Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
768/20.8PAOLH.E1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
MEDIDA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
FURTO
VIOLÊNCIA DEPOIS DA SUBTRAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
O prognóstico de ressocialização é desfavorável se na origem das práticas delituosas está a problemática aditiva do arguido e ele nem sequer assume um propósito sério de mudança.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 768/20.8PAOLH.E1.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Juízo Central Criminal de Faro foi proferida a seguinte decisão (transcrição):

«(…) e) Condenar o arguido AA pela prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de furto, previsto e punido pelos arts. 203º, nº 1 e 14º, nº 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão (NUIPC 539/20.... - apenso B);

f) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de violência após a subtração, p. e p. pelos arts. 211º, por referência ao art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), este por referência ao art. 204º, nºs 2, al. f) e 4 e 14º, nº 1, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão (NUIPC 768/20.... - autos principais);

g) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material, de um crime de violência após a subtração, p. e p. pelos arts. 211º, por referência ao art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), este por referência ao art. 204º, nºs 2, al. f) e 4 e 14º, nº 1, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão (NUIPC785/20.... – apenso C);

h) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de roubo agravado, previsto e punido pelo art. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência à alínea f) do nº 1 do art. 204º e nº 1 do art. 14º, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (NUIPC 818/20.... - apenso D);

i) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal, por referência ao nº 1 do art. 14º desse diploma, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (NUIPC 838/20.... - apenso A).

j) Efetuado o cúmulo jurídico das penas referidas em e), f), g), h) e i), condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão; (…).

r) Condenar AA a pagar a BB o montante de € 125,00 (cento e vinte cinco euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da presente decisão;

s) Condenar AA a pagar a CC o montante de € 125,50 (cento e vinte cinco euros e cinquenta cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da presente decisão;

t) Condenar AA a pagar a DD o montante de € 400 (quatro centos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da presente decisão;(…)».

2. Inconformado recorreu o arguido apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

«A - Foi o arguido AA, condenado pela prática de:

- 1 crime de furto, na pena de 6 meses de prisão (NUIPC 539/20.... – apenso

B);

- 1 crime de violência após a subtracção, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão (NUIPC 768/20.... - autos principais);

- 1 crime de violência após a subtracção, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão (NUIPC785/20.... — apenso C);

- 1 crime de roubo agravado, na pena de 4 anos de prisão (NUIPC 818/20.... - apenso D);

- 1 crime de roubo, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão (NUIPC 838/20.... - apenso A).

B – O Colectivo de Juízes condenou o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão efectiva.

C – O objecto do presente recurso prende-se, com a fixação da medida da pena, e, por conseguinte, a ponderação da suspensão da execução de pena de prisão.

D – A pena de prisão efectiva de 5 anos e 10 meses aplicada ao arguido, não se conforma com a lei, não se revela justa, e foi manifestamente excessiva atenta a moldura penal aplicável nos vários crimes em causa e a todo o circunstancialismo dado por provado.

E - Foram violados os princípios e normas que regem a aplicação das penas em concreto, os artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º, n.º 1 do Código Penal.

F - Preceitua o art.º 40.º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (n.º 2).

G – O art.º 71.º do Código Penal estipula, por outro lado, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

H - A pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente e deve ser individualizada no necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos, exigível.

I – A determinação concreta da pena há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.

J – As finalidades da aplicação de uma pena residem na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar a medida da culpa. E a nível de culpa, numa perspectiva global dos factos, há que determinar a intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido.

K – No caso concreto e para a determinação da medida concreta das penas em relação ao arguido AA foi considerado:

- o grau de ilicitude do facto:

. no crime de furto é mediano, considerando a actuação concertada, num estabelecimento comercial e na presença da ofendida, o valor do prejuízo;

. nos dois crimes de violência após a subtracção é reduzido, porquanto, não obstante exista uma acção concertada quanto à subtracção e se trate em ambos os casos de estabelecimento comercial, o valor é reduzido, ficando, assim o desvalor da acção atenuado face ao desvalor do resultado;

. no crime de roubo agravado é elevada, atendendo a que foram dois agentes, à força física que é exercida sobre a vítima dentro da sua própria residência, às características da própria vítima, que eram conhecidas do arguido, ao tipo de objecto, apenas funcionando como atenuante a recuperação do objecto;

. no crime de roubo simples a ilicitude é diminuta, já que o grau de violência é diminuto, bem como face ao tipo de objecto e respectivo valor;

- quanto aos sentimentos manifestados nos factos, há a referir que o arguido demonstra indiferença pelos ofendidos, especialmente agravada em relação a DD, que conhecia de efectuar venda de fruta na sua residência; o arguido actuou sempre com dolo directo;

- são elevadas as exigências de prevenção geral quanto a todos os crimes, pela frequência com que são cometidos na comarca;

- também são elevadas as de prevenção especial, face ao número dos crimes praticados pelo arguido, sendo que parte deles são crimes graves, a que acresce o facto de já ter sofrido condenações pela prática de crimes, incluindo de natureza patrimonial; também o percurso de vida do arguido reforça a necessidade de prevenção, dado o seu percurso de vida ligado ao desinvestimento escolar e profissional e adição a estupefacientes, que consome desde a adolescência, embora conte com apoio familiar;

- o arguido confessou os factos na parte atinente à subtracção, embora no que respeita ao crime de roubo agravado não reconheça o carácter ilegítimo dessa subtracção, por referir doação prévia do objecto, sendo, assim, quanto a esta situação, a parte em que admite os factos de escasso relevo.

L – Resulta do relatório social e com relevância para a questão da determinação da sanção que:

- À data da prisão preventiva no âmbito dos presentes autos, em 26/11/2020, o arguido AA integrava o seu agregado de origem, do qual nunca se autonomizou, constituído pela mãe e três dos seus seis irmãos, um deles o co-arguido EE, tendo o pai falecido recentemente;

- A dinâmica intrafamiliar surge caracterizada por sentimentos de ajuda e pertença entre os seus elementos;

- A mãe apresenta problemas de saúde crónicos, bem como um dos irmãos coabitantes;

- Sem qualquer qualificação profissional, o arguido desenvolve desde os 12 anos de idade, trabalho pontual e de cariz imediatista na ..., inicialmente em coadjuvação do pai, ... e posteriormente dos irmãos, com similares modos de vida, mediante o reembolso de 10 a 15 euros/dia e/ou algum ..., sendo de salientar a manutenção deste enquadramento pelo menos desde 2013;

- O arguido encontrava-se inactivo desde há cerca de um ano alegadamente por motivos associados à pandemia do país;

- O arguido protagonizou precocemente uma vivência de rua e inserção em grupo de pares de cariz marginal, com manifesto risco comportamental, nomeadamente em termos do seu comportamento aditivo em crescendo, situando o início do consumo de estupefacientes (haxixe, heroína e cocaína fumada), aos 16 anos de idade;

-O arguido esteve sujeito a tratamento junto da ETET do ... em ..., desde há cerca de 3 anos, em regime ambulatório e por substituição de metadona, mas com uma assiduidade esporádica nas consultas e descontinuidade no tratamento;

- Á data da reclusão, o arguido consumia substâncias psicoactivas, tendo-se sujeitado por sua iniciativa à retoma do tratamento por substituição de metadona, contexto que mantém;

- O arguido continua a expressar vontade pela continuidade do tratamento em regime de internamento, considerando a sua terapeuta actualmente, reunir o mesmas condições pessoais para o efeito;

- Em meio prisional AA tem vindo a protagonizar comportamento adequado, em termos de cumprimento e aceitação das normas institucionais;

- O arguido tem usufruído de visitas e algum apoio dos irmãos e da mãe.

M – Relativamente aos antecedentes criminais do arguido refere-se que:

- o arguido foi condenado pela prática, em 23/11/2011, de um crime de ameaça agravada, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total de € 500,00, substituída por trabalho e declarada extinta por despacho de 12/12/2013, em 25/11/2013.

- o arguido foi condenado pela prática, em26/08/2016, de um crime de dano, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 6, num total de € 420,00, substituída por trabalho e declarada extinta por despacho de 14/11/2018, por referência a 21/05/2018.

- arguido condenado pela prática, em 22/09/2020, de um crime de furto qualificado, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, declarada extinta pelo pagamento da multa, em 22/09/2020.

N - Compulsados os autos e o douto Acórdão, a pena de prisão efectiva aplicada deveria ter sido inferior a 5 anos e, poderia ter sido suspensa na sua execução, por estarem reunidos os requisitos para tanto.

O – A pena concreta a aplicar deveria rondar o limite mínimo da moldura penal aplicável ou até a ponderação por uma pena não privativa da liberdade, especialmente em relação ao crime de furto simples no NUIPC 539/20.... (Apenso B) em que o arguido confessou integralmente os factos e o montante dos bens furtados traduziu-se no valor diminuto de 90,00€, sendo esta segunda opção adequada e suficiente para acautelar as necessidades de punição concretamente aqui reclamadas.

P – Deveria o Tribunal ter relevado, nos NUIPC 768/20.... (Principal), NUIPC 785/20.... (Apenso C) e NUIPC 838/20.... (Apenso A), a confissão espontânea pelo arguido uma vez que contribuiu para o apuramento dos factos especialmente no Apenso A em que o ofendido não foi ouvido sequer em audiência de julgamento, bem como o facto de não terem resultado quaisquer lesões e danos a terceiros.

Q - Nestas três situações considera-se que a violência empregada na actuação do arguido foi irrelevante, sendo que o prejuízo sofrido e apurado nos dois primeiros casos foi de 25,00€ e no terceiro caso não se logrou sequer apurar o prejuízo correspondente.

R – Atendendo a todos os elementos até aqui ponderados, não existem factos que concluam que a simples censura do facto e ameaça da pena de prisão não realizassem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo possível efectuar um julgamento em sentido positivo na eficiência de uma pena nesses termos.

S – Face aos factos provados, o Tribunal aplicou penas manifestamente exageradas e desproporcionadas às necessidades de prevenção geral e especial que os casos requeriam e que, pelo menos, a pena aplicada a este grupo de condenações atrás referidas, deveria ter sido reduzida de forma a permitir em cálculo final uma pena de prisão inferior 5 anos de prisão e posterior apreciação de uma suspensão da pena de prisão aplicada.

T – Caso o Tribunal tivesse optado por uma pena não superior a 5 anos de prisão, entendemos que dos autos decorrem elementos bastantes de modo que, atendendo à personalidade do arguido, as condições de sua vida, a sua conduta anterior e posterior aos factos e às circunstâncias destes, se concluísse que a simples censura de facto e a ameaça da pena de prisão bastariam para afastar o arguido da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

U - Na verdade, o ora recorrente confessou de forma livre e espontânea os factos relativos à sua participação nos ilícitos em que foi condenado, colaborando com o Tribunal no apuramento e contornos da sua actuação, o que não deixa de revelar um traço positivo da sua personalidade e que se reflecte na culpa, autocensura e interiorização do respectivo desvalor da sua conduta.

V- No que respeita ao passado criminal do arguido, somos da opinião que este não deve prejudicar a posição actual do recorrente uma vez que apresenta, apenas três condenações em penas de multa, todas elas declaradas extintas pelo cumprimento.

W – Os crimes praticados nestes autos resultaram em prejuízos de valores sem expressão ou mesmo não apurados, condutas condicionadas por um contexto de carência económica e desespero por obter dinheiro para sustentar o seu vício que, embora grave, não radica numa qualidade desvaliosa da personalidade do arguido, mas sim no flagelo social do consumo de drogas.

X –As consequências dos crimes em termos patrimoniais, revelaram-se quase inexistentes, tal como o dano causado na comunidade diminuindo desta forma o grau da lesão jurídica.

Y – O arguido é jovem, nada levando a crer que o mesmo adopte novas condutas ilícitas no seu percurso de vida, especialmente com o problema da adição de droga resolvido ou pelo mesmos controlado, uma vez que resulta dos autos que o móbil dos crimes praticados era obter dinheiro para suportar os seus hábitos de consumo.

Z – O arguido encontra-se sujeito a prisão preventiva desde 26/11/2020, e o seu comportamento em meio prisional tem sido desde o início bastante positivo, mostrando-se empenhado no tratamento e recuperação da dependência de substâncias psicoactivas, tendo como factores de protecção o suporte fornecido pela família.

AA - Perante a participação do arguido nos factos conjugada com a ilicitude até diminuta de alguns dos crimes em que foi condenado e as consequências reduzidas do comportamento ilícito do arguido, serão suficientes de momento a censura  desses factos e a ameaça da prisão para garantir as finalidades punitivas permitindo-se assim que, sem sujeição a prisão efectiva, se possa justificar a concessão deste benefício, na esperança de que a sua situação de risco por consumo de substâncias ilícitas tenha influenciado o comportamento e que este tenha sido meramente ocasional, e que o tratamento que iniciou no Estabelecimento Prisional e que pretende dar continuidade permita de futuro o afastamento total deste percurso ligado à Justiça.

BB - Uma suspensão da execução da pena de prisão deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido e a esperança de que o mesmo sentirá a sua condenação e privação preventiva desde Novembro de 2020 como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

CC - A censura associada à ameaça de prisão será suficiente para a realização das finalidades da pena, em que o arguido percebe que o Tribunal lhe estará a dar uma oportunidade para se emendar, antes de lhe ser aplicada, efectivamente, uma sanção pesada e irreversível que o prive do convívio com o seu meio social e familiar, tal como a continuidade na recuperação da dependência de droga e desenvolvimento da actividade profissional com apoio e coadjuvação dos seus irmãos.

DD - O cumprimento de uma pena de 5 anos e 10 meses de prisão efectiva, terá efeitos muito gravosos, não só para o próprio arguido que ainda é um jovem tal como no contexto social e familiar em que se insere. Esta pena terá efeitos inversos aos pretendidos, designadamente no que se prende com a ressocialização do arguido e a sua reintegração na sociedade, dando origem a uma inevitável futura exclusão social e marginalização do arguido no meio em que vive.

EE - A suspensão da execução da pena de prisão com imposição da continuidade do tratamento da toxicodependência preferencialmente em meio terapêutico, vontade expressada pelo arguido desde o primeiro interrogatório judicial de arguido detido em 25/11/2020, e mantida em sede de elaboração do relatório social e com anuência da respectiva terapeuta, para além de constituir uma forma de censura tornar-se-á num meio de ressocialização e recuperação do individuo, não colocando em causa a confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

FF - Assim sendo e por respeito ao princípio da proporcionalidade e adequação, e face à matéria dada como provada, deveria ter o Tribunal a quo ter aplicado ao arguido, uma pena de prisão inferior a 5 anos e suspensa na sua execução, sob pena de extravasar a medida da culpa do arguido.

GG - Face ao exposto, facilmente se conclui que foi violado o princípio da proporcionalidade, princípio este, decorrente do Estado de Direito Democrático, segundo o qual as restrições de direitos e liberdades fundamentais só podem legitimamente ter lugar desde que proporcionais à gravidade e aos efeitos dos factos cuja prática as fundamenta.

HH - Entendemos que a douta Decisão violou o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71.º e 77.º, n.º 1 todos do Código Penal, devendo ter sido aplicada ao arguido uma pena de prisão inferior a 5 anos, suspensa na sua execução e acompanhada de um regime de prova em detrimento de uma pena de prisão efectiva, assim se acautelando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem como desta forma possibilitaria o tratamento e recuperação em meio apropriado, ressocialização e reintegração do arguido na sociedade.

Nestes termos e, nos demais de Direito aplicáveis, sempre com mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, por via dele, ser fixada uma pena não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, por se cumprirem os requisitos para tal, assim se fazendo justiça!».

3. O Ministério Público na resposta concluiu (transcrição):

1 – O recorrente interpôs recurso do acórdão proferido nos autos à margem referenciados que o condenou na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, pena essa que cumulou, além das restantes, a pena parcelar de 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º do CP.

2 - Impugna unicamente a medida concreta da aludida pena parcelar e, em consequência, da pena única aplicada por força do concurso de penas verificado, pugnando pela redução das mesmas, por as considerar injustas, excessivas e desadequadas às circunstâncias do caso, uma vez que confessou parcialmente os factos e colaborou com a justiça. Pugna pela sua condenação numa pena inferior a cinco anos de prisão, que deverá ser suspensa na sua execução.

3 – O Ministério Público discorda de tal argumentação, uma vez que o Tribunal Colectivo sopesou devidamente todas as circunstâncias relevantes à determinação da medida concreta de cada uma das penas ora em crise, de acordo com o disposto nos art.ºs 40.º, 71.º, 72.º e 77.º todos do Código Penal.

4 – Valorou corretamente e no seu conjunto os factos e a personalidade do agente, nomeadamente, a natureza e a gravidade dos factos praticados pelo arguido, o grau de culpa manifestado na execução dos ilícitos, a conduta deste anterior e posterior aos factos;

5 – Tudo ponderado e considerando a moldura penal abstracta dos crimes em concurso (4 anos e 9 anos e 1 mês de prisão) consideramos, tal como o Tribunal Colectivo considerou, ser elevado o juízo de censura a formular relativamente à conduta do arguido, sendo ainda prementes quer as exigências de prevenção geral e, em particular, as necessidades de marcar um percurso ressocializante para o arguido.

6 – Pelo exposto e atenta a moldura penal abstracta do crime de furto referenciado pelo arguido e do concurso de penas subsequente (4 anos e 9 anos e 1 mês de prisão), uma vez que o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura na apreciação que fez das circunstâncias relevantes para a determinação da pena parcelar por aquele ilícito e da pena única que acabou por aplicar ao ora recorrente, o Ministério Público pugna pela manutenção da mesma.

Nestes termos, deve negar-se provimento ao recurso interposto, por ausência de fundamentos de facto ou de Direito que inquinem a decisão proferida, mantendo-se o acórdão nos seus precisos termos, com o que se fará justiça!

4. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o recurso «deverá improceder», porque «o arguido sofreu já três condenações que de nada serviram para o afastar da criminalidade. Na verdade, o trajecto de vida descrito no seu relatório social ilustra bem o que têm sido as suas opções, enformadas pela sua dependência de estupefacientes. Assim, a benevolência dos tribunais de nada serviu, pois não soube aproveitar a brandura demonstrada e continuou a delinquir, não sendo capaz de manter a trajectória positiva pela qual, a certa altura, pareceu querer enveredar.

Frise-se, pois, que se descortinam aqui exigências de prevenção geral e especial particularmente relevantes, ou não fosse o crime de roubo praticado contra uma vítima que se encontrava no seu próprio domicílio, um tipo de ilícito com efeito extraordinariamente danoso na tranquilidade psicológica da pessoa atingida; um crime, aliás, que gera justificado alarme social junto dos cidadãos.

Note-se, de resto, que o Tribunal fixou a pena única acrescentando, ao limite mínimo, pouco mais de um terço da diferença entre a pena parcelar mais alta – 4 anos – e a soma aritmética de todas elas – 9 anos e 1 mês.

Em suma, a decisão respeitou os critérios habitualmente seguidos pela mais ampla jurisprudência.

Parece-nos, pois, que o aresto fez uma adequada interpretação dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos art.ºs 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1 e 2, als. a) a c), e) e f) do Código Penal.

Atendeu-se, cremos, à vantagem da reintegração tão rápida quanto possível do arguido em sociedade; sem se esquecer, porém, que a pena deve visar também, de forma equilibrada, a protecção dos bens jurídicos e a prevenção especial e geral, neste caso particularmente relevantes.

Com efeito, as fortíssimas exigências de prevenção e a gravidade do comportamento do arguido tinham, em conformidade e de acordo com os critérios acima referidos, de ser traduzidos em pena correspondente à medida da sua culpa; o que o tribunal recorrido conseguiu com uma pena única inteiramente justa e que respeita as finalidades visadas pela punição».

5. Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, CPP, reiterou a posição inicial.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

A

Factos provados (transcrição):

1- NUIPC 539/20.... (apenso B)

1.1- No dia 14 de Julho de 2020, cerca das 19H20, os arguidos AA e EE, na sequência de combinação prévia nesse sentido, dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado B.…, sito na Avenida ..., ....

1.2- Seguidamente, os arguidos AA e EE, na sequência de combinação prévia, retiraram pelo menos 12 T-shisrts de criança dos expositores desse estabelecimento comercial, com o valor individual de € 7,5 e global de 90€ e colocaram-se em fuga.

1.3- Esses artigos de vestuário não foram recuperados, tendo sido vendidos pelos arguidos para com o produto da venda adquirirem estupefacientes para o seu consumo.

2- NUIPC 768/20.... (principal)

2.1- No dia 11 de Setembro de 2020, cerca das 16H00, os arguidos AA e EE, na sequência de combinação prévia entre ambos, dirigiram-se ao ..., sito na Rua ..., ....

2.2- Seguidamente, os arguidos AA e EE, sempre na sequência de combinação prévia, solicitaram a venda de 5 maços de tabaco, com o valor global de 25€.

2.3- Nesse momento, BB, proprietário desse estabelecimento, colocou esses maços de tabaco em cima do balcão.

2.4- Em ato contínuo, o arguido EE, na sequência de combinação prévia com o arguido AA, pegou nesses maços de tabaco e ambos colocaram-se em fuga.

2.5- Após, FF foi no seu encalço, altura em que o arguido AA exibiu uma faca na sua direção, tendo FF tropeçado e caído ao solo.

2.6- Esses maços de tabaco não foram recuperados.

3- NUIPC 785/20.... (apenso C)

3.1- No dia 14 de Setembro de 2020, cerca das 15H20, os arguidos AA e EE, na sequência de combinação prévia entre ambos, dirigiram-se à T.…, sita na Rua ..., ....

3.2- Seguidamente, os arguidos AA e EE, na sequência de combinação prévia entre ambos, solicitaram a venda de 5 maços de tabaco, com o valor global de 25,50€.

3.3- Nesse momento, CC, proprietária desse estabelecimento, colocou esses maços de tabaco em cima do balcão.

3.4- Em ato contínuo, o arguido EE, na sequência de combinação prévia com o arguido AA, pegou nesses maços de tabaco e ambos colocaram-se em fuga.

3.5- Após, CC foi no seu encalço, altura em que o arguido AA lhe exibiu uma faca na sua direção, de que resultou medo para CC.

3.6- Esses maços de tabaco não foram recuperados.

NUIPC 758/20.... (apenso E)

4.1- No dia 18 de Setembro de 2020, cerca das 18H25, na Rua ..., ..., indivíduo de identidade não concretamente apurada aproximou-se de GG.

4.2- Em ato contínuo, indivíduo de identidade não concretamente apurada empurrou GG, agarrando-a na zona da cabeça e projetou a mesma de encontro a uma parede por modo a obrigá-la a largar o seu saco de verga que trazia a tiracolo.

4.3- No momento em que o largou, o referido indivíduo de identidade não concretamente apurada pegou no saco de GG, com conteúdo não concretamente apurado e colocou-se em fuga.

4.4- Esse saco e o seu conteúdo não foram recuperados.

4.5- Em momento não concretamente apurado, o arguido AA aproximou-se de GG e deixou cair o seu telemóvel.

NUIPC 818/20.... (apenso D)

5.1- No dia 9 de Outubro de 2020, cerca das 12H00, o arguido AA e outro indivíduo de identidade não concretamente apurada, na sequência de combinação prévia entre ambos, dirigiram-se à residência de DD e sua irmã HH, sita na Rua ..., ....

5.2 -Seguidamente, um deles, em conjugação de esforços com o outro, acionou a campainha.

5.3- Entretanto, DD abriu-lhes a porta da sua residência, por conhecer AA de vender fruta e peixe aporta da sua residência.

5.4- Em ato contínuo o arguido AA, conhecendo as suas dificuldades cognitivas e diminuição locomotora, entrou para a sala que constitui a entrada da residência e empurrou DD, projetando-a contra o sofá.

5.5- Subsequentemente, o arguido AA e o indivíduo de identidade não concretamente apurada, na sequência de combinação prévia entre ambos, dirigiram-se a uma máquina de lavar roupa que se encontrava colocada nessa sala de entrada da residência.

5.6- Seguidamente, o arguido AA e o indivíduo de identidade não concretamente apurada, na sequência de combinação prévia entre ambos, pegaram nessa máquina de lavar roupa e colocaram-se em fuga.

5.7- Essa máquina de lavar roupa, com o valor de pelo menos 150,00€, foi recuperada num prédio sito ao lado do prédio onde habita os arguidos AA e EE, prédio esse sito na ..., ....

5.8- Na sequência da conduta do arguido AA, DD ficou com dores no joelho, com que embateu contra o sofá e ficou amedrontada.

NUIPC 838/20.... (apenso A)

6.1- No dia 13 de Outubro de 2020, cerca das 12H00, na Rua ..., ..., os arguidos AA e EE circulavam na via pública, tendo-se o primeiro aproximado de II.

6.2- Em ato contínuo, o arguido AA alcançou com as suas mãos o saco de plástico que II transportava e que continha uma máquina de enrolar cigarros e tabaco.

6.3- Seguidamente, o arguido AA puxou com as suas mãos esse saco transportado por II.

6.4- Após, o arguido AA colocou-se em fuga na posse desse saco.

6.5- Esse saco e o seu conteúdo não foram recuperados.

E ainda

7.1- Os arguidos AA e EE agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo se apropriar, ilegitimamente dos artigos de vestuário do estabelecimento comercial B.… sem o consentimento dos seus proprietários.

7.2- Os arguidos AA e EE agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo se apropriar, indevidamente dos mencionados maços de tabaco que retiraram do ..., sendo o arguido AA também mediante exibição de uma faca, por modo a conservar e não restituir esses maços de tabaco ao proprietário.

7.3- Os arguidos AA e EE agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo se apropriar, indevidamente dos mencionados maços de tabaco que retiraram da T.…, sendo o arguido AA também mediante exibição de uma faca, por modo a conservar e não restituir esses maços de tabaco à proprietária.

7.4- O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo se apropriar, indevidamente da mencionada máquina de lavar pertencente a HH, sem o consentimento da proprietária, por intermédio da referida violência física sobre DD, tendo ilegitimamente acedido ao interior da sua residência, sem consentimento para esse efeito por parte desta ou HH.

7.5- O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo se apropriar, indevidamente do mencionado saco e conteúdo pertencentes a II, sem o seu consentimento, por intermédio de violência física sobre o mesmo.

Das condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos

8.1- Por sentença proferida em 10/04/2013, transitada em julgado em 10/05/2013, no processo comum singular nº 643/11…, do antigo ... juízo do Tribunal Judicial ..., foi o arguido AA condenado pela prática, em 23/11/2011, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1, 155º, al. a), por referência ao art. 131º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total de € 500,00, pena que, por despacho de 03/10/2013, foi substituída por 100 horas de trabalho e foi declarada extinta por despacho de 12/12/2013, em 25/11/2013.

8.2- Por sentença proferida em 06/02/2017, transitada em julgado em 24/02/2017, no processo comum singular nº 697/16...., do Juízo de Competência Genérica ... – J..., foi o arguido AA condenado pela prática, em 26/08/2016, de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1 do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 6, num total de € 420,00, pena que, por despacho de 26/10/2017, foi substituída por 70 horas de trabalho e foi declarada extinta por despacho de 14/11/2018, por referência a 21/05/2018.

8.3- Por sentença proferida em 19/12/2018, transitada em julgado em 31/01/2019, no processo comum singular nº 470/16…, do Juízo de Competência Genérica ... – J..., foi o arguido AA condenado pela prática, em 22/09/2020, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. f) do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, pena que, por despacho de 12/10/2020, foi declarada extinta pelo pagamento da multa, em 22/09/2020.

8.4- À data da prisão preventiva no âmbito dos presentes autos, em 26/11/2020, o arguido AA integrava o seu agregado de origem, do qual nunca se autonomizou, constituído pela mãe e três dos seus seis irmãos, um deles o coarguido EE, tendo o pai falecido recentemente.

8.5- O grupo familiar reside em casa camarária, de tipologia ..., sito em bairro social com múltiplas problemáticas sociais.

8.6- A dinâmica intrafamiliar surge caraterizada por sentimentos de ajuda e pertença entre os seus elementos, ainda que numa ambiência de alguma indulgência parental.

8.7- A mãe apresenta problemas de saúde crónicos, bem como um dos irmãos coabitantes.

8.8- Decorrente de fragilizadas condições sócio familiares, o arguido registou precoces dificuldades de inserção escolar, surgindo o percurso escolar formativo do arguido de reduzida expressão, tendo abandonado os estudos aos 15 anos de idade, após a conclusão do 4º ano, e sem ter adquirido as competências básicas de leitura e escrita.

8.9- Sem qualquer qualificação profissional, o arguido desenvolve desde os 12 anos de idade, trabalho pontual e de cariz imediatista na ..., inicialmente em coadjuvação do pai, ... e posteriormente dos irmãos, com similares modos de vida, mediante o reembolso de 10 a 15 euros/dia e/ou algum ..., sendo de salientar a manutenção deste enquadramento pelo menos desde 2013.

8.10- Economicamente o agregado familiar do arguido movimentava-se num quadro de manutenção limite, sendo referido como única fonte de rendimento, o vencimento do irmão mais novo (21 anos) ativo no ramo da restauração.

8.11- O arguido encontrava-se inativo desde há cerca de um ano alegadamente por motivos associados à pandemia do país.

8.12- O arguido protagonizou precocemente uma vivência de rua e inserção em grupo de pares de cariz marginal, com manifesto risco comportamental, nomeadamente em termos do seu comportamento aditivo em crescendo, situando o início do consumo de estupefacientes (haxixe, heroína e cocaína fumada), aos 16 anos de idade.

8.13- O arguido esteve sujeito a tratamento junto da ETET do ... em ..., desde há cerca de 3 anos, em regime ambulatório e por substituição de metadona, mas com uma assiduidade esporádica nas consultas e descontinuidade no tratamento, nunca tendo assumido qualquer iniciativa com vista ao seu internamento em comunidade terapêutica.

8.14- Á data da reclusão, o arguido consumia substâncias psicoativas, tendo-se sujeitado por sua iniciativa à retoma do tratamento por substituição de metadona, contexto que mantém.

8.15- Não obstante o arguido continuar a expressar vontade pela continuidade do tratamento em regime de internamento, considerando a sua terapeuta atualmente, reunir o mesmo condições pessoais para o efeito, em 19 junho 2021 acusou positivo no consumo de opiáceos, nos teste de despiste a que foi sujeito.

8.16- O arguido apresenta-se centrado numa postura vitimada das suas condições de vida, pessoais e familiares, em detrimento da assunção de iniciativas e ou projetos com vista à inflexão da sua problemática vivencial e laboral, mas também comportamental, o que indicia alguma imaturidade e dificuldades de descentração pessoal e de resolução de problemas.

8.17- O arguido vivencia a presente a situação jurídico-penal de reclusão com algum desconforto, minimizando e racionalizando a sua responsabilidade nos acontecimentos que o colocaram nesta situação, através de uma postura vitimada pelo alegado estado alteração da consciência, associado ao consumo de estupefacientes.

8.18- Em meio prisional AA tem vindo a protagonizar comportamento adequado, em termos de cumprimento e aceitação das normas institucionais, registando, contudo, recentemente, uma sanção disciplinar pelo consumo de substâncias.

8.19- O arguido tem usufruído de visitas e algum apoio dos irmãos e da mãe, tendo as visitas desta sido suspensas por um período de três meses, por incumprimento das regras institucionais relativas às visitas, contando com apoio familiar.

9.1- O arguido EE não regista antecedentes criminais.

9.2- À data da prisão preventiva no âmbito dos presentes autos, em 26/11/2020, EE integrava o seu agregado de origem, do qual nunca se autonomizou, constituído atualmente pela mãe e três dos seus irmãos, um deles o coarguido AA, tendo o pai falecido recentemente.

9.3- No que respeita ao grupo familiar, verifica-se o referido em 8.5 a 8.7.

9.4- O arguido completou o 9.º ano de escolaridade, através de curso profissional de empregado de mesa e barman.

9.5- Em termos ocupacionais/laborais, o arguido desenvolvia trabalho pontual e de cariz imediatista na descarga do peixe na ..., conjuntamente com o irmão AA.

9.6- Economicamente, verifica-se o referido em 8.10.

9.7- O arguido manteve precocemente uma vivência de rua e uma inserção em grupo de pares de cariz marginal, que nunca abandonou, com manifesto risco comportamental, nomeadamente em termos do seu comportamento aditivo em crescendo, situando o início do consumo de estupefacientes aos 18 anos de idade.

9.8- Manteve pela ETET do ... em ..., desde há cerca de 3 anos, em regime ambulatório e por substituição de metadona, mas com uma assiduidade esporádica nas consultas e descontinuidade no tratamento, nunca tendo estado mais de um mês sem consumir.

9.9- Deu entrada há cerca de 4 anos em comunidade terapêutica onde permaneceu apenas um ou dois dias.

9.10- Está agora motivado para internamento em comunidade terapêutica, aparentando estar preparado para tal.

9.11- Em meio prisional tem protagonizado no geral comportamento adequado, em termos de cumprimento e aceitação das normas institucionais.

9.12- No entanto, acusou positivo a opiáceos, tendo sido punido disciplinarmente.

*

2. Factos não provados:

Autos principais

1- Os maços de tabaco referidos em 2.2 dos factos provados tivessem o valor de € 26 (tendo-se provado terem apenas de € 25);

2- Os factos descritos em 2.5 dos factos provados foram praticados em conjugação de esforços e concertadamente com o arguido EE.

NUIPC 785/20.... (apenso C)

3- Os factos descritos em 3.5 dos factos provados foram praticados em conjugação de esforços e concertadamente com o arguido EE.

NUIPC 758/20.... (apenso E)

4- Os factos descritos em 4.1 a 4.3 dos factos provados foram praticados em conjugação de esforços e concertadamente pelos arguidos AA e EE.

5- Na ocasião referida 4.1 dos factos provados GG foi agarrada pelos cabelos.

6- Na ocasião referida em 4.2 dos factos provados foi por diversas vezes que GG foi empurrada contra a parede.

7- objeto referido em 4.3 dos factos provados era um cesto e continha a quantia de 1500€ e 2 telemóveis.

8- Como consequência da conduta descrita em 4.1 a 4.3 dos factos provados, GG não logrou pagar o seu alojamento, circunstância pela qual ficou desalojada e sem dinheiro para se alimentar autonomamente.

NUIPC 818/20.... (apenso D)

9- O indivíduo não identificado descritos em 5.1 a 5.6 dos factos não provados é o arguido EE.

10- Era há anos que DD conhecia o arguido AA.

11- DD ao ser empurrada na entrada caiu logo para o chão.

12- DD tinha demência.

13- A máquina de lavar tinha o valor de € 269,99.

14- A máquina era também pertença de DD.

15-Que para além da sala AA e o outro indivíduo tenham acedido a outras divisões do interior da residência.

16-Foi no interior da residência dos arguidos AA e EE que a máquina de lavar foi recuperada.

NUIPC 838/20.... (apenso A)

17-Os factos descritos em 6.1 a 6.4 foram praticados pelo arguido EE, em conjugação de esforços e concertadamente com o arguido AA.

Mais não se provou

18-Nas situações do quiosque e tabacaria o arguido EE atuou conjugadamente com o arguido AA quando este exibiu a faca por modo a conservarem e não restituírem esses maços de tabaco à proprietária.

19- Os arguidos AA e EE agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo se apropriar, indevidamente do mencionado cesto e seu conteúdo pertencentes a GG, sem o seu consentimento, por intermédio de violência física sobre a mesma, deixando-a em difícil situação económica.

20- O arguido EE agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo se apropriar, indevidamente, da mencionada máquina de lavar pertencente a HH, sem o consentimento da proprietária, por intermédio de violência física sobre DD e tendo ilegitimamente acedido ao interior da sua residência sem consentimento para esse efeito.

21- O arguido EE agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo se apropriar, indevidamente do mencionado saco e conteúdo pertencentes a II, sem o seu consentimento, por intermédio de violência física sobre o mesmo.

*

B

O Direito

Questões a decidir:

a) Medida das penas parcelares aplicadas aos crimes de violência após a subtração e de furto.

b) Medida da pena única.

Medida das penas parcelares.

1. Segundo recorrente a pena concreta do crime de furto deveria rondar o limite mínimo da moldura penal aplicável ou ser aplicada pena não privativa da liberdade, dado que confessou integralmente os factos e o montante dos bens furtados. Lida a motivação constata-se que a confissão não foi integral, nem revestiu a relevância que o recorrente lhe atribui.

2. O crime de furto cometido pelo arguido é punível com pena de prisão até 3 anos, ou com pena de multa (art. 203.º/1, CP). Na escolha da pena deve ser dada preferência fundamentada à pena não detentiva sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70.º, CP). A finalidade primeira da aplicação das penas é a proteção de bens jurídicos (art. 40.º/1, CP). As condenações anteriores em pena de multa dizem-nos que repetir a aplicação da pena de multa não se mostra uma opção satisfatória no plano da prevenção (geral e especial). Afigurando-se-nos correta a opção pela prisão, a pena de seis meses, bem junto do seu limite mínimo, será mantida.

3. Alega o recorrente que «nos NUIPC 768/20.... (Principal), NUIPC 785/20.... (Apenso C) e NUIPC 838/20.... (Apenso A), a confissão espontânea pelo arguido uma vez que contribuiu para o apuramento dos factos especialmente no Apenso A em que o ofendido não foi ouvido sequer em audiência de julgamento, bem como o facto de não terem resultado quaisquer lesões e danos a terceiros». Desta alegação deduz-se a queixa do recorrente de que a alegada confissão espontânea não foi levada em conta na determinação das penas parcelares nos referidos processos. Sem razão e por uma dupla ordem de fatores. Em primeiro lugar, não temos confissão integral e sem reservas, esquecendo o recorrente que em relação aos crimes de violência após a subtração, negou a verificação de um elemento do tipo fulcral: a exibição da faca. Depois, essa confissão foi ponderada, como resulta da fundamentação, só que, a medida da sua repercussão nas penas, não assume a relevância que o recorrente pretende, mas sem razão. Foram ponderadas as circunstâncias relevantes, nos termos do art. 71.º, CP; as penas parcelares foram justificadamente fixadas pouco acima do limite mínimo da moldura penal abstrata, em quantum ainda permitido pela culpa do agente.

Medida da pena única.

4. A decisão recorrida puniu o concurso de crimes com uma pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão. A pretensão do arguido é muito clara: a aplicação de uma pena única de prisão que possibilite a suspensão da sua execução, o que vale por dizer uma pena que se situe entre o limite máximo de cinco anos de prisão (art. 50.º/1, CP) e quatro anos de prisão (limite mínimo correspondente à mais elevada das penas aplicadas ao concurso (art. 77.º/2, CP). Para tanto, aduz que a pena de prisão de 5 anos e 10 meses, é manifestamente excessiva; que dos crimes praticados resultaram prejuízos de valores sem expressão ou mesmo não apurados; que as condutas ocorreram num contexto de carência económica e desespero por obter dinheiro para sustentar o seu vício que, embora grave, não radica numa qualidade desvaliosa da personalidade do arguido, mas sim no flagelo social do consumo de drogas; que é jovem, nada levando a crer que adote novas condutas ilícitas no seu percurso de vida, especialmente com o problema da adição de droga resolvido ou pelo mesmos controlado, uma vez que resulta dos autos que esse era o móbil dos crimes praticados.

5. O Ministério Público (na resposta) enfatiza que são prementes as exigências de prevenção geral e as necessidades de marcar um percurso ressocializante para o arguido. E neste STJ o Procurador-Geral Adjunto sublinha as três condenações que de nada serviram para o afastar da criminalidade; que a benevolência dos tribunais de nada serviu, pois não soube aproveitar a brandura demonstrada e continuou a delinquir, não sendo capaz de manter a trajetória positiva pela qual, a certa altura, pareceu querer enveredar.

6. A propósito da pena única, disse a decisão recorrida (transcrição):

«Tendo os arguidos praticado mais do que um crime antes de ter transitado em julgado a condenação por qualquer deles (concurso de crimes), vejamos quais as regras aplicáveis para a sua punição. A punição do concurso de crimes faz-se de acordo com o estipulado no art. 77º do C. P.

Dispõe o referido preceito:

1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3. Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores."

Considerando o disposto no sobredito nº 2, a pena de prisão única aplicável no caso ao arguido AA tem como limite máximo 9 anos e 1 mês de prisão e mínimo de 4 anos de prisão. (…) Considerando em conjunto os factos praticados pelos arguidos, nomeadamente o número e natureza dos crimes cometidos por cada um e a personalidade dos mesmos (antecedentes criminais, idade e percurso de vida já referidos), entende-se como adequado aplicar ao arguido AA a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão (…)».

7. Face à exigência da consideração, em conjunto, dos factos e a personalidade do agente (art. 77.º, CP) esperava-se mais da fundamentação da pena única. A moldura penal abstrata da punição do concurso de crimes tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (art. 77.º/2, CP), quatro anos de prisão e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas (art. 77.º/2, 1ª parte, CP), no caso 9 anos e um mês de prisão. É dentro desta nova moldura, a moldura do concurso, que deve ser encontrada a pena única a aplicar, atendendo aos critérios gerais da culpa e prevenção (art. 71.º e 40.º, CP), e à regra específica da punição do concurso que manda atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do arguido art. 77.º/1, CP). É ao conjunto dos factos que nos devemos ater para aquilatar da gravidade do comportamento ilícito do arguido. Na avaliação da pessoa e da personalidade do arguido importa saber se os factos delituosos espelham uma tendência criminosa ou uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do arguido (JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 291).

8. Os factos provados não permitem afirmar que o arguido tenha uma carreira criminosa apesar dos antecedentes criminais e dos crimes por que agora vai condenado. Nos dois crimes de violência depois da subtração, a violência empregue pelo arguido – a exibição de uma faca na direção dos perseguidores com óbvia intenção de os dissuadir de continuar a perseguição – constituindo no caso concreto ameaça típica, tem um grau de ofensividade dos bens jurídicos de reduzida gravidade, como pouco significativo foi o valor dos bens de que se apoderou, em cada um dos casos, 5 maços de tabaco, com o valor global de 25,50€. Idêntico juízo pode ser feito, quanto ao meio usado para a subtração e ao valor no crime de roubo simples. Nessa conduta o arguido puxou com as suas mãos o saco de plástico que II transportava e que continha uma máquina de enrolar cigarros e tabaco, de que se apoderou e cujo valor se não apurou.

9. A pena única aplicada pela decisão recorrida situa-se num patamar em que se mostra exasperada a satisfação das exigências de reafirmação da validade dos bens jurídicos postos em crise pela conduta global do arguido e num quantum que, em concreto, ultrapassa a medida da culpa. Julgamos proporcionada a pena única de quatro anos e oito meses de prisão, pena que satisfazendo as exigências de prevenção, satisfaz de modo mais adequado o desígnio da reintegração do arguido na comunidade.

10. Aplicada pena de prisão em medida não superior a cinco anos, impõe o art. 50.º, CP, que o tribunal avalie a verificação dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, suspendendo-a «se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». A resposta a essa questão é negativa; os factos apurados, o comportamento do arguido antes e depois dos factos aqui em apreço não permitem o exigido prognóstico favorável. Na origem das práticas delituosas está reconhecidamente a problemática aditiva do arguido. O prognóstico favorável só pode assentar numa mudança do arguido, ou ao menos num propósito sério de mudança. No caso, nem sequer há um propósito sério de mudança… Ao contrário, o arguido apresenta-se como vítima, não assume uma atitude de mudança, é imaturo, minimiza a sua responsabilidade nos factos delituosos. Finalmente, em prisão preventiva «acusou positivo a opiáceos, tendo sido punido disciplinarmente» o que inviabiliza em definitivo, neste momento, qualquer prognóstico favorável à suspensão da execução da pena de prisão.

III

Decisão:

Acordam em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido fixando a pena única em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.

No mais mantém-se a decisão recorrida.

Sem custas

Supremo tribunal de Justiça, 02.06.2022.

António Gama (Relator)

Orlando Gonçalves

Eduardo Loureiro (Presidente de Secção)