Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
509/04.TBPVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
VALOR PROBATÓRIO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
TESTAMENTO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
INCAPACIDADE
VONTADE DO TESTADOR
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS SUCESSÕES
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 372.º, 2201.º, 2199.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 729.º, 722.º, Nº2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-ACÓRDÃO Nº.352/86, DE 16/12/86, DR, IIª SÉRIE, DE 4/7/87.
Sumário :
I - O Supremo Tribunal de Justiça não pode censurar as decisões da Relação tomadas no sentido de a matéria de facto provada ser suficiente para uma decisão conscienciosa. A função do STJ é aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido.
II - Não se verificando nenhuma das excepções previstas na 2ª parte do nº2 do art.722º do CPC, sendo o Supremo um Tribunal de revista, não pode alterar a matéria de facto fixada pelo Tribunal da Relação.
III - A definitividade das decisões (mesmo em sede de facto) vai implicada na ideia de certeza do direito, corolário do princípio do Estado de direito e constitui um imperativo da própria função jurisdicional.
III- Um documento autêntico, como é o testamento, só tem força probatória plena quanto às acções ou percepções do oficial público no mesmo mencionadas, em relação aos restantes factos, não cobertos pela força probatória plena do documento, a sua impugnação pode fazer-se, independentemente da arguição de falsidade, pelos meios gerais.
IV - Entrar numa fase terminal da doença, por si só, não significa perda de lucidez. À A., que invocou a incapacidade do testador, cabia o ónus da prova de tal situação.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

A) Relatório:

Pelo 2ºjuízo cível do Tribunal Judicial da comarca da Póvoa do Varzim corre processo comum, na forma ordinária, em que é A. AA e RR BB, CC, DD e marido EE, FF e GG, pedindo aquela que se declare nulo, inexistente ou ineficaz o testamento celebrado em 17.1. 03, sendo, ainda, declarada a sua falsidade, ou, subsidiariamente, se declare a anulação desse testamento, ordenando-se o cancelamento de quaisquer registos feitos com base no mesmo ou em aquisições que o tenham por base, com fundamento em que o HH, pessoa que outorgou e assinou o testamento, não compreendia nem estava em condições intelectuais de compreender o sentido e alcance da declaração que lhe é imputada, sendo que tal declaração foi induzida e condicionada pelos RR BB, DD e marido EE.
Contestaram os RR BB, DD e marido EE, FF e GG que pugnaram pela absolvição do pedido argumentando que o HH fez o testamento livremente e com perfeita consciência do seu acto. Pediram os RR a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Replicou a A. concluindo como na petição inicial.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme da cata consta, tendo a acção sido julgada improcedente por não provada e os RR absolvidos dos pedidos.
Inconformada com esta decisão dela apelou a A. para o Tribunal da Relação do Porto tendo, em conferência, sido negado provimento ao recurso.

Deste acórdão recorre, agora, a A alegando, em conclusão, o seguinte:

1º - O testador outorgou o testamento em 17 de Janeiro de 2003.
2º - Faleceu no dia 12 de Fevereiro de 2003, ou seja, cerca de três semanas e meia depois da outorga do testamento.
3º - Entretanto em Dezembro de 2002, no IPO do Porto, na sequência de exames iniciados em 11 desse mês, veio-se a concluir que o HH padecia de um tumor maligno, alojado no peito associado a uma cirrose hepática, bem como padecia de Hepatite B e relevava ser portador de HTV Positivo.
4º - Nessa medida não tinha condições sequer para qualquer medicação terapêutica paliativa.
5º - Conforme decorre dos diversos documentos provindos do Centro Hospital da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, do Instituto Português do Sangue, do IPO e do Hospital do Carmo, o referido testador já sabia ser portador dessas doenças.
6° - Após a obtenção dos exames referidos na alínea R da MFA, ou seja, tal como a resposta ao quesito 5º esclarece, desde Dezembro de 2002, ao testador passou a ser ministrada morfina por prescrição médica e diariamente para aplacar aos terríveis dores de que padecia.
7º - A medida que se aproximava o fim do mês de Janeiro, acentuava-se o agravamento dos sintomas e da doença do HH. Cf. alínea T da MFA.
8º - Desde logo, este quadro factual, que neste momento é inquestionável, demonstra que o citado testador era vítima de um conjunto gravíssimo de doenças, estava em estado terminal da sua vida e acima de tudo. Consumido por "terríveis dores" só aplacadas com morfina diariamente, que tomara desde 11 de Dezembro de 2002.
9º - Também ficou provado (respostas aos quesitos 43 e 44) que em 1 de Fevereiro de 2003, quando foi internado na Ordem do Carmo, o diagnóstico médico do HH, de que ele era um doente em situação terminal e que, logo então foi de imediato colocado a soro e ligado a máquinas e em 03.02 foi entubado.
10° - Ora está também provado que em 6 de Janeiro de 2003 familiares do HH dirigiram-se a sua casa. Resposta ao quesito 10. E à entrada depararam-se com o mesmo todo sujo. Resposta ao quesito 12. E ainda que, a casa e o HH, emanavam mau cheiro. Resposta ao quesito 13°. Finalmente, ficou provado que a cama do GG, então (06.01.03) e o HH estavam sujos de fezes e urina. Resposta ao quesito 14.
11° - O que se pode logo concluir de todo este quadro factual, é que o HH estava em inicio de Janeiro, numa situação de lastimável, com terríveis dores, incontinência e eivado de doenças que lhe cerceavam a vida de forma galopante, sem qualquer tratamento para se curar, mas tão só com tratamento para passar melhor os seus últimos dias de vida.
12° - É do mais elementar conhecimento comum que este homem para suportar estas doenças - das piores que porventura existem -, CANCRO, SIDA e HEPATITE, e suportar o desespero de ser vitima delas e das terríveis dores que lhe provocavam, teria que estar imerso num estado de autêntica letargia, provocado pela morfina diária que tomava e pela restante referida medicação.
13° - Não pode pois deixar de se tomar como ponto de partida, na analise de toda a prova, que desde logo esta factualidade constitui uma acentuadíssima presunção de que aquele homem esta incapaz de reger a sua pessoa e bens, e impunha uma decisão diversa quanto à questão essencial para se concluir que o testador no momento em que outorgou o testamento anulando não estava no domínio pleno das suas faculdades mentais, e por isso não podia dividir nem dispor livre e esclarecidamente sobre o destino dos seus bens.
14° - O Tribunal de 1ª Instancia assentou a sua decisão sobre a matéria de facto essencialmente o julgamento da Senhora Notária, sobre a capacidade anímica e intelectual do testador, mas não apreciou criticamente se esse julgamento da Senhora Notária foi bem ou mal feito.
15° - Esta questão é inultrapassável: o Tribunal a quo tomou e adoptou o julgamento da Senhora Notária, sem saber ou ter meios para saber, se este foi bem ou mal elaborado.
16° - Ou seja, tudo se resume a dizer, que a Senhora Notária ficou com o poder de decidir pelo Tribunal, poder que a lei não lhe confere.
17° - É que este testamento é outorgado por um doente terminal, que enferma de três doenças gravíssimas, que enferma de dores terríveis, há mais de um mês à data da outorga do testamento, que tomava morfina, é internado 13 dias depois na Ordem do Carmo com vigilância dos seus sinais vitais, e morre poucos dias depois.
18° - Ainda por cima, entende-se que este homem estava lúcido no momento em que é celebrado o testamento, com um depoimento que se revelou um julgamento sem qualquer hipótese de ser sujeito a um juízo crítico, e em contradição clara com outros factos dados como provados que resultam das respostas dadas aos quesitos.
19° - Ninguém, no estado deplorável em que se encontrava aquele homem poderia de uma forma livre e esclarecida outorgar um testamento, onde dispunha de todos os seus bens.
20° - Foram violados os artigos 372° n° 2, 2179°, 2199° e 2201° do Código Civil (CC).
Termos em que
Deve ser ordenado que o processo volte ao Tribunal de 1° Instancia, para apreciação dos factos sobre que interrogam os quesitos 12,13, 15,24,....,26, 27, 33, 34, 49, 50, 51, 52, 53, 58, 59, 60, 75, 76, 80, 84 e 85, anulando-se ao abrigo do disposto no art.729ºn°3 do Código do Processo Civil (CPC).

Não foram apresentadas contra-alegações.

Tudo visto,
Cumpre decidir:

B) Os Factos:

Foram pelas instâncias dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 12 de Fevereiro de 2003 faleceu no estado de solteiro, no Porto, HH, com a idade de 53 anos, filho de JJ e KK (alínea A) dos factos assentes);
2. HH faleceu sem deixar ascendentes, descendentes, cônjuge, irmãos ou descendentes destes (resposta ao número 1 da base instrutória);
3. HH era neto de GG e de LL (alínea C) dos factos assentes);
4. A autora, AA, é filha de HH e de LL e irmã de JJ (alínea D) dos factos assentes);
5. O finado residia há mais de dois anos, por referência à data do seu óbito, na Rua ......., nº.., ... Direito, Póvoa de Varzim (alínea B) dos factos assentes);
6. HH vivia sozinho no apartamento situado na Rua ......., nº...., ... Dtº., Póvoa de Varzim (resposta ao número 2 da base instrutória);
7. O HH visitava, com alguma frequência, sobretudo por alturas festivas, o réu BB (resposta ao número 73 da base instrutória);
8. Os réus DD e marido EE são proprietários de um café-bar, situado na mesma rua onde o II residia, e que este habitualmente frequentava (alínea M) dos factos assentes);
9. O HH frequentava o estabelecimento dos réus EE e mulher (resposta ao número 87 da base instrutória);
10. Os réus DD e marido EE eram amigos há vários anos de BB (alínea N) dos factos assentes);
11. A ré CC é afilhada do HH (resposta ao número 61 da base instrutória);
12. Os réus FF e GG conheciam o falecido HH (resposta ao número 86 da base instrutória);
13. HH, em Agosto de 2002, começou a sentir-se doente e a aumentar o volume do seu ventre (alínea H) dos factos assentes);
14. HH passou a mostrar uma tez pálida e doentia, constatável por aqueles que com ele se relacionavam e a queixar-se de dores no ventre, que cada vez e à medida que o tempo decorria eram mais fortes (alínea I) dos factos assentes);
15. À medida que o tempo decorria, o ventre de HH aumentava desmesuradamente, tendo o mesmo, também porque as dores aumentavam cada vez mais, começado a frequentar a consulta em regime ambulatório no Hospital da Póvoa de Varzim (alínea J) dos factos assentes);
16. O HH passou a frequentar a consulta externa do Hospital da Póvoa de Varzim (resposta ao número 9 da base instrutória);
17. O réu EE acompanhava então HH, regularmente, ao Hospital desta cidade da Póvoa de Varzim, sempre que este aí se dirigia para obter tratamento às dores de ventre (alínea L) dos factos assentes);
18. Nos meses de Novembro e Dezembro de 2002 o estado físico do HH agravou-se por virtude das doenças de que padecia (resposta ao número 3 da base instrutória);
19. Na sequência dos exames feitos e dada a complexidade da sua situação clínica, os serviços médicos do Hospital da Póvoa de Varzim encaminharam HH para o Instituto Português de Oncologia no Porto, onde este foi admitido (alínea O) dos factos assentes);
20. No IPO do Porto, HH efectuou biopsia da tumefacção da região peitoral direita, cujo exame histológico foi compatível com hepatocarcinoma (alínea P) dos factos assentes);
21. HH apresentou, também, nos resultados dos exames efectuados no IPO, numa imagem no fígado com 7 cm de diâmetro e ascite de grande volume (alínea Q) dos factos assentes);
22. Na sequência dos exames médicos que efectuou, veio a concluir-se que HH padecia de um tumor maligno, alojado no peito associado a uma cirrose hepática, bem como que padecia de hepatite B e revelava ser portador de HIV positivo (alínea R) dos factos assentes);
23. HH foi admitido no IPO do Porto em Dezembro de 2002, onde, na sequência dos exames iniciados a 11.12.02, se veio a concluir, nesse mês de Dezembro, que padecia das doenças referidas em x), não tendo o mesmo condições para qualquer terapêutica paliativa (resposta ao número 5 da base instrutória);
24. Após a obtenção dos resultados referidos em x), passou, por prescrição médica, a ser ministrada ao HH morfina diariamente para aplacar as terríveis dores de que padecia (alínea S) dos factos assentes);
25. À medida que se aproximava o fim do mês de Janeiro, acentuava-se o agravamento dos sintomas e da doença de HH (alínea T) dos factos assentes);
26. HH queixava-se de dores e mal-estar (resposta ao número 68 da base instrutória);
27. Em 6 de Janeiro de 2003, tendo tomado conhecimento do estado de saúde de HH, dirigiram-se a casa deste os seus tios II e mulher, o primo MM e, também, NN (resposta ao número 10 da base instrutória),
28. A entrada na casa do HH foi-lhes facultada pelo réu EE (resposta ao número 11 da base instrutória);
29. Ao entrarem na casa do HH aquelas pessoas depararam com o mesmo sujo (resposta ao número 12 da base instrutória);
30. A casa e o HH emanavam mau cheiro, sendo que aquela apresentava sinais de não ser limpa há algum tempo (resposta ao número 13 da base instrutória);
31. A cama e o HH estavam sujos de fezes e urina (resposta ao número 14 da base instrutória);
32. Aqueles familiares, que até então ignoravam o estado de saúde em que se encontrava o II, lavaram-no, limparam a cama e a casa e deitaram-no novamente (resposta ao número 16 da base instrutória);
33. Nesse dia os referidos familiares do HH consultaram uma médica para saber e inteirar-se do estado de saúde do mesmo e do que ele padecia (resposta ao número 17 da base instrutória);
34. O réu EE acompanhou aqueles familiares do HH e levou consigo as radiografias e outros exames que tinha em seu poder (resposta ao número 18 da base instrutória);
35. A referida médica, após ter examinado os exames, explicou aos ditos familiares do que é que o HH padecia, diagnosticando que o mesmo não tinha qualquer hipótese de cura e se encontrava num estado terminal da sua vida (resposta ao número 19 da base instrutória);
36. A médica constatou que o HH tomava morfina para diminuir as dores (resposta ao número 20 da base instrutória);
37. O mencionado II, tio do HH, passou a residir com este último na casa do mesmo, aí passando a pernoitar e a viver (resposta ao número 23 da base instrutória);
38. No dia 17 de Janeiro de 2003, na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, foi outorgado o testamento exarado de fls.14 a 14 vº do Livro nº2-B de “Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos” do 2º Cartório, no qual se encontra identificado como outorgante HH (alínea E) dos factos assentes);
39. O outorgante do testamento referido em pp) (38), declarou deixar ao primeiro réu, BB, noventa por cento (90%) da sua herança, à segunda ré, CC cinco por cento (5%), e os restantes cinco por cento (5%) à terceira ré, DD (alínea F) dos factos assentes);
40. No dia 27.01.03 o HH outorgou a procuração com o conteúdo que consta da cópia junta a fls. 37 (resposta aos números 35 a 37 da base instrutória);
41. Foi o falecido HH quem procurou e quis fazer a procuração de 27/01/03 (resposta ao número 80 da base instrutória);
42. O falecido II fez o testamento, livremente, com perfeita consciência do seu acto, tal qual outorgou a procuração (resposta ao número 82 da base instrutória);
43. Tinha HH plena consciência do que estava a fazer e a favor de quem quis dispor dos seus bens (resposta ao número 83 da base instrutória);
44. Quando fez o testamento e outorgou a procuração o HH estava lúcido e com total liberdade de se determinar nos seus actos (resposta ao número 84 da base instrutória);
45. Aquando da outorga do testamento referido em pp) (38) o réu EE não foi ao Notário só ou acompanhado do HH (resposta ao número 81 da base instrutória);
46. Perto do final do mês de Janeiro de 2003, II e outros familiares do HH pretenderam internar este último na Ordem do Carmo (resposta ao número 39 da base instrutória);
47. O HH recusava-se a ser internado (resposta ao número 85 da base instrutória);
48. Os réus DD e EE opunham-se a esse internamento (resposta ao número 40 da base instrutória);
49. No dia 31 de Janeiro de 2003 o HH esteve numa conferência sobre a apreciação das avaliações do seu património, com vista a acertar as partilhas com a madrasta (resposta ao número 75 da base instrutória);
50. II esteve no dia 31 de Janeiro de 2003 a conversar com os louvados e com HH sobre as avaliações dos seus bens (resposta ao número 76 da base instrutória);
51. Em 01 de Fevereiro de 2003, II e outros familiares do HH internaram este último na Ordem do Carmo (resposta ao número 41 da base instrutória);
52. O diagnóstico médico à entrada na Ordem do Carmo, quanto ao II, foi de que ele era um doente em situação terminal (resposta ao número 43 da base instrutória);
53. O HH foi de imediato colocado a soro e ligado a máquinas e, em 03.02, foi entubado (resposta ao número 44 da base instrutória);
54. O réu BB sabia, como o sabiam os co-réus, que o HH era herdeiro de um património com um valor venal não concretamente apurado (resposta ao número 55 da base instrutória);
55. Os réus BB e DD tomaram conhecimento, em Dezembro de 2002, de que o HH padecia de um tumor maligno (resposta ao número 4 da base instrutória);
56. Pelo menos até 09.01.03 o réu EE conservou em seu poder os resultados e as radiografias dos exames médicos referidos em u), v) e x) (resposta ao número 6 da base instrutória);
57. A autora tomou conhecimento do testamento referido em pp) (38) após o decesso de HH (alínea G) dos factos assentes).

C) O Direito:

A única questão trazida à apreciação deste STJ consiste em saber se o testador estava ou não incapacitado de entender o sentido do que estava a declarar, à data em que outorgou o testamento, violando-se o art.1199º do CC ou se a disposição testamentária foi determinada por erro, dolo ou coacção nos termos do art.2201º do CC e estando incapacitado se o testamento é falso.

Pretende a recorrente que o processo volte ao Tribunal de 1ª instancia, para apreciação dos factos sobre que interrogam os quesitos 12,13, 15,24,....,26, 27, 33, 34, 49, 50, 51, 52, 53, 58, 59, 60, 75, 76, 80, 84 e 85, anulando-se ao abrigo do disposto no art.729ºn°3 do Código do CPC.
O Supremo Tribunal de Justiça não pode censurar as decisões da Relação tomadas no sentido de a matéria de facto provada ser suficiente para uma decisão conscienciosa.
A função do STJ é aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido. É o que expressamente se consigna no nº1 do art.729º do CPC. Por sua vez, o nº2 do citado artigo 729º, determina que a decisão da 2ªinstância quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo quando se verifique qualquer das excepções previstas na 2ª parte do nº2 do art.722º (quando haja ofensa expressa da lei que exija prova vinculada ou que estabeleça o valor de determinado meio probatório).
Não se verificando nenhum dos casos acima referidos, sendo o Supremo um Tribunal de revista, não pode alterar a matéria de facto fixada pelo Tribunal da Relação.
A definitividade das decisões (mesmo em sede de facto), como afirma o Tribunal Constitucional (in Ac.352/86, de 16/12/86, DR, IIª série, de 4/7/87), vai implicada na ideia de certeza do direito, corolário do princípio do Estado de direito e constitui um imperativo da própria função jurisdicional.
O disposto no art.729ºnº3 do CPC só tem aplicação quando a decisão de facto pode e deve ser ampliada de forma a constituir base suficiente para a decisão de direito ou quando hajam contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Ora, compulsada a matéria de facto não só não se verifica a
existência de quaisquer contradições, como o material dado como provado é suficiente à decisão jurídica do caso em apreço.
O que a recorrente pretende é ver consagrada, num eventual segundo julgamento, a sua versão dos factos e não aquela a que as instâncias chegaram. Não pode, pois, deixar de improceder esta exigência da A, ora recorrente.

Analisando, agora, a questão de fundo trazida à apreciação deste Tribunal, temos em primeiro lugar a invocada falsidade do testamento deixado pelo HH.
A força probatória dos documentos autênticos, diz o art.372º do CC, só pode ser ilidida com base na sua falsidade.
A falsidade a que a recorrente se refere consistiria em ter-se atestado como tendo sido objecto da percepção de oficial público factos que na realidade se não verificaram, ou seja, o documento teria sido elaborado com o intuito de representar alguma coisa que, na realidade, se não verificara. Só que a versão da falsidade do testamento, alegada pela A. na petição inicial, não ficou minimamente provada, sendo despicienda qualquer consideração nesse sentido em sede de recurso de revista.
Um documento autêntico, como é o testamento, só tem força probatória plena quanto às acções ou percepções do oficial público no mesmo mencionadas, únicas que, por isso, só podem ser ilididas com base na sua falsidade que, como dissemos, in casu, não se prova.
Em relação aos restantes factos, não cobertos pela força probatória plena do documento – como são os relativos à liberdade da declaração e ao entendimento do seu sentido -, a sua impugnação pode fazer-se, independentemente da arguição de falsidade, pelos meios gerais, visto a lei não estabelecer qualquer norma especial para a sua prova.
Assim, ainda que o testamento alguma coisa referisse sobre a incapacidade acidental do testador ou ela devesse inferir-se do facto de ter sido admitido a testar, isso não obstaria à prova, pelos meios comuns, da sua incapacidade acidental. E, neste caso, por não haver ofensa de nenhuma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, a matéria de facto tem de considerar-se definitivamente resolvida no acórdão do Tribunal da Relação cuja decisão, como dissemos, o Supremo Tribunal de Justiça tem de acatar.
De acordo com o art.2199º do CC “é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.”
Da prova produzida retira-se que o HH se encontrava gravemente doente, desde, pelo menos, Agosto de 2002, com uma situação clínica incurável. Retira-se também que essa situação clínica se agravou entre os meses de Novembro e Dezembro de 2002 de tal forma que alguma diminuição das fortes dores de que era acometido só se efectivava com forte medicação analgésica diária (morfina).
Se é certo que o HH entra, a partir de Janeiro de 2003 até à morte que ocorreu em 12 de Fevereiro desse ano, em fase terminal e que só à custa da morfina conseguia paliar momentaneamente os efeitos da doença; se é sabido que a morfina provoca períodos de grande sonolência ou apatia; não se retira daí que o HH estivesse incapacitado de entender o sentido do declarado no testamento ou não fosse livre no exercício da sua vontade de testar. Entrar numa fase terminal da doença, por si só, não significa perda de lucidez. Aliás, resulta da prova produzida que o falecido HH, apesar da gravidade do seu estado de saúde, fez o testamento, em 17 de Janeiro de 2003, livremente, com perfeita consciência do seu acto e que ainda no dia 31 de Janeiro, esteve a conversar com o II e os louvados sobre as avaliações dos seus bens.
À A., que invocou a incapacidade do testador, cabia o ónus da prova de tal situação, e não provou. Daí que, da prova produzida, se retire que o falecido HH, embora afectado por doença em fase terminal, se encontrava, à data em que testou, em seu perfeito juízo mostrando claramente possuir a necessária capacidade para querer e entender o alcance do seu acto.

Invoca ainda a recorrente que a disposição testamentária em causa é anulável, nos termos do art.2201º do CC, por ter sido determinada por erro, dolo ou coacção.
Nenhuns factos resultam do material provado que aponte para os invocados vícios da vontade.
Não se prova a existência de erro na declaração ou a ausência de vontade do declarante por força de qualquer constrangimento físico ou mental. Como também ficou por provar que o HH ao testar estivesse em erro e que esse erro tenha sido provocado ou dissimulado pelos beneficiados com o testamento ou por terceiro e que estes tenham recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão ou embuste.
A prova não aponta para a existência dos elementos integradores de tais vícios nem sequer deixa a dúvida da possibilidade de presunção de tais factos.
Assim sendo, não pode deixar de improceder o presente recurso.

Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça, em negar revista confirmando o douto acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Março de 2011

Orlando Afonso (Relator)
Cunha Barbosa
Távora Victor