mérito deste Tribunal. Acresce que, para além das invocadas exceções dilatórias, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto está eivado de três nulidades.

PRIMEIRA NULIDADE:

J) Apesar de nenhuma das partes ter suscitado a sindicância da matéria de facto assente na 1ª instância, o Tribunal a quo decidiu eliminar parcialmente a alínea D) dos factos não provados e acrescentar o ponto 65 aos factos provados, sendo certo que tal matéria não é do conhecimento oficioso.

K) Donde, ao alterar a matéria de facto, cometeu excesso de pronúncia, extravasando os poderes de cognição, afetado da nulidade da 2ª parte al. d) do nº1 do artigo 615º do CPC, que é a sanção pela violação do disposto no artigo 608º nº 2, 2ª parte do CPC.

SEGUNDA NULIDADE:

L) A propósito da questão da determinação do quantum indemnizatório, refere (erradamente) o acórdão recorrido que “ de tal apuramento discordam ambos os recorrentes, propugnando o recorrente autor em substituição os valores de € 900 000,00 + € 328 670,00 e a ré os valores de € 150 801,23 e de € 66 375,93. Refira-se, porém, desde já, que a discordância do A. toma por base uma premissa que não tem adesão à prova: um coeficiente de IPP de 89,9%, que não se demonstra nestes autos, atribuído em processo administrativo de acidente em serviço, no qual a R. não interveio”. (pág. 28 do acórdão)

M) O coeficiente de IPP de 89,9% arbitrado pela CGA ao recorrente, de acordo com a sua competência prevista no nº 1 do art. 38º do DL nº 503/99 de 20/11, está perfeitamente demonstrado nos factos provados dos pontos 38 e 41 e esclarecido na perícia médico legal junta aos autos.

N) Assim, ao referir que o coeficiente de IPP de 89,9%, não está demonstrado nos autos, o Tribunal recorrido cometeu mais um excesso de pronúncia, o que constitui a nulidade da 2ª parte al. d) do nº1 do artigo 615º do CPC, que é a sanção pela violação do disposto no artigo 608º nº 2, 2ª parte do CPC.

TERCEIRA NULIDADE

O) A recorrida seguradora no pedido subsidiário que formulou na “ conclusão” N apresentou única e exclusivamente o argumento que se transcreve: “sempre teriam de considerar-se mal calculados os montantes indemnizatórios pela perda de ganho futuro pelo Recorrido que, mesmo com os pressupostos enunciados na douta sentença recorrida com recurso deverão ser de: 150.801,23 €, para compensação da privação do rendimento resultante da atividade … e de 66.375,93 €, para compensação da privação do rendimento resultante da atividade de ….”

P) Lendo tal transcrição é manifesto que o recurso da recorrida traduzido no pedido de redução do quantum indemnizatório, não tem alegações nem conclusões, logo não tem objeto.

Q) Como diz João Aveiro Pereira (www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf): “de harmonia com o acórdão do STJ de 19/02/2008 (proc. 08A194) as conclusões não podem limitar-se a uma simples “afirmação de procedência do pedido da recorrente, antes contendo todo um raciocínio lógico-jurídico a contrariar as razões adotadas no aresto posto em crise […]. ”

R) Ao pedido de redução tão violenta do quantum indemnizatório, (em montante superior a 700 00,00€), formulado pela recorrida seguradora, falta-lhe o indispensável requisito legal básico das conclusões para ser admissível - artigos 637°, n° 2, 639°, n°s 1 e 2, e 641°, n° 2, alínea b) 2a parte, CP. Civil.

S) Nos termos do disposto no artigo 639, n°l do CPC “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

T) Por sua vez, a ai. b) do n° 2 do art° 641° do mesmo diploma dispõe que o requerimento de recurso deve ser indeferido quando: “não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões”.

U) É nas conclusões, sem prejuízo dos poderes oficiosos, que se fixa o thema decidendum e se balizam os limites cognitivos do tribunal ad quem. (artigos 639.°, n.° 1, do CPC).

V) À luz da jurisprudência, no âmbito da apreciação do objeto de qualquer recurso, importa ter presente que a falta das alegações e conclusões impede irreparavelmente o conhecimento do recurso.

W) Ao emitir pronúncia sobre a questão da determinação do quantum indemnizatório (que não é de conhecimento oficioso), no sentido da sua redução para 400 000,00€, o Tribunal a quo cometeu excesso de pronúncia, afetado da nulidade da 2ª parte al. d) do nº1 do artigo 615º do CPC, que é a sanção pela violação do disposto no artigo 608º nº 2, 2ª parte do CPC.

X) Perante a manifesta falta de conclusões e de indicação das normas jurídicas violadas, o Tribunal da Relação do Porto deveria ter indeferido o recurso da recorrida (artigo 641º nº 2 alínea b) e 639º nº, ambos do CPC).

Y) No que toca à questão da determinação do quantum indemnizatório ao poder de cognição da Relação do Porto esgotava-se na apreciação do recurso subordinado do recorrente, confirmando a sentença da 1ª instância ou revogando-a em parte no sentido de aumentar o valor da indemnização.

Sem prescindir,

DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO

Z) Defende a jurisprudência corrente, que na fixação da indemnização por danos ocorridos em sede de responsabilidade civil extracontratual com recurso à equidade, o princípio da igualdade, constitucionalmente tutelado no artigo 13º nº 1 da Constituição, impõe que as decisões judiciais tomem em consideração os critérios adotados e consolidados na jurisprudência generalizadamente em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito – artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil

AA) No caso sub judice a aferição do montante arbitrado ao recorrente, sob o juízo de equidade, pela 1ª instância não se afastou muito do montante ajustado.

BB) Já o Tribunal da Relação do Porto ao reduzir o montante que a 1ª instância tinha arbitrado, em mais de meio milhão de euros, fê-lo ao arrepio do quadro normativo aplicável e dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados como pressupostos do juízo de equidade.

CC) Vejamos os passos dados pelo Tribunal da Relação do Porto para determinar o montante indemnizatório:

1º passo: - A Relação do Porto, começou por fazer o seguinte cálculo:

IPG 32% X 11 anos (70-9) = 217 461,45€

2º passo: - Depois por considerar que o recorrente estava afetado de sequelas que o incapacitam para o exercício das suas profissões, a Relação do Porto considerou que “deveria aplicar-se o disposto nas alíneas b) e ) do nº 3 do artigo 48º da Lei nº 98/2009, de 4/9 que regulamenta o regime de reparação do acidentes de trabalho: calculado nos termos daquela alínea b) é equiparado a 56,4% um coeficiente de IPP de 32% ”

3º passo:- A seguir efetuou uma operação de multiplicação do valor remuneratório anual do recorrente pelo coeficiente de IPP de 56,4% e deduziu-lhe uma taxa de capitalização de 124,34%, considerando ser o valor obtido corresponde aos rendimentos perdidos até ao fim da vida ativa do Autor:

61 778,82 X 56,4% = 383 275,80€ x 124,4% = 308 248,19€

4º passo:- Depois de afirmar que a que a vida ativa de advogado se prolongará para além dos 70 anos, o Tribunal da Relação do Porto fixou o montante indemnizatório em 400 000,00€.

DD) Olhando para o método de cálculo seguido pelo Tribunal da Relação do Porto é, desde logo, patente, a sua incongruência, pois já defendeu (no Ac. de 29/9/2011, procº nº 7383/08.2TBMTS.P1- http://www.dgsi.pt) que “não existe proporcionalidade entre o valor pontual da IPG e o valor percentual da IPP” .

EE) E, no Ac. de 27/04/2017, procº nº 2761/15.3T8PNF.P1- http://www.dgsi.pt entendeu que “a IPG e a IPP são, portanto, realidades distintas de tal modo que a incapacidade permanente geral (IPG) pode ser igual, inferior ou superior à incapacidade permanente parcial (IPP) ”.

FF) No caso sub judice para a determinação do quantum indemnizatório por perda de capacidade de ganho são atendíveis os seguintes elementos:

(i) O recorrente que nasceu a 13/02/1954, tinha à data da consolidação sequelar 59 anos de idade, pelo que, partindo-se de uma esperança média de vida de 77,4 anos (a esperança média de vida de um homem em Portugal segundo a Pordata), tinha uma esperança de vida de cerca de 19 anos;

(ii) A remuneração anual, á data do acidente, era de, na profissão de professor (3091,82€ x14 meses + 93,94€ x 11 meses) 44 318,82€ e na profissão de advogado era de 17 460,00€, o que perfaz a remuneração anual global de 61 778,82€;

(iii) O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 32 pontos, com rebate profissional impeditivo das suas atividades profissionais habituais e bem assim como de qualquer outra atividade profissional dentro da sua área de preparação técnico-profissional;

(iv) Padece de incapacidade definitiva para o exercício da profissão de advogado e incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções de professor.

(v) Além da IPATH, a incapacidade permanente parcial é de 89,9%, o que significa que o recorrente está afetado de uma IPP de 89,9% para todo e qualquer trabalho, ficando com uma capacidade residual indiferenciada de 10,1%, que na prática, considerando a sua idade avançada e o carácter evolutivo da mesma ( ponto 39 da matéria provada), se traduz numa incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho (100%), conforme esclarece o nº 3 das instruções gerais da TNI (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro) que se transcreve:

“A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade”.

GG)

Na determinação do montante indemnizatório por danos futuros, a jurisprudência do S.T.J., que vem sendo aceite e aplicada nas instâncias, assenta em três pilares:

1 – Determinação dum capital produtor dum rendimento que se venha a extinguir no final do período provável de vida do lesado, suscetível de lhe garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.

2 – Utilização de fórmulas abstratas ou critérios uniformes em casos análogos, como elemento auxiliar, com o objetivo de tornar o mais possível justas, atuais e minimamente discrepantes, as indemnizações.

3 – Uso de juízos de equidade como complemento para temperar, ajustar ou corrigir o montante encontrado à solução do caso concreto, quando não é possível determinar um valor exato dos danos sofridos pelo lesado.

HH) Lançando mão dos instrumentos auxiliares utilizados pela Jurisprudência e efetuando o cálculo aritmético dos rendimentos previsivelmente perdidos, vejamos várias soluções:

Solução 1: Se aplicássemos a regra do conselheiro Sousa Dinis, à provável perda de rendimento nas atividades de professor e advogado obteríamos o seguinte resultado, tendo em conta uma taxa de juro de 3% e o desconto de ¼ pela antecipação do capital:

61 778,82 X 100/3% = 2 059 294,00 X ¼ = 2 059 294,00;

Solução 2: Se utilizássemos a fórmula referida no Ac. do STJ 4.12.07, obteríamos um valor referência mínimo de (61 778,82 X 14,32380) 884 907,00 euros;

Solução 3: Se utilizássemos o fator da Portaria nº 377/2008 de 26/5, alterada e atualizada pela Portaria nº 679/2009 de 25/6, em que entra em linha de conta um juro líquido de 5%, e considera para cálculo que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade (artigo 7º alínea b), obteríamos um valor referência de (61 778,82€ X 14,822162) 884 907,00;

Solução quatro: Se utilizássemos a fórmula matemática (que é um resumo simplificado da fórmula matemática utilizada pelo STJ, fornecida pelo autor da ação julgada no ac. do TRC de 04/04/1995), obteríamos um valor referência de 1 150 612,00 euros. (vide cálculos no artigo 54º da motivação destas alegações).


II) Achando uma média das quatro soluções apresentadas, obteremos: (2 059 294,00€ + 884 907,00€ + 915 695,68€ + 1 150 612,00) / 4 = 1 252 627,17€

c) Incapacidade absoluta para o trabalho: Media: 1 252 627,17€

d) IIP 89,9% = 1 252 627,17 x 89,9% = Média 1 126 111€

JJ) Se utilizarmos como auxiliar um caso análogo, podemos socorrer-nos do caso julgado por este Supremo Tribunal de Justiça, (Ac. STJ de 9/9/2015 Proc.º 146/08.7PTCSC.L1.S1- www.dgsi.pt), há cerca de 3 anos, de um lesado com a profissão de arquiteto em que determinou o quantum indemnizatório da seguinte forma:

“O cálculo aritmético dos rendimentos previsivelmente perdidos, considerando os rendimentos que o demandante auferia, a incapacidade que o demandante sofreu (90% IPP), a idade de 56 anos à data do acidente e, nessa altura, uma esperança de vida de mais de 19 anos, corresponde a €920.937,60 [(€41.386,00, rendimento do trabalho independente + €12.470,00, rendimento do trabalho por conta de outrem) x 0,90 x 19] e tendo em conta que, aos rendimentos por conta própria, como trabalhador independente, não foi deduzida a contribuição obrigatória para a Segurança Social, entendemos ser equitativo fixar a indemnização pela perda de capacidade de ganho, em €800.000,00.”

LL) O caso do arquiteto é idêntico ao caso do recorrente, pois em ambos estamos perante uma perda absoluta de capacidade de trabalho intelectual e a esperança média de vida é de 19 anos.

MM) No entanto, o rendimento anual perdido pelo recorrente é superior ao do arquiteto em (61 930,00€/recorrente - 53 856,00€/arquiteto) 8 074,00€, além de que, se não fosse o acidente, o recorrente teria o seu rendimento anual aumentado, pelo menos a partir de 2019, em mais ( 3 364, 63€ - 3 091,82€) 272, 81€ X 14 meses = 3 819,34€ X 13 anos) de 49 651,42€, por força da progressão da carreira docente como ficou apurado nos autos.

NN) Por outro lado, em consequência da incapacidade absoluta para o exercício das suas profissões, e bem assim de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, os ganhos que o recorrente obtinha, antes do acidente, começaram a frustrar-se com previsibilidade certa, á medida que decorreram os anos, a partir do dia 3 de Julho de 2013 (data da consolidação do quadro sequelar), até hoje, Janeiro de 2019.

OO) Por isso, já é possível determinar como certo, sem recurso ao juízo de equidade, o montante do rendimento salarial perdido entre 3/7/2013 e 3 de Janeiro de 2019, o qual corresponde a cerca de um terço do montante dos lucros cessantes/danos futuros a arbitrar e que perfaz a importância de (remuneração anual perdida: 61 778, 82€ X 5,5 anos decorridos entre 3/7/22013 e 3/1/2019) 339 783,51€.

PP) Pelo referido decurso do tempo, este montante de 339 783,51€ devido ao recorrente tornou-se presente, pelo que o seu pagamento não constituirá um adiantamento de capital, mas simplesmente uma entrega retardada.

QQ) O recorrente em nada contribuiu para o acidente e, em consequência, ficou afetado de incapacidade absoluta para as duas profissões intelectuais que exercia e na prática para todo e qualquer trabalho, tendo em conta que hoje com 64 anos de idade, com uma capacidade residual indiferenciada de apenas (100% - 89,9%) 10,1%, não é credível que arranje emprego em qualquer atividade profissional fora da sua área de preparação técnico-profissional.

RR) Tendo em conta que a latitude temporal a considerar é de apenas de 19 anos (até aos 77,4) de sobrevida, neste período o rendimento do capital a receber colocado a render obterão proventos irrisórios face á diminuta taxa de juros das instituições bancárias.

SS) Assim, lançando mão do imprescindível juízo equitativo, será justo e equilibrado que o quantum indemnizatório para ressarcimento de perda de ganho do recorrente por força da incapacidade absoluta das duas profissões deva ser fixado em 1 228 670,00€.

TT) É, por isso, inadmissível que tendo o recorrente, até esta data, (Janeiro de 2019) já sofrido um lucro cessante certo, superior a 300 000,00€, o Tribunal da Relação do Porto considere ajustado (?) um valor de 400 000,00€ para ressarcimento integral de danos que se avolumarão, pelo menos, até aos 77 anos, com desprezo absoluto por um juízo equitativo respeitador dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.

UU) O Tribunal da Relação do Porto interpretou e aplicou mal o disposto nos artigos 562.º, 563.º e 564.º, todos do Código Civil e o disposto nos artigos (artigo 641º nº 2 alínea b) e 639º nº 1 e 2 alínea b), ambos do CPC).

Termos em que devem as invocadas exceções dilatórias e nulidades que afetam a estrutura e os limites da decisão recorrida ser julgadas procedentes e, de acordo com o artigo 684º nº 1 do CPC, reformado o acórdão recorrido no sentido do não conhecimento do recurso da recorrida seguradora.

Mais, deve ser revogada a decisão de mérito e, em sua substituição, proferido acórdão por este Supremo Tribunal de Justiça que condene a recorrida seguradora a pagar ao recorrente a quantia de 1 228 670,00 euros pela perda de capacidade de trabalho e de ganho, acrescida dos juros legais desde a citação.”


A Recorrida/Ré/CC - Companhia de Seguros, S.A., apresentou contra alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto, aduzindo as seguintes conclusões:

“1) O objecto do recurso cinge-se às seguintes questões:

V. Ilegitimidade da recorrida para recorrer do segmento decisório do ponto 1 da sentença da 1ª instância; VI. Ofensa da autoridade de caso julgado material;

VII. Três nulidades de excesso de pronúncia do acórdão recorrido;

VIII. Quantum indemnizatório a título de dano pela perda da capacidade de ganho e pela incapacidade permanente total para as profissões habituais do recorrente.

2) Com interesse para o presente recurso resultou provado os factos dos pontos 35, 38 a 41, 44, 45, 47, 48 e 51 a 53.

3) Não procede a alegada Ilegitimidade da recorrida para recorrer do segmento decisório do ponto 1 da sentença da 1ª instância, porque resultou claro do recurso apresentado, que a decisão importa uma dupla indemnização do Recorrente, por essa razão a Recorrida não pode ser considerada parte vencedora.

4) Apenas o Autor podia ser considerado parte vencedora a este respeito, decisão que se manteve no Acórdão do Tribunal da Relação, pelo que se existe alguma ilegitimidade para suscitar esta questão no recurso é da parte do Recorrente.

5) Não existe ofensa da autoridade de caso julgado material porque a Recorrida tinha legitimidade para recorrer uma vez que a decisão a final lhe era desfavorável e nessa medida não estava dependente do recurso da CGA.

6) Não se trata de uma situação em que a decisão só é desfavorável se for favorável à CGA. Nas decisões em que as indemnizações se sobrepõem, como acontece nos presentes autos, podem existir vários vencedores e vencidos numa só decisão.

7) Não se verifica nenhuma nulidade pela alteração da matéria de facto, uma vez que no recurso foram apresentados diversos argumentos e identificou-se detalhadamente a documentação que estava junta aos autos e que devia ter levado o tribunal de 1ª instância a uma decisão diferente, conforme foi preconizou no recurso.

8) E também porque nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, o Tribunal da Relação tem poderes para oficiosamente fazer as alterações à matéria de facto que determinar necessárias em resultado da prova existente nos autos.

9) O Recorrente pretende convencer o tribunal ad quem que o Acórdão aqui em crise, ignorou ou faltou à verdade, quando alegadamente refere que não tinha sido atribuída uma incapacidade de 89,9% na junta médica da CGA.

10) É ponto assente que o Recorrente foi observado em sede de junta médica da CGA e nessa junta lhe foi atribuída uma incapacidade de 89,9%. O procedimento de atribuição da incapacidade pela CGA é um procedimento administrativo no qual a Recorrida não teve intervenção e não teve conhecimento a não ser após a decisão final.

11) É também facto assente que o Recorrente foi observado pelo INML no âmbito dos presentes autos e dessa perícia que tem por base a tabela de dano corporal em direito civil, foi-lhe aplicada uma incapacidade de 32%.

12) Uma vez que a perícia realizada pelo INML foi efetuada nos presentes autos, a Recorrida teve a possibilidade de participação na mesma, podendo pronunciar-se sobre os quesitos, solicitar esclarecimentos, apresentar reclamações aos relatórios elaborados, isto é, foi-lhe sempre facultado o direito ao contraditório.

13) Face ao exposto e conforme refere a decisão aqui em crise, não podia ser considerada a incapacidade de 89,9% atribuída pela CGA, que utiliza tabelas diferentes daquela que foi aplicada no relatório do INML – Tabela do dano corporal em direito civil - e na qual a Recorrida não teve qualquer intervenção e não teve por isso oportunidade de assegurar a sua defesa.

14) Não pode proceder a alegada falta de alegação sobre a redução da indemnização, porque o facto do argumento que a Recorrida deu se apresentar de forma sucinta não pode servir para se impugnar ou desvalorizar o mesmo. Antes pelo contrário, isso só significa que o argumento é de tal forma evidente que salta á vista a sua procedência.

15) Acresce que o Recorrente admite que a Recorrida apresenta um argumento e que o insere nas conclusões, por isso não se verifica nenhuma nulidade. Enfatize-se que a Recorrida não foi convidada a aperfeiçoar as suas alegações.

16) O Recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal da Relação que reduziu a indemnização para € 400.000,00.

17) A primeira crítica é que o Acórdão ignorou que o Recorrente ficou com uma incapacidade para o exercício das suas atividades habituais. Tal afirmação não corresponde à verdade, uma vez que o Acórdão aplicou a alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei 98/2009, que até chegou a transcrever, e na qual está expresso que tem aplicação aos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

18) Em seguida o Recorrente vem argumentar: (i) que o Tribunal da Relação há 7 anos veio defender uma coisa diferente; (ii) que a Recorrida enquanto seguradora tem lucros de milhões e volta a concluir que lhe devia ser aplicada uma indemnização superior aquela que foi atribuída em 1ª instância.

19) Salvo o devido respeito, a Recorrida entende que o Tribunal da Relação não está impedido de alterar o sentido das suas decisões, principalmente quando já decorreram 7 anos entre uma decisão e outra.

20) E se o Recorrente entende que os argumentos apresentados pela Recorrida não são suficientes para reduzir a indemnização, vir dizer que a seguradora ganha milhões por ano, também não pode sequer ser tido como argumento.

21) O que está em causa nos presentes autos é colocar o Recorrente na situação que estaria se não houvesse o acidente e com certeza que essa realidade não corresponde a uma indemnização de € 1.228.670,00 pelos argumentos apresentados no Acórdão, e porque não é isso se retira da matéria que ficou assente.

22) Para justificar que a indemnização deveria ser de € 1.228.670,00, o Recorrente volta a utilizar o argumento que já tinha apresentado no recurso para o Tribunal da Relação e que já tinha sido rebatido, que a incapacidade de 89,9% que lhe foi atribuída na junta da CGA deveria ser considerada nos cálculos.

23) Chega inclusive a citar as instruções gerais do anexo 1 ao DL n.º 352/2007, que aplica a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais.

24) O Recorrente insiste no argumento que se devia aplicar a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, no âmbito de uma indemnização por dano civil, sem qualquer enquadramento ou lógica jurídica.

25) O passe seguinte do Recorrente é reproduzir as alegações de recurso que já tinham sido apresentadas para a Relação, isto é, discriminar as várias fórmulas de cálculo, que no caso do Recorrente tem dois pressupostos, (i) uma incapacidade total e absoluta que não se verifica; (ii) ou uma incapacidade de 89,9%, que também não tem aplicação nos pressupostos da responsabilidade civil, que se deve aplicar aos presentes autos.

26) Chega a apelar a um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que no entender do Recorrente é em tudo semelhante ao seu caso. Salvo o devido respeito pelo sofrimento do Recorrente, a situação do Acórdão do STJ em que o lesado ficou “incapacidade permanente total, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e paraplegia completa que lhe retirou “toda e qualquer sensibilidade da linha mamilar para baixo, tendo nomeadamente perdido controlo sobre os esfíncteres” não pode ser comparada à situação dos presentes autos e no entender da Recorrida chega a ser ofensivo fazer tal comparação.

27) Resulta assim evidente que o recurso agora apresentado utiliza o mesmo argumento que foi apresentado no Recurso para a Relação e uma vez que o mesmo improcedeu sem fundamento diferente, o recurso agora apresentado está destinado ao insucesso.

28) Conforme já se referiu não se deve aplicar a percentagem de 89,9% porque esta resulta de pressupostos diferentes daqueles que regem a responsabilidade civil que tem aplicação ao caso em concreto. Assim aplicando-se a taxa de 32 pontos de incapacidade conforme ficou determinado no relatório do INML, o tribunal fara justiça.”


Foram colhidos os vistos.


Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pelo Recorrente/Autor/AA, consistem em saber se:

(1) Tendo a 1ª Instância decretado a absolvição da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., do pedido formulado pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, conforme decorre do primeiro segmento da sentença, e com o qual esta se conformou, tal circunstância traduz-se num ganho de causa da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., deixando esta de ter legitimidade para apelar, o que deveria ter sido declarado pelo Tribunal recorrido, uma vez que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido?

(2) Não tendo a Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, interposto recurso do primeiro segmento decisório da sentença de 1ª Instância, em que a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., foi absolvida do pedido formulado pela consignada Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, essa parte da decisão da 1ª Instância tornou-se definitiva, ou seja, passou a constituir caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado material, dentro e fora do processo, donde, abrangendo a força do caso julgado material com o respectivo efeito preclusivo, para além das questões directamente decididas no dispositivo da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão do julgado, no caso a causa de pedir do requerimento de intervenção da Caixa Geral de Aposentações, a matéria alegada pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., por ter sido objecto da decisão da 1ª Instância, já transitada em julgado, constituindo questão prejudicial na decisão da Relação, não deveria ter sido conhecida pelo Tribunal recorrido?

(3) O acórdão recorrido é nulo, porquanto, como se invoca, o Tribunal recorrido cometeu excesso de pronúncia: a) decidindo eliminar parcialmente a alínea D) dos factos não provados e acrescentar o ponto 65 aos factos provados, alterando a matéria de facto, extravasando os poderes de cognição, apesar de nenhuma das partes ter suscitado a sindicância da matéria de facto assente na 1ª instância; b) outrossim, ao referir que o coeficiente de IPP de 89,9%, não está demonstrado nos autos, quando é certo ter sido arbitrado o coeficiente de IPP de 89,9%, arbitrado pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor/AA, conforme decorre dos factos provados dos pontos 38 e 41 da matéria de facto provada, o Tribunal recorrido cometeu mais uma vez, excesso de pronúncia; c) a par de que ao pedido subsidiário de redução do quantum indemnizatório, arbitrado a título de perda da capacidade aquisitiva futura, formulado pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., falta-lhe o requisito legal básico das conclusões para ser admissível, donde, o Tribunal a quo, ao emitir pronúncia sobre esta questão cometeu, também, excesso de pronúncia?

(4) Considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que o valor atribuído a título de indemnização é inadequado ao caso sub iudice, designadamente, o quantum indemnizatório fixado pela perda de ganho futuro do Autor/AA, que deverá ser diverso, para mais, daqueloutro arbitrado no acórdão recorrido?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados

“1. No dia 4 de Outubro de 2012, pelas 11 horas e 10 minutos, na Avenida …, da cidade e concelho de …, ocorreu um 'acidente de viação' em que foram intervenientes a Autor e o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula …-MR-…, conduzido por DD, …, residente em …, …, …, França e propriedade da empresa EE - Companhia Portuguesa de Aluguer de Viatura, S.A., com morada em …, Edifício …, 3º Piso, … …..

2. Antes do acidente, o Autor havia saído da Escola Secundária de … onde exerceu, naquele dia, as funções de professor e dirigia-se a pé, pelo trajecto normal, para a sua residência habitual, na ocasião, sita na Rua …., n° …, da referida cidade de ….

3. Ao chegar junto da escadaria que dá acesso ao Centro Comercial …., localizada em frente ao estabelecimento denominado “FF”, vindo pelo passeio que ladeia o hotel “GG”, o Autor resolveu atravessar a via para seguir pelo passeio do lado contrário que fica em frente ao HH.

4. O Autor, após verificar que não havia trânsito na via em quaisquer dos sentidos, atravessou-a obliquamente, a partir do passeio junto da referida entrada do Centro Comercial … seguindo na direcção dum poste da EDP colocado no passeio do lado contrário, em frente ao HH e assinalado com a letra A na participação de acidente de viação elaborada pela GNR»

5. O Autor atravessou a via no sentido contrário ao que se indica pela letra L da referida participação da GNR, como ficou a constar no aditamento ao documento 1.

6. Quando o Autor atravessava a referida Avenida e se encontrava na hemifaixa direita de rodagem, atento sentido …/…, foi embatido nas costas, lado esquerdo, pela traseira do veículo …-MR-…, quando este executava uma manobra de marcha atrás, no sentido …/….

7. O Autor não se apercebeu da movimentação do veículo …-MR-… quando este surgiu nas suas costas a executar aquela manobra.

8. A condutora do veículo …-MR-…. iniciou a manobra de marcha atrás, de forma repentina e rápida a mais de 5 metros de distância do local onde o Autor seguia»

9. O veículo …-MR-…, após colher o Autor prosseguiu a marcha atrás por mais alguns metros.

10. O …-MR-… projectou o Autor para o asfalto, onde bateu com a cabeça, na zona do ouvido direito.

11. O Autor ficou inanimado e inerte no solo, tendo nessa zona ficado vestígios de uma mancha de sangue, assinalada, no “croquis” da GNR.

12. Antes da execução da manobra de marcha atrás, o …-MR-…, encontrava-se parado, na metade direita da via, atento o sentido …./….

13. A via onde ocorreu o atropelamento tem a largura de 9,90 metros e configura uma recta de “boa visibilidade”,

14. O tempo estava seco e havia luminosidade de pleno dia.

15. Junto ao passeio do lado direito, atento o sentido …./…, existe uma zona de estacionamento de veículos.

16. A responsabilidade civil decorrente dos acidentes de viação em que interviesse o veículo ….-MR-… encontrava-se transferida para a Ré seguradora, mediante contrato de seguro, em vigor à data do acidente, celebrado pelo proprietário do veículo, titulado pela apólice nº. 004……0.

17. Por carta enviada ao Autor, em 15 de Novembro de 2012, a Ré seguradora comunicou-lhe que assumia 100% da responsabilidade pelo acidente.

18. Na sequência desta assunção de responsabilidade, a partir de 15/11/2012, os serviços médicos da Ré passaram a tratar o Autor.

19. Em 30 de Janeiro de 2013, a Ré acordou pagar ao Autor a quantia de 1.815,806 para ressarcimento dos prejuízos com exames, consultas, medicamentos, transportes e danos materiais, tendo procedido ao pagamento daquele montante em 15/02/2013.

20. Como consequência directa e necessária do acidente resultou para o Autor traumatismo crânio encefálico (TCE), fractura do rochedo direito, nistagmo esquerdo, otorragia e otoliquorraquia direita, hemo tímpano.

21. O Autor foi enviado para o Centro Hospitalar do …, em … e transferido para o Hospital de …. onde ficou internado no serviço de Neurologia-Neurocirurgia, entre o dia 4/10/2012 e 12/10/2012.

22. O Autor esteve três dias na Unidade de Cuidados Intermédios de Neurocirurgia e posteriormente foi transferido para o serviço de Neurocirurgia.

23. Ao terceiro dia de internamento no serviço de Neurocirurgia do …, acordou com parésia parcial periférica direita.

24. A data da alta hospitalar, em 12/10/2012, mantinha a parésia parcial periférica direita, tendo sido orientado para medicina física e reabilitação (MFR), oftalmologia e otorrinolaringologia (ORL).

25. O Autor sujeitou-se a uma período de tratamentos, consultas e exames.

26. Efectuou tratamentos de Fisioterapia facial no Hospital …. em … nos dias, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30, 31 de Outubro de 2012 e 2, 5, 6, 7, 8, 9,12, 13, 14 de Novembro de 2012.

27. Em 2 de Novembro de 2012 o A. foi submetido a Exame audiométrico, na II, cujo resultado refere 'provável, cofose no ouvido direito', em. 3 de Novembro de 2013 foi sujeito a tomografia computorizada dos ouvidos, tendo-se confirmado factura complexa no rochedo temporal direito,

28. Em 15 de Novembro de 2012 foi convocado pela Ré seguradora para comparecer no Hospital de …., no …. para consulta e tratamento.

29. O Autor foi seguido pelos serviços médicos da Ré nas especialidades de ortopedia, neurocirurgia, oftalmologia e otorrinolaringologia.

30. Em 28/11/2012, por incumbência dos serviços médicos da Ré, o Autor foi sujeito a exame oftalmológico do campo visual, no serviço de oftalmologia do Hospital de ….

31. Em 29 de Novembro de 2012 o Autor foi submetido a videonistagmografia pelo Prof. Dr. JJ que apresentou as seguintes conclusões: exame realizado com evidências de assimetria labiríntica e critérios de hiporreflexia vestibular direita.

32. Em 12/03/2013, o Autor foi submetido a Electromiografia da face lateral direita cuja conclusão foi:

• o potencial motor do nervo facial com recepção no músculo orbicular dos olhos tem amplitude à direita de 60% do contralateral e na recepção no orbicular dos lábios tem 40%; a EMG revela no músculo orbicular dos olhos direito sinais de grave lesão neurológica crónica e no orbicular dos olhos sinais de lesão neurológica subaguda (sinais de reinervação colateral em curso);

• estes achados são consistentes com sequelas de grave lesão axonal do nervo facial direito de evolução subaguda/crónica.

33. Em 14/03/2013 compareceu a consulta no serviço de otorrinolaringologia do H. ….

34. Em consequência do acidente em serviço, o Autor esteve com incapacidade total absoluta (ITA) entre o dia 5 de Outubro de 2012 e o dia 2 de Julho de 2013.

35. No dia 2 de Julho de 2013, o Autor foi presente a Junta Médica da ADSE que deliberou por unanimidade dar-lhe alta com incapacidade permanente parcial e fixar-lhe o dia 3 de Julho para se apresentar ao serviço.

36. Na deliberação da Junta Médica da ADSE ficou consignado que o Autor deverá ser presente à Junta Médica da CGA.

37. O Autor apresentou-se ao serviço em 3 de Julho de 2013, tendo a sua reintegração profissional passado pela atribuição de funções não lectivas que passou a desempenhar até 31 de Maio de 2014.

38. No âmbito do processo administrativo do acidente em serviço que correu termos na Caixa Geral de Aposentações, o Autor foi submetido, em 17 de Junho de 2013, a exame médico pela Junta Médica da CGA, tendo os peritos que a integraram proferido o parecer unânime que o Autor, em consequência das descritas lesões, apresenta, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, as seguintes sequelas permanentes, enquadradas nos respectivos capítulos daquela tabela, com os coeficientes de desvalorização parcelares:

a) Nervos Cranianos: Paresia facial parcial (Cap. III 4. 7ª da TNI), coeficiente 20%;

b) Otorrinolaringologia:

b.l) Hipoacusia de origem traumática (Cap. IV 8.1 da TNI), coeficiente 26%;

b.2) Acufenos (Cap, IV 9 da TNI), coeficiente 5%;

b.3) Vertigens (Cap. IV 10 da TNI), coeficiente 5%;

c) Oftalmologia: Alterações do campo visual: Defeitos hemianópsicos num olho único (Cap. V3.6 da TNI), coeficiente 25%.

39. De acordo com o auto de Junta Médica da CGA, a incapacidade que afecta o Autor tem carácter evolutivo.

40. Com data de 17/07/2014, a CGÀ comunicou ao Autor o resultado da Junta Médica, realizada em 17 de Junho de 2014, relativamente ao acidente dos presentes autos.

41. De acordo com o parecer da Junta Médica da CGA das lesões e sequelas sofridas resultou para o Autor uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções de professor, classificando a incapacidade permanente parcial por acidente de trabalho em 89,9%.

42. Em 17/11/2014, a CGA comunicou ao Autor que lhe foi fixada, uma pensão anual vitalícia de 17 082,786, a que corresponde uma pensão mensal de € 1.220,20, e um subsídio por elevada incapacidade permanente, a pagar de uma só vez, de € 3.873,59, decisão com a qual o A. não se conformou, tendo recorrido da mesma.

43. A data do acidente, além da profissão de professor, sendo subscritor da CGA com o número …., o Autor exercia também, a tempo parcial, a profissão de Advogado, sendo portador da cédula profissional nº … e com as respectivas quotas devidas à Ordem dos Advogados em dia.

44. A Junta Médica de Avaliação de Incapacidade Definitiva, realizada no dia 8 de Julho de 2013, por incumbência da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, foi de parecer que o Autor, beneficiário nº 0… da CPAS, se encontra numa situação de incapacidade definitiva para o exercício da sua profissão de advogado desde essa data.

45. Desde o início do ano de 2009 que o vencimento base mensal do Autor como professor passou a ser de € 3.091,82.

46. O Autor nasceu a 13 de Fevereiro de 1954.

47. A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 2 de Julho de 2013 e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 32 pontos, o dano estético é de 1/7, o quantum doloris é de 4/7, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de 2/7, sendo o período de défice funcional temporário total de 9 dias e parcial de 263 dias, sendo o período de repercussão temporário na actividade profissional total de 272 dias. Além disso, as sequelas observadas são impeditivas do exercício das suas actividades habituais e o A. terá necessidade de ajudas medicamentosas permanentes.

48. Em 2009, a remuneração anual do Autor foi de (3 091,826 X 14 meses + 93,946 x 11 meses) 44 318,826 e em 2010 a remuneração anual do Autor foi de 43 390,486, a que acresce o subsídio de refeição no valor de 1 033,346, com o rendimento anual de 44 423,826 e em 2011 ocorreu um corte temporário dos salários a nível nacional, pelo que em 2011 o rendimento apurado foi de €39.859,82, em 2012 de € 34.165,56, acrescido do subsídio de alimentação,

49. A data do acidente o Autor encontrava-se posicionado, desde 1/3/2001, no 9º escalão da carreira docente a que corresponde o índice 340 e o vencimento mensal de 3 091,826, com possibilidade de atingir o 10° escalão a 01/01/2014 (o que não ocorreu face ao congelamento das progressões das carreiras dos funcionários públicos), cujo vencimento base seria de 3 364,636, com o índice 370.

50. Ao longo dos anos, o Autor procedia ao corte da relva do jardim de sua casa e executava outras tarefas de bricolage.

51. Em consequência directa e necessária do sinistro dos autos, o Autor ficou afectado de incapacidade temporária absoluta para o exercício das funções de advocacia, entre o dia 5 de Outubro de 2012 e o dia 7 de Julho de 2013, data da realização da Junta Médica da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, no total de 274 dias.

52. O Autor esteve inscrito no regime da segurança social da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, entre o ano de 1983 e 2012.

53. No ano de 2012, o Autor auferiu o rendimento anual de € 17.460,00, a que corresponde o rendimento médio mensal de € 1.455,00.

54. Antes do acidente, o Autor não tinha qualquer limitação física nas suas actividades profissionais, tinha saúde e era uma pessoa alegre, trabalhadora, robusta e sadia, expedita, diligente e dinâmica.

55. A incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas profissões de professor e advogado provocou no Autor sofrimento.

56. As sequelas de que o A. padece, nomeadamente a perda de audição do ouvido direito, causam desgosto ao A., incapacidade na interacção com os outros, mau humor em ambientes barulhentos, mostrando a sua intolerância perante os familiares e amigos que o acompanhem, o que não acontecia anteriormente.

57.  Com a perda parcial da audição, o Autor sente zumbidos continuamente no ouvido afectado,

58. Entre a data do acidente e a data da alta médica, o Autor viu-se impossibilitado de conduzir e actualmente sente receio em conduzir por estar afectado no campo visual da vista direita, com paresia facial e com vertigens.

59. O Autor ficou impossibilitado de praticar jogging, pois as vertigens que o afectam provocam-lhe tendência a cair para a frente.

60. O Autor tem dificuldades em subir e descer escadas e ao apanhar um objecto do chão tem tendência a cair de cabeça.

61. Quando caminha na rua e roda a cabeça para olhar lateralmente, ao voltar a olhar em frente tende a desequilibrar-se e fica desorientado num ambiente escuro não conseguindo deslocar-se com equilíbrio.

62. Passou, a ter dificuldades em adormecer por causa dos zumbidos contínuos no ouvido direito e acorda durante a noite com sobressaltos.

63. Tem lapsos de memória, o que o entristece e deprime.

64. Tem sintomas depressivos, nomeadamente, desmotivação, anedonia, irritabilidade e cansaço fácil.

65 - Foi paga pela CGA ao autor a importância de 3.873,59 euros a título de subsídio de elevada incapacidade permanente.”

Factos não Provados.

“A) Em consequência do acidente, o Autor é obrigado a contratar terceiros para efectuarem trabalhos de bricolage e cortar relva com o que gasta quantias que até então não gastava.

B) Após o acidente, quando tomou consciência do sucedido, o A. temeu pela sua vida.

C) O Autor sentia enorme satisfação em apreciar todas as potencialidades do som envolvente dos filmes (sistema de surround 5.1) que gostava de ver nas horas de ócio.

D) A CGA procedeu ao pagamento ao A, da pensão e do subsídio por elevada incapacidade permanente (parcialmente eliminado, no tocante ao subsídio por elevada incapacidade, conforme fundamentação infra).”


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/Autor/AA, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


II.3.1. Tendo a 1ª Instância decretado a absolvição da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., do pedido formulado pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, conforme decorre do primeiro segmento da sentença, e com o qual esta se conformou, tal circunstância traduz-se num ganho de causa da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., deixando esta de ter legitimidade para apelar, o que deveria ter sido declarado pelo Tribunal recorrido, uma vez que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido? (1)

A lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

Na verdade, a previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, todavia, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

No caso que nos ocupa, o Recorrente/Autor/AA invoca a ilegitimidade da Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., sustentando que tendo a 1ª Instância decretado a sua absolvição, do pedido formulado pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, conforme decorre do primeiro segmento da sentença, e com o que esta se conformou, tal circunstância traduz-se num ganho de causa da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., importando que esta deixe de ter legitimidade para apelar, o que deveria ter sido declarado, e não foi, pelo Tribunal recorrido, uma vez que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.

Conquanto não ponhamos em causa que a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., foi absolvida, em 1ª Instância, do pedido impetrado pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, conforme decorre do primeiro segmento da sentença, decisão com o que a Interveniente/Caixa Geral de Aposentações se conformou, tal circunstância, contrariamente, ao invocado pelo aqui Recorrente/Autor/AA, não lhe retira, desde já o adiantamos, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a sua legitimidade para recorrer de apelação, na medida em que, como de seguida sustentaremos, a decisão de que recorreu deve ser entendida, como lhe tendo sido desfavorável, importando ter por referência as respectivas conclusões do recurso apresentado, no que a este particular respeita, sendo, por isso, essencial aferir o quadro alegatório que ditará, necessariamente, do prejuízo da Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., importando a respectiva legitimidade “ad recursum”.

A presente questão, enunciada como questão primeira a conhecer na presente revista, enquadrada numa congruente e necessária precedência lógico-jurídica, enunciada pelo Recorrente/Autor/AA, leva-nos a interrogar, discutindo, se o acórdão recorrido postergou o direito adjectivo civil, concretamente, se assumiu entendimento violador do art.º 631º do Código de Processo Civil, ao deixar de reconhecer a falta de legitimidade da Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., para recorrer do aludido segmento da sentença prolatada, que a absolveu, em 1.ª Instância.

Acentuamos, como já adiantado, não assistir, neste particular, qualquer razão ao ora Recorrente/Autor/AA.

Pese embora o pedido formulado pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, tenha sido julgado improcedente pela sentença da 1ª Instância, pronunciamento negativo este, perante o qual a Interveniente/Caixa Geral de Aposentações se quedou inerte, tal facto não invalida que a Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., tenha interesse em que seja reconhecido que a aludida Interveniente/Caixa Geral de Aposentações satisfez prestações pecuniárias, enquanto responsável pela reparação do acidente em serviço, em razão do ajuizado acidente de viação, por ser o Autor/AA também servidor do Estado.

O art.º 631.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, textua que “[s]em prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.”

Destarte, e uma vez indemonstrado o pagamento ao Autor/AA de quaisquer prestações pecuniárias pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, a par da absolvição da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA. do pedido contra si formulado pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, seria de pensar, à primeira vista, que, não havendo decaído a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., nessa parte, vedado lhe estaria a correspondente impugnação recursória, por falta de legitimidade, para o efeito.

Todavia, assim, não é.

Na verdade, e conforme o expressamente ressalvado no inciso inicial do consignado n.º 1, do art.º 631º do Código de Processo Civil, o sequente n.º 2, textua que “[a]s pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.”

Nestes termos, até os terceiros prejudicados com a decisão, podem dela recorrer, e não só quem é parte principal na lide, contanto que - e conforme defende, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Alemida, in, Direito Processual Civil, volume, II, Almedina, página 422, se trate de “um interesse directo, não meramente indirecto ou reflexo, e de um interesse real e efectivo (de ordem prático jurídica ou jurídico-económica), que não de um interesse meramente conjuntural, eventual ou incerto.”

No mesmo sentido, Fernando Amâncio Ferreira, in, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, Almedina, página137, tendo em consideração o normativo adjectivo civil, prevenido no n.º 2, do art.º 680º, do anterior Código de Processo Civil, condizente ao actual e consignado art.º 631.º, do Código de Processo Civil, sustenta que “[s]omente têm legitimidade para recorrer os terceiros que sofram um prejuízo actual e positivo com a decisão que pretendem impugnar.”

E, com manifesta atinência para o caso sub iudice - acrescenta, in, Obra citada, página 138 “Face a letra e ao espírito da norma que confere legitimidade para recorrer ao terceiro prejudicado, é indiferente que este tenha tido ou não intervenção no processo.”

Importa, pois, questionar, por maioria de razão, sendo a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA. parte na demanda, se esta sofreu um prejuízo actual e positivo com a decisão a impugnar, condizente à sua absolvição, quanto ao pedido formulado pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações.  

Dito de outro modo, resultará da sentença da 1.ª Instância (para a esfera da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA, ao julgar improcedente o pedido formulado pela Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, absolvendo a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA, neste particular), algum efectivo, real e directo prejuízo, implicando tal decisão, adversos efeitos para a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA.?

A resposta positiva a esta questão, importará a legitimidade “ad recursum” da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA..

Vejamos.

Analisando a consignada sentença, constatamos que o respectivo negativo veredicto, a respeito do pedido formulado pela Intervenientes/Caixa Geral de Aposentações, ancorou-se num entendimento, fundamentalmente estruturado nos seguintes pontos, que passamos a enunciar:

“Cumpre agora conhecer do pedido de reembolso formulado pela Caixa Geral de Aposentações, alegando a mesma ter de pagar ao A. determinadas quantias por força do acidente de trabalho ocorrido, que é simultaneamente acidente de viação.

Pede a CGA a condenação da R. BB, Companhia de Seguros, S.A.:

a) na reparação dos danos decorrentes do acidente de viação causado pelo condutor seu segurado, isto é, no pagamento à Caixa Geral de Aposentações da importância global de € 203.682,13 (duzentos e três mil seiscentos e oitenta e dois euros e treze cêntimos), necessária para suportar o encargo com as prestações por acidente em serviço atribuídas ao subscritor da CGA n.º …, AA; (…) ou, caso o Tribunal conclua que não assiste à CGA o direito a pedir a condenação da Seguradora no pagamento do capital necessário para pagar as pensões que a CGA pagou e que vai ter que suportar no futuro (…) A condenação da Companhia de Seguros, no futuro, até se perfazer o valor de €203.682,13, a reembolsar a CGA de todas as importâncias que a esta venha a comprovar ter pago ao sinistrado pela reparação do acidente em causa nos autos.

Como aquela incapacidade para o trabalho decorreu das lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente, a CGA reclamante terá direito de regresso na medida das prestações que haja pago ao A., nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro e 46°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11: “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.”.

No caso da CGA, como se disse, esta tem direito de regresso quanto aos terceiros responsáveis.

Em relação aos presentes autos, a CGA não logrou provar que já efectuou qualquer pagamento ao A. por força do acidente dos autos, pelo que nada lhe poderá ser atribuído a este título (…)

Em relação ao cálculo matemático efectuado, verifica-se que o que foi apresentado não corresponde ao cálculo real, face ao recurso dessa decisão, então interposto pelo A., pelo que ainda que se entendesse que a CGA poderia ter direito ao montante indemnizatório por cálculo actuarial (…) no caso concreto também não existem elementos para a sua fixação e condenação.

Na verdade, quando a CGA procede ao pedido de reembolso nos presentes autos, ainda não existia decisão definitiva quanto a essa matéria (não havia, pois, o direito a peticionar tais montantes, pois esse direito ainda não tinha nascido na sua esfera jurídica - art. 46°, n.º 3, do DL 503/99, de 20/11) e nunca foi junta aos autos qualquer certidão que comprove o desfecho de tal processo. O Tribunal não pode, pois, fazer qualquer condenação em termos genéricos, nem substituir-se às partes na prova dos factos alegados.

O pedido da CGA tem de improceder aqui na sua totalidade, sem prejuízo da mesma poder fazer uso do disposto no art. 46°, n.º 4, do referido DL n.º 503/99, de 20/11, suspendendo os pagamentos que tenha que efectuar ao A., por força da decisão agora proferida e do pagamento que a R. venha a efectuar ao A., dispondo assim tal preceito legal:  “Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros ... ”.

Entenda-se que a indemnização fixada pela CGA por acidente em serviço, proveniente do mesmo dano para o A. (dano patrimonial), nunca poderia ser cumulada com a indemnização aqui fixada quanto a dano patrimonial futuro (…)

Razão pela qual se entende que a R. nunca poderia ser condenada a pagar ao A. o montante aqui fixado e o pedido pela CGA, pelo que a CGA, com a sentença dos autos e o pagamento efectuado pela R. ao A. fica desobrigada ao pagamento da pensão/subsídio.

(…) Pelo exposto, de harmonia com as disposições legais citadas, julgo a presente acção parcialmente procedente, e consequentemente, decide-se: 1. Absolver a R. BB - Companhia de Seguros, S.A.. do pedido formulado pela Caixa Geral de Aposentações; (…)”

Por outro lado, cotejadas as conclusões da Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., distinguimos que esta se insurge contra a decisão da 1.ª Instância por considerar não provados os pagamentos alegados pela Caixa Geral de Aposentações (ou, pelo menos de parte deles), concretamente que a Caixa Geral de Aposentações pagou ao Autor/AA, a titulo de pensão por acidente em serviço, a quantia mensal de €2.009,88, entre 1 de Maio de 2014 e 31/12/2017, sendo esta pensão aumentada para €2017,72, entre 1/1/2016 e 31/10/2018, e reduzida para €1.368,44 a partir dessa data, em virtude do pagamento ao Autor, em 18/11/2016, da quantia de €98,244,50, a titulo de capital de remição parcial de pensão, sendo que no documento - em que é identificado como beneficiário daqueles pagamentos o Autor - resulta indicado como sendo de €74.403,84 o montante pago pela CGA e relativo àquela pensão, e de €4.527,80 o montante pago a titulo de subsidio de elevada incapacidade, e, em consequência, não ter deduzido os correspondentes montantes na indemnização que arbitrou para reparação da capacidade de trabalho e de ganho do autor.

Daqui decorre, cremos que de forma clara, o alegado prejuízo da Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., ao deixar de ver deduzido os correspondentes montantes, alegadamente pagas pela Caixa Geral de Aposentações, na arbitrada indemnização para reparação da capacidade de trabalho e de ganho do Autor/AA, em que a Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., foi condenada, que, na verdade, a ser reconhecido o alegado, teria sido em montante inferior, daí o prejuízo da Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA..

Acaso o aresto proferido em 1ª Instância, reconhecesse demonstrado o pagamento das alegadas prestações pecuniárias, por parte da Interveniente/Caixa Geral de Aposentações ao Autor/AA, e simultaneamente reconhecesse a respectiva imputação à arbitrada indemnização, com consequente subtracção desse valor à arbitrada indemnização a satisfazer pela Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., teria esta, assim, e nesta medida, legitimidade para recorrer, enquanto vencida nos autos, porquanto, sublinhamos, pretende a Ré/Apelante/CC - Companhia de Seguros, SA., a consideração daqueles montantes, alegadamente pagos ao Autor/AA, com vista a serem deduzidos no valor arbitrado a titulo de indemnização pela perda de aquisição futura.

Confrontada toda esta linha argumentativa recursiva com o enunciado negativo pronunciamento de 1ª Instância, com que se acaba de finalizar, não vemos como não assentar no alegado, manifesto, efectivo e directo prejuízo daí resultante para os interesses prosseguidos pela Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., conquanto se colha que o acórdão recorrido, conhecendo da questão invocada, tenha perfilhado o entendimento diverso e ao arrepio do pugnado pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., tendo concluído “no caso vertente, a recorrente nada satisfez ao responsável pela reparação do acidente em serviço em razão do acidente de viação, por ser o A. também servidor do Estado. Se o tivesse feito, então sim, haveria lugar a uma duplicação de indemnizações, que não são cumuláveis. Não pode, por isso, ver a sua responsabilidade civil reduzida pelo pagamento parcial de um terceiro, que é um responsável meramente subsidiário ou transitório (…) Nada há, pelo exposto, a deduzir às prestações da responsabilidade da recorrente seguradora.”

Porém, esclarecemos, mais do que o conhecimento substantivo da questão, e para determinar a legitimidade “ad recursum”, importa, isso sim, os termos em que a argumentação recursiva é exposta, reconhecendo-se legitimidade para recorrer, desde que, a litigante, no caso, sustente razões que suportem ter decaído na demanda, ou seja, tenha ficado vencida, podendo, assim, aceder à impugnação recursória, porque pode recorrer nos termos do direito adjectivo civil.

Tudo visto, dúvidas não subsistem que o julgamento proferido pela 1ª Instância, decretando a improcedência do pedido formulado pela Interveniente/Caixa Geral de Depósitos, absolvendo a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., e atenta a argumentação aduzida pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., nas alegações aduzidas, pretendendo o reconhecimento da demonstração de valores pagos pela Interveniene/Caixa Geral de Aposentações ao Autor/AA, que queria ver deduzidos no valor arbitrado a titulo de indemnização pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, evidencia, claramente, inequívoco, directo e relevante prejuízo para a Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA..

Assiste, assim, a nosso ver, à Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA. a concernente legitimidade “ad recursum”, merecendo aprovação, a admissão, processamento e conhecimento do recurso de apelação interposto pela Ré/CC - Companhia de Seguros, SA, donde, nenhum censurável reparo, nos merece a decisão recorrida, ao reconhecer a legimidade da Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA. para recorrer, ou melhor, ao não declarar a sua ilegitimidade para recorrer.


II. 3.2. Não tendo a Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, interposto recurso do primeiro segmento decisório da sentença de 1ª Instância, em que a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., foi absolvida do pedido formulado pela consignada Interveniente/Caixa Geral de Aposentações, essa parte da decisão da 1ª Instância tornou-se definitiva, ou seja, passou a constituir caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado material, dentro e fora do processo, donde, abrangendo a força do caso julgado material com o respectivo efeito preclusivo, para além das questões directamente decididas no dispositivo da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão do julgado, no caso a causa de pedir do requerimento de intervenção da Caixa Geral de Aposentações, a matéria alegada pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., por ter sido objecto da decisão da 1ª Instância, já transitada em julgado, constituindo questão prejudicial na decisão da Relação, não deveria ter sido conhecida pelo Tribunal recorrido? (2)

O caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respectivo trânsito em julgado (artºs. 619º, n.º 1, e 628º, ambos do Código de Processo Civil).

Conforme decorre da lei adjectiva civil, o instituto do caso julgado constitui excepção dilatória (art.º 577º i), do Código de Processo Civil) de conhecimento oficioso (art.º 578º do Código de Processo Civil) que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (art.º 576º, do Código de Processo Civil).

O conhecimento do caso julgado pode ser perspectivado através de duas vertentes distintas, que de todo se podem confundir, mas complementam-se, reportando-se uma à excepção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre o objecto em debate).

A este propósito, sustenta, Rodrigues Bastos, in, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61. “(...) enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.

Ao definir a aplicação dos conceitos de excepção do caso julgado e de autoridade do caso julgado, Miguel Teixeira de Sousa, in, O objecto da sentença e o caso julgado material, in, Boletim do Ministério da Justiça, 325/171 e seguintes, defende que “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...).Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente”.

Na Jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2017, in, www.dgsi.pt, consignou “objectivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado; do ponto de vista subjectivo, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram, embora se possa projectar, conforme o caso, na esfera jurídica de terceiros”.

Atendendo ao consignado quadro normativo, doutrinal e jurisprudencial, importa agora conhecer deste segmento da revista interposta, atinente à invocada autoridade de caso julgado material, dentro do processo, uma vez que na opinião do Recorrente/Autor/AA, a circunstância de a Interveniente/Caixa Geral de Aposentações se ter conformado com a improcedência do pedido formulado contra a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., e consequente absolvição (primeiro segmento decisório da sentença da 1ª Instância), essa parte da decisão tornou-se definitiva, com o respectivo efeito preclusivo que abrange, para além das questões directamente decididas no dispositivo da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão do julgado, no caso em apreço, a causa de pedir do requerimento de Intervenção da Caixa Geral de Aposentações.

Cremos, todavia, que também neste segmento da revista, carece de fundamento a argumentação aduzida pelo Recorrente/Autor/AA.

Chamando à colação tudo quanto enunciamos no precedente segmento deste acórdão, acerca da legitimidade da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., para recorrer de apelação, temos de convir que a invocada autoridade de caso julgado material não procede, na medida em que, como já adiantamos, conquanto se reconheça o inconformismo da Interveniente/Caixa Geral de Aposentações quanto à decretada improcedência do pedido formulado contra a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., consignado no primeiro segmento decisório da sentença da 1ª Instância, certo é que a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA. se insurgiu contra os antecedentes lógicos aduzidos e que sustentaram a emissão do julgado, de tal sorte que, como vimos, este Tribunal ad quem, reconheceu-lhe legitimidade “ad recursum”.

Na verdade, escrutinadas as conclusões da Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., distinguimos que esta se insurge contra a decisão da 1.ª Instância por considerar não provados os pagamentos alegados pela Caixa Geral de Aposentações (ou, pelo menos de parte deles), e, em consequência, não ter o Tribunal de 1ª Instância, deduzido os correspondentes montantes, na indemnização que arbitrou para reparação da capacidade de trabalho e de ganho do Autor/AA, donde resulta, salvo o devido respeito por opinião contrária, ao ter sido colocado em causa, os antecedentes lógicos aduzidos e que sustentaram a emissão do julgado, enunciado e decretado no primeiro segmento decisório da sentença da 1ª Instância, estar arredado o reconhecimento da arrogada autoridade de caso jugado.


Tudo visto, cremos poder concluir, na decorrência de tudo quanto já foi referido no precedente segmento desta revista, atinente à reconhecida legitimidade ad recursum da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., pela não verificação de qualquer efeito preclusivo decorrente da força e autoridade do caso julgado, pois, a relação jurídica material adiantada pelo Recorrente/Autor/AA, concretamente, os antecedentes lógicos aduzidos e que sustentaram a emissão do julgado, foram colocados em causa, donde não foram definidos, nem tornados definitivos, pelo que, não está em causa a ofensa da segurança jurídica, tanto mais que a decisão que se pretende que aprecie a decisão recorrida, não é, de todo, inútil.

Pelo exposto, no que tange a este segmento do recurso de revista, concluímos, sem reserva, pela improcedência da argumentação esgrimida nas conclusões apresentadas pelo Recorrente/Autor/AA.


II. 3.3. O acórdão recorrido é nulo, porquanto, como se invoca, o Tribunal recorrido cometeu excesso de pronúncia: a) decidindo eliminar parcialmente a alínea D) dos factos não provados e acrescentar o ponto 65 aos factos provados, alterando a matéria de facto, extravasando os poderes de cognição, apesar de nenhuma das partes ter suscitado a sindicância da matéria de facto assente na 1ª instância; b) outrossim, ao referir que o coeficiente de IPP de 89,9%, não está demonstrado nos autos, quando é certo ter sido arbitrado o coeficiente de IPP de 89,9%, arbitrado pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor/AA, conforme decorre dos factos provados dos pontos 38 e 41 da matéria de facto provada, o Tribunal recorrido cometeu mais uma vez, excesso de pronúncia; c) a par de que ao pedido subsidiário de redução do quantum indemnizatório, arbitrado a título de perda da capacidade aquisitiva futura, formulado pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., falta-lhe o requisito legal básico das conclusões para ser admissível, donde, o Tribunal a quo, ao emitir pronúncia sobre esta questão cometeu, também, excesso de pronúncia? (3)

O direito adjectivo civil enumera, imperativamente, no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

Como já antecipamos, e no que ao caso em apreço interessa, os vícios da nulidade do acórdão correspondentes aos casos de ininteligibilidade do discurso decisório quando o Tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, conforme decorre da argumentação esgrimida pelo Recorrente/Autor/AA, está, convenhamos, directamente relacionada com o comando fixado na lei adjectiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões, e só estas, que as partes tenham submetido à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras) e aqueloutras que a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, sem esquecer que deverá fundamentar sempre as respectivas decisões, discriminando os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

A enunciada disposição adjectiva civil (alínea d) do nº. 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil) correspondendo ao preceito plasmado no direito adjectivo civil, anteriormente em vigor, qual seja, o art.º 688º alínea d), do Código de Processo Civil, suscita, de há muito tempo a esta parte, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão “questões“ ali empregue, o que é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico do Professor Alberto dos Reis, in, Código de Processo Civil Anotado, 5ª edição, que na página 54 escreve “assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)“.

Nesta esteira, Doutrina e Jurisprudência têm distinguido, por um lado, “questões“ e, por outro, “razões“ ou “argumentos“, concluindo que só o excesso de apreciação das primeiras – das “questões“ – integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não o mero excesso de discussão das “razões“ ou “argumentos“ invocados para concluir sobre as questões, neste sentido, Alberto dos Reis, obra e volume citado página 143; Revista dos Tribunais, 89º-456 e 90º-219.

Reconhecemos cabimento, enfatizar que neste particular do excesso de pronúncia, o vicio a que se reporta o direito adjectivo civil traduz-se no incumprimento, por parte do Juiz do dever prescrito no art.º 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e, como vem sendo decidido pelo nossos Tribunais, acentuamos, o vício determinante da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, corresponde a casos em que o Tribunal conhece de questões que não deveria conhecer ou apreciar, neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2016, in, www.dgsi.pt.

O vício determinante da nulidade da sentença, nos termos enunciados corresponde a casos de ininteligibilidade do discurso decisório por apreciar questões a que o Tribunal não foi chamado a dirimir (excesso de pronúncia).

É um vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada, neste sentido, Abílio Neto, in, Código de Processo Civil, Anotado, 22ª edição, página 948.

Atentemos, pois, se o aresto recorrido padece da invocada nulidade.

Escrutinado o acórdão recorrido, divisamos que este está estruturado segundo um formalismo suportado num relatório onde se mencionam as posições assumidas pelas partes, com referência aos pedidos formulados, e onde se consignam as vicissitudes do pleito, ao que se segue a facticidade apurada, precedida das questões que importa conhecer, seguida da análise jurídica, com subsunção jurídica dos factos provados, concluindo pelo segmento decisório. Ou seja, o aresto, agora sob escrutínio, cumpre escrupulosamente o formalismo prevenido na lei adjectiva civil ao estabelecer que o acórdão deve identificar as partes e o objecto do litígio, sem deixar de fixar as questões que ao Tribunal cumpre conhecer, ao que se seguem os fundamentos, devendo o Tribunal discriminar os factos que considera provados, cuidando não só de indicar, mas também interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pelo dispositivo que consubstancia a decisão final.

Sustenta o Recorrente/Autor/AA que (a)) o Tribunal recorrido ao decidir eliminar parcialmente a alínea D) dos factos não provados e acrescentar o ponto 65 aos factos provados, alterando a matéria de facto, extravasou os poderes de cognição, apesar de nenhuma das partes ter suscitado a sindicância da matéria de facto assente na 1ª instância.

Como sabemos, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, com ressalva dos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, conforme consagrado nos termos do art.º 607º n.º 5, do Código de Processo Civil, essa matéria de facto é, em princípio, inalterável.

A decisão da lª Instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos estabelecidos no art.º 662º, do Código de Processo Civil, ou seja:

1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na lª Instância.

No caso em apreço, torna-se claro, ao cotejar as alegações de recurso da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., ter esta impugnado a decisão de facto, pelo que, se nos é permitido, consignamos, de seguida, algumas das conclusões aduzidas que o evidenciam.

Assim;

“A)     Numa decisão que, salvo o devido respeito, não pode deixar de ser surpreendente - porventura uma “decisão surpresa” -, considerando não ter resultado provado que a CGA tivesse pago qualquer quantia ao Recorrente, pura e simplesmente, ignorou, a M.ª Juiz a quo, o reconhecido direito a esse recebimento e, não obstante consignar o entendimento de que tais indemnizações não poderiam ser cumuladas, calculou (mal, como se espera demonstrar) os montantes compensatórios a que o Recorrido teria direito e pelo qual será responsável a Recorrente.

“C)    Não se compreende, desde logo, a consideração de “não provado” dos pagamentos alegados pela CGA (ou, pelo menos de parte deles) porquanto tal consideração contraria não só a posição das partes, mas, o que não deixará de ser relevante, documentos juntos pela Interveniente aos autos, que o Recorrido, indicado nos mesmos como beneficiário desses pagamentos, não impugnou.

D)       Verifica-se, aliás, desde logo, pelo documento junto como Doc. nº 4 pela Interveniente, em 3 de Maio de 2017 (referência citius 2…2) - documento que foi notificado o recorrido e que este não impugnou, o que não pode deixar de ser relevado - que a CGA pagou ao Recorrente, a titulo de pensão por acidente em serviço, a quantia mensal de 2.009,88€, entre 1 de Maio de 2014 e 31/12/2017, sendo esta pensão aumentada para 2017,72€ entre 1/1/2016 e 31/10/2018 e reduzida para 1.368,44€ a partir dessa data, em virtude do pagamento ao Recorrido em 18/11/2016, da quantia de 98,244,50€ a titulo de capital de remição parcial de pensão, daquele documento - em que é identificado como beneficiário daqueles pagamentos o Recorrido - resulta indicado como sendo de 74.403,84€ o montante pago pela CGA e relativo àquela pensão, e de 4.527,80€ o montante pago a titulo de subsidio de elevada incapacidade,

E)    Apesar disso, não foi, qualquer destes pagamentos, considerado pela M.ª Juiz a quo que, contrariando a posição das partes, entendeu não ter resultado provado que o Recorrido tivesse recebido qualquer quantia por parte da CGA, fazendo-o, naturalmente, em manifesta violação de que dispõe o n° 4 do artigo 607° do CPC.

H) Não é, de facto, salvo o devido respeito, admissível que se ignore, como fez a douta sentença recorrida, que, ainda que não tenha recebido qualquer quantia da CGA - terá sido esse o pressuposto subjacente à douta decisão recorrida -ao Recorrido AA, foi reconhecido o direito a receber da CGA determinadas quantias que constituirão, uma vez pagas (ainda que coercivamente, por exigência do Recorrido) a compensação (parcial) do prejuízo patrimonial sofrido, não podendo, tal dano, ser compensado "uma segunda vez" como parece resultar da douta sentença recorrida, assim gerando um enriquecimento sem causa do Recorrido, liminarmente proibido pelos princípios do direito civil,

I) Esta situação - de efectivo recebimento, pelo Recorrido, de montantes a título de pensão – encontra-se, aliás, bem evidenciada pelas declarações de IRS do Recorrido, respeitantes aos anos de 2013 e 2014 (juntas aos autos peio Recorrido, após grande esforço para não o fazer, em 10 de Fevereiro de 2018 - requerimento com a referência citíus 2….4) – cuja análise mais criteriosa teria determinado resposta diversa por parte da M.ª Juiz a quo.

J) Do mesmo modo se deverá ponderar o recebimento pelo Recorrido da pensão de incapacidade por parte da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, documentalmente evidenciada nos autos e completamente ignorada peia M.ª Juiz a quo, resultando, da conjugação destas duas compensações a que o Recorrido tem direito, uma evidência que se traduz no facto de o Recorrido ter efectivamente, tido, em resultado do acidente dos autos, uma privação de ganhos futuros, que, feitas as contas, não excederá a quantia mensal de 2.000,00€.

K) São, assim, demasiadas as evidências de que o Recorrido foi já, parcialmente, compensado pelos danos sofridos com o acidente dos autos, em sede de perda de rendimentos futuros, pelo que não poderia o Tribunal a quo - como não poderá este Venerando Tribunal - ignorar tais pagamentos (ou, pelo menos, o direito do Recorrido ao seu recebimento, devendo, deduzir essas importâncias - recebidas ou a receber pelo Recorrido, é indiferente - no montante compensatório a fixar, sob pena de lhe ser proporcionado um enriquecimento ilícito, traduzido na circunstância de receber de duas (no caso, até três!) entidades distintas, compensações pelos mesmos danos sofridos, que, na situação em apreço, se traduziu na perda de rendimento futuro de 2.500,00€.

L) Todos estes aspectos deveriam ter sido ponderados pelo Tribunal a quo, ao não o fazer, violou, de forma grosseira, o princípio geral enunciado no n° 1 do artigo 483° do C, Civil, desprezando todos os elementos trazidos aos autos pelas partes e a posição das mesmas -no que a esta questão importa, do próprio Recorrido, fundamental por se tratar de factos que lhe eram pessoais - sobre tais elementos.

O) Ao decidir como decidiu violou a douta sentença recorrida o disposto nos n°s.1 e 4 do artigo 607° do CPC e no nº 1 do artigo 483° do Código Civil, devendo ser alterada.”

Tudo visto, confrontadas que foram as conclusões apresentadas e enunciadas, cremos ser apodíctico afirmar que o Tribunal recorrido, não cometeu excesso de pronuncia, ao decidir eliminar parcialmente a alínea D) dos factos não provados e acrescentar o ponto 65 aos factos provados, alterando a matéria de facto, na medida em que, como vimos, conheceu de questão que lhe competia, observando-se, no entanto que este Tribunal ad quem, relativamente à decisão de facto propriamente dita, e nos termos exarados, não a poderá sindicar, anotando-se que o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil estatui “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código de Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, como insofismável, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, como é o caso, acentuando-se, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocada, e reconhecida, a violação de lei adjectiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena, sendo, pois, a decisão de facto, da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), pelo que, concluímos, o Supremo Tribunal de Justiça não deve, nem pode, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito.


Outrossim, invoca o Recorrente/Autor/AA que (b)) o Tribunal recorrido ao referir que o coeficiente de IPP de 89,9%, não está demonstrado nos autos, quando é certo ter sido arbitrado o coeficiente de IPP de 89,9%, arbitrado pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor/AA, conforme decorre dos factos provados dos pontos 38 e 41 da matéria de facto provada, cometeu mais uma vez, excesso de pronúncia.

Também aqui, entendemos que não houve qualquer excesso de pronúncia, por parte do Tribunal recorrido, pois, o que do aresto recorrido consta a este respeito, salvo o devido respeito por opinião contrária, é bem diferente do consignado pelo Recorrente/Autor/AA.

Na verdade, o acórdão recorrido não esquece que o Autor/AA foi observado em sede de junta médica da Caixa Geral de Aposentações, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade de 89,9%, tão pouco, o aresto recorrido deixa passar em claro que o procedimento de atribuição da incapacidade pela Caixa Geral de Aposentações, é um procedimento administrativo no qual a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., não teve intervenção e não teve conhecimento a não ser após a decisão final.

Ademais, resulta adquirido, conforme consignado no arresto recorrido, que o Autor/AA foi observado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, no âmbito dos presentes autos, sendo que a realizada perícia, tendo por base a tabela de dano corporal em direito civil, atribuiu ao Autor/AA, uma incapacidade de 32%.

Assim, uma vez que a perícia realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal foi efectuada nos presentes autos, e a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., teve a possibilidade de participação na mesma, podendo pronunciar-se sobre os quesitos, solicitar esclarecimentos, apresentar reclamações aos relatórios elaborados, isto é, foi-lhe sempre facultado o direito ao contraditório, não podia, conforme se expressa no acórdão recorrido, ser considerada a incapacidade de 89,9% atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, que utiliza tabelas diferentes daquela que foi aplicada no relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal - Tabela do dano corporal em direito civil - e na qual a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., não teve qualquer intervenção e não teve por isso oportunidade de assegurar a sua defesa.

Pelo exposto, soçobrará também a invocada nulidade do aresto, que alegadamente cometeu excesso de pronúncia, porquanto, como vimos, não convence a afirmação do Recorrente/Autor/AA de que o acórdão recorrido, ignorou ou faltou à verdade, quando alegadamente refere que não tinha sido atribuída uma incapacidade de 89,9% ao Autor/AA, pela junta médica da Caixa Geral de Aposentações.

Finalmente, sustenta o Recorrente/Autor/AA que (c)) o Tribunal recorrido ao conhecer do pedido subsidiário de redução do quantum indemnizatório, arbitrado a título de perda da capacidade aquisitiva futura, formulado pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., não cuidou de reconhecer faltar-lhe o requisito legal básico das conclusões para ser admissível, donde, ao emitir pronúncia sobre esta questão cometeu, também, excesso de pronúncia.

Estabelece o direito adjectivo civil, acerca dos recursos, o ónus de alegar e formular conclusões.

Assim textua o art.º 639º do Código de Processo Civil “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 -Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.”

Por outro lado, estatui o art.º 637º do Código de Processo Civil “2 - O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade (…)”, sendo que o art.º  641º estabelece “2 - O requerimento é indeferido quando: b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.”


Cremos que também, neste particular, a arguida nulidade do acórdão recorrido, terá que soçobrar, na medida em que julgamos que as conclusões apresentadas pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., preenchem, suficientemente, o propósito com que a Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., pretende ver reapreciada a atribuição do quantum indemnizatório, pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA.

Pese embora se conceba opinião diversa, entendemos que as alegações apresentadas pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., cumprem o ónus de alegar e formular conclusões, atinente à pretendida reapreciação do fixado quantum indemnizatório, ao Autor/AA, a título de perda de capacidade aquisitiva futura, sendo suficiente cotejarmos as conclusões de recurso apresentadas, para daí concluirmos pelo inequívoco cumprimento do ónus, o que, de resto, o ora Recorrente/Autor/AA, manifestamente percebeu, e o Tribunal recorrido, e bem, considerou.

Não nos dispensamos, porém, mesmo assim, de reproduzir, adiante, as conclusões aduzidas, na oportunidade, pela Apelante/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA..

“A) Numa decisão que, salvo o devido respeito, não pode deixar de ser surpreendente - porventura uma "decisão surpresa" -, considerando não ter resultado provado que a CGA tivesse pago qualquer quantia ao Recorrente, pura e simplesmente, ignorou, a M.ª Juiz a quo, o reconhecido direito a esse recebimento e, não obstante consignar o entendimento de que tais indemnizações não poderiam ser cumuladas, calculou (mal, como se espera demonstrar) os montantes compensatórios a que o Recorrido teria direito e pelo qual será responsável a Recorrente.

B) Com tal entendimento, que, não obstante douto se revela totalmente despropositado, fixou montantes compensatórios, que, de forma evidente, constituem uma situação de enriquecimento sem causa do Recorrido a quem, afinal, é reconhecido o direito de cumular duas indemnizações, reconhecidas como não cumuláveis peia M.ª Juiz a quo,

C) Não se compreende, desde logo, a consideração de "não provado" dos pagamentos alegados pela CGA (ou, pelo menos de parte deles) porquanto tal consideração contraria não só a posição das partes, mas, o que não deixará de ser relevante, documentos juntos pela Interveniente aos autos, que o Recorrido, indicado nos mesmos como beneficiário desses pagamentos, não impugnou.

D) Verifica-se, aliás, desde logo, pelo documento junto como Doc. n° 4 pela Interveniente, em 3 de Maio de 2017 (referência citius 2…2) - documento que foi notificado o recorrido e que este não impugnou, o que não pode deixar de ser relevado - que a CGA pagou ao Recorrente, a titulo de pensão por acidente em serviço, a quantia mensal de 2.009,88€, entre 1 de Maio de 2014 e 31/12/2017, sendo esta pensão aumentada para 2017,72€ entre 1/1/2016 e 31/10/2018 e reduzida para 1.368,44€ a partir dessa data, em virtude do pagamento ao Recorrido em 18/11/2016, da quantia de 98,244,50€ a titulo de capital de remição parcial de pensão, daquele documento - em que é identificado como beneficiário daqueles pagamentos o Recorrido - resulta indicado como sendo de 74.403,84€ o montante pago pela CGA e relativo àquela pensão, e de 4.527,80€ o montante pago a titulo de subsidio de elevada incapacidade,

E) Apesar disso, não foi, qualquer destes pagamentos, considerado pela M.ª Juiz a quo que, contrariando a posição das partes, entendeu não ter resultado provado que o Recorrido tivesse recebido qualquer quantia por parte da CGA, fazendo-o, naturalmente, em manifesta violação de que dispõe o n° 4 do artigo 807° do CPC.

F) A posição de todas as partes no processo não permitia que fosse posta em causa a consideração do acidente como "acidente de serviço" e o reconhecimento, por decisão do Supremo Tribunal Administrativo, transitada em julgado, do direito do Recorrido a receber, da interveniente, quantia compensatória do dano patrimonial sofrido com a privação do exercício da sua actividade docente.

G) Trata-se de uma verdadeira decisão surpresa que deveria ter sido, pelo menos prevenida pela M.ª Juiz a quo, e que seguramente teria sido, desde que a M.ª Juiz a quo tivesse feito uso de poder/dever inserto no n° 1 do artigo 607° do CPC, competência que se considera, atenta a gravidade da situação e a repercussão da sua apreciação em sede de decisão de mérito, dever ter sido usada pela Mª Juiz a quo.

H) Não é, de facto, salvo o devido respeito, admissível que se ignore, como fez a douta sentença recorrida, que, ainda que não tenha recebido qualquer quantia da CGA - terá sido esse o pressuposto subjacente à douta decisão recorrida -ao Recorrido AA, foi reconhecido o direito a receber da CGA determinadas quantias que constituirão, uma vez pagas (ainda que coercivamente, por exigência do Recorrido) a compensação (parcial) do prejuízo patrimonial sofrido, não podendo, tal dano, ser compensado "uma segunda vez" como parece resultar da douta sentença recorrida, assim gerando um enriquecimento sem causa do Recorrido, liminarmente proibido pelos princípios do direito civil,

I) Esta situação - de efectivo recebimento, pelo Recorrido, de montantes a título de pensão – encontra-se, aliás, bem evidenciada pelas declarações de IRS do Recorrido, respeitantes aos anos de 2013 e 2014 (juntas aos autos peio Recorrido, após grande esforço para não o fazer, em 10 de Fevereiro de 2018 - requerimento com a referência citíus 2…4) – cuja análise mais criteriosa teria determinado resposta diversa por parte da M.ª Juiz a quo.

J) Do mesmo modo se deverá ponderar o recebimento pelo Recorrido da pensão de incapacidade por parte da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, documentalmente evidenciada nos autos e completamente ignorada peia M.ª Juiz a quo, resultando, da conjugação destas duas compensações a que o Recorrido tem direito, uma evidência que se traduz no facto de o Recorrido ter efectivamente, tido, em resultado do acidente dos autos, uma privação de ganhos futuros, que, feitas as contas, não excederá a quantia mensal de 2.000,00€.

K) São, assim, demasiadas as evidências de que o Recorrido foi já, parcialmente, compensado pelos danos sofridos com o acidente dos autos, em sede de perda de rendimentos futuros, pelo que não poderia o Tribunal a quo - como não poderá este Venerando Tribunal - ignorar tais pagamentos (ou, pelo menos, o direito do Recorrido ao seu recebimento, devendo, deduzir essas importâncias - recebidas ou a receber pelo Recorrido, é indiferente - no montante compensatório a fixar, sob pena de lhe ser proporcionado um enriquecimento ilícito, traduzido na circunstância de receber de duas (no caso, até três!) entidades distintas, compensações pelos mesmos danos sofridos, que, na situação em apreço, se traduziu na perda de rendimento futuro de 2.500,00€.

L) Todos estes aspectos deveriam ter sido ponderados peio Tribunal a quo, ao não o fazer, violou, de forma grosseira, o princípio geral enunciado no n° 1 do artigo 483° do C, Civil, desprezando todos os elementos trazidos aos autos pelas partes e a posição das mesmas - no que a esta questão importa, do próprio Recorrido, fundamental por se tratar de factos que lhe eram pessoais - sobre tais elementos.

M) Assim considerando, deve ser ponderado um rendimento mensal de 2.000,00€ pelas duas actividades, sendo, sobre este, aplicado o coeficiente de 32% e as demais condicionantes referidas no corpo destas alegações, sendo assim de 75.000,00€, o montante compensatório a fixar pela perda de ganho do Recorrido até perfazer 70 anos.

N) Ainda que estes pressupostos não fossem relevados pelo Venerando Tribunal ad quem - o que não se aceita mas deve admitir-se por mera cautela de raciocínio - sempre teriam de considerar-se mal calculados os montantes indemnizatórios pela perda de ganho futuro pelo Recorrido que, mesmo com os pressupostos enunciados na douta sentença recorrida com recurso deverão ser de; 150.801,23 €, para compensação da privação do rendimento resultante da actividade docente e de 68.375,93 €, para compensação da privação do rendimento resultante da actividade de Advogado, sendo estes montantes aqueles que, subsidiariamente, na hipótese de não serem considerados os pressupostos acima enunciados, se reclamam como adequados a promover a compensação do Recorrido pela perda da capacidade de ganho, deixando à relação entre o Recorrido e a Caixa Geral de Aposentações o acerto de quaisquer contas que entendam dever fazer.

O) Ao decidir como decidiu violou a douta sentença recorrida o disposto nos n°s.1 e 4 do artigo 607° do CPC e no n° 1 do artigo 483° do Código Civil, devendo ser alterada.”


Tudo visto, e no que a esta particular questão da arguida nulidade respeita, e na reconhecida inteligibilidade do discurso decisório, não podemos concordar com a posição assumida pelo Recorrente/Autor/AA ao invocar a nulidade do aresto, sustentada no excesso de pronuncia, e, acreditando ser despiciendo outras considerações a este respeito, rematamos dizendo que soçobra, nesta conformidade, e nesta parte, a revista interposta.


II. 3.4. Considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que o valor atribuído a título de indemnização é inadequado ao caso sub iudice, designadamente, o quantum indemnizatório fixado pela perda de ganho futuro do Autor/AA, que deverá ser diverso, para mais, daqueloutro arbitrado no acórdão recorrido? (4)

O acidente de viação não é uma estática mas uma dinâmica, daí que os factos enunciados como demonstrados foram interpretados numa perspectiva crítica, tendo o Tribunal a quo apurado aqueles que tiveram a virtualidade de, só por si, desencadearem todo o nexo causal e necessário ao evento, concluindo que a condutora do veículo segurado da Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., ao ofender os princípios de diligência a que estava obrigada no exercício da respectiva condução, agiu com culpa exclusiva, determinando a ocorrência do acidente ajuizado.

Os litigantes não questionam a culpa na eclosão do acidente, aceitando-a, conformando-se, nesta parte, com a decisão proferida em 1ª Instância, e sufragada pela Relação, pugnando o Recorrente/Autor/AA, isso sim, como já adiantamos, pela errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, uma vez que, em sua opinião, os valores atribuídos a título de indemnização são inadequados, concretamente, o quantum indemnizatório fixado pela perda de ganho futuro do Autor/AA é desajustado, impondo-se arbitrar um valor superior ao fixado no acórdão recorrido.

Incontestada a assacada responsabilidade na eclosão do acidente há que determinar o quantum indemnizatório, atinente aos danos sofridos, enquanto questão essencial, trazida a este Tribunal ad quem.

Recolhemos do aresto em escrutínio, fundamentação para a fixação do valor atribuído pela perda de capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, a merecer reparos, no entanto, como adiante consignaremos.

Sendo o nexo causal um dos pressupostos da responsabilidade civil, o nosso ordenamento jurídico acolheu nos artºs. 483º e 563º do Código Civil a teoria da causalidade adequada, reportando-se esta a “todo o processo causal, a todo o encadeamento de factos que, em concreto, deram origem ao dano, e não à causa/efeito, isoladamente considerados” - neste sentido, Pessoa Jorge, in, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil - sustentando, de igual modo, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, página 865 “do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - Código Civil art.º 562º - é o que se designa pelo principio da reparação in pristinum.

Este normativo substantivo civil, consagra o princípio da reconstituição natural, entendendo-se por dano, sufragando Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, 7ª edição, página 591, “a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar”.

Os danos patrimoniais, para o que aqui interessa, compreendem, não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, ou seja, os danos emergentes e lucros cessantes.

A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não é possível, não repara integralmente os danos, ou, seja excessivamente onerosa para o devedor - Código Civil art.º 566º n.º 1 - sendo que a indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos - Código Civil art.º 566º n.º 2 - sem deixar de se avaliar, em concreto, o dano sofrido.


Apreciemos as particularidades atinentes ao ressarcimento dos danos patrimoniais, posto em causa com a interposição do presente recurso, pelo Recorrente/Autor/AA, concretamente, decorrente da respectiva perda da capacidade aquisitiva futura.

Diverge o Recorrente/Autor/AA dos critérios seguidos no acórdão recorrido para a determinação do quantum indemnizatório, fixado pela perda da respectiva capacidade aquisitiva futura, adiantando que no caso sub judice, a aferição do montante arbitrado ao Recorrente/Autor/AA, sob o juízo de equidade, pela 1ª Instância não se afastou muito do montante ajustado (b) a título de dano pela perda da capacidade de ganho e pela incapacidade permanente total para as profissões habituais, a quantia global de €988.000,00 (novecentos e oitenta e oito mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento), ao invés, o Tribunal da Relação do Porto reduziu o montante que a 1ª Instância tinha arbitrado, em mais de meio milhão de euros, (alteram o montante da condenação fixada pela 1.ª instância a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros sofridos pelo autor pela perda da capacidade de trabalho e de ganho (al. b) da parte decisória) para € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), acrescidos de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento), sendo, desajustado, uma vez que entende ser adequada a fixação de indemnizada em valor condizente a €1.228.670,00, acrescida dos juros legais desde a citação.

Recolhemos do acórdão recorrido, fundamentação para a fixação do valor atribuído como indemnização pela perda da capacidade aquisitiva futura, por parte do Autor/AA, enquanto dano patrimonial, apelando a um juízo de equidade, a par das razões que suportam o arbitrado quantum indemnizatório fixado.

Contudo, questão diversa é apurar-se da bondade da consignada fundamentação que conduziu o Tribunal recorrido a arbitrar o valor de €400.000,00, como indemnização, pela perda da capacidade aquisitiva futura, por parte do Autor/AA.

Reconhecendo-se que se deve atender aos danos futuros, desde que previsíveis, importa adiantar como calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do Autor/AA, e a incapacidade que o afecta, a par de que exercia as funções de professor e advogado (a tempo parcial), tudo o mais é aleatório.

É sobejamente reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, quanto ao tempo de vida do lesado, quanto ao tempo de vida com capacidade de ganho, a par de outras circunstâncias atinentes à capacidade de trabalho poder vir a ser afectada por doença ou acidente, a própria evolução salarial, hoje mais do que nunca, de uma imprevisibilidade evidente, a manutenção do emprego, cada vez mais incerta, os próprios índices de inflação, entre outros.

Atendendo à delicadeza desta realidade, com a qual somos confrontados, deitamos mão da previsão legal contida no n.º 3, do art.º 566°, do Código Civil, daí que haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos. Se não puder ser quantificado, em termos de exactidão, o montante desses danos, julgará o tribunal equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto no art.º 566º, n.º 3, do Código Civil.

Perante a constatação das dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, e perante a diversidade de resultados obtidos com o recurso a critérios tão diferentes que oscilaram entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões por incapacidade laboral e sua remição, que depressa foi abandonado, o recurso às tabelas financeiras, às fórmulas matemáticas, de fraca adesão, além de outros critérios, há que trilhar caminho seguro na apreciação desta temática.

Aqueles enunciados critérios foram sucessivamente perfilhados por decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, todavia, não deixaram de lhes reconhecer, somente, a natureza de índices meramente informadores da fixação do cálculo, simples instrumentos auxiliares de orientação, não dispensando o recurso à equidade, que pressupõe uma solução em sintonia com a lógica e o bom senso, com apelo às regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem submissão, porém, a critérios subjectivos de ponderação, tendo sempre em devida conta a gravidade do dano.



A Jurisprudência tende a defender dever-se confiar no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade, todavia, seja qual for o critério norteador (já que todos os critérios seguidos não são vinculativos, são meramente indiciários), haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, mais uma vez sublinhamos, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

Como calcular, então, o quantum indemnizatório, para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura?

Sublinhamos que o cálculo do quantum indemnizatório, fixado para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, tem, necessariamente, por base, critérios de equidade que assenta numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, que, de todo, colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Na Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2014 (Processo n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2016 (Processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 (Processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), in, www.dgsi.pt.

Revertendo ao caso sub iudice, relembremos os factos apurados, no que interessa para o quantum indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura:

“1. No dia 4 de Outubro de 2012, pelas 11 horas e 10 minutos, na Avenida …, da cidade e concelho de …, ocorreu um 'acidente de viação' em que foram intervenientes a Autor e o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula …-MR-… (…).

16. A responsabilidade civil decorrente dos acidentes de viação em que interviesse o veículo ...-MR-... encontrava-se transferida para a Ré seguradora, mediante contrato de seguro, em vigor à data do acidente (…)

35. No dia 2 de Julho de 2013, o Autor foi presente a Junta Médica da ADSE que deliberou por unanimidade dar-lhe alta com incapacidade permanente parcial e fixar-lhe o dia 3 de Julho para se apresentar ao serviço.

36. Na deliberação da Junta Médica da ADSE ficou consignado que o Autor deverá ser presente à Junta Médica da CGA.

37. O Autor apresentou-se ao serviço em 3 de Julho de 2013, tendo a sua reintegração profissional passado pela atribuição de funções não lectivas que passou a desempenhar até 31 de Maio de 2014.

38. No âmbito do processo administrativo do acidente em serviço que correu termos na Caixa Geral de Aposentações, o Autor foi submetido, em 17 de Junho de 2013, a exame médico pela Junta Médica da CGA (…).

39. De acordo com o auto de Junta Médica da CGA, a incapacidade que afecta o Autor tem carácter evolutivo.

41. De acordo com o parecer da Junta Médica da CGA das lesões e sequelas sofridas resultou para o Autor uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções de professor, classificando a incapacidade permanente parcial por acidente de trabalho em 89,9%.

42. Em 17/11/2014, a CGA comunicou ao Autor que lhe foi fixada, uma pensão anual vitalícia de 17 082,786, a que corresponde uma pensão mensal de € 1.220,20, e um subsídio por elevada incapacidade permanente, a pagar de uma só vez, de € 3.873,59, decisão com a qual o A. não se conformou, tendo recorrido da mesma.

43. À data do acidente, além da profissão de professor, sendo subscritor da CGA com o número …, o Autor exercia também, a tempo parcial, a profissão de Advogado, sendo portador da cédula profissional nº … e com as respectivas quotas devidas à Ordem dos Advogados em dia.

44. A Junta Médica de Avaliação de Incapacidade Definitiva, realizada no dia 8 de Julho de 2013, por incumbência da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, foi de parecer que o Autor, beneficiário nº 0…da CPAS, se encontra numa situação de incapacidade definitiva para o exercício da sua profissão de advogado desde essa data.

45. Desde o início do ano de 2009 que o vencimento base mensal do Autor como professor passou a ser de € 3.091,82.

46. O Autor nasceu a 13 de Fevereiro de 1954.

47. A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 2 de Julho de 2013 e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 32 pontos, o dano estético é de 1/7, o quantum doloris é de 4/7, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de 2/7, sendo o período de défice funcional temporário total de 9 dias e parcial de 263 dias, sendo o período de repercussão temporário na actividade profissional total de 272 dias. Além disso, as sequelas observadas são impeditivas do exercício das suas actividades habituais e o A. terá necessidade de ajudas medicamentosas permanentes.

48. Em 2009, a remuneração anual do Autor foi de (3 091,826 X 14 meses + 93,946 x 11 meses) 44 318,826 e em 2010 a remuneração anual do Autor foi de 43 390,486, a que acresce o subsídio de refeição no valor de 1 033,346, com o rendimento anual de 44 423,826 e em 2011 ocorreu um corte temporário dos salários a nível nacional, pelo que em 2011 o rendimento apurado foi de €39.859,82, em 2012 de € 34.165,56, acrescido do subsídio de alimentação,

49. A data do acidente o Autor encontrava-se posicionado, desde 1/3/2001, no 9º escalão da carreira docente a que corresponde o índice 340 e o vencimento mensal de 3 091,826, com possibilidade de atingir o 10° escalão a 01/01/2014 (o que não ocorreu face ao congelamento das progressões das carreiras dos funcionários públicos), cujo vencimento base seria de 3 364,636, com o índice 370.

51. Em consequência directa e necessária do sinistro dos autos, o Autor ficou afectado de incapacidade temporária absoluta para o exercício das funções de advocacia, entre o dia 5 de Outubro de 2012 e o dia 7 de Julho de 2013, data da realização da Junta Médica da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, no total de 274 dias.

52. O Autor esteve inscrito no regime da segurança social da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, entre o ano de 1983 e 2012.

53. No ano de 2012, o Autor auferiu o rendimento anual de € 17.460,00, a que corresponde o rendimento médio mensal de € 1.455,00.

65 - Foi paga pela CGA ao autor a importância de 3.873,59 euros a título de subsídio de elevada incapacidade permanente.”

No cálculo da indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura impõe-se considerar que o Autor/AA, nascido em 13 de Fevereiro de 1954, ou seja, tinha a idade de 57 anos, à data do acidente, com o percurso profissional, enquanto professor e advogado (a tempo parcial), sendo que, de acordo com os pareceres médicos realizados, das lesões e sequelas sofridas resultou para o Autor/AA, uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções de professor, outrossim, uma situação de incapacidade definitiva para o exercício da sua profissão de advogado, sendo que o Autor, auferiu no ano de (2012), a remuneração de €34.165,56, acrescido do subsídio de alimentação (€1.033,41), enquanto professor, e, nesse mesmo ano de 2012, o Autor/AA, auferiu o rendimento anual de €17.460,00, a que corresponde o rendimento médio mensal de €1.455,00, encontrando-se o Autor/AA, afectado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 32 pontos.

Importa, contudo, concretizar e explicitar alguns dos consignados factos adquiridos processualmente, com interesse para a fixação do quantum indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura.

Assim:

1. Conquanto o Recorrente/Autor/AA invoque o coeficiente de IPP de 89,9%, arbitrado pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor/AA, e sem esquecer que o Autor/AA foi observado em sede de junta médica da Caixa Geral de Aposentações, haverá que reconhecer que o procedimento de atribuição da incapacidade pela Caixa Geral de Aposentações, é um procedimento administrativo no qual a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., não teve intervenção e não teve conhecimento, a não ser após a decisão final, por outro lado, convirá atentar, resultar apurado que o Autor/AA foi observado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, no âmbito dos presentes autos, tendo sido realizada perícia, que teve por base a tabela de dano corporal em direito civil, concluindo-se que o Autor/AA sofre de uma incapacidade de 32% (a corrigir, porém. nos termos a consignar infra).

Assim, uma vez que a perícia realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal foi efectuada nos presentes autos, e a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., teve a possibilidade de participação na mesma, cumprindo-se o contraditório, impõe-se deixar de considerar a incapacidade de 89,9% atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, que, ademais, utiliza tabelas diferentes daquela que foi aplicada no relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal – Tabela do dano corporal em direito civil – e que este Tribunal ad quem, reconhece para cálculo da indemnização a arbitrar. Todavia, como muito bem se adianta no Tribunal recorrido, e este Tribunal ad quem sufraga, “(…) encontrando-se o A. afectado de sequelas que totalmente o incapacitam para o exercício da suas profissões, deverá ter-se, para tal, em atenção o que, no domínio dos acidentes de trabalho, dispõem as alíneas b) e c) do n.º 3 do art.º 48.º Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (à semelhança do que dispunha já o art. 17.° da Lei 100/97 de 13 de Setembro), que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais: calculado nos termos daquela alínea b), é equiparado a 56,4% um coeficiente de IPP de 32% - - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; não fazendo ainda aplicação do coeficiente de 70 % que a al. c) aplica à redução sofrida na capacidade geral de ganho. Por maioria de razão haverá aqui que atender a uma proporcionalidade semelhante, já que o regime de reparação dos acidentes de trabalho assenta essencialmente na teoria do risco económico ou de autoridade (Sobre a evolução do regime jurídico da reparação infortunística e das teorias que o sustentam, vd. Carlos Alegre, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2ª ed., pág 9 a 13), ou seja, numa responsabilidade objectiva da entidade patronal, independente da culpa, em que não vigora o princípio da plena reparação das consequências do acidente.”

2. Anota-se também que este Tribunal ad quem perfilha o entendimento (quanto ao valor a tomar por referência, no cálculo da indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA), de que se deverá atender ao valor liquido auferido pelo lesado, importando, no entanto, observar que dos autos não resulta, pelo menos, quanto ao vencimento auferido pelo Autor/AA, enquanto professor, que o valor consignado seja condizente ao valor liquido, mas sim o valor a que deverá ser deduzido os respectivos impostos e outras contribuições, donde, pese embora, seja um facto notório, o vencimento condizente ao 9º escalão da carreira docente, livre de imposto e outras contribuições, certo é que a respectiva tributação com impostos e descontos para outras contribuições, não é uniforme, pelo que, na ausência de elementos fidedignos, partiremos (para o ano de 2012, ano da ocorrência do acidente, e o mais recente que resulta apurado nos autos), conscientes de que nos movendo no campo da previsibilidade, de um índice salarial de €1.750,00 mensais x 14 meses, por ano, (sem esquecer que a redução da massa salarial dos funcionários públicos, imposta, à data, em razão das dificuldade económicas do país, foi, entretanto reposta, o que importará considerar no julgamento equitativo a que se procederá, aquando do cálculo da indemnização pela perda da capacidade aquisitiva) acrescido do subsídio de alimentação apurado de €1.033,41, por ano, aceitando, por outro lado, porque nada resulta em contrário, que o valor liquido recebido no exercício da advocacia, a tempo parcial, se situa no valor anual de €17.460,00.

3. Observa-se também que o Autor/AA, impetrou o pagamento das perdas salariais, tendo realizado posteriormente uma ampliação do pedido onde contabilizou os meses decorridos até à data da audiência de julgamento.

Relativamente a esta matéria foi fixado (não sendo, porém, objecto da presente revista), os correspondentes valores a pagar a esse título, distinguindo-se que o Autor/AA, teve perdas salariais até à data da consolidação médico-legal das lesões, ou seja, 2 de Julho de 2013 (factos 34º e 47º dados como provados), donde, somente a partir daqui, qualquer indemnização a que o Autor/AA possa ter direito, em razão da sofrida incapacidade, já é pela perda da capacidade de ganho, pelo que, atender-se-á à consignada data (2 de Julho de 2013), para o cálculo do quantum indemnizatório, cujo dissenso entre os litigante, importa a este Tribunal ad quem dirimir.

4. Salientamos ainda, esclarecendo, porque ao caso interessa, que a esperança média de vida para os cidadãos nacionais do sexo masculino é de 78 anos, pelo que, a indemnização a arbitrar deverá abranger a perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, durante os 19 (dezanove) anos previsíveis em que irá viver, contados a partir da data da consolidação médico-legal das lesões, ou seja, 2 de Julho de 2013, rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado, e não da vida activa deste, já que não é razoável ficcionar-se que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão, além de que, como é evidente, as limitações às capacidades do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito, posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Novembro de 2016 (Processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, desta 7ª Secção), in, www.dgsi.pt.

5. Finalmente, anotamos que o quantum indemnizatório a arbitrar, pela perda da capacidade aquisitiva futura, irá ser entregue de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, impondo-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa da responsável civil, no caso, a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., condizente a uma taxa de juro de 1%, julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco.

Posto isto, convertendo o enunciado enquadramento numa fórmula matemática, tão só orientadora, que conjuga os critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, já adiantados, alcançamos um primeiro valor atinente ao quantum indemnizatório, a fixar para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, relativamente ao Autor/AA [(€1.750,00 x 14 meses + €1.033,41/ano x 19 anos) + (€17.460,00/ano x 19 anos) x 0,564 x 0,01], ou seja, €456.110,21 (€270.879,86+€185.230,35).

Encontramos assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração os vertidos critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, ou seja, sem deixar de considerar que a arbitrada indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado; sabendo que as tabelas matemáticas, por usadas para apurar a indemnização, têm um mero carácter indicativo, não substituindo, de modo algum, sublinhamos, a ponderação judicial com base na equidade; que no cômputo da indemnização não se deve deixar de considerar a natural evolução dos salários, tendo-se, em devida atenção a reposição da massa salarial dos funcionários públicos, entretanto, operada; e ponderando-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, importando introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco, e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal que julgará equitativamente, uma vez que o dano a indemnizar, não pode ser quantificado, em termos de exactidão.

Sublinhamos, por outro lado, a propósito da fixação de indemnização com recurso à equidade (como é o caso, o Autor/AA, insurge-se, contra a arbitrada indemnização pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, considerando-a desajustada, por pecar por defeito), a Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2017 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2010, acessíveis, in, dgsi.pt., enunciando-se, a propósito, um trecho retirado do mais recente acórdão mencionado “[se] o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação exacta acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo”, neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2013 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, in, www.dgsi.pt, acentuando a nossa Jurisprudência que “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito”; [pelo que o STJ] se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar[…], mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”.

Assim, confrontada a facticidade apurada nestes autos, e assumindo uma ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade, que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, tidos em consideração pela Jurisprudência, reconhece este Tribunal ad quem, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade, e, atenta a diferença significativa dos valores encontrados, por este Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal ad quem, como indemnização pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, relativamente ao arbitrado pelo Tribunal a quo, impõe-se a alteração do decidido no acórdão recorrido, fixando-se o quantum indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, tendo em conta todas aquelas circunstâncias e considerando, a par do valor aquisitivo do dinheiro na actualidade, utilizando a equidade e o senso comum, entendemos ser o valor de €485.000,00 (quatrocentos e oitenta e cinco milhares de euros) o mais ajustado como indemnização, pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA.

Assim, na parcial procedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão, pelo Recorrente/Autor/AA, neste particular atinente ao quantum fixado a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA, reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterarem o destino da demanda, e, nessa medida, merecendo censura, revoga-se o aresto em escrutínio, também na concreta alínea do respectivo dispositivo, condenando-se, assim, a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., a pagar ao Autor/AA, a quantia de €485.000,00 (quatrocentos e oitenta e cinco milhares de euros), a título de indemnização pela perda de ganho futuro do Autor/AA.




III. DECISÃO


Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam parcialmente procedente o recurso interposto pelo Recorrente/Autor/AA, concedendo parcialmente a revista.

Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:

1. Em julgar parcialmente procedente o recurso de revista interposto pelo Recorrente/Autor/AA, concedendo-se parcialmente a revista, impondo-se revogar a parte decisória do acórdão recorrido, que fixou a indemnização ao Autor/AA, pela perda da capacidade aquisitiva futura em €400.000,00 (quatrocentos milhares de euros), substituindo-a, nesta parte, por outra, condenando a Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., a pagar ao Autor/AA, a título de indemnização pela perda de ganho futuro, a quantia de €485.000,00 (quatrocentos e oitenta e cinco milhares de euros), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos desde o trânsito desta decisão.

2. Custas pelo Recorrente/Autor/AA e pela Recorrida/Ré/CC - Companhia de Seguros, SA., na proporção 6/10 e 4/10, respectivamente.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Maio de 2019

Oliveira Abreu (Relator)

Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira