Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P2874
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: VIOLAÇÃO
CÓPULA
COITO ANAL
COITO ORAL
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CONSUMAÇÃO
TENTATIVA
CRIME CONTINUADO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
Nº do Documento: SJ200810290028743
Data do Acordão: 10/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ANULADA A DECISÃO RECORRIDA
Sumário :
I - Materialmente, a violação é um caso especial de coacção sexual em que o acto sexual de relevo pode ser a cópula, o coito anal ou o coito oral.
II - O facto de o crime de violação englobar agora, também, os actos de penetração anal e oral não desvirtua a noção de cópula. Cópula continuará a ser entendida como resultado de uma relação heterossexual de conjugação carnal entre órgãos sexuais masculinos e femininos, que, como tal, exige sempre a introdução completa ou incompleta do órgão sexual masculino na vagina, o que afasta a equiparação com a chamada cópula vestibular ou vulvar.
III - À cópula são equiparados tipicamente, para efeitos do crime do art. 164.° do CP, o coito anal e o coito oral. Também por esta razão – porque afinal a violação exige sempre a intervenção do órgão sexual masculino – se deve dizer que é a natureza puramente física do contacto que especializa este crime face ao de coacção sexual.
IV - Assim, dúvidas não existem de que o arguido que obriga um menor a praticar coito oral pratica um crime de violação.
V - Quando os actos sexuais praticados consubstanciam a tentativa de violação e um crime de coacção sexual, a grande diferença entre uma situação e outra é a intenção do agente ligada ao crime de violação, que será a de praticar cópula, coito anal ou coito oral. Mas em ambas as situações o agente pratica estes actos sem conseguir que a vítima sofra ou pratique cópula, coito anal ou coito oral. Em abstracto, a tentativa de violação é punida de forma menos grave que a coacção sexual consumada, inexistindo razões para que se dê nesta hipótese prevalência ao crime de violação, tanto mais que o crime de coacção sexual funciona aqui como tipo fundamental (consunção impura). Ao menos em via de princípio deverá o agente ser punido pela coacção sexual consumada.
VI - É, pois, de concluir que o arguido que procura, não o conseguindo por circunstâncias alheias à sua vontade, ter relações de coito anal com um menor deve ser punido pela prática de um crime consumado de coacção sexual.
VII- Pressuposto da continuação criminosa é, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comportasse de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
VIII - Entre as situações exteriores típicas que, preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, diminuem consideravelmente o grau de culpa do agente podemos destacar aquelas em que se verificam as seguintes circunstâncias:
- ter-se criado, através da primeira actividade criminosa, uma certa relação de acordo entre os sujeitos;
- voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa;
- perdurar o meio apto para executar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa;
- verificar o agente, depois de executar a resolução que tomara, que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da actividade criminosa.
IX - Em qualquer uma de tais situações, e de outras que mereçam o mesmo tratamento, existe um denominador comum: a diminuição considerável da culpa do agente. Porém, não basta qualquer solicitação exterior; é necessário, por um lado, que ela facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa e, por outro, que a situação exterior que facilite a prática do crime não seja normal, ou geral, pois com estas deve justamente o agente contar para modelar a sua personalidade de maneira a permanecer fiel aos comandos jurídicos.
X - Resultando da factualidade assente que:
- o arguido, cerca de três meses antes de Junho de 2007, numa ocasião em que deu boleia ao menor JP, ordenou-lhe que baixasse as calças e as cuecas e, como o mesmo recusou, começou a puxar estas peças de vestuário para baixo, enquanto o JP, opondo-se a tal pretensão, as segurava e puxava em sentido contrário, para cima. Conseguindo vencer a resistência do menor e desnudá-lo da cintura para baixo, levou o JP a colocar-se de cócoras sobre o assento traseiro do veículo e de costas voltadas para si e encostou o seu pénis erecto ao ânus do menor, mas não prosseguiu, nem concretizou a penetração. O arguido ainda disse ao JP para lhe chupar o pénis erecto, o que este recusou, tendo-se vestido. Antes de iniciar a marcha até casa do menor, o arguido colocou o seu pénis erecto fora das calças e ordenou ao JP que o masturbasse, pelo que este, durante o trajecto efectuado, manipulou o pénis erecto do arguido, realizando movimentos para cima e para baixo com as mãos enquanto aquele conduzia o automóvel, sem contudo ter ocorrido ejaculação. O arguido advertiu o JP para não dizer nada a ninguém, sob pena de lhe dar bofetadas, razão pela qual o menor, receando vir a ser agredido corporalmente, nada contou aos pais;
- no dia 01-05-2007, numa ocasião em que deu boleia aos menores JP e HC, apesar da resistência do JP, o arguido puxou as calças e as cuecas do menor, descendo-as até aos joelhos, após o que lhe colocou o pénis erecto encostado ao ânus, tendo em vista a penetração anal, que não concretizou atenta a fuga do HC e os seus pedidos de ajuda. O arguido reiniciou a marcha do veículo, vindo a parar num arruamento mais à frente, onde veio a introduzir o seu pénis erecto na boca do menor JP, movimentando-o no seu interior. Ao deixar os menores apeados junto das suas residências advertiu-os de que “seria pior para a próxima se contassem a alguém o sucedido”;
é de concluir que o arguido cometeu, no que respeita ao menor JP, um crime agravado de violação, na forma consumada, em concurso real com um crime de abuso sexual de crianças e com um crime agravado de violação, na forma tentada.
XI - O regime que decorre do DL 401/82, de 23-09 (regime penal especial para jovens delinquentes), não é de aplicação automática, mas deve ser oficiosamente considerado pelo tribunal – sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP –, por a lei vincular o tribunal à averiguação de eventuais pressupostos de facto para a atenuação especial das penas ou para um juízo de prognose quanto às expectativas de reinserção social do arguido, contendo-se nos arts. 370.º e 371.º do CPP disciplina para tanto adequada: relatório social e produção de prova suplementar.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA veio interpor recurso da decisão que o condenou nas seguintes penas:
a) Cinco (5) anos de prisão, pela prática de um crime continuado de violação qualificada, p. e p. pelos artigos 164º, nº 1 e 177º, nº 4 do Código Penal
b) Um (1) ano de prisão, pela prática de um crime de violação qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 164º, nº 1, 177º, nº 4, 22º e 73º do Código Penal;
c) Em cúmulo jurídico de penas, foi fixada a pena única de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão;
As razões de discordância encontram-se expostas, de forma singela nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que a pena aplicada é demasiado severa violando na sua determinação os nº1 e 2 do artigo 71 do Código Penal.
Nesta instância o ExºMº Sr.Procurador Geral Adjunto pronunciou-se pela forma constante de fls
Os autos tiveram os vistos legais
*
Cumpre decidir
Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:
-O BB nasceu em 05/08/1994 e integra há já algum tempo a fanfarra do Centro Recreativo Cultural e Artístico de S. T...., tocando cavaquinho e caixa.
Por sua vez, o menor CC nasceu a 31/10/1993 e desde Março de 2007,também vem frequentando as aulas de música no referido Centro Cultural, tendo em vista a sua posterior integração e participação na respectiva fanfarra.
As aulas de música e os ensaios tinham lugar nas instalações deste Centro Cultural, sitas no Lugar da ......., S. T....., Guimarães, aos sábados à tarde e às quartas-feiras ou outros dias da semana à noite, após o jantar, e terminando entre as 21,30 e as 22 horas.
Com a frequência das actividades musicais do Centro Cultural pelo CC, o trajecto entre as suas residências e aquela instituição e o de regresso desta às respectivas casas no final das aulas e dos ensaios, anteriormente realizado a pé apenas pelo BB, passou a ser feito igualmente a pé conjuntamente pelos dois menores.
O arguido AA, residente na vila de S. Torcato, também frequentava as instalações do referido Centro Cultural, designadamente, nos dias e nos períodos horários em que decorriam as aulas de música e os ensaios da fanfarra, apesar de não participar em qualquer destas actividades.
Embora o arguido e os menores BB e CC já se conhecessem por residirem em Ruas próximas da localidade de S. Torcato, Guimarães, não mantinham, nem as respectivas famílias, qualquer tipo de amizade, de relacionamento ou de contacto.
A partir do início do ano de 2007, o arguido começou a aproximar-se do BB e a conversar com ele nas referidas instalações do Centro Cultural nos dias do ensaio da fanfarra, logrando deste modo obter fácil e rapidamente a sua confiança.
Por diversas vezes no final dos ensaios o arguido deu boleia ao BB a solicitação deste e transportou-o no seu veículo automóvel até à sua casa, sita na Rua da ....., nº ...., S. Torcato, Guimarães.
Por já conhecerem devido à relação de vizinhança e pelas conversas entre eles entretanto ocorridas, o arguido ficou a saber que o BB tinha na ocasião 12 anos de idade e o CC 13 anos, idades estas correspondentes à compleição e estatura física que cada um deles apresentava.
Mesmo depois de ter a companhia do CC, o BB, continuou a pedir boleia algumas vezes ao arguido, tendo os dois sido transportados no veículo deste nessas ocasiões.
O arguido resolveu então aproveitar-se da confiança em si depositada por estes dois menores, da sua situação de inexperiência, da falta capacidade de discernimento necessária para compreenderem o sentido e alcance da cópula anal e oral e dos demais actos de natureza e cariz sexuais, nem para se poderem determinar em conformidade com tal compreensão, atentas as suas idades, e da sua superioridade física, para abusar sexualmente deles.
Nesta conformidade, cerca de três meses antes do mês de Junho de 2007, em dia não concretamente apurado, uma sexta-feira, pelas 20 horas, o menor BB, após sair da catequese, deslocava-se a pé numa artéria de S. Torcato com destino à sua residência.
A dado momento do trajecto, encontrou o arguido BB empunhando um garrafão de plástico a abastecer com combustível o seu veículo automóvel de cor vermelha, tendo-lhe de novo solicitado que o transportasse até casa, pedido a que aquele de imediato acedeu.
Pelo que, depois de entrar para o banco da frente ao lado do condutor do veículo e de iniciado o trajecto, por sugestão do arguido AA, o menor BB, desconhecendo e não suspeitando dos propósitos daquele, aceitou a acompanhá-lo previamente a um outro local por si não concretamente especificado.
Obtida a anuência deste menor, o arguido dirigiu-se então para junto da escola primária de M....., S. Torcato, onde parou o veículo automóvel num lugar escuro, sem iluminação e onde não passam normalmente pessoas à noite.
De seguida, o arguido mudou-se para o banco traseiro do veículo, sendo acompanhado por sua ordem pelo BB, que se sentou também a seu lado no mesmo banco.
Então, o arguido ordenou ao BB que baixasse as calças e a cuecas.
Como este menor recusou, o arguido começou a puxar estas peças de vestuário para baixo, enquanto o BB, opondo-se a tal pretensão, as segurava e puxava para em sentido contrário para cima.
Contudo, este conseguiu vencer a resistência do menor e desnudá-lo da cintura para baixo.
De seguida, o arguido, levou o BB a colocar-se de cócoras sobre o assento traseiro e de costas voltadas para si, e encostou o seu pénis erecto no ânus deste menor, mas não prosseguiu, nem concretizou a penetração.
Contudo, o arguido ainda disse ao BB para lhe chupar o pénis erecto, o que este recusou, tendo-se vestido, passando depois os dois para os bancos da frente do veículo.
Entretanto, o arguido arrancou com o veículo em direcção a casa do menor BB, onde o largou.
Antes de iniciar a marcha o arguido colocou o seu pénis erecto fora das calças e ordenou ao menor que o masturbasse.
Durante o trajecto efectuado o BB manipulou o pénis erecto daquele, realizando movimentos para cima e para baixo com as mãos enquanto aquele conduzia o automóvel, sem contudo ter ocorrido ejaculação.
O arguido advertiu o BB para não dizer nada a ninguém, sob pena de lhe dar bofetadas, razão pela qual, o menor, receando vir a ser agredido corporalmente, nada contou aos pais.
No dia 01 de Maio de 2007, uma terça-feira, pelas 22,00 horas, o BB e o CC caminhavam a pé em S. Torcato, provenientes do identificado Centro Cultural com destino às respectivas residências.
O arguido, que os tinha visto sair daquele Centro, seguiu-os conduzindo o seu veículo, na altura um Volkswagen Golf, de cor cinzento, e alcançou-os cerca de cinco minutos depois, oferendo-lhes boleia para casa, o que os menores acabaram por aceitar, tendo entrado o BB para o banco da frente e o CC para o banco de trás do veículo Volkswagen.
Momentos depois de reiniciar a marcha, o arguido, alegando não poder seguir pelo trajecto normal, mudou de direcção e dirigiu-se para um local onde existem as ruínas das instalações de uma antiga vacaria e de duas casas desabitadas, que é escuro, sem iluminação pública e onde não costumam passar pessoas à noite.
Uma vez ali chegado, o arguido parou o veículo automóvel, saiu para o exterior deixando as portas fechadas e trancadas à chave, afastou-se alguns metros e regressou passados momentos.
O arguido entrou de novo no automóvel, agora para o banco traseiro, e sentou-se no meio do CC e do BB que, entretanto, tinha mudado para aquele banco, ficando junto do amigo.
Nessa altura, o arguido pretendendo praticar sexo anal com o menor CC, ordenou-lhe que baixasse as calças e as cuecas.
Como o CC se recusou e começou a gritar, o arguido começou a puxar-lhe as calças e as cuecas para baixo, para o despir da cintura para baixo, ao mesmo tempo que os advertia de que aquilo não era para dizer a ninguém.
Mas não conseguiu vencer a resistência oferecida pelo CC que segurou aquelas peças de vestuário, puxando-as em sentido contrário, e, para além disso, deu um empurrão ao arguido, ao mesmo tempo que também o advertiu de que ia contar tudo ao seu pai se ele continuasse.
Perante esta recusa, a resistência oferecida e a advertência feita pelo CC, o arguido largou-o e não prosseguiu com ele os seus propósitos, referindo que “teria de ser com o BB”.
Apesar da resistência também oferecida pelo BB nessa altura, o arguido, puxou as mencionadas peças de vestuário e logrou descê-las até à zona das pernas abaixo dos joelhos, desnudando-o na metade inferior do corpo, após o que lhe colocou o pénis erecto encostado ao ânus, tendo em vista a penetração anal.
Nessa altura e apercebendo-se de que algumas pessoas caminhavam na estada que passava próximo, o CC aproveitou a saída do veículo e fugiu em direcção à referida estrada, gritando por socorro, sem contudo conseguir qualquer auxílio.
Porém, ao aperceber-se da fuga do CC e dos seus pedidos de ajuda gritados, o arguido largou o AA sem concretizar a penetração anal e passou para o banco do condutor.
O AA, que entretanto se havia vestido, sentou-se igualmente no outro banco da frente por determinação do arguido.
Seguidamente, o arguido arrancou com o seu veículo em direcção ao CC, parando junto dele e ordenando-lhe que entrasse para o banco de trás, ordem que este menor acatou.
Após entrar no carro do arguido este disse para o CC que “merecia levar”, querendo com tal afirmação dizer que merecia ser agredido corporalmente.
O arguido reiniciou a marcha do veículo e vindo a parar num arruamento mais à frente, onde veio a introduzir o seu pénis erecto na boca do menor BB, movimentando-o no seu interior.
Entretanto, porque se aproximou um veículo automóvel pelas traseiras, o arguido, largou o BB, fechou a carcela das calças e arrancou com o veículo, deixando os menores apeados junto das suas residências depois de os advertir de que “seria pior para a próxima se contassem a alguém o sucedido”.
Apesar desta advertência, os dois menores foram para casa do CC e este contou aos pais o que lhes tinha acontecido.
Devido a estes actos sexuais praticados pelo arguido contra o BB, este menor ficou fortemente afectado psicologicamente, passando a evidenciar sintomas como instabilidade afectiva e emocional: sinais de angústia e ansiedade associados a pensamentos recorrentes, para além da baixa de rendimento escolar verificada, e deixou de frequentar durante cerca de um mês o Centro Cultural e de andar sozinho na rua durante algum tempo e de ir ao ensaio nocturno do mesmo Centro.
Do mesmo modo, o CC ficou afectado e abalado psicologicamente, manifestando e estado de grande nervosismo, de ansiedade e de medo na altura, deixando de andar sozinho na rua e de frequentar o Centro Cultural durante algum tempo, mas sem quaisquer reflexos negativos posteriores no seu comportamento e aproveitamento escolares.
O arguido actuou com o propósito de praticar com os menores os actos sexuais acima referidos e de os intimidar e amedrontar, ciente de que as afirmações de agressões corporais e sexuais futuras contra eles proferidas eram adequados a causar medo a qualquer pessoa a quem se destinassem.
O arguido agiu de vontade livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas.
Encontra-se desempregado e é consumidor de estupefacientes; haxixe e cocaína.
É solteiro e vive com os pais.
Nada consta do seu certificado de registo criminal.
Não se provaram quaisquer outros factos.
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Matéria de Facto Não Provada
Não se provou, nomeadamente, que:
Tenha sido por influência do seu vizinho e amigo BB, que o menor CC também vem frequentando as aulas de música no referido Centro Cultural;
No início do ano de 2007, o arguido tenha começado a aproximar-se do BB e a conversar com ele nas referidas instalações do Centro Cultural nos dias do ensaio da fanfarra, logrando deste modo obter fácil e rapidamente a sua confiança;
E tenha, desde essa data, dado boleia ao BB;
A partir de Março de 2007, por intermédio do BB, o arguido tenha iniciado também a sua aproximação nos mesmos moldes ao CC, que, seguindo o exemplo do colega, passou de imediato a confiar igualmente no AA;
O arguido tenha logrado vencer a resistência do menor BB, devido à diferença de idades e à superioridade física do arguido;
O arguido tenha lançado mão da sua superioridade física para forçar o BB a colocar-se de cócoras sobre o assento traseiro e de costas voltadas para si;
O arguido tenha forçado o menor BB no sentido da penetração oral;
Porque o BB sentiu dores e começou a chorar, ao mesmo tempo que lhe pedia que parasse, o arguido, receando que com o aumento da intensidade das dores o menor gritasse de molde a atrair alguém ao local, bem como a ocorrência de lesões e ferimentos passíveis de denunciar aos pais daquele a verificação do abuso sexual e a sua autoria, não prosseguiu, nem concretizou a penetração;
O BB tenha manipulado o pénis erecto do arguido por temer que este o voltasse a molestar na região anal ou o forçasse a efectuar sexo oral;
O arguido tenha advertido o menor BB ara não dizer nada a ninguém, quando o deixou junto da sua residência;
Os menores BB e CC tenham recusado a oferta de boleia do arguido, mas, perante as insistências do arguido e temendo que ele os pudesse molestar corporalmente, acabaram por aceitar;
O CC tenha passado para o banco de trás do carro do arguido, na ausência deste e por medo;
Ao pretender praticar sexo anal com o menor CC, o arguido lhe tenha referido que tal já havia acontecido com o BB;
O arguido tenha largado o CC e não tenha prosseguido com ele os seus propósitos, por recear as represálias do pai deste menor caso o mesmo lhe contasse o sucedido;
Apesar da resistência também oferecida pelo BB nessa altura, que gritava afirmando nada querer com ele e, ao mesmo tempo, agarrava as calças e as cuecas que trazia vestidas para evitar que lhe fosse retiradas, o arguido, lançando mão da sua superioridade em termos de força muscular, puxou as mencionadas peças de vestuário e logrou descê-las até à zona das pernas abaixo dos joelhos, desnudando-o na metade inferior do corpo.
De seguida, utilizando igualmente a sua força muscular dada a sua superioridade física, colocou o BB de joelhos dobrados sobre o banco traseiro da viatura, com a cabeça encostada ao vidro e de costas para si, após o que lhe colocou o pénis erecto encostado ao ânus, tendo em vista a penetração anal.
Como o arguido não conseguia concretizar a penetração por alegadamente não ter o espaço suficiente que lhe permitisse a posição necessária para o efeito, dada a presença do CC no mesmo banco, ordenou a este último que fosse para o banco da frente.
O arguido tenha largado o BB Porém, ao aperceber-se da fuga do CC e dos seus pedidos de ajuda gritados, por recear que alguém acorresse àquele local e reagisse de forma violenta ao verificar a pratica de tais actos sexuais com os referidos menores;
O CC tenha voltado a entrar para o banco de trás do veículo do arguido, por ter medo de ali ficar sozinho por ser noite, estar escuro e não conhecer o caminho e, ainda, para ajudar e não deixar sozinho com o arguido o seu amigo BB;
Quando se aproximou o veículo automóvel, o arguido tenha largado o BB e arrancado com o seu veículo, por estar convencido de que eram as pessoas que tinham ouvido o CC a pedir socorro;
Face à advertência do arguido de que “seria pior para a próxima se contassem a alguém o sucedido, os dois menores tenham receado sofrer represálias tal como anunciado pelo arguido;
Devido a estes actos sexuais praticados pelo arguido contra o BB, tenha passado a evidenciar forte impulsividade, problemas de relacionamento com os colegas, falta de atenção, de concentração e de autonomia, bem como comportamentos de medo e de apatia;
I

I

Atenta a matéria de facto provada importa, em primeira linha, verificar da correcção da qualificação jurídica que sobre a mesma incidiu.
Considerou a mesma decisão que, em relação ao menor José Pedro, a actuação do arguido configurou um crime continuado de violação qualificada, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, 177º, nº 4, - em concurso aparente com o crime consumado de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 172º, nº 2 - actualmente p. e p. pelos artigos 164º, nº 1, al. a) e 177º, nº 6, todos do Código Penal.
Importa precisar que a actuação do arguido, e da qual foi vitima o referido menor, se processa em dois momentos distintos: a primeira “três meses antes de Junho de 2007” e a segunda em 1 de Maio do mesmo ano

Em relação áqueles dois momentos distintos deve verificar-se da correcção da subsunção operada na decisão recorrida tendo em atenção a imputação do crime de violação.
Na verdade, a verificação dos elementos objectivos do tipo de ilícito, considerada a teleologia do artigo 164 do Código Penal, exige a penetração. Materialmente a violação é um caso especial de coacção sexual em que o acto sexual de relevo pode ser a cópula, o coito anal ou o coito oral (1)
O facto de o crime de violação englobar agora, também, os actos de penetração anal e oral, não desvirtua, no entanto, a noção de copula. Cópula continuará a ser entendida como resultado de uma relação heterossexual de conjunção carnal entre órgãos sexuais masculinos e femininos e que, como tal exige sempre a introdução completa ou incompleta do orgão sexual masculino na vagina o qua afasta a equiparação da chamada cópula vestibular ou vulvar. (2)
À cópula é equiparado tipicamente, para efeitos do crime do art. 164°, o coito anal e o coito oral. Também por esta razão - porque afi­nal a violação exige sempre a intervenção do órgão sexual masculino - se deve dizer que é a natureza puramente física do contacto que especializa este crime face ao da coacção sexual.
Assim, e raciocinado por exclusão de partes, dúvidas não existem de que, em relação aos factos ocorridos no dia 1 de Maio, e ao obrigar o mesmo menor BB a praticar coito oral o arguido praticou um crime de violação.
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Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, ou seja, em 1 de Maio de 2007, o arguido procurou, não o conseguindo por circunstâncias alheia á sua vontade, e anteriormente, ter relações de coito anal com o menor.
No que respeita sufraga-se o entendimento espresso por Helena Moniz (3) de que, quando os actos sexuais praticados consubstanciam a tentativa de vio­lação e um crime de coacção sexual, a grande diferença entre uma situa­ção e a outra é a intenção do agente ligada ao crime de violação, que será a de praticar cópula, coito anal ou coito oral. Como refere a autora citada, a atribuição de relevância á punição da tentativa em relevância ao crime consumado constituiria uma prevalência da punição de uma intenção em relação à punição de um facto.
Em ambas as situações o agente que pratica estes actos realiza-os sem, no entanto, conseguir que a vítima sofra ou pra­tique cópula, coito anal ou coito oral; o agente fica-se pelo estádio da tentativa de crime de violação, que simultaneamente constitui um crime de coacção sexual consumada. Uma vez que se trata de um caso de con­curso aparente entre a tentativa do crime de violação e o crime de coacção sexual - o crime fundamental - segundo as regras da consunção, será o agente punido pelo crime de coacção sexual consu­mado.
Outra solução, isto é, a punição deste comportamento simul­taneamente por tentativa do crime de violação e por crime de coacção sexual consumada seria punir duas vezes a mesma conduta - a con­duta de praticar ou fazer sofrer, consigo ou com outra pessoa, acto sexual de relevo que não de cópula, coito anal ou coito oral - violando o princípio do ne bis in idem. É, pois, da concreta delimitação deste princípio que surge a delimitação entre o concurso aparente e o con­curso efectivo de crimes. (4)
No mesmo sentido se coloca Figueiredo Dias quando refere que complexas podem ser as relações entre o crime de coacção sexual (ou abuso sexual acrescentamos) que se apresenta como lex specialis; em principio, por conseguinte, a afirmação da punição por violação das coacções sexuais que devem considerer-se integrantes do processo que conduziu á violação.Só assim não será se puder considerar-se que os actos de coacção sexual possuem um desvalor autónomo apesar da violação ter chegado a consumar-se; mas isso será precisamente quando tais actos não possam ser vistos como integrantes do processo que conduziu á copula oi coito anal ou oral. (5)
Se a violação ficar pelo estádio da tentativa a punibilidade por coacção sexual pode subsistir. Isto porém não significa que entre a tentativa de violação e a coacção intercede uma relação de concurso efectivo mas só de concurso legal, restando saber se o agente deve ser punido por aquela tentativa ou pela coacção sexual consumada. Em abstracto a tentativa de violação é menos punida que a coacção sexual consumada e não existem razões para que se dê nesta hipótese prevalência ao crime de violação, tanto mais que o crime de coacção sexual funciona aqui como tipo fundamental (consunção impura).Ao menos em via de principio deverá o agente ser punido pela coacção sexual consumada. (6)
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A questão que, então, se coloca é a de saber se tal factualidade apresenta relevância própria, e autónoma, susceptível de configurar uma outra infracção a imputar ao arguido, ou seja, estamos reconduzidos á questão da unidade e pluralidade de infracções
No que respeita permitimo-nos chamar á colação o professor Eduardo Correia quando refere que, de acordo com uma concepção normativista do conceito geral de crime,- a unidade ou pluralidade de crimes é revelada pelo "o número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade. ( ... ) Pluralidade de crimes significa, assim, pluralidade de valo­res jurídicos negados. ( ... ) Pelo que, deste modo, chegamos à primeira determinação essencial de solução do nosso problema: se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídico-criminais e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções; pelo contrário, se só um tipo legal é realizado, a actividade do agente só nega um valor jurídico-criminal e estamos, portanto, perante uma única infracção" .
Tal pressuposto seria complementado por um outro pois que, conforme referia o mesmo Mestre "pode acontecer que o juízo con­creto de reprovação tenha de ser formulado várias vezes em relação a acti­vidades subsumíveis a um mesmo tipo legal de crime, a actividades, portanto, que encerram a violação do mesmo bem jurídico ( ... ): a unidade de tipo legal preenchido não importa definitivamente a unidade da conduta que o preenche; pois sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se toma aplicável e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes"
Sobre esta construção se pronunciou Figueiredo Dias apontando a necessidade de se prestar atenção ao facto de que “o tipo de ilícito, o verdadeiro portador da ilicitude material, é sempre formado pelo tipo objectivo e pelo tipo subjectivo de ilícito. A segunda observação que formula é a de que o tipo objectivo tem sempre como seus elementos constitutivos o autor, a con­duta e o bem jurídico, só da conjugação destes elementos _ e também da sua ligação ao tipo subjectivo de ilícito - resultando o sentido jurídico­-social da ilicitude material do facto que o tipo abrange. Todos estes elementos parece deverem ser tidos em conta e valorados - e não apenas em si mesmos, mas ainda no sentido que da sua consideração global resulta - na determinação da unidade ou pluralidade de tipos violados.
Conclui, assim, o mesmo Autor que o bem jurídico assume na questão da tipicidade um relevo primacial e insubstituível mas deve recorrer-se aos restante elementos típicos numa perspectiva de consideração global do sentido social do com­portamento que integra o tipo. Só assim, acrescenta, se podendo ter a esperança de aceder à compreensão do sentido jurídico-social do comportamento delituoso. O que se tem de contar são sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global.
Nesta última perspectiva o "crime" por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efectivamente aplicável. A essência de uma tal violação não reside pois nem por um lado na mera "acção", nem por outro na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: “reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico penal, reside no ilícito típico:é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica existente no comportamento global do agente submetido á cognição do tribunal que decide, em definitivo, da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes”.
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Igualmente Jeschek aponta no sentido de que o fulcro da distinção só pode ser o sentido dos tipos legais violados em cada caso. Todavia, em algumas situações a simples realização do tipo não é suficiente para a determinação da distinção entre a unidade e pluralidade de infracções e deverá fazer-se apelo a critérios como o da unidade natural de acção.
Situação típica é a realização repetida do mesmo tipo legal de crime num curto espaço de tempo. O requisito para apreciar a unidade de acção nestes casos é a circunstância de que, com a repetição plural do tipo, a lesão do bem jurídico só experimenta uma progressão quantitativa e que o facto responda, além do mais, a uma situação motivacional unitária.
Uma pluralidade de factos externamente separáveis deve conformar uma acção unitária quando os diversos actos parciais respondem a uma única resolução volitiva se encontram tão ligados no tempo e espaço que, para um observador não interveniente são percepcionados como uma unidade natural.

É exactamente nesse rumo que nos colocamos ao entender que a conduta do recorrente naquela circunstância concreta se pode caracterizar pela reformulação do desígnio, sequenciada nos diversos actos que estão subordinados a uma sucessão temporal. (7)
No mínimo, dir-se-ia que a autonomização tem como pressuposto um processo de renovação da vontade expresso até na modalidade de actividade sexual que se propõe executar e, assim, não é incorrecto á luz dos princípios, considerar uma renovação de propósito criminoso a sustentar uma renovação da formulação de um juízo de culpa.
Não será assim quando os actos sexuais adicionais praticados corrresponderam a uma resolução anterior não consubstanciando uma renovação do processo de motivação.

Significa o exposto que em relação aos actos praticados sobre o menor José Pedro no dia 1 de Maio de 2007 os mesmos configuram em abstracto um crime de violação sob a forma tentada, em concurso aparente com um crime de abuso sexual de criança (tentativa de coito anal) e, posteriormente, um crime de violação sobre a forma consumada (coito oral).

Porém, tais actos encontram-se distanciados de um outro momento temporal perfeitamente distinto em que o recorrente igualmente praticou uma acto de cariz sexual na pessoa do mesmo menor.
Admite-se que a não determinação do propósito do recorrente na prática de tais actos exclua a punição pela prática de um crime de violação sob a forma tentada. Porém, dúvidas não existem de que se encontra perfeitamente integrado o tipo legal do artigo 171 do diploma citado.
Contrariamente ao defendido na decisão recorrida, não existe qualquer situação de continuação criminosa.
Na verdade, e no que respeita a este conceito mantêm inteiramente válidos os ensinamentos do Professor Eduardo Correia que, aliás, tiveram acolhimento no artigo 30 do Código Penal.
Afirma o mesmo Mestre que o núcleo do problema reside em que se está por vezes perante uma série de actividades que, devendo, em regra, ser tratadas nos quadros da pluralidade de infracções, tudo parece aconselhar - nomeadamente a justiça e a economia processual – que se tomem unitariamente, como um crime só. Ora, para resolver o problema, duas vias fundamentais de solução podem ser trilhadas:- ou, a partir dos princípios gerais da teoria do crime, procurar deduzir os elementos que poderiam explicar a unidade inscrita no crime continuado- e teremos então uma construção lógico-jurídica do conceito ; ou atender antes à gravidade diminuída que uma tal situação revela, em face do concurso real de infracções, e procurar, assim, encontrar no menor grau de culpa do agente a chave do problema - intentando, desta forma, uma construção teológica do conceito.
A opção é, decididamente, no último sentido pois que, quando bem se atente, ver-se-á que certas actividades ás quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que, portanto, em principio atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções), todavia devem ser aglutinadas numa só infracção na medida em que revelam uma diminuição de culpa do agente. E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto.
Assim, pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é de acordo com o direito.
Importará então, uma vez conhecido o fundamento da unidade criminosa da continuação, determinar as situações exteriores típicas que, preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, diminuem consideravelmente o grau de culpa do agente:
-Assim, desde logo, circunstância de se ter criado, através da primeira actividade criminosa uma certa relação de acordo entre os sujeitos
-A circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável á prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa,
-A circunstância da perduração do meio apto para executar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa
-A circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da actividade criminosa
Em qualquer uma de tais situações, e de outras que mereçam o mesmo tratamento, existe um denominador comum: a diminuição considerável da culpa do agente.
Porem, não basta qualquer solicitação exterior mas é necessário que ela facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa. Por outro lado, não poderá ser também suficiente que se verifique uma situação exterior normal, ou geral, que facilite a prática do crime. Sendo normais, ou gerais, deve justamente o agente contar com elas para modelar a sua personalidade de maneira a permanecer fiel aos comandos jurídicos.
*

No caso vertente nenhum dos elementos apontados na decisão recorrida imprime a ideia daquela diminuição do patamar da culpa sendo artificial a sua extrapolação como factor aglutinador de continuação criminosa. Na verdade, é certo existir um grau de confiança
Porém, confiança e solidariedade são a antítese do intuito inerente á actuação do arguido.A confiança é uma esperança no outro, aquele que nos está próximo, e que é profundamente defraudada quando a expectativa positiva é substituída pela descrença.
Existem assim crimes distintos que reclamam por punição distinta.

Assim, em nosso entendimento, o recorrente cometeu um crime de violação consumado agravado previsto e punido em concurso real com um crime de abuso sexual de criança e um crime de tentative de violação agravado-artigos 164º, nº 1, 177º, nº 4, 22º, 23º e 73º do Código Penal.

Em relação ao menor CC não se coloca em causa a determinação da qualificação jurídica:
Um crime violação qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 164º, nº 1, 177º, nº 4, 22º, 23º e 73º - em concurso aparente com o crime de abuso sexual de crianças na forma tentada, p. e p. pelo artigo 172º, nº 2, 22º, 23º e 73º - actualmente p. e p. pelos artigos 164º, nº 1, al. a), 177º, nº 6, 22º, 23º e 73º, 171º, nº 2.
Assim sendo certo que este Supremo Tribunal está vinculado pelo principio da reformatio in pejus-artigo 409- não se deixa de salientar a benevolência de tratamento em termos de qualificação jurídica que permanece intocável

II
Em sede de medida da pena a decisão recorrida pronuncia-se pela seguinte forma justificando a sua decisão:
Há agora que encontrar a pena concretamente cabida ao caso, de acordo com o critério geral contido no artigo 71º, nº 1, segundo o qual “a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.”
Em sede de medida da culpa - por via da qual releva, para a medida da pena, a consideração do ilícito-típico - há que considerar, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
Considerando, as circunstâncias em que ocorreram os crimes e se reflectem no grau de ilicitude do facto e no modo de execução deste, não só em termos de desvalor da acção, mas também em termos de desvalor da atitude, surge revelada por parte do arguido uma grave indiferença perante padrões éticos e de conduta de basilar exigibilidade social.
Considera-se, depois ser muito elevado o grau de violação dos deveres impostos ao agente, revelando um dolo com um forte elemento volitivo.
Tudo considerado, coloca-se a sua culpa, relativamente à moldura abstracta, num grau médio-alto.
Quanto à necessidade de tutela dos bens jurídicos, que fornecerá uma moldura de prevenção , há que aferir em que medida tais exigências resultam no caso concreto, no complexo da forma de actuação do agente, das consequências que dele resultaram, da situação da vítima, da conduta do agente antes e depois do facto, etc.
Neste âmbito, é de considerar, desde logo, a gravidade que as consequências dos factos tiveram para as vítimas, nomeadamente ao nível do seu evidente sofrimento psíquico.
É, por outro lado premente a necessidade de prevenir a disseminação dos crimes desta natureza, especialmente no que concerne a pessoas incapazes, em virtude da sua idade, de se determinarem sexualmente.
A favor do arguido concorre apenas a ausência de antecedentes criminais.
Estas considerações levam a colocar o limite mínimo da pena imprescindível, no caso, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias num grau médio.
Dentro destes limites podem e devem actuar agora pontos de vista de prevenção especial de socialização, que irão determinar, em último termo, a medida da pena. Nesta sede, verifica-se que o arguido é toxicodependente, embora pareça encontrar-se inserido socialmente.
Há, sobretudo, uma forte necessidade de o alertar para uma maior conformação com o quadro axiológico vigente, designadamente no que concerne ao respeito por valores de respeito pessoal de terceiros, revelando-se, necessário utilizar a pena, igualmente, com uma finalidade retributiva.
Tudo considerado, temos que a valoração das suas necessidades de prevenção especial, colocam a medida da pena pouco acima do limite mínimo exigido pela prevenção geral positiva.
Atentos todos estes parâmetros, consideram-se adequadas

Sucede, porém, que o Tribunal que na mesma decisão não foi tomado e atenção a circunstância de o arguido ter nascido em 13 de Julho de 2007 pelo que tinha dezanove anos á data dos factos. Todavia, a questão da aplicabilidade do Regime Especial de Jovens Delinquentes constante do Decreto-Lei 401/82 não foi equacionada em relação ao mesmo arguido.
O regime consagrado neste diploma, fundamentado na especial situação do jovem em termos de estruturação da personalidade, estrutura-se numa dupla perspectiva procurando evitar a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (artigo 4°), e por outro, pelo estabelecimento de um quadro específico de medidas ditas de correcção (artigos 5° e 6°). Em última análise o legislador concede o seu empenho a uma aposta decidida no processo de socialização tornando este factor essencial na ponderação da pena a aplicar. (8)
O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos consubstancia uma opção de politica criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento.
Como se refere em decisão deste Supremo Tribunal (Acórdão de 7 de Janeiro de 2004 e supracitado) nesta intencionalidade de política criminal quanto ao tratamento pelo direito penal deste fenómeno social, uma das ideias essenciais é, como se salientou, a de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão aos jovens adultos. Na verdade, comprovada a natureza criminógena da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos dessocializantes devastadores, constituindo um sério factor de exclusão.
A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos - regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa.
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No caso concreto a decisão recorrida nenhuma apreciação fez sobre a aplicabilidade do regime especial do DL n° 401/82, de 23 de Setembro ao arguido, designadamente sobre a existência ou não de “sérias razões” para acreditar que da sua aplicação possam resultar “vantagens para a reintegração social do jovem condenado”, nos termos previstos no art.4°, de tal diploma.
Consequentemente, foi violado o poder-dever a que, nesse âmbito. o Tribunal recorrido estava vinculado, pois que tal apreciação não constitui uma faculdade do Tribunal, antes lhe sendo tal apreciação imposta sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, devendo ser considerada na decisão a pertinência ou inconveniência de aplicação de tal regime especial aplicável a jovens delinquentes, justificando a posição adoptada, ainda que conclua pela inaplicabilidade;
Na verdade, sendo certo que o regime que decorre do citado Decreto-Lei, não é de aplicação automática, impõe-se à consideração oficiosa pelo tribunal (sob pena de nulidade por omissão de pronúncia. nos termos do art. 379.°, n°1 al. c) do C.P.P) por a lei vincular o Tribunal à averiguação de eventuais pressupostos de facto para a atenuação especial das penas, ou para um juízo de prognose quanto às expectativas de reinserção social do arguido, contendo-se nos arts.370.° e 371.° do CPP disciplina para tanto adequada: relatório social e produção de prova suplementar.

É entendimento uniforme deste Supremo tribunal de Justiça o de que, o vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia é de conhecimento oficioso pelo Tribunal de recurso.
Termos em que decidem os Juizes que integram a 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em declarar a nulidade da decisão recorrida.
Sem custas.

Santos Cabral (Relator)
Oliveira Mendes
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1- José Mouraz Lopes “Os Crimes contra liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal”
2- A cópula vulvar ou vestibular verifica-se quando o acto sexual, consubstanciado no contacto externo dos órgãos sexuais masculinos e femininos atinge a consumação pela emissio seminis, sem que se tenha verificado penetração do pénis na vagina.
Esta situação integrará assim o conceito de acto sexual de relevo, para efeitos do 'crime de coacção sexual.
3- Helena Moniz Revista “Portuguesa de Ciência Criminal” Ano 15 pag 23.
4- Na verdade, o princípio do ne bis in idem impõe não só uma proibição de uma dupla valoração , como exige ainda que aquando da aplicação da lei se abranja todo o desvalor do facto, isto é, a aplicação de um tipo legal de crime a uma certa con¬duta deve esgotar todo o desvalor de acção e de resultado inerente à conduta que é afastada por força das regras do concurso. Ora, o desvalor de acção e de resultado inerente aos actos sexuais de relevo que integram a tentativa de violação é abrangido pela punição do crime de coacção sexual, sendo a moldura da pena suficientemente elástica para se adaptar às situações Concretas: Além de que, sendo a violação um caso especial de coacção sexual devido ao especial acto sexual em causa - cópula, coito anal ou coito oral - quando este não ocorra nada justifica que os outros actos sexuais de relevo preparatórios daquele sejam menos punidos do que na situação em que o agente os tivesse realizado sem, todavia, nunca ter decidido praticar a cópula, o coito anal, ou o coito oral.
5- Comentário conimbricense ao código penal pag 458 e seguintes.
6- No mesmo sentido é a posição de Mouraz Lopes ( obra citada) quando refere que importa referir que o crime de «violação» encontra-se numa relação de especialidade face ao crime «coacção sexual».
Tenha-se em atenção que é este último o crime «tipo», ou fundamental no conjunto dos crimes contra a liberdade sexual. .
O bem jurídico tutelado em qualquer dos crimes é o mesmo, a liberdade sexual. Poderia entender-se, assim, que se estaria, no caso em apreço, numa situação de concurso aparente de infracções e, por isso seria, tão só, o agente punido pelo crime previsto no tipo especial, ou seja a violação, por aplicação das regras da consunção.
Na perspectiva do mesmo Autor tal construção, no entanto, não parece a mais adequada à situação dos crimes contra a liberdade sexual, porquanto, ficariam, assim, impunes alguns casos verdadeiramente chocantes de violações plúrimas de tipos legais de crimes pelo mesmo agente.
Estaremos, por isso, porventura, na hipótese referida, numa situação de consunção impura ou seja, e nas palavras de Eduardo Correia , quando «os delitos, não estando numa relação de especialidade ou consunção pura, se comportam entre si, na protecção de bens jurídicos, como dois círculos que coincidem inteiramente na sua parte mais vasta ou valiosa».
Nestes casos «sempre em nome do respeito do principio ne bis in idem, pode dizer-se que só deve aplicar aquele tipo legal de crime que garante, do ponto de vista jurídico positivo, uma reacção mais larga e perfeita».
No entanto, se a coincidência da violação dos bens jurídicos existe em abstracto, já em concreto dificilmente se poderá acei¬tar essa coincidência, porquanto não podem coincidir, em termos de valoração, a prática, por exemplo, de um coito anal ou bucal e a prática do mesmo seguido de uma cópula, quando há identidade da vítima. Nesta hipótese fica precludida a possibilidade da exclu¬são da eficácia de um dos preceitos por força da relação de especialidade referida e por isso se estará numa situação de concurso verdadeiro e efectivo (28).
7- Questão distinta é do facto posterior não punível em relação ao qual refere Helena Moniz (RPCC) ano 15 pag 323 Constituem "factos posteriores não puníveis", todos os actos rea¬lizados após o facto principal e que, quando analisados isoladamente,' podem integrar um outro tipo legal de crime; porém, um entendimento global da situação permite integrá-los na punição do facto principal . O "facto posterior não punível" lesa o mesmo bem jurídico lesado pelo facto principal. São três os pressupostos para que se possa dizer que estamos perante um "facto posterior não punível": o facto posterior não deve lesar um diferente bem jurídico, não deve causar um novo dano, e a vítima (do facto principal e do facto posterior) deve ser a mesma, ou seja, o objecto de acção do facto principal e do facto posterior deve ser o mesmo. Nestes casos o "facto posterior não punível" não é punido autonomamente, apenas é tido em consideração na medida da pena do facto principal, pelo que poderá ter um efeito agravante na pena daquele facto principal- o que vem demonstrar a inexactidão da designação uma vez que o facto posterior não fica impune .
8- Na consagração do regime de jovens delinquentes foi decisivo a crescente descoberta da psicologia juvenil no sentido de que o desenvolvimento ético –espiritual do jovem normal não está de forma alguma terminado ao chegar aos dezoito anos. Especialmente nas últimas décadas foi possível comprovar uma crescente discrepância entre a maturidade corporal por um lado e maturidade espiritual e, principalmente moral por outro. Enquanto que a primeira, com a antecipação do processo de puberdade, se faz mais rapidamente que anteriormente (em parte como consequência da urbanização e das guerras) a maturidade moral e intelectual deslocava-se para além da idade que se considerava normal para o dito fenómeno (Maurach e Zipf “Derecho Penal “ pag 639)