Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
391/06.0TBBNV.E1.S1-A
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
REGIME APLICÁVEL
CONTRATO DE AGÊNCIA
ANALOGIA
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 211, 04.11.2019, P. 04 - P. 37
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: CONCEDE-SE PROVIMENTO AO RECURSO, JULGANDO PROCEDENTE POR VERIFICADA A EXISTÊNCIA DA CONTRADIÇÃO JURISPRUDENCIAL E REVOGANDO A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / LIBERDADE CONTRATUAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
Doutrina:
- Abílio Neto, Código Comercial e Contratos Comerciais Anotado, Setembro/2008, p. 583;
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 3.ª edição, p. 184;
- António Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial - Relatório, Livraria Almedina, Abril de 2009, p. 110 e ss.;
- Carlos Lacerda Barata, in Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência, 1994, p. 82, 86 e 87;
- Carolina Cunha, A Indemnização de Clientela do Agente Comercial, STVDIA IVRIDICA 71, Universidade de Coimbra, Boletim da Faculdade de Direito, p. 126;
- João Calvão da Silva, Concessão Comercial e direito da concorrência, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, p. 192 a 196;
- José Alberto Vieira, O Contrato de Concessão Comercial, AAFDL, 1991, p. 151 e ss. ; 2006, p. 125 a 127;
- José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, p. 446 e 447 ; Os Contratos de Distribuição Comercial, p. 19 a 24 ; Os Contratos de Distribuição Comercial, p. 23;
- Luís Menezes Leitão, A Indemnização de clientela no contrato de agência, p. 46, 47, 84 e 85 ;
- Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, Almedina, 1990, p. 54 e ss., 179 a 184;
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, 2007, p. 678;
- Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, p. 141;
- Pinto Monteiro, Direito Comercial, Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2002, p. 110 ; RLJ, Ano 144º, p. 367 e 368 ; Estudos Eduardo Correia III, p. 327 ; BFD 71 (1995) ; RLegislação e Jurisprudência, Ano 144º, p. 368 a 370;
- Rui Pinto Duarte, Themis, II, n.º 3 (2001), A Jurisprudência Portuguesa sobre a aplicação da Indemnização de clientela ao contrato de Concessão Comercial - Algumas Observações, p. 317 e 321.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 405.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 688.º, N.º 1.
DL N.º 178/86, DE 03 DE JULHO, ALTERADO PELO DL N.º 118/93, DE 13 DE ABRIL: - ARTIGO 33.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-05-2018, PROCESSO N.º 1212/12.0TBSTS.P1.S1, IN, WWW.DGSI.PT;
- DE 04-10-2018, PROCESSO N.º 19656/15.3T8PRT.P1.S1.
Sumário :

Na aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial do n.º 1 do art. 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, inclui-se a respectiva alínea c), adaptada a esse contrato.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das secções cíveis

I – RELATÓRIO


AA, S.A. (com a actual denominação de AA, S.A.) intentou acção declarativa contra BB, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €714.377,20, acrescida de juros de mora vencidos, desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que, tendo acordado com a Ré o exclusivo de distribuição dos produtos desta, da linha “Tena” e “Libero”, para as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos em Portugal continental, organizando, para o efeito, uma estrutura logística para armazenamento e venda que fez subir o volume de vendas daqueles produtos às farmácias e armazenistas, a mesma Ré, em reunião realizada, comunicou que ia passar a fornecer, directamente, os ditos produtos às farmácias e armazenistas, acarretando, por isso, prejuízos à Autora, cuja reparação peticiona e discrimina da seguinte forma:

- €209.099,00, a título de indemnização por falta de pré-aviso, nos termos do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, correspondente à remuneração média mensal da Autora no ano anterior, multiplicada pelo tempo de pré-aviso não respeitado de 6 meses;

- €405.278,20, a título de indemnização de clientela, nos termos dos artºs. 33.º e 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril; e

- €100.000,00 a título de indemnização por danos de imagem.

Regularmente citada, a Ré contestou, defendendo-se por impugnação, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €175.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento, bem como a sua condenação, como litigante de má-fé, num valor não inferior a €200.000,00.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia que se apurar em liquidação de sentença, a título de indemnização pela denúncia sem um pré-aviso de seis meses, tendo por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela Autora no ano de 2004, multiplicada por seis (artigo 29.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho), com o limite máximo de €209.099,00; bem como a quantia de €200.000,00 a título de indemnização de clientela, acrescida de juros, à taxa comercial, desde a data da condenação até integral pagamento; e absolvendo-se a Ré, do mais peticionado. Por sua vez, a reconvenção foi julgada totalmente improcedente, sendo a Autora, absolvida do pedido reconvencional; e considerou-se não se verificar a invocada litigância de má-fé da Autora.

Inconformadas, apelaram ambas as partes, sendo a Ré mediante recurso principal e a Autora recurso subordinado.

O Tribunal da Relação conheceu dos interpostos recursos, proferindo acórdão que, julgando parcialmente procedente a apelação da Ré, revogou a sentença na parte em que esta foi condenada a pagar à Autora a quantia de €200.000,00, a título de indemnização de clientela, acrescida de juros, à taxa comercial, desde a presente data até integral pagamento; e julgou totalmente improcedente o recurso da Autora.

Novamente inconformadas, recorreram de revista ambas as partes, tendo este Supremo Tribunal de Justiça conhecido dos recursos interpostos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Termos em que, negando-se a revista da Ré e julgando-se parcialmente procedente a revista da Autora, se acorda em revogar o acórdão recorrido, na parte em que nele se revogou parcialmente o decidido na sentença da 1ª instância, sentença essa que, assim, se repristina. Custas pelas apelantes na proporção de vencido.”

Irresignada com o proferido acórdão, a Ré/BB, Lda. vem interpor recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência, nos termos dos art.ºs 688.º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Tribunal proferido no processo n.º 913/07.9TVLSB-L1.S1, datado de 29 de Março de 2012, como nele consta (e não 2 de Abril, como indicou, certamente por lapso), tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) Os fundamentos do recurso para uniformização de jurisprudência radicam na contradição existente entre Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, já transitados em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental direito.

B) “In casu”, entende a Recorrente de que existe uma manifesta contradição entre o Douto Acórdão ora recorrido e o Acórdão fundamento, quanto à interpretação do disposto no artigo 33º nº 1 do D.L. Nº 178/86 relativa ao direito à concessão de indemnização de clientela.

C) Com efeito, enquanto o Douto Acórdão ora recorrido dispõe, na sua página 44, que é suficiente o preenchimento das alíneas a) e b) do predito número e artigo para que tal indemnização seja devida, repristinando para o decidido em primeira instância, em que é referido na Sentença respectiva que “Não é exigível a verificação do previsto na alínea c) do referido artigo (33º nº 1 do D.L. nº 178/86 de 03 de Junho), por definição, na medida em que é estranho à estrutura do contrato de concessão.”,

 D) O Douto Acórdão fundamento, contrariamente, tem o entendimento na sua página 18 que, num contrato de concessão/distribuição, “a indemnização em apreço tem lugar quando cumulativamente se verificam os requisitos previstos no nº 1 e respectivas alíneas”.

E) A palavra “cumulativamente” consta igualmente do corpo do n° 1 do mesmo artigo 33º do D.L. nº 178/86.

 F) Ainda segundo o Acórdão fundamento, a alínea c) do nº 1 do artigo 33º do D.L. nº 178/86 – “O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)” - é de preenchimento obrigatório para que se encontrem reunidos os pressupostos para a atribuição da indemnização de clientela.

G) “in casu” nunca estaria preenchida a alínea c) do nº 1 do artigo 33º do D.L. nº 178/86 face à matéria dada como provada, mormente o ponto 35 – “A “AA, S.A” nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, teve um volume de vendas das fraldas “Tena” e “Libero” de, respectivamente, €63.305,94, €38.541,91, €41.455,53, €29.528,74, €18.824,27 e €11.536,22, perfazendo o total de €203.192,61” e os pontos 5 e 8 da matéria não provada – “Após Julho de 2005, a AA deixou “praticamente” de receber qualquer retribuição pelas vendas realizadas a farmácias e distribuidores de produtos farmacêuticos” e “A AA, S.A. desinteressou-se do “negócio” com a R., não realizou compras e quis pôr termos àquele, o que provocou “danos à imagem” da R.” pois a Recorrente continuou e continua até aos dias de hoje, a vender os seus produtos à Recorrida.

H) Conforme bem refere o Douto Acórdão fundamento, “competia a autora provar (já que se trata de elemento constitutivo do alegado direito de indemnização) que havia deixado de receber quaisquer proventos derivados da sua anterior actividade de concessionária, o que manifestamente não ocorre”, mais referindo que “desde que o ex-concessionário não prove, como no caso presente, que nenhum proveito está a obter resultante da sua anterior actividade de concessionário sempre improcederá a sua pretensão à indemnização de clientela.”

I) Importa ainda referir a existência de vasta Jurisprudência desse Venerando Tribunal bem como variada Doutrina, que perfilha o mesmo entendimento do Acórdão fundamento quanto à necessidade do preenchimento da alínea c) do mencionado nº 1 do artigo 33º do D.L. nº 178/86 ou seja, que, “... a exigência de que o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes” que angariou, destina-se a evitar uma “duplicação de rendimentos”. Ou seja, pretende-se obstar que o agente possa vir a receber, simultaneamente, uma indemnização de clientela calculada nos termos do artigo 34º do Contrato de Agência e as retribuições devidas por contratos que tenha negociado ou concluído, após o termo do contrato de agência.” (…)

 J) “Como a indemnização de clientela visa compensar os proveitos ou remunerações que o “agente” deixe de receber em virtude da cessação do contrato, não poderá essa indemnização ser atribuída quando o “agente”, neste caso, a concessionária, continuou a beneficiar da clientela que “angariou” durante a vigência do contrato. Caso contrário, tornar-se-ia evidente a duplicação de rendimentos. - v.g. nomeadamente Douto Acórdão do STJ in “www.dgsi.pt” de 12.05.2011 proc. nº 2334/04.6TVLSB.L1.S1.

K) Mais recentemente, um outro Acórdão desse Venerando Tribunal de 29.09.2015, relativo ao processo nº 1552/07.0TBPTM.E2.S1 in www.dgsi.pt, dispõe que “exige a alínea c) do nº 1 do citado artigo 33.º como pressuposto da indemnização de clientela, que “o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”. Com este requisito, pretende a lei, fundamentalmente, evitar acumulações, deixando de justificar-se a compensação devida ao agente, a título de indemnização de clientela, caso o principal, por exemplo, haja acordado continuar a pagar-lhe, após o termo do contrato, uma certa quantia pelas operações negociais que leve a efeito com os clientes por ele angariados, circunstância que a verificar-se determina que a compensação devida ocorra por via convencional Pinto Monteiro, “Contrato de Agência”, pág. 115 e RLJ Ano 144.º págs. 375/377. No mesmo sentido se pronuncia Luís Menezes Leitão quando observa que “esta disposição explica-se pelo facto de que, a ser atribuída ao agente direito à comissão por estes contratos, este adquiriria uma indemnização de clientela que acresceria a essa comissão, extravasando esta assim das suas funções de indemnização” In ob. cit., pág. 54.

L) Neste mesmo sentido de ser necessário o preenchimento da alínea c) do nº 1 do artigo 33 do D.L. nº 178/86, invoca-se ainda o Douto Acórdão desse Tribunal de 12.05.2016 relativo ao processo nº 2470/08.0TVLSRLI.SI.

M) O Douto Acórdão ora recorrido violou o disposto no artigo 33º nº 1 al. c) do D.L. nº 178/86.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso para Uniformização de Jurisprudência e, em consequência, revogar-se o Douto Acórdão recorrido, fixando-se Jurisprudência nos termos decididos no Douto Acórdão fundamento e assim se decidindo que, para que seja concedida a indemnização de clientela ao abrigo de um contrato de concessão/distribuição é necessário o preenchimento cumulativo da totalidade das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 33 do D.L. nº 178/86, conforme decorre aliás da redação da própria norma. Assim decidindo, estarão V. Exas., Venerandos Conselheiros, a produzir a tão costumada e habitual Justiça.”

A Recorrida/Autora apresentou contra alegações, concluindo pela confirmação do aresto recorrido, sustentando que, caso seja admitido o Recurso de Uniformização de Jurisprudência a que responde, e seja reconhecida a contradição jurisprudencial invocada pela Ré deve ser uniformizada jurisprudência no sentido de que “quanto aos requisitos de indemnização da clientela, previstos no artigo 33º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho, não se aplica ao contrato de concessão o da alínea c), por ser específico do contrato de agência”, aduzindo, para o efeito, as seguintes conclusões:

“I. O argumento esgrimido pelo Acórdão Fundamento, isto é, a aplicação analógica da necessidade de verificação cumulativa do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º do RJCA aos contratos de concessão comercial, é um argumento que a Ré Recorrente utiliza desde a apresentação da sua contestação e que, no entanto, não logrou abalar as três instâncias que no caso dos autos se debruçaram sobre esta questão, pois quer o Tribunal de lª Instância, quer o Tribunal da Relação de Évora, quer o Supremo Tribunal de Justiça, concluíram pela inaplicabilidade aos contratos de concessão comercial do requisito previsto na alínea c) do predito preceito legal.

II. Ao contrário do que sucede nos contratos de agência, em que o principal remunera o agente através de comissões sobre os contratos celebrados, no contrato de concessão comercial não recai sobre o concedente a obrigação de retribuir o concessionário por contratos negociados ou concluídos, uma vez que este atua por sua conta e risco.

III. No contrato de agência, compreende-se sem dificuldade a aplicação do disposto na alínea c) do artigo 33.º do respetivo regime jurídico, pois o que aí está em causa é o pagamento de comissões, pelo principal ao agente, como forma de o remunerar pelo trabalho desenvolvido na pendência do contrato de agência e que se veio a repercutir na angariação dos clientes com quem o principal veio, após o termo do contrato, a celebrar contratos, pelo que se o principal continuasse a pagar comissões por esses contratos ao agente após a cessação do contrato de agência, o agente adquiriria uma indemnização de clientela que acresceria a essas comissões, extravasando esta as suas funções de indemnização e onerando duplamente o concedente.

IV. A Ré Recorrente não “continua a pagar” o que quer que seja à Autora Recorrida, porquanto nunca pagou, mesmo na pendência da relação comercial, qualquer remuneração pela implementação, desenvolvimento e consolidação das marcas Tena e Libero no mercado, sendo a Autora Recorrida remunerada apenas através do lucro obtido com a revenda de tais produtos, assumindo, portanto, o risco do negócio, como é elemento característico do contrato de concessão comercial, pelo que, como bem decidiram as instâncias, não se justifica a aplicação do requisito previsto na al. c) do artigo 33.°.

V. A Ré Recorrente não pagou qualquer quantia à Autora Recorrida, seja a título de comissão, seja a que título seja, como forma de remunerá-la pelas operações negociais por si levadas a efeito com os clientes angariados pela Autora, o que afasta completamente o pressuposto do acórdão citado pela Ré Recorrente, que analisa a questão referindo a hipótese em que “por exemplo, o principal haja acordado continuar a pagar-lhe, após o termo do contrato, uma certa quantia pelas operações que leve a efeito com os clientes por ele angariados”, o que não sucedeu no caso em escrutínio.

VI. É entendimento maioritário da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a alínea c) do artigo 33.º do RJCA não se aplica ao contrato de concessão comercial - Cf., a título exemplificativo, os Acórdãos de 12.03.2015 (processo n.º 2199/11.1TVLSB.L1.SI), de 17.05.2012 (processo n.º 39/2000.L1.S1), de 15.11.2007 (processo n.º 07B3933), e de 12.12.1996.

VII. É também este o entendimento dominante na 2ª Instância - cf., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.06.2013 (processo n.º 2709/08.1TVLSB.L1-7), de 12.05.2011 (processo n.º 39/2000.L1.2), de 17.03.2009 (processo n.º 8340/2008-7) e do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 16.03.1999.

VIII. Também a doutrina defende que, no contrato de concessão comercial, a atribuição de indemnização de clientela depende apenas da verificação cumulativa das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 33.º do RJCA.

IX. Ainda que tal pressuposto se aplicasse analogicamente ao contrato de concessão comercial, sempre se deve entender, ao contrário do que conclui a Ré Recorrente, que o mesmo se encontra preenchido no caso sub judice.

X. O contrato de concessão comercial celebrado entre a Autora Recorrida e a Ré Recorrente foi denunciado unilateralmente pela própria Ré Recorrente, não tendo a Autora Recorrida jamais recebido qualquer quantia, fosse a que título fosse, em virtude desse mesmo contrato.

XI. As vendas que alegadamente existem atualmente não decorrem do contrato de distribuição comercial que foi inicialmente celebrado pelas partes, mas sim de um novo contrato que foi imposto à Autora em 2005, com características completamente distintas e que não se pode, sequer, qualificar como de distribuição comercial, mas sim de um mero contrato de fornecimento.

XII. Deve ser uniformizada a Jurisprudência no sentido propugnado pelo Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça revidendo, concretamente, no sentido de que “Quanto aos requisitos de indemnização da clientela, previstos no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03-07, não se aplica ao contrato de concessão o da alínea c), por ser específico do contrato de agência” e, em consequência, ser integralmente mantida e confirmada a Douta decisão recorrida.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, caso seja admitido o Recurso de Uniformização de Jurisprudência a que se responde e seja reconhecida a contradição jurisprudencial invocada pela Ré Recorrente, deve ser uniformizada jurisprudência no sentido do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça revidendo, mais concretamente, no sentido de que “quanto aos requisitos de indemnização da clientela, previstos no artigo 33. º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho, não se aplica ao contrato de concessão o da alínea c), por ser específico do contrato de agência” e, em consequência, ser integralmente mantida e confirmada a Douta decisão recorrida, pois só assim será feita uma verdadeira, costumeira e sã Justiça”.

O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência foi admitido, liminarmente, por decisão proferida de fls. 57 a 62, por se reconhecer que o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento indicado (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 913/07.9TVLSB-L1.S1, continuando a referir-se, erradamente, a data de 2 de Abril de 2012), foram proferidos no domínio da mesma legislação e se entender que ocorre, entre ambos, a invocada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito.

Consignou-se a propósito:

“Veio a ré recorrente BB, Lda interpor recurso para uniformização de jurisprudência, invocando para o efeito que aquele Acórdão está em contradição com o Acórdão do STJ (acórdão fundamento), datado de 02.04.2012, proferido no processo nº 913/07.9TVLSB-L1.S1, já transitado em julgado - cuja cópia juntou e cujo trânsito se presume nos termos do nº 2 do art, 688º do CPC.

Invoca para o efeito a existência de contradição entre ambos os acórdãos no que se refere à interpretação do nº 1 do art.º 33º do DL nº 178/86 de 03 de junho (que regulamenta o contrato de agência ou representação comercial) no âmbito da sua aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial, relativamente ao direito de indemnização de clientela.

Isto porquanto, segundo a recorrente, enquanto o acórdão recorrido, para a concessão de tal direito, considera suficiente o preenchimento das als. a) e b) daquele nº 1, o acórdão fundamento exige ainda o preenchimento (cumulativamente com tais alíneas) da al. c) do mesmo número.

E pretende que seja fixada jurisprudência, em conformidade com o decidido no acórdão fundamento, no sentido de que “para que seja concedida a indemnização de clientela ao abrigo de um contrato de concessão/distribuição é necessário o preenchimento cumulativo da totalidade das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 33 do D.L. n° 178/86, conforme decorre aliás da redação da própria norma”.

Nas contra-alegações, a parte contrária não questionou a admissibilidade do recurso, tomando apenas posição no sentido de, ser admitido o recurso, se decidir no sentido da não exigência da supra mencionada alínea c) do nº 1 do art. 33° do DL nº 178/86.

Nada obstando à admissão do recurso à luz do disposto no n° 2 do art. 641º e no art. 690°, e não ocorrendo a situação prevista no n° 3 do art. 688°, todos do CPC, importa verificar se existe a invocada contradição de acórdãos (art. 692°, n° 1 do CPC).

Ambos os acórdãos versam sobre o direito à indemnização de clientela, por parte do concessionário, na sequência da cessação de contrato de concessão comercial.

E em ambos se perfilha o entendimento de que o direito a indemnização de clientela, previsto no n° 1 do art. 33° do DL n° 178/86 para o contrato de agência; é aplicável, por analogia, ao contrato de concessão comercial.

Isto sendo certo que no referido n° 1 se estabelece (para o contrato de agência):

“1. Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:

a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”.

Todavia o certo e que, para os feitos em questão - direito a indemnização de clientela, por parte do concessionário, na sequência da cessação de contrato de concessão comercial - ambos os acórdãos estão em clara oposição no que se refere à exigibilidade do requisito a que alude a referida (…) alínea c).

É o que resulta da análise de ambos os acórdãos, na medida em que, enquanto no acórdão recorrido se considerou a inaplicabilidade da al. c) ao contrato de concessão comercial [tendo-se considerado suficiente, para a atribuição da indemnização em questão a verificação das alíneas a) e b)], no acórdão fundamento, considerou-se precisamente o contrário.

Vejamos:

No acórdão recorrido, consignou-se, a propósito o seguinte:

“Finalmente, quanto ao preenchimento dos requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 33.º do DL n.º 178/86, de 03-04, e dando como assente que a melhor jurisprudência é a que defende a inaplicabilidade ao contrato de concessão comercial da al. c) (conforme assumido pelo acórdão recorrido) afigura-se-nos não ser igualmente de acompanhar o acórdão recorrido quando considerou que a matéria de facto não é suficiente para demonstrar que a Ré beneficiou consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pela Autora.

(. . .)

"Ora, fazendo este juízo de prognose e tendo, designadamente, em conta os mencionados factos provados e a especificidade do produto e mercado em causa, em relação ao qual se mostra facilitada a delimitação da clientela (farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos) e uma previsível fidelização dos clientes ao produto em questão (fraldas das marcas identificadas) ponderando que durante os anos em causa aumentou o número de clientes e quadruplicou o volume de vendas, entende-se demonstrados os requisitos exigidos pelo art. 33.°, n.º 1, als. a) e b), do DL n.º 178/86, de 03-07, para a atribuição da indemnização por clientela."

E, por sua vez, no acórdão fundamento, consignou-se:

"Finalmente está assente que se verificam os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado artigo 33° relativos ao direito de indemnização de clientela.

Nas questões a cima enunciadas não há qualquer dissenso, como aliás é salientado pelo Tribunal da Relação.

O que realmente está em discussão é se se verifica também o requisito previsto na al. c) do n° 1 do artigo 33° do citado diploma.

Na verdade a indemnização em apreço tem lugar quando cumulativamente se verificam os requisitos previstos no n° 1 e respetivas alíneas.

Não estando em causa os dois primeiros requisitos - os previstos nas referidas alíneas a) e b) - importa resolver se verifica também o requisito enunciado c).

( ... )

Ora, no caso, está provado que a autora, não sendo já concessionária da ré, continua a vender os produtos desta, nomeadamente aos seus clientes enquanto concessionária com os consequentes proventos. Assim, face a tais factos, parece indubitável que não está verificado o requisito previsto na referida na al. c).

Na verdade competia a autora provar ...

Resulta claro que a lei - alínea c), n° 1 do citado artigo 33° - pretende evitar a duplicação de benefícios. Assim a indemnização de clientela, no caso de concessão, só tem fundamento, para além da verificação dos restantes requisitos, quando a ex-concessionária deixa de auferir quaisquer proventos da sua anterior actividade, o que se não verifica no caso, como se reconhecerá.

De facto as razões que no contrato de agência justificam o preceituado na al. c) do n° 1 do citado artigo 33° - evitar a duplicação de compensações - valem aqui de igual modo.

Assim, numa aplicação analógica, desde que o ex-concessionário não prove, como no caso presente, que nenhum proveito está a obter resultante da sua anterior actividade de concessionário, sempre improcederá a sua pretensão à indemnização de clientela. Face ao exposto, uma vez que se não verificam os requisitos do direito de indemnização de clientela, obviamente fica prejudicada a apreciação da questão do quantum da indemnização arbitrada.”

Verifica-se assim que ambos os acórdãos, na parte sobre a qual incide o recurso, incidiram sobre a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação e sendo essencialmente idêntico o quadro factual subjacente à aplicação da mesma norma - tendo chegado a entendimentos opostos, entendimentos esses que foram essenciais para chegarem às decisões a que chegaram.

Verificando-se assim os respetivos requisitos, impõe-se a admissão do recurso”.

O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, cumprido que foi o disposto no n.º 1 do art.º 687.º ex vi art.º 695º, ambos do Código de Processo Civil, emitiu parecer no sentido de que há lugar à aplicação analógica da indemnização de clientela, desde que verificados os requisitos das alíneas a) e b) do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, donde, o conflito jurisprudencial em causa deve ser resolvido através da emissão de acórdão uniformizador de jurisprudência, para o qual sugere a seguinte formulação: “O requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 33º do Decreto-Lei n° 178/86, de 03.07, alterado pelo DL n.º 118/93, de 13.04, não é aplicável ao contrato de concessão comercial.”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Face às conclusões do recurso da recorrente que, como é sabido, delimitam o seu objecto e visto o disposto no n.º 4 do art.º 692.º do CPC, donde se extrai que a decisão liminar de trazer o processo a julgamento para uniformização de jurisprudência não é vinculativa, as questões que importa agora dirimir consistem em saber:
1. Se se confirma a existência de contradição jurisprudencial quanto à aplicabilidade da alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, ao contrato de concessão comercial;
2. Na afirmativa, se, na sua aplicação analógica, há lugar, ou não, a indemnização de clientela.

          II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Da confirmação da contradição jurisprudencial

O art.º 688.º do Código de Processo Civil estabelece, no seu n.º 1, como fundamento do Recurso para Uniformização de Jurisprudência: “As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.

Encerra, assim, como pressuposto substancial de admissibilidade deste recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a enunciada contradição dos julgados não implica que os mesmos se revelem frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adoptadas sejam diferentes entre si, ou seja, que não sejam as mesmas (neste sentido, Pinto Furtado, in, Recursos em Processo Civil (de acordo com o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, página 141), importando, pois, que as decisões, e não os respectivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito, e que haja sido objecto de tratamento e decisão, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, e, em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita.

Outrossim, é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem uma relevância determinante.

Por outro lado, exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha” (neste sentido Pinto Furtado, ob. cit., página 142).

Revertendo ao caso sub judice, como resulta do segmento das alegações de recurso, a divergência assinalada pela Recorrente recai sobre a interpretação do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, que transpôs a Directiva 86/653/CEE, do Conselho (que regulamenta o contrato de agência ou representação comercial), no âmbito da sua aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial, relativamente ao direito de indemnização de clientela.

Os quadros factuais, considerados no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, considerado o respectivo enquadramento, consignados na decisão liminar, proferida no âmbito do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, revelam, que existe, entre aquelas decisões, e no essencial, a exigida identidade substancial do núcleo factual, ou seja, têm em consideração facticidade que se subsume ao contrato de concessão comercial, cuja cessação se invoca, para daí se reclamar o direito à indemnização de clientela.

De igual modo, sobre a questão decidenda que aqui importa, em ambos os acórdãos se perfilha o entendimento de que o direito a indemnização de clientela, previsto no n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, para o contrato de agência, é aplicável, por analogia, ao contrato de concessão comercial, estando, porém, em clara oposição no que se refere à exigibilidade do requisito a que respeita a alínea c) do aludido n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, pois, enquanto no Acórdão recorrido se considerou a inaplicabilidade da dita alínea c), ao contrato de concessão comercial, entendendo-se, como bastante, para a atribuição da indemnização de clientela, a verificação das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, no Acórdão fundamento adoptou-se um enquadramento jurídico diverso.

Na verdade, no Acórdão fundamento, além de se reconhecer que o direito a indemnização de clientela, previsto no n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, para o contrato de agência, é aplicável, por analogia, ao contrato de concessão comercial, a respectiva indemnização de clientela, somente terá lugar quando, cumulativamente, se verificarem os requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do mesmo art.º 33.º.

Como se depreende dos enunciados enquadramentos jurídicos, quer do Acórdão recorrido, quer do Acórdão fundamento, tendo em devida conta a respectiva facticidade adquirida processualmente, reveladora de uma identidade substancial do núcleo factual, e perante as consignadas constatações e resultados interpretativos, colhemos que o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento enfrentaram a mesma questão solvenda de modo divergente, mostrando-se, assim, verificada a essencialidade da contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, donde concluímos pela verificação dos pressupostos substanciais para a admissibilidade do Recurso de Uniformização da Jurisprudência, respaldando a decisão liminar, entretanto proferida, acima aludida.

Confirmada a existência da divergência jurisprudencial quanto à aplicabilidade da alínea c) do n.º 1 do ar.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, ao contrato de concessão comercial, importa saber se, sendo aplicável analogicamente, uma vez cessado, há lugar a indemnização de clientela.

2. De facto

Foi considerada demonstrada a seguinte factualidade:

“1. A A. era uma sociedade comercial anónima que se dedicava à comercialização de medicamentos, soros, vacinas, drogas, produtos químicos e outras substâncias medicinais, como armazenista, exportador e importador;

2. A R. era uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social consistia no comércio e importação de produtos hospitalares para a saúde e higiene em geral;

3. De 1999 até meados de 2005, a AA, S.A. (Autora) comprou todas as fraldas “Tena” e “Libero” apenas à R., para posterior venda as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos;

4. Os preços de venda das fraldas “Tena” e “Libero” da AA, S.A. às farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos eram fixados pela R., através de tabelas que esta remetia àquela;

5. As encomendas de fraldas “Tena” e “Libero” das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos feitos à R. eram reencaminhados por esta para a AA, S.A.;

6. As devoluções e trocas das fraldas “Tena” e “Libero” para as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos eram tratadas pela AA, S.A.;

7. Foram anualmente acertados entre AA, S.A. e a R. os objetivos para a venda de produtos e planos de marketing para a sua promoção;

8. As campanhas de promoção junto das farmácias eram realizadas pela AA, S.A., suportando a R. pelo menos parte dos seus custos;

9. A R. concedia à AA, S.A. descontos financeiros e prémios de vendas, pelo atingir por esta do volume de compras definido pela R.;

10. Pelo menos a partir de 2002, a R. remunerava a AA, S.A., com um desconto adicional de 2,5% do valor de compras efetuado por esta, por apenas se dedicar, quanto a fraldas de incontinência, à venda junto das farmácias e armazenistas de produtos financeiros das linhas “Tena” e “Libero”;

11. A AA, S.A. reservou espaço de armazém para a acomodação e expedição das fraldas “Tena” e “Libero”;

12. E afetou, a título principal (não exclusivo), uma equipa de pelo menos cinco pessoas à promoção da venda e expedição das fraldas “Tena” e “Libero”;

13. A AA, S.A. pagava à empresa de CC a comissão de 2,5% sobre o valor das vendas realizadas por aquela aos armazenistas de produtos farmacêuticos;

14.      No primeiro trimestre de 1999, a AA, S.A. e R. acertaram, de modo verbal, que A. teria o exclusivo em Portugal Continental na distribuição das fraldas “Tena” e “Libero” junto das farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos;

15.      Na execução deste acordo, a AA, S.A. vendeu a farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos fraldas “Tena” e “Libero”, no ano de 1999, no valor total de €682.671,00;

16. (…) No ano de 2000, no valor total de pelo menos €1.202.764,00;

17. (…) No ano de 2001, no valor total de pelo menos €1.545.390,00;

18. (…) No ano de 2002, no valor total de pelo menos €1.584.202,00;

19. (…) No ano de 2003, no valor total não superior a €1.969.827,39;

20. (…) No ano de 2004, no valor total não superior a €2.052.092,37;

21.       A margem média de lucro bruto auferido pela AA, S.A. com a venda das fraldas “Tena” e “Libero”, era de pelo menos 24%;

22.      A AA, S.A. auferiu o lucro bruto, em 1999, de €221.799,58;

23. (…) Em 2000, de pelo menos €304.968,00;

24. (…) Em 2001, de pelo menos €388.979,00;

25. (…) Em 2002, de €476.256,00;

26. (…) Em 2003, de €437.990,13;

27. (…) Em 2004, não superior a €418.197,54;

28. (…) Em 2005, de pelo menos €202.982,00;

29. No mês de Julho de 2005, a R. enviou a todos os demais armazenistas de produtos farmacêuticos, além da AA, S.A., tabelas de preços das fraldas “Tena” e “Libero”, para a sua aquisição àquela (R.)

30. A mesma tabela, com iguais condições, foi enviada à AA, S.A. para aquisição à R.;

31. Em princípios de Julho de 2005, a R. vendeu fraldas “Tena” e “Libero”, pelo menos às farmácias, clientes da AA, S.A., DD, EE, FF e GG;

32. A R. acordou com a empresa de CC na promoção por esta das vendas das fraldas “Tena” e “Libero”, junto dos armazenistas de produtos farmacêuticos, mediante o pagamento de uma comissão pela primeira, o que até aí a empresa de CC fazia para a AA, S.A.;

33. Em Junho de 2005, a R. comunicou à AA, S.A. que passaria a fornecer as fraldas “Tena” e “Libero”, diretamente a todas as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos e a realizar a sua promoção, com o inerente cessar do preço inferior em 50% pela aquisição em maior quantidade (38 paletes) e dos descontos financeiros (marca exclusiva-2,5%, não devolução-0,5% e Rappel- de 3% a 5% em função de objetivos anuais) definidos até aí pela R. à AA, S.A.;

34. A AA, S.A. recusou esta alteração do acordo que tinham estabelecido;

35. A AA, S.A. nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, teve um volume de vendas das fraldas “Tena” e “Libero”, de, respetivamente, €63.305,94, €38.541,91, €41.455,53, €29.528,74, €18.824,27 e €11.536,22, perfazendo o total de €203.192,61;

36. Até Junho de 2005, as vendas acumuladas dessas fraldas desde o início do ano tinham ascendido a pelo menos €948.444,00;

37.       A AA S.A. nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2004 teve um volume de vendas dessas fraldas de, respetivamente, €182.691,78, €172.818,42, €102.906,45, €172.853,57, €148.478,15, €185.269,36, perfazendo um total de €965.017,73;

38. Até Junho de 2004, as vendas acumuladas dessas fraldas desde o início do ano tinham ascendido a €1.087.077,91;

39.       Como consequência da conduta da R., a AA, S.A. teve, em 2005, uma quebra de vendas no valor total de €900.458,02;

40. (...) Obtendo uma margem bruta de €37.489,00, que representa uma quebra de 78,40% em relação a igual período do ano de 2004;

41. A AA, S.A. manteve os três vendedores, o empregado de armazém e o administrativo que tinham estado afetos, a título principal, à comercialização das fraldas “Tena” e “Libero”, suportando os custos inerentes;

42. Como consequência da conduta da A., o mercado das farmácias e dos armazenistas de produtos farmacêuticos ficou com suspeitas de incompetência e incorreção da AA, S.A.;

43. Entre o ano de 1999 e o ano de 2004, a AA, S.A. angariou novos clientes para as fraldas “Tena” e “Libero”, e aumentou o seu volume de vendas, o qual subiu do valor de €682.671,00 para €2.052.092,37;

44. A AA, S.A. diminuiu o volume de compras à R.;”

3. De Direito

  Para dilucidação da 2.ª questão enunciada supra, importa começar por tecer algumas considerações sobre o contrato de concessão comercial e a extensão analógica ao mesmo do regime da agência, a indemnização de clientela e os respectivos requisitos para, depois de fixada a resposta uniformizadora, podermos indagar da sua verificação e reflexos no acórdão recorrido.

3.1. Do contrato de concessão comercial

Nas relações negociais, os contraentes são inteiramente livres, tanto para contratar ou não contratar, como para fixar o conteúdo das relações contratuais que estabeleçam, desde que não haja lei imperativa, sustentada em normativos éticos e sociais, ou mesmo na segurança do comércio jurídico, ditame de ordem pública ou bons costumes que se oponham (neste sentido, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 3.ª edição, página 184).
A regra é, pois, a liberdade de fixação do conteúdo contratual com o alcance de que as partes são livres na configuração interna dos contratos que realizam - art.º 405.º do Código Civil - donde, acima de quaisquer elementos objectivos, o elemento fundamental a considerar é sempre constituído pela vontade das partes.
A qualificação jurídica do negócio há-de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelos contraentes.
Conquanto esteja reconhecido no Acórdão Fundamento, e não constitui dissenso no Acórdão recorrido, ter sido outorgado entre os litigantes contrato de concessão comercial, importa  fazer um breve enquadramento legal do consignado contrato que, de acordo com a Doutrina e Jurisprudência dominante, recorre integradoramente, em aspectos vários, ao regime jurídico do contrato de agência - Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril - concretamente, no âmbito que aqui importa convocar, qual seja, a cessação do contrato.

A concessão comercial constitui um método de organização das relações entre produtor e distribuidor, a par duma técnica de distribuição de produtos no mercado. A operação económica que subjaz a este contrato, intermediando a produção e o consumo, visa precisamente a comercialização de um produto ou gama de produtos.

Jurisprudência e Doutrina sufragam idêntico entendimento no que ao contrato de concessão comercial respeita, ao defenderem que este contrato se apresenta como um contrato juridicamente inominado que, em traços gerais, se pode descrever como aquele pelo qual um empresário - o concedente - se obriga a vender a outro - o concessionário - ficando este último, em contrapartida, obrigado a comprar ao primeiro, certos produtos para revenda, em nome e por conta própria, bem como a observar determinados deveres emergentes da sua integração na rede de distribuição do concedente, tendo por finalidade criar e disciplinar uma relação jurídica de colaboração estável e duradoura entre as partes, cuja execução se traduz na celebração futura entre as partes, de sucessivos contratos de compra e venda.

Nesta medida, o contrato de concessão comercial tem como elementos caracterizadores: o carácter duradouro; a actuação autónoma do concessionário, em nome próprio e por conta própria, assim se transferindo o risco de comercialização do produtor para o distribuidor; o objecto mediato é constituído por bens produzidos ou distribuídos pelo concedente; a obrigação do concedente celebrar, no futuro, sucessivos contratos de venda (dever de venda dos produtos a cargo do concedente); a obrigação do concessionário de celebrar - no futuro - sucessivos contratos de compra (dever de aquisição impendente sobre o concessionário); o dever de revenda por parte do concessionário dos produtos que constituem o objecto do contrato, não sendo necessária a delimitação de uma zona geográfica ou humana a que o mesmo se refere; a obrigação do concessionário orientar a sua actividade empresarial em função das finalidades do contrato e do concedente fornecer ao concessionário os meios necessários ao exercício da sua actividade - obrigação de promoção; a exclusividade (na maioria dos casos).

Na Doutrina, no sentido enunciado, divisamos, entre outros:

António Pinto Monteiro, in Contratos de Distribuição Comercial - Relatório, Livraria Almedina, Abril de 2009, páginas 110 e seguintes, Maria Helena Brito, in O Contrato de Concessão Comercial, páginas 54 e seguintes e 179 a 184; Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Comercial, 2007, página 678; José Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, Livraria Almedina, Setembro de 2009, páginas 446/447 e Os Contratos de Distribuição Comercial, páginas 19 a 24; João Calvão da Silva, in Concessão Comercial e direito da concorrência, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, páginas 192 a 196; José Alberto Vieira, in O Contrato de Concessão Comercial, AAFDL, 1991, página 15; e Abílio Neto, in Código Comercial e Contratos Comerciais Anotado - Setembro/2008, página 583.

Assim, a título de exemplo:

José Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, páginas 446 e 447, sustenta a propósito do contrato de concessão como aquele em que “um empresário, o concedente, se obriga a vender a outro, o concessionário, ficando este último obrigado a comprar ao primeiro certos produtos para revenda em nome e por conta próprios, numa determinada zona geográfica, bem assim como a observar determinados deveres emergentes da sua integração na rede de distribuição do concedente”, rematando, de seguida, “Antes do mais, o contrato de concessão comercial constitui um contrato-quadro (“Rahmenvertrag”, “contrat-quadre”) no sentido em que visa criar e disciplinar uma relação jurídica de colaboração estável e duradoura entre as partes, cuja execução se traduz na celebração futura entre estas de sucessivos contratos de compra e venda”;

 De igual modo, Maria Helena Brito, in O Contrato de Concessão Comercial, Almedina, 1990, página 183, defende que “pelo contrato de concessão comercial é instituída uma relação contratual duradoura para a distribuição por uma das partes, o concessionário, de produtos adquiridos à outra parte, o concedente; as partes obrigam-se a celebrar entre si sucessivos contratos de compra e venda, sendo as condições de formação e o conteúdo desses contratos pré-determinados: o concedente obriga-se a vender, em determinada zona, ao concessionário e este obriga-se a comprar bens produzidos ou distribuídos pelo primeiro; o concessionário obriga-se a promover a respectiva revenda, em nome próprio, na zona e segundo as condições fixadas e deve orientar a sua actividade empresarial em função das finalidades do contrato; o concedente obriga-se a fornecer ao concessionário todos os meios necessários ao exercício da sua actividade”;

Pinto Monteiro, in Direito Comercial, Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2002, página 110, reafirmado, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 144º, página 367 e 368, para quem a concessão comercial é um “contrato-quadro” que “faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações - mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes - e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente”, defendendo, de igual modo, que “como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, duradoura, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir”.

Na Jurisprudência, perfilhando a conceptualização consignada, podemos ver, entre outros, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 31 de Março de 2004 (Processo nº 04B545); de 21 de Abril de 2005 (Processo nº. 04B3868); de 13 de Setembro de 2007 (Processo nº. 07B1958); de 15 de Novembro de 2007 (Processo nº. 07B3933); de 24 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 39/2000.L1.S1); de 24 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 2568/05.6TBCLD.L1.S1); de 20 de Março de 2014 (Processo n.º 28/08.2TBVNG.P1.S1); de 12 de Março de 2015 (Processo n.º 2199/11TVLSB.L1.S1); de 29 de Setembro de 2015 (Processo n.º 1552/07.0TBPTM.E2.S1); de 24 de Maio de 2018 (Processo n.º 1212/12.0TBSTS.P1.S1); e de 4 de Outubro de 2018 (Processo n.º 19656/15.3T8PRT.P1.S1).

Neles podemos encontrar os seguintes dizeres:

“A concessão comercial constitui, ao mesmo tempo, um método de organização das relações entre produtor e distribuidor e uma técnica de distribuição de produtos no mercado. A operação económica que subjaz a este contrato, intermediando a produção e o consumo, visa precisamente a comercialização de um produto ou gama de produtos. Entre o concedente e o concessionário estabelece-se uma relação jurídica duradoura, representando o dever de revenda o núcleo central do contrato, agindo o concessionário em seu nome e por sua conta. Ele é proprietário dos produtos que distribui e a sua contrapartida económica traduz-se na diferença entre o preço por que compra os produtos e o preço por que os revende.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2007 (Processo n.º 07B1958), in, www.dgsi.pt.

“O contrato de concessão comercial envolve de uma relação contratual duradoura entre o concedente e o concessionário, em que este actua em nome e por conta própria, obrigando-se a promover a revenda dos produtos daquele na zona a que se reporta, e o último a celebrar com o primeiro sucessivos contratos de compra e venda e a fornecer-lhe alguns dos meios necessários ao exercício da sua actividade.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Novembro de 2007 (Processo n.º 07B3933), in, www.dgsi.pt.

“Sendo o contrato de concessão comercial um contrato de cooperação comercial e de distribuição, pressupondo uma integração e conjugação de esforços organizativos com vista à implementação de bens no mercado, assumem especial relevo a estabilidade e permanência – o seu cariz continuado, duradouro – sem o qual a vertente de rentabilização económica dificilmente será alcançável.”  - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 39/2000.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

“O contrato de concessão comercial obriga à celebração de outros contratos de compra e venda entre as partes, beneficiando, em regra, mas não, necessariamente, de exclusivo, integrando-se na actividade comercial de duas empresas, para efeitos de distribuição no mercado, com carácter duradouro, como um dos seus elementos, essencialmente, individualizadores.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 2568/05.6TBCLD.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

“O contrato de concessão comercial, contrato consensual (art. 219.º do CC) e assim assente na autonomia privada, oneroso, atípico e inominado, modalidade dos contractos de cooperação comercial, mormente na vertente de contratos de distribuição, pode ser entendido como um contrato-quadro, que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações - mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes - sujeitando-se, ainda, a um certo controlo e fiscalização do concedente. Sendo, pois, os seguintes os traços caracterizadores de tal contrato: (i) estabilidade do vínculo; (ii) dever de venda dos produtos a cargo do concedente; (iii) dever de aquisição impendente sobre o concessionário; (iv) dever de revenda; (v) actuação do concessionário, em nome e por conta própria; (vi) autonomia; (vii) exclusividade; (viii) zona de actuação. Tem cariz marcadamente continuado ou duradouro, pelo que a sua resolução ilícita implica, à partida, o dever de indemnizar em relação aos prejuízos causados.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2014 (Processo n.º 28/08.2TBVNG.P2.S1), in, www.dgsi.pt.

“O contrato de concessão comercial é um contrato atípico, uma modalidade dos contratos de cooperação comercial, mormente na vertente dos contratos de distribuição, pelo qual um comerciante independente, o concessionário, se obriga a comprar a outro, o concedente, determinados bens de marca, para os revender em determinada área territorial, normalmente, mas nem sempre, com direito de exclusividade. Configura um contrato atípico de distribuição autorizada - sendo relativamente ténue a integração económica do distribuidor autorizado na rede comercial do fornecedor - o acordo pelo qual o produtor confere, sem obrigação de exclusividade, a um comerciante, escolhido em razão da sua aptidão técnica e comercial, a qualidade de distribuidor dos seus produtos, que fica com a obrigação de orientar a clientela para estes, mas não de exercer uma actividade de promoção da revenda dos mesmos.” -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 (Processo n.º 2368/07.9TBVCD.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

“O contrato de distribuição comercial é um negócio jurídico bilateral (contrato) mediante o qual uma das partes, o distribuidor, se vincula a adquirir à outra parte, o principal (produtor ou importador-fornecedor), uma quantidade de bens comerciais para posterior colocação no mercado numa certa área e por sua conta e risco. A concessão comercial é um dos contratos da distribuição comercial, ao lado da agência e do franchising, pelo qual o concessionário se obriga a comprar certa quantidade de produto e a revendê-lo durante certo período de tempo.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2018 (Processo n.º 1212/12.0TBSTS.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

3.2. Da extensão analógica do regime da agência ao contrato de concessão comercial

A particular estrutura jurídica do contrato de concessão comercial - aquisição e revenda dos produtos do concedente - confere-lhe a natureza de um contrato atípico, reiteramos, não se enquadrando em nenhum contrato legalmente previsto e não possuindo regulamentação legal própria, apesar da sua tipicidade social.
A regulamentação jurídica deste tipo de contrato tem de se encontrar, desde logo, e porque ele se apresenta como o desenvolvimento da autonomia privada das partes - art.º 405.º do Código Civil - nas cláusulas negociais, depois, e porque estas nem sempre dispõem sobre todas as incidências implicadas pelo acordo, analogicamente pelo regime do contrato nominado com que tenha mais afinidade, conforme o disposto no art.º 10.º do Código Civil, no caso, o contrato de agência, que é também, em certa medida, um contrato de distribuição com especificidades próprias, e, finalmente, pelos princípios estabelecidos na lei para a generalidade dos contratos.

Como sabemos, a analogia recebe acolhimento no art.º 10.º do Código Civil que estatui sobre a integração das lacunas da lei ao consignar “1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.” “2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.” “3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.”

No presente caso, ambos os acórdãos estão de acordo na aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial. A única divergência é, como se disse, relativamente à aplicação da aludida alínea c).

Vejamos, pois, se ao caso em análise, pacificamente subsumível ao contrato de concessão comercial, onde o legislador ainda não cuidou da respectiva concretização, nomeadamente, em matéria de cessação do contrato, procedem as razões justificativas para aplicação do regime da agência - Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril -, também no que respeita à alínea c) do n.º 1 do seu art.º 33.º.

Para o efeito, urge levar a cabo, ainda que em brevíssimos traços, a apreciação da chamada analogia, na medida em que temos o caso concreto para decidir, não previsto na lei, e dispomos de um sistema de normas que poderão, ou não, ajudar a colmatar a lacuna legal.

Exige-se encontrar o critério da analogia numa premissa lógico-jurídica, dirigida directamente à determinação de um princípio geral do Direito, obtido por abstracção a partir do conjunto de normas em causa através de um processo de indução universal ou generalizante, porque sem deixar de pressupor a mediação de uma pluralidade de normas e institutos jurídicos invoca imediatamente um princípio geral.

Neste sentido procederemos à confrontação do caso concreto trazido a Juízo, com o regime da agência - Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril - importando, sublinhamos, descobrir aquele enunciado critério numa premissa lógico-jurídica, naturalmente obtido por abstracção a partir da norma em causa, através de um processo de inferência e o caso a decidir.
A este propósito, Doutrina e Jurisprudência têm vindo a fazer sentir a questão da aplicação analógica ao contrato de concessão comercial, do regime de indemnização de clientela no contrato de agência, quer porque a concessão comercial se assume como contrato atípico, outrossim, porque a necessidade de protecção do concessionário, uma vez confrontado com a denúncia do respectivo negócio jurídico, não difere em termos substantivos, daqueloutra que enfrenta o agente, uma vez colocado em idêntica situação, qual seja, a extinção da relação jurídica estabelecida.

Na Doutrina, não deixando de registar a posição residual que sustenta, designadamente, para efeito de atribuição de indemnização de clientela, a não aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão, como defende, Ferreira Pinto, in Contratos de Distribuição - Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Universidade Católica Editoram, 2013, páginas 724 e seguintes - acolhendo antes a possibilidade de, verificadas certas condições, ter o concessionário direito a uma indemnização por investimentos, conforme se retira das páginas 737 e seguintes da obra citada, cuidamos, no entanto, de sublinhar que a Doutrina maioritária tem defendido a extensão analógica do regime da agência ao contrato de concessão comercial, sustentando, no essencial, que a posição do concessionário aquando da extinção do respectivo contrato é tão digna da atribuição da indemnização de clientela como a do agente, preenchidos que estejam, claro está, não só o pressuposto da obrigação de transmissão do círculo de clientes ao concedente, mas também que este alcance benefícios dessa mesma transmissão.
Importa notar que, muitas das vezes, é o concessionário que angaria e fideliza a clientela desde o início, sendo que uma vez denunciado o contrato de concessão, o concedente mantém, por regra, essa mesma clientela, que é assim perdida pelo concessionário, importando prejuízos, decorrentes, nomeadamente, da necessidade de reconverter todo o seu negócio, e até, no limite, a modificar a sua actividade, sendo, pois, esta situação de inferioridade do concessionário que justifica a atribuição da indemnização de clientela, prevenida no regime do contrato de agência, mesmo concebendo a dificuldade inerente ao facto de o concessionário não perder uma remuneração específica em relação aos clientes, como ocorre no contrato de agência, a qual será, em todo o caso, ultrapassada na medida em que a esta se equipara a margem de lucro devida ao concessionário, relativa à revenda dos produtos adquiridos ao concedente (neste sentido, Luís Menezes Leitão, in A Indemnização de clientela no contrato de agência, páginas 84 e 85).
Também Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Comercial, I, página 514, José Alberto Vieira, in O Contrato de Concessão Comercial, páginas 151 e seguintes, Rui Pinto Duarte, in Themis, II, n.º 3 (2001), A Jurisprudência Portuguesa sobre a aplicação da Indemnização de clientela ao contrato de Concessão Comercial - Algumas Observações, páginas 317 e 321, e José Engrácio Antunes, in Os Contratos de Distribuição Comercial, página 23, defendem a atribuição da indemnização de clientela, prevenida no regime atinente ao contrato de agência, aos concessionários comerciais.
Colhemos, neste particular, incisivos segmentos, retirados das dissertações de alguns dos mencionados Autores, no que à aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão respeita, enunciando por todos:
Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Comercial, 2007, página 678, defende que “O contrato de concessão não tem base legal directa. Estamos perante uma figura assente na autonomia privada. À partida, trata-se de um contrato que não está sujeito a qualquer forma solene. Pode ser meramente verbal ou pode resultar de condutas concludentes. Para além disso, o seu regime resultará, antes de mais, da interpretação e da integração do texto que tenha sido subscrito pelas partes. No que as partes tenham deixado em aberto, haverá que recorrer à analogia. O Direito comparado há muito estabelece, neste domínio, o recurso ao regime da agência”.
Anotamos, todavia, conquanto reconheçamos que a Doutrina se apresenta, na sua grande maioria favorável à extensão analógica do regime da agência ao contrato de concessão comercial, haver Autores que divergem relativamente aos pressupostos dessa extensão, ao sustentarem que a analogia não é susceptível de se estabelecer genericamente, face às diferenças típicas entre a situação do concessionário e a do agente, admitindo-se, porém, que ela seja estabelecida caso a caso, verificando-se se existem ou não similitudes entre a posição daquele especifico concessionário e a de um agente (neste sentido, Pinto Monteiro, in Estudos Eduardo Correia III, página 327, BFD 71 (1995), reafirmado, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 144º, página 368 a 370, e Carlos Barata, in Anotações, páginas 86/87).
 Destacam-se, neste particular, determinantes trechos doutrinários, sustentados por Pinto Monteiro, no local acabado de mencionar:
 “A obrigação de compra para revenda e o modo de actuação do concessionário (…) dificilmente chegariam, por si só, para justificar a aplicação de tal regime [agência]; via de regra, elas são mesmo apontadas como traços de distinção dos dois contratos. É fundamentalmente pela integração do revendedor na rede de distribuição do concedente, com tudo o que isso implica e pressupõe em termos de colaboração entre as partes e de promoção dos bens distribuídos, que se aproximam os dois contratos, o de agência e o de concessão, e nessa medida que mais se justifica o recurso à disciplina da agência (…).
É a integração, ainda, que torna mais fácil ao concedente impor a sua política comercial e controlar a fase da distribuição, sendo certo, por outro lado, que o concessionário, também retira daí benefícios e a vantagem concorrencial que passa a ter.
Um último ponto, para acentuar que o contrato de concessão comercial apresenta um conjunto de notas essenciais que são comuns a todos os contratos de distribuição, aí incluída a agência, cuja intensidade é, porém, variável. Ao lado destas, outras há, também essenciais, mas que permitem distingui-lo de outras modalidades, da agência desde logo, como a actuação do concessionário por sua conta e em seu próprio nome. (…) no tocante especificamente à questão de saber qual o regime jurídico aplicável ao contrato de concessão – e até, em geral, aos contratos de distribuição comercial – recordamos, justamente, que temos entendido ser de recorrer em determinados termos, ao regime do contrato de agência, no que somos acompanhados pela doutrina e jurisprudência claramente dominantes.
(…) é metodologicamente correcto, perante um contrato legalmente atípico, atender às regras dos contratos mais próximos, às regras daqueles contratos que tenham a sua disciplina fixada na lei e possam aplicar-se aos contratos de concessão e de “franchising” por analogia.  Ora a este respeito, como temos dito, de há muito entendemos ser o contrato de agência aquele cujo regime se mostra mais vocacionado, à partida, para se aplicar ao contrato de concessão [Logo no Anteprojecto, tomámos essa posição [cfr. BMJ, N.º 360, CIT, PP.84-85, n.º 9, c) bem como o preâmbulo aí proposto, pp. 123 e ss. Esp. 125, n.º 4, último parágrafo] que com a devida prudência vimos mantendo [Cfr. o nosso Denúncia de um contrato de concessão comercial, cit., n.º 3 e 5]]. É significativo que o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/86 dê expressamente conta da posição que se põe em relevo “a necessidade de se lhe aplicar, por analogia – quando e na medida em que ela se verifique – o regime da agência, sobretudo, em matéria de cessação do contrato” [Preâmbulo, n.º 4, último parágrafo]. É esta a posição que a jurisprudência vem adoptando e se tornou dominante também na doutrina. Tal como no direito comparado.”  
Na Jurisprudência, sufragando a extensão analógica do regime da agência ao contrato de concessão comercial, indicam-se, entre outros, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 13 de Setembro de 2007 (Processo nº. 07B1958); de 15 de Novembro de 2007 (Processo nº. 07B3933); de 13 de Abril de 2010 (Processo n.º 673/2002.E1.S1); de 29 de Junho de 2010 (Processo n.º 1911/04.0TBCSC.L1.S1); de 11 de Novembro de 2010 (Processo n.º 4749/03.8TVPRT.P1.S1); de 6 de Outubro de 2011 (Processo n.º 454/09.0TVLSB.L1.S1); de 2 de Dezembro de 2013 (Processo n.º 1420/06.2TVLSB.L1.S1);  de 9 de Julho de 2015 (Processo n.º 2368/07.9TBVCD.P1.S1); de 29 de Setembro de 2015 (Processo n.º 1552/07.0TBPTM.E2.S1); de 24 de Maio de 2018 (Processo n.º 1212/12.0TBSTS.P1.S1); e de 4 de Outubro de 2018 (Processo n.º 19656/15.3T8PRT.P1.S1).

A Jurisprudência, trilhando o caminho percorrido noutros ordenamentos jurídicos e sustentada pela Doutrina, acabada de referenciar, defende também a aplicabilidade ao contrato de concessão comercial do regime atinente ao contrato de agência, concretamente as regras sobre indemnização de clientela estabelecidas na lei para o contrato de agência, sendo que podemos distinguir em muitos dos arestos escrutinados que se debruçaram sobre essa aplicação argumentos que vão desde a lição doutrinária de que os contratos atípicos se regem pelas normas sobre contratos típicos com as quais apresentam analogias, a par da referência consignada no próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, à tendência que decorre do Direito Comparado para aplicar, por analogia, à concessão o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato (no n.º 4, in fine, do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, diz-se expressamente, relativamente ao contrato de concessão: “detecta-se no direito comparado uma certa tendência para o manter como contrato atípico, ao mesmo tempo que se vem pondo em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia - quando e na medida em que ela se verifique -, o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato”), até ao apelo da autoridade doutrinária de Pinto Monteiro, Autor que em Portugal mais atenção dedicou ao tema, outrossim, à autoridade de precedentes decisões jurisprudenciais que, reiteradamente, assumem idêntico entendimento.

Destacamos, de seguida, segmentos de alguns dos citados arestos:

“A particular estrutura jurídica do contrato de concessão comercial - aquisição e revenda dos produtos do concedente – confere-lhe a natureza de um contrato atípico, não se enquadrando em nenhum dos contratos legalmente previstos e não possuindo regulamentação legal própria, apesar da sua tipicidade social. O regime do contrato de agência, sobretudo na parte relativa à cessação do contrato, está vocacionado para ser aplicado, analogicamente, ao contrato de concessão comercial.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2007 (Processo n.º 07B1958), in, www.dgsi.pt.

“O contrato de concessão comercial rege-se pelo convencionado pelas partes contratantes, pelas normas gerais dos contratos e, com a necessária adaptação, pelas normas relativas ao contrato de agência, designadamente as concernentes à indemnização de clientela. A aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial implica que a expressão retribuição do agente seja entendida como o rendimento líquido auferido pelo concessionário no exercício da sua actividade comercial no mencionado período.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2007 (Processo n.º 07B3933), in, www.dgsi.pt.

“A jurisprudência e a doutrina portuguesas vêm entendendo, uniformemente, que o regime do contrato de agência, constante do DL n.º 178/86, de 03-07, designadamente no que se reporta à indemnização de clientela, se aplica, em princípio, por analogia, ao contrato de concessão comercial.” -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 (Processo n.º 2368/07.9TBVCD.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

“Ainda que in casu não nos encontremos no domínio de um contrato de agência mas de distribuição comercial, o arquétipo legal do contrato de agência tem sido considerado, especialmente no que se refere à atribuição de uma indemnização de clientela, a figura matriz dos contratos de concessão comercial em cujo género se integram várias espécies negociais, entre as quais justamente os contratos de distribuição. Por conseguinte, justifica-se, face às circunstâncias concretamente apuradas nos autos, e na medida em que o fundamento dessa indemnização é o incremento da clientela que reverte a favor do principal, enquanto o agente perde a retribuição que poderia auferir daquela clientela se o contrato não tivesse terminado, a atribuição de uma indemnização de clientela, nos termos dos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 178/86, de 03-07, calculada com base na equidade.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2018 (Processo n.º 1212/12.0TBSTS.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

3.3. Da indemnização de clientela/compensação no contrato de concessão comercial

Reconhecendo-se, assim, a tendência dominante no sentido de uma posição de princípio favorável à aplicação analógica do regime do contrato de agência a figuras contratuais distintas da agência mas que se compreendem dentro das realidades negociais que se convencionou apelidar de contratos de distribuição, concretamente o contrato de concessão, importa colocar a questão de saber em que medida o concessionário poderá ser compensado do seu esforço quando, no termo do contrato, deixar de poder beneficiar do mercado por si criado, o qual passará a ser explorado pelo concedente ou por um outro distribuidor.

Como sabemos, a figura da indemnização de clientela estava já regulamentada na versão inicial do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, sendo que a Directiva 86/653/CEE impôs aos Estados membros a consagração desta solução nas suas legislações nacionais, concedendo, porém, que cada Estado-Membro pudesse optar entre dois modelos, tendo o legislador português perfilhado o entendimento de que a indemnização de clientela não é uma verdadeira indemnização, mas sim uma compensação devida pelo principal ao agente após a cessação do contrato.

Daqui decorre que a indemnização de clientela pode ser devida seja qual for a forma de cessação do contrato (acordo das partes, caducidade, denúncia ou resolução), e não está dependente da verificação de qualquer dano, sendo seu desiderato permitir a compensação do agente pelos benefícios que o principal, ou um novo distribuidor que venha ocupar a posição do cessante, vai continuar a auferir em resultado do seu esforço, mesmo após o termo do contrato, importando, assim, conceber a figura em causa, pese embora a terminologia legal do art.º 33º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, como um direito a uma compensação a pagar pelo principal ao distribuidor, após a extinção do negócio jurídico.

Estatui este último artigo que:

“1. Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:

a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).”

A atribuição do direito à indemnização de clientela/compensação depende, pois, da verificação cumulativa dos consignados requisitos de carácter positivo, anotando-se, todavia, que o principal poderá fazer precludir o estabelecido direito, caso demonstre facticidade que sustente algum dos requisitos de índole negativa prevenidos no n.º 3 do citado art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril.

Ao legitimarmos a aplicação analógica do regime do contrato de agência a figuras contratuais distintas da agência mas que se compreendem dentro das realidades negociais que se convencionou apelidar de contratos de distribuição, concretamente o contrato de concessão, há que analisar em que condições a enunciada figura da indemnização de clientela prevenida para o contrato de agência se conforma com o contrato de concessão comercial, enquanto contrato de distribuição comercial.

Como já adiantámos e aqui reiteramos, em razão da inexistência de enquadramento legal para o contrato de concessão comercial, a Doutrina e a Jurisprudência têm lançado mão das soluções previstas no Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, para a construção das soluções legais aplicáveis a este atípico contrato. Pese embora as particulares características que autonomizam tipologicamente o contrato de agência e o contrato de concessão comercial, desde logo, o agente actua em nome e no interesse do principal, ao invés do concessionário que actua em nome próprio, não poderemos desvalorizar a existência de significativas semelhanças entre si, decorrentes, desde logo, da circunstância de se enquadrarem na função jurídico-económica dos contratos de distribuição, integrados que estão na rede de distribuição do principal, sendo por este utilizados para o escoamento dos seus produtos, donde, ao colaborar na colocação dos produtos do principal no mercado, é, inegavelmente, reconhecido ao concessionário um desempenho essencial na angariação de clientela, a qual se vai fidelizando aos produtos e marcas do principal, aumentando dessa forma os respectivos mercados.

A este propósito, José Alberto Vieira, in O Contrato de Concessão Comercial, Reimpressão, Coimbra Editora, 2006, páginas 125 a 127, escreveu: “O concessionário, durante a vida da relação contratual, estimula o seu círculo de clientela de modo a aumentar o número de compradores dos produtos objecto da concessão comercial.

O contrato vincula-o, inclusivamente, não só a desenvolver uma actividade promocional (v. g. a publicidade, a participação em feiras, salões e exposições, etc), como a prospectar clientela para o concedente. Um dos pontos de diligência do concessionário, no cumprimento do contrato, reside, pois, em cativar os seus conhecimentos, os seus clientes e rendê-los à compra dos produtos. O concessionário procede, assim, a favor do concedente, na criação ou desenvolvimento da clientela. Na constância do contrato, o esforço despendido pelo concessionário no incremento da clientela beneficia-o também. O aumento de fiéis à marca do concedente equivale ao potenciamento das vendas e, concomitantemente, dos lucros na revenda. Compreende-se, facilmente, que o concessionário aceite de bom grado e cumpra diligentemente as obrigações de promoção e prospecção de clientela. O pior vem depois, com a cessação da relação contratual. Consciente de haver desenvolvido ou criado uma clientela para a marca do concedente, por um lado, e sabendo que a sua actividade, levada a cabo no período contratual, beneficiará, no futuro, exclusivamente, o ex-contraente, por outro, até, possivelmente, com prejuízo de empreendimentos seus, o concessionário sentir-se-á inconformado com aquilo que considera ser um prejuízo. A questão, afrontada em moldes diferentes de país para país, tem recebido orientações opostas na jurisprudência. Para lá do Direito belga, portador de uma resposta de sinal positivo, na Alemanha a doutrina e, fundamentalmente, a jurisprudência, assimilam a posição do concessionário à do agente para o efeito de estenderem, analogicamente, a norma do § 89-b do HGB. Já em França a jurisprudência pende, acentuadamente, para a solução contrária.

Os argumentos contra o paralelismo agente-concessionário resumem-se, basicamente, a dois. O primeiro é este: o concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, desenvolvendo um comércio próprio. O segundo assenta na negação da relevância do papel do comerciante na revenda: a decisão de compra de um produto é o resultado da ponderação de factores estranhos ao concessionário. A compra de um automóvel, por exemplo, atende às características do veículo, preço, prestígio de marca, etc. Os clientes são-no da marca, não do comerciante. O valor desta argumentação é relativo. Certamente que a arte negocial do vendedor tem uma palavra a dizer. As ofertas de condições especiais de pagamento, o preço da assistência, a qualidade dos serviços prestados, etc, são elementos importantes na formação da convicção do comprador. Há outros factores para além das qualidades do produto, ou o prestígio da marca.

Quanto ao primeiro argumento, rebate-se, facilmente, se usarmos um raciocínio de maioria de razão. Porquê reconhecer ao agente uma indemnização de clientela, quando desempenha, unicamente, uma função de promoção negocial e não a atribuir, igualmente, ao concessionário, cujo papel na comercialização é muito mais vasto? O concessionário é titular de uma empresa. Ao revender os produtos do concedente ele fá-lo debaixo de uma imagem comercial, a imagem da empresa.

E não é apenas este dado de participação na celebração dos negócios que o concessionário tem a mais para gerar uma clientela própria.

Ele presta, também, uma variada gama de serviços, desde o mero aconselhamento técnico, à efectivação de reparações e substituições dos produtos. Normalmente, o concessionário não esgota a sua função no acto da venda. O contacto com o cliente perdurará no período de uso do produto; presumindo-se, claro está, o carácter não consumível dos bens vendidos, como acontece na generalidade das concessões comerciais. O que se pretende pôr em relevo é, tão-somente, um dado da maior evidência: existe um laço de clientela muito mais nítido na concessão comercial da que na agência. Ora, demonstrado que uma perda de clientela também ocorre na concessão comercial a favor do concedente, a extensão do art. 33.° do Decreto-Lei n.º 178/86 é plenamente justificada. Não se tratando de uma norma excepcional, nem tão pouco especial, dado regular uma situação sem paralelo nos restantes sectores da ordem jurídica, nenhum obstáculo se sobrepõe à analogia. A identidade material da situação a regular legitima o procedimento.”

Assim, por aplicação analógica do disposto no art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, em caso de cessação do contrato e verificando-se os requisitos positivos e ausência dos requisitos negativos, consignados no normativo citado, o concessionário tem também o direito a receber uma indemnização de clientela/compensação, competindo-lhe provar, na medida em que se trata de elemento constitutivo do alegado direito de indemnização/compensação (cfr. art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil), os factos subsumíveis às alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado art.º 33.º.

A forma como a lei define os requisitos e os termos da indemnização da clientela/compensação revelam ser a preservação do equilíbrio de cada contrato que se pretende proteger, repartindo entre o concedente e o concessionário, os benefícios que se projectam após a cessação do contrato, em consequência da actividade desenvolvida pelo concessionário durante a sua vigência, bastando, para o efeito, ter em consideração o modo de cálculo da indemnização/compensação, assente na média anual das remunerações do contrato terminado, sendo que é em função do contrato terminado que hão-de ser avaliados os requisitos exigidos pelo n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril.

A indemnização de clientela/compensação tem como pressuposto básico, enquanto facto constitutivo do direito à “indemnização de clientela” consagrado naquele artigo, a cessação do contrato em causa, qual seja, o contrato de concessão comercial, por aplicação analógica do contrato de agência, (dispõe o art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, que “o contrato de agência pode cessar por: a) Acordo das partes; b) Caducidade; c) Denúncia; d) Resolução”, regra esta que naturalmente vale para qualquer contrato de distribuição e, portanto, também para o contrato de concessão comercial) e, como requisitos legais cumulativos, requisitos positivos, os que decorrem do consignado art.º 33.º n.º 1, alíneas a), b) e c) do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, já transcrito, importando, assim, relembramos, que a aludida indemnização, ou mais propriamente, a compensação devida pelo concedente ao concessionário, demanda que “o concessionário tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente (a); a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo concessionário (b); e o concessionário deixe de receber qualquer “retribuição” por contrato, com os clientes referidos na alínea a) (c).”

“É como que uma compensação pela “mais-valia” que este (o agente) lhe proporciona (ao principal), graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência”, sustenta Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, 4.ª edição, páginas 113/114, reafirmada in Contratos de Distribuição Comercial, página 150; e Maria Helena Brito, ob. cit., página 100, acentuando-se mais uma vez, que esta indemnização/compensação, como decorre do exposto, deverá também beneficiar os concessionários, por analogia, na medida em que o contrato de concessão envolve uma actividade e um conjunto de tarefas similares às da agência, estando os contraentes unidos, de modo idêntico, por uma relação de estabilidade e de colaboração, isto é, desempenham funções, cumprem tarefas e prestam serviços idênticos aos que recaem sobre o agente, em termos de eles próprios deverem ser considerados, pela actividade que exerceram, como um relevante factor de atracção da clientela [neste sentido, Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, 4.ª edição, página 117 e Contratos de Distribuição Comercial, página 163; e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Março de 2009 (Processo n.º 09B0297), de 6 de Outubro de 2011 (Processo n.º 454/09.0TVLSB.L1.S1), de 24 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 39/2000.L1.S1), e de 20 de Junho de 2013 (Processo n.º 178/07.2TVPRT.P1.S1), todos consultáveis in IGFEJ].

3.4. Dos requisitos positivos com vista à indemnização de clientela/compensação no contrato de concessão comercial

Assentamos, pois, que o concessionário, para beneficiar da atribuição da indemnização de clientela/compensação tem de demonstrar os requisitos positivos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, de verificação cumulativa [não desconhecemos, mas não acompanhamos, que, por exemplo, para José Alberto Vieira, in ob. cit., página 127, a atribuição da indemnização de clientela depende somente da verificação cumulativa das alíneas a) e b), e que, no mesmo sentido, se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2012 (Processo n.º 99/05.3TVLSB.L1.S1), disponível in, www.dgsi.pt. e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2015 (Processo n.º 2199/11.1TVLSB.L1.S1, disponível in, www.dgsi.pt, cujo entendimento perfilhado foi, sem reserva, desaprovado em comentário de Pinto Monteiro na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144º, páginas 365 e seguintes).

Posto isto, caberá apreciar cada um dos enunciados e exigidos requisitos, com vista à atribuição ao concessionário, da indemnização de clientela/compensação, na reconhecida cessação do contrato de concessão comercial.

No que respeita ao requisito enunciado na alínea a) do art.º 33.º do citado Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, exige-se que “o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente”.

A este propósito, como defende Carlos Lacerda Barata, in Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência, 1994, página 82, “Naturalmente que não é qualquer acréscimo de clientela ou qualquer benefício que daí resulte para o principal que justificará a atribuição ao agente de uma “indemnização” de clientela; terá de se tratar de um acréscimo e de um benefício de proporções minimamente relevantes para o efeito: um acréscimo “substancial” do volume de negócios do principal (cfr. al. a)), donde resulte para este um benefício “considerável” (cfr. al. b). Caberá aqui, à actividade jurisprudencial a cuidada concretização dos conceitos indeterminados utilizados pelo legislador”.

Anota-se, neste particular requisito, que poderá suceder que à angariação de novos clientes não corresponda um efectivo acréscimo do volume de negócios, nomeadamente, num quadro de recessão económica com retracção da procura, entendendo-se, porém, que a circunstância de terem sido angariados novos clientes preenche este requisito, mesmo que ele não tenha representado um aumento efectivo do volume de negócios do principal, “pressuposto é, no entanto, que a clientela seja adquirida em resultado da prestação do agente, ou seja, que exista um nexo causal entre a sua prestação e a aquisição da clientela pelo principal”, mesmo que a causalidade não seja exclusiva, neste sentido, Luís Menezes Leitão, in A Indemnização de clientela no contrato de agência, páginas 46 e 47, e Carolina Cunha, in A Indemnização de Clientela do Agente Comercial, STVDIA IVRIDICA 71, Universidade de Coimbra, Boletim da Faculdade de Direito, página 126.

No que tange ao outro segmento do enunciado pressuposto com vista ao reconhecimento da compensação devida, no caso da cessação do contrato de concessão comercial, isto é, o que possa traduzir um “aumento substancial do volume de negócios com a clientela já existente”, a Doutrina tem defendido que esse aumento pode assumir uma natureza quantitativa ou qualitativa, pois, reconhece que tanto existe um benefício para o principal/concedente no caso em que o cliente/concessionário passa a comprar mais produtos, como no caso em que passa a adquirir produtos de melhor qualidade, mas “em qualquer caso, tem-se considerado que o aumento do volume de negócios deve resultar da actividade do agente, já que se ele tiver por base uma circunstância a ele exterior, como o aumento do preço dos produtos ou a desvalorização monetária, não fica esse requisito preenchido. Inversamente, não deixará de existir indemnização de clientela, se por actuação do agente o volume de negócios se mantém estável ou sofre uma redução menor do que a esperada, apesar de uma acentuada quebra no preço dos produtos” (neste sentido, Luís Menezes Leitão, in obra citada, páginas 50/51; e Carolina Cunha, obra citada, páginas, 129/135).

No que respeita ao segundo dos requisitos positivos exigidos, consignado na aludida alínea b) do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, qual seja, “a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente”, importa considerar por benefício “toda e qualquer vantagem com relevo económico, todo e qualquer ganho que o aumento de procura suscitado pela actuação do agente seja apto a proporcionar ao principal”, de entre os quais se destaca a possibilidade de o principal continuar a auferir réditos provenientes das futuras transacções com os clientes que o agente angariou ou a obtenção de condições mais favoráveis na distribuição ou comercialização dos seus produtos (neste sentido, Carolina Cunha sobre a diversa natureza dos benefícios relevantes, obra citada, páginas 148 a 156).

Acentua-se, no entanto, ser insuficiente para satisfação deste requisito, um qualquer benefício, “exigindo-se especificamente um benefício considerável, o que implica que o ganho do principal tenha que revestir alguma dimensão”, encerrando um pressuposto essencial que assenta no “facto de a actividade do agente, embora enquadrada numa relação contratual duradoura, poder ter efeitos benéficos para a outra parte após a extinção dessa relação, justificando assim a compensação ao agente” (neste sentido, Luís Menezes Leitão, ob. cit., página 52), “não se mostra necessário que os benefícios a auferir pelo principal tenham já ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma, uma chance para o principal”, outrossim, “não se exige que seja o próprio principal a explorar directamente o mercado, podendo conseguir esses benefícios através de outro agente, de um concessionário, de uma filial, etc. O que interessa é que o principal fique em condições de continuar a usufruir da actividade do seu ex-agente, ainda que só indirectamente, v.g. através de outro intermediário” (neste sentido, Pinto Monteiro, Contrato de Agência, página 115).

Donde, importa ao concessionário demonstrar, tão-somente, a existência de uma chance de vantagens para o concedente, a inferir, nomeadamente, da alegação e prova do acréscimo de procura, isto é, “alicerçar um juízo de prognose favorável à obtenção de proveitos”, nas palavras de Carolina Cunha, in, ob. cit., página 170, sem prejuízo, como é meridiano concluir, que o concedente poderá pôr em causa a subsistência dessa chance, ou, como defende, Carolina Cunha, ob. cit., pág. 170, “Cabe ao agente provar que o principal pode vir a extrair benefícios do acréscimo de procura; cabe ao principal provar que não pode ou que (justificadamente) não vai extrair daí qualquer benefício – em síntese, infirmar a prognose sustentada pelo agente”, sendo este juízo de prognose, assim justificado em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2012 (processo n.º 99/05.3TVLSB.L1.S1), in www.dgsi.pt “Atentas as dificuldades que enfrenta o concessionário de, após a cessação do contrato, demonstrar factos que se projectam no futuro, como ocorre com os ligados à ocorrência de “consideráveis benefícios” para o concedente, basta para o efeito que, num juízo de prognose, se possa afirmar ter sido proporcionada à concedente a possibilidade de obter tais benefícios, designadamente pelo facto de o efectivo acesso à clientela angariada pelo concessionário lhe serem proporcionadas condições objectivas para a continuidade da clientela”.

Afirmados os requisitos enunciados, retirados das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, que discreteamos, em traços breves, e uma vez confrontados o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, constatamos ser pacífica, quer doutrinal, quer jurisprudencialmente, a sua verificação para que possa ser concedida ao concessionário, uma vez cessada a respectiva relação jurídica, a indemnização de clientela/compensação, ao invés daqueloutro requisito que encerra o normativo plasmado na alínea c) do n.º 1 do mesmo art.º 33.º, havendo divergência relativamente à sua aplicação analógica ao contrato de concessão comercial.

O que verdadeiramente está em discussão é saber se também deve exigir-se a verificação do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, para atribuir indemnização de clientela ao concessionário.

Estatui esta alínea c), como pressuposto da indemnização de clientela, que “o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”.

Parece claro, decorrer deste normativo substantivo, como bem sustenta Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, 2017, 8.ª Edição Actualizada, página 144, e Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144º, páginas 375/377, “evitar acumulações, deixando de justificar-se a compensação devida ao agente, a título de indemnização de clientela, caso o principal, por exemplo, haja acordado continuar a pagar-lhe, após o termo do contrato, uma certa quantia pelas operações negociais que leve a efeito com os clientes por ele angariados. A existir um acordo deste ou de outro tipo, a compensação devida ao agente verificar-se-á por via convencional”.

De igual modo, Luís Menezes Leitão, in A Indemnização de clientela no contrato de agência, página 54, sustenta que “esta disposição explica-se pelo facto de que, a ser atribuída ao agente direito à comissão por estes contratos, este adquiriria uma indemnização de clientela que acresceria a essa comissão, extravasando esta assim das suas funções de indemnização”.

Ora, tendo presente o preceito citado, poder-se-á conceber, prima facie, e numa interpretação iminentemente literal do normativo substantivo civil, que a retribuição prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, não pode ocorrer no contrato de concessão comercial, visto que o concessionário compra ao concedente produtos para revenda, por sua conta e risco, ou seja, à margem de qualquer tipo de remuneração a cargo deste último e a favor do primeiro, o que importaria, numa abordagem menos cuidadosa, em nossa opinião e salvo o devido respeito por opinião contrária, concluir pela inexistência de fundamento para a aplicação analógica do disposto neste normativo, dada a própria natureza e estrutura do contrato de concessão comercial, na medida em que não sofre qualquer reserva, que o concessionário, ao invés do agente, não pode, após a sua cessação, receber ou continuar a receber, comissões relativas aos contratos em que outorgou, anotando-se que, na verdade, na concessão comercial, não está em causa, ter recebido, ou deixar de receber, qualquer retribuição, por contratos negociados ou concluídos.

Todavia, assim não o entendemos, merecendo o normativo em causa - alínea c) do n.º 1 do art.º 33º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril - à semelhança dos demais pressupostos exigidos para a atribuição da indemnização de clientela/compensação, criteriosa análise.

Ao reconhecermos dever-se aplicar analogicamente este dispositivo substantivo civil ao contrato de concessão comercial, exigindo a respectiva verificação com vista à atribuição da indemnização de clientela/compensação, importa adiantar que se deverá proceder às devidas adaptações, conforme Jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, aliás, respaldada pela Doutrina.

Sublinhamos que realmente o que está em causa é saber se deve exigir-se também a verificação do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, para a concessão da indemnização de clientela ao concessionário.

Neste contexto, importa ter presente que a consignada norma está, necessariamente, delineada para o contrato de agência. Daí que se fale em retribuição do agente em contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a), seja, com os novos clientes angariados.

Como se colhe do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 (Processo n.º 19656/15.3T8PRT.P1.S2) “Quanto ao requisito da al. c), a sua formulação, ao aludir a retribuição, apenas se ajusta aparentemente à agência. O distribuidor, por regra, não perde uma remuneração específica em relação aos seus clientes, às plúrimas vendas que realize, mas antes a margem de lucro obtida nesta actividade. Lucro que deixa de ser auferido pelo distribuidor se a clientela se transferir para o produtor. Assim, será de atribuir ao termo retribuição o sentido de compensação, sendo, pois, pressuposto que o distribuidor deixe de receber qualquer compensação pelos contratos concluídos após a cessação dos contratos.”

Na verdade, como decorre da natureza do contrato de concessão, já sobejamente conceptualizado, o concessionário actua em nome próprio, não recebe qualquer retribuição do concedente nem se limita a promover por conta daquele a celebração de contratos, encerrando, assim, particulares características que o autonomizam tipologicamente, fazendo as revendas por sua conta e risco e os seus proventos são os lucros que aufere nestes negócios.

Assim, importa saber, fazendo apelo à analogia, se os proventos que o concessionário auferiria, não fora a cessação do contrato, no seu negócio de distribuição, podem, ou não, ainda de algum modo ser resultantes da sua actividade anterior como concessionário da concedente.  

Se tais proventos puderem ainda de algum modo ser também considerados como resultado da sua anterior actividade como concessionário, está excluída a indemnização por força, numa aplicação analógica, do disposto na alínea c) do n.º 1, do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril. Ao invés, se tais proventos não puderem, de nenhum modo, ser imputados àquela anterior actividade, tem direito à referida indemnização de clientela/compensação.

Sublinhando decorrer da aludida alínea c), pretender-se evitar a duplicação de benefícios, importa enfatizar que a indemnização de clientela/compensação, no caso de concessão, só tem fundamento, para além da verificação dos restantes requisitos, quando o ex-concessionário deixa de auferir quaisquer proventos da sua anterior actividade, afirmando-se, sem reserva, que as razões que no contrato de agência justificam o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril (evitar a duplicação de compensações) valem aqui mutatis mutandi.

Na Doutrina, em defesa deste entendimento, ou seja, de que ao contrato de concessão comercial, aplica-se o regime de indemnização de clientela a que alude o art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, que regulamenta o contrato de agência, cumprindo ao concessionário o ónus da prova dos requisitos cumulativos que constam desse artigo, nomeadamente a consignada alínea c), sustenta, com autoridade, Pinto Monteiro, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144.º, páginas 376 e 377 “A nossa opinião, já o dissemos mais do que uma vez, é que pretende a lei, com este requisito, evitar acumulações, designadamente quando, por acordo prévio, se tenha fixado um determinado montante como compensação ao agente pelas operações negociais que o principal leve a efeito com os clientes angariados pelo seu ex-agente. Ora, sendo assim, parece-nos que, por identidade de razão, se deve aplicar esta exigência também ao concessionário. E claro que o concessionário não é retribuído através de comissões nem é o concedente quem lhe paga. Como qualquer comerciante, o concessionário beneficia com o lucro que consiga obter, pelas vendas ou serviços prestados aos clientes.

O concessionário não irá receber, pois, qualquer “retribuição” por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com clientes que haja angariado. Nem o concessionário é “retribuído” pelo concedente, uma vez que, como qualquer comerciante, já o dissemos, o concessionário compra para revenda, consistindo o seu benefício no lucro que obtém. Já o agente, esse sim, é retribuído pelo principal, “máxime” através da comissão.

Nesta linha, já antes salientamos, precisamente, que se terá sempre de averiguar, relativamente à norma cuja aplicação se pretende, se a analogia é possível, se a ratio é compatível ou se adequa a um concessionário ou a um franquiado, ainda que a actuação deste, no caso concreto, seja de equiparar à de um agente. E acrescentamos parecer-nos “difícil compatibilizar as normas sobre a comissão do agente com a actividade do concessionário, que compra para revenda, consistindo o seu benefício no lucro que obtém”.

Mas a questão não é essa. O art. 33º n.º 1 c) não é uma norma sobre a comissão! Já afastamos essa norma do n.º 3 do art.º 16º. Este sim, um preceito relativo ao direito do agente à comissão.

Ora, a al. c) do n.º 1 do art. 33º tem outro âmbito, visa o direito do agente à indemnização de clientela. E o que a lei pretende, com o requisito consagrado nessa alínea, é evitar acumulações, designadamente quando, por acordo prévio, como dissemos, as partes hajam fixado a compensação devida ao ex-agente pelas operações negociais que o principal venha a levar a efeito após a cessação da agência. Existindo, assim, uma compensação por via convencional [desde que não seja meramente simbólica ou em fraude à lei, pois é nula qualquer renúncia antecipada do agente à indemnização de clientela, dada a natureza imperativa do art.º 33º] com a mesma preocupação e finalidade da indemnização de clientela, deixará esta, naturalmente, de ser devida. Onde se lê “O agente deixe de receber qualquer retribuição (…) leia-se, pois: O agente/concessionário deixe de receber qualquer compensação por contratos concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes que angariou para o principal/concedente. É a razão de ser da citada alínea c).

Sendo assim, repetimos, faz sentido que semelhante exigência valha também para o direito do concessionário à indemnização de clientela. Não se compreenderia que, existindo, também aqui, um acordo prévio das partes destinado a compensar o concessionário pelos contratos que o ex-concedente venha a concluir, após o termo da concessão, com os clientes por aquele angariados, tivesse ele, ainda assim, direito à indemnização de clientela. É essa acumulação que a lei quer evitar – e isso faz sentido tanto em relação ao agente como em relação ao concessionário. Será porventura raro tal acordo, tratando-se de um contrato de concessão. Mas isso não invalida que a razão de ser da alínea c) abranja as duas situações, razão por que (…) entendemos que o requisito da alínea c) do n.º 1 do art.º 33º é (também) aplicável à concessão.

Pode acontecer, por outro lado - isto é, ainda que não tenha havido qualquer acordo das partes sobre a indemnização de clientela - que o concessionário (“rectius” o ex-concessionário) continue a fazer negócios com a sua anterior clientela, após o termo do contrato de concessão, e, nessa medida, continue a recolher lucros.

Também numa situação destas nos parece que deverá ser-lhe recusada a indemnização de clientela, por força da referida alínea c), dada a razão de ser desta norma.

Será mesmo de ponderar, em tal hipotética (porventura rara) situação, se não seria desde logo pela alínea b) do n.º 1 do art. 33º que seria de recusar a atribuição da indemnização de clientela ao concessionário pois, afinal, numa situação dessas, não seria a outra parte - o concedente - ou apenas ela a “beneficiar consideravelmente” da actividade desenvolvida pelo concessionário, antes este que, por hipótese, manteve os clientes ligados a si, aproveitando-os para outros negócios.

De todo o modo, ainda que se entenda que a manutenção desse relacionamento comercial do concessionário não impede, por si só, que se dê como preenchido o requisito da alínea b), sempre a obtenção de lucros, pelo ex-concessionário, com a clientela por ele angariada e que manteve ligada a si não pode deixar de revelar, nos termos da alínea c), para afastar a indemnização de clientela.”       

No mesmo sentido, Calvão da Silva, in Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, página 215 a 217, Rui Pinto Duarte, in Themis, II, n.º 3 (2001), A Jurisprudência Portuguesa sobre a aplicação da Indemnização de clientela ao contrato de Concessão Comercial - Algumas Observações, página 320, e Miguel J. A. Pupo Correia, in Direito Comercial, Direito da Empresa, 9ª Edição, refundida e actualizada, Outubro /2005, Coimbra Editora, página 526.

Na Jurisprudência, perfilhando o entendimento enunciado, ou seja, a defesa da extensão analógica do regime da agência ao contrato de concessão comercial, e em concreto da assinalada analogia da alínea c), cumulativamente às alíneas a) e b) do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, com vista à indemnização de clientela/compensação, divisamos arestos proferidos, que traduzem reiterada Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, aqui sufragada, consignando-se, a propósito, os seguintes: de 13 de Abril de 2010 (Processo n.º 673/2002.E1.S1); de 11 de Novembro de 2010 (Processo n.º 4749/03.8TVPRT.P1.S1); de 24 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 39/2000.L1.S1); de 29 de Março de 2012 (Processo n.º 913/07.9TVLSB.L1.S1 – o acórdão fundamento); de 2 de Dezembro de 2013 (Processo n.º 1420/06.2TVLSB.L1.S1); de 18 de Dezembro de 2013 (Processo n.º 2394/06.5TBVCT.P2.S1); de 18 de Junho de 2014 (Processo n.º 4189/09.5TBOER.L1.S1); de 9 de Setembro de 2015 (Processo n.º 2368//07.9TBVCD.P1.S1); de 2015 (Processo n.º 1552/07.0TBPTM.E2.S1); de 9 de Janeiro de 2018 (Processo n.º 2303/01.8TVLSB.L1.S1); e de 4 de Outubro de 2018 (Processo n.º 19656/15.3T8PRT.P1.S1).

Transcrevemos aqui, neste âmbito, segmentos de alguns dos arestos:

“A compensação/“indemnização” de clientela não decorre “ipso facto” da cessação do contrato, já que, tendo ela uma função compensatória, a que preside uma ideia de justiça, importa que o concessionário prove, cumulativamente, os requisitos das alíneas a), b) e c) do nº 1 art. 33º do DL. 178/86, de 3.7.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 2010 (Processo n.º 673/2002.E1.S1), in, www.dgsi.pt.

“A indemnização de clientela tem como pressuposto basilar a cessação do contrato de concessão (por aplicação analógica do regime legal do contrato de agência) e, como requisitos legais cumulativos, os que constam do art. 33.º, n.º 1, als. a), b), e c), do DL n.º 178/86, de 03-07, exigindo-se que o concessionário tenha angariado novos clientes para o concedente ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; o concedente venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo concessionário e que o concessionário fique privado de receber qualquer retribuição por contrato.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 39/2000.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

“A indemnização de clientela pressupõe o preenchimento cumulativo de determinados requisitos, isto é, que o concessionário haja angariado novos clientes para o concedente ou aumentado, substancialmente, o volume de negócios com a clientela existente (a), que a outra parte venha a beneficiar, consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo concessionário (b), e que este deixe de receber qualquer retribuição, por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com aqueles novos clientes que perde (c).” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 2568/05.6TBCLD.L1S1), in, www.dgsi.pt.

 “Aos contratos de distribuição, designadamente ao concreto contrato de concessão comercial, aplica-se o regime de indemnização de clientela a que alude o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, que regulamenta o contrato de agência, cumprindo ao concessionário o ónus da prova dos requisitos cumulativos que constam desse artigo (artigo 342.º do Código Civil).” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 2013 (Processo n.º 1420/06.2TVLSB.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

“O direito à indemnização de clientela supõe a verificação dos requisitos constitutivos, cumulativamente previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 33ºdo DL 178/86, implicando a demonstração, face à matéria de facto apurada – e a cargo do agente ou concessionário demandante – de que, num juízo de prognose, o principal beneficiou consideravelmente, após cessação do contrato, da actividade de angariação ou incremento de clientela, por aquele desenvolvida.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2013 (Processo n.º 2394/06.5TBVCT.P2.S1), in, www.dgsi.pt.

“A doutrina e a jurisprudência têm considerado aplicável ao contrato de concessão comercial, sobretudo no âmbito da cessação do contrato, o regime do contrato de agência contemplado no DL n.º 178/86, de 03-07, alterado pelo DL 118/93, de 13-04.

No termo do contrato de concessão comercial, o concessionário pode beneficiar da atribuição da indemnização de clientela se provar os requisitos previstos nas als. a), b) e c) do n.º 1 do art. 33.º do DL n.º 178/86.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2015 (Processo n.º 1552/07.0TBPTM.E2.S1), in, www.dgsi.pt.

3.5. A Resposta Uniformizadora

 Concebendo e concedendo que o concessionário, para beneficiar da atribuição da indemnização de clientela/compensação, tem de demonstrar os requisitos positivos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, cuja verificação é cumulativa, é chegado o momento, face à colocada questão de direito essencial, de adiantar qual a resposta uniformizadora que se afigura mais adequada em resultado do enquadramento perfilhado e que se antolha para resolver o caso sub judice:

   “Na aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, inclui-se a respectiva alínea c), adaptada a esse contrato.”

3.6. A resposta uniformizadora e o acórdão recorrido 

A natureza extraordinária do recurso para uniformização de jurisprudência impõe que, quando o respectivo julgamento for procedente, não só seja decretada a decisão que verifica a existência da contradição jurisprudencial proferindo resposta uniformizadora, mas também a revogação do acórdão recorrido (excepto se for interposto pelo Ministério Público), substituindo-o por outro em que se decide a questão controvertida, nos termos do art.º 695.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Ou seja, a natureza extraordinária do recurso para uniformização de jurisprudência assume a particularidade de se destinar, não só à emissão de acórdão de uniformização sobre o conflito de jurisprudência, mas também, na sua procedência, por regra, ao conhecimento e decisão da questão controvertida.
Revertendo ao caso sub judice, confirmada a existência de contradição jurisprudencial e definida a resposta uniformizadora, é chegado o momento de decidir a questão controvertida, qual seja a atribuição e fixação da indemnização de clientela ao concessionário.
Para este efeito, importa considerar os factos dados como provados no acórdão recorrido, supra transcritos no n.º 2 da fundamentação.
Deles resulta, como foi afirmado no acórdão recorrido, que houve cessação do contrato de concessão.
Está já assente que a indemnização de clientela prevista no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, para o contrato de agência é aplicável por analogia ao contrato de concessão aqui em análise e que se verificam os requisitos positivos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo preceito.
Isso mesmo foi afirmado no acórdão recorrido, pelo que se nos afiguram desnecessários quaisquer desenvolvimentos sobre esta matéria não controvertida no presente recurso.
A questão da aplicação, por analogia, da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo ao presente contrato de concessão também já foi decidida nos termos que se deixaram exarados supra com a prolação da resposta uniformizadora.
Aqui, resta apenas saber se se verifica também o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º do citado diploma, onde se prevê, recorde-se, que “o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”.
Importa, desde já, proceder à devida adaptação desta norma, prevista para o contrato de agência, ao contrato de concessão, nos termos da resposta uniformizadora.
Como é sabido, o concessionário não recebe qualquer retribuição do concedente nem se limita a promover por conta dele a celebração de contratos, visto que procede às revendas por sua conta e risco.
Por isso, deve entender-se o termo “retribuição” como proventos ou lucros que o concessionário aufira com a realização dos negócios com as revendas.
Assim, o que está verdadeiramente em causa é saber se os proventos que a autora (ex-concessionária) auferiu, “após a cessação do contrato, no seu negócio de distribuição podem ou não ainda de algum modo ser resultantes da sua actividade anterior como concessionária da concedente ré. Se tais proventos puderem ainda de algum modo ser também considerados como resultado da sua anterior actividade como concessionária, está excluída a indemnização por força, numa aplicação analógica, do disposto na al. c) do nº 1, do artigo 33º, acima referido; se tais proventos não puderem, de nenhum modo, ser imputados àquela anterior actividade, tem direito à referida indemnização de clientela” (acórdão fundamento, de 29/3/2012, processo n.º 913/07.9TVLSB.L1.S1, junto e também disponível em www.dgsi.pt).
Ora, está assente que o contrato de concessão em apreço cessou em Junho de 2005, por denúncia da Ré. Foi o que entendeu o acórdão recorrido com base no facto provado sob o n.º 33, transitado em julgado, nessa parte não questionado no presente recurso.
Resulta da facticidade provada sob o n.º 35 que a Autora continuou a vender os produtos da Ré, apesar de já não ser sua concessionária, obtendo os proventos ali referidos, assim beneficiando da anterior actividade.
Deste modo, perante tais factos, parece indubitável que não está verificado o requisito previsto na supra aludida alínea c).
Com efeito, é pressuposto que o ex-concessionário deixe de receber qualquer compensação pelos contratos concluídos após a cessação do contrato de concessão, só tendo fundamento a indemnização de clientela, para além da verificação dos restantes requisitos, quando deixe de auferir quaisquer proventos da sua anterior actividade.
Só assim não ocorre a duplicação de benefícios que aquela alínea pretende evitar.
E, no caso, cremos não haver dúvidas de que a Autora continuou a vender os produtos da Ré, após a cessação do contrato, tanto mais que não aceitou a denúncia efectuada por esta, recusando a alteração proposta (cfr. facto provado sob o n.º 34).
Ao continuar a vender os produtos da Ré, a Autora beneficiou dos clientes angariados aquando da sua actividade de concessionária.
Com o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se-nos que não se verifica o requisito previsto na mencionada alínea c).
Desde logo, porque a Autora continuou a vender os produtos da Ré nos meses de Julho a Dezembro de 2005, realizando vendas no total de 203.192,61 € (cfr. facto 35), como se disse e reafirma, não sendo lícito presumir que as mesmas foram feitas em período anterior à cessação do contrato e que se trata de “vendas averbadas contabilisticamente” naqueles meses, nem tal resulta da facticidade provada sob os n.ºs 39 e 40. De resto, a Autora não provou sequer que tais vendas respeitassem a produtos já adquiridos à concedente antes de Junho de 2005.
Também se nos afigura que não consta da restante matéria de facto provada que a Autora tivesse deixado de receber quaisquer proventos, após a cessação do contrato, por contratos concluídos com os clientes que angariou para a Ré.
Além de se mostrar provado o contrário, dos restantes factos provados não resulta que tal tivesse ocorrido.
Note-se que todas as restantes transacções são reportadas a período anterior a Junho de 2005, portanto, anterior à data da cessão do contrato de concessão e que é irrelevante, para este efeito, qualquer diminuição de vendas, o que pressupõe que elas continuaram.
O facto de a Autora ter sido excluída do circuito da distribuição da Ré e de esta ter integrado nele o que fora seu sub-concessionário ou passar a comercializar directamente os seus produtos, só por si, não basta, a nosso ver, para se concluir que ela deixou de receber qualquer compensação, após a cessação do contrato, com os clientes que angariou para a demandada.
Competia à Autora provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil (por se tratar de elemento constitutivo do alegado direito de indemnização), que havia deixado de receber quaisquer proventos derivados da sua anterior actividade de concessionária.
Todavia, não observou esse ónus.
Não tendo provado que nenhum proveito está a obter resultante da sua anterior actividade de concessionária, não se verifica o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do citado Decreto-Lei n.º 178/86, de verificação cumulativa com os demais requisitos contemplados nas alíneas a) e b), pelo que a sua pretensão de indemnização de clientela terá que improceder.

                       

Fica, consequentemente, prejudicada a apreciação da questão do quantum da respectiva indemnização.

Pelo exposto, verificada a existência da contradição jurisprudencial e conhecendo a questão controvertida, procede o recurso da Ré, havendo que revogar o acórdão recorrido na parte nele impugnada.

III. DISPOSITIVO


Pelo exposto:

a) Concede-se provimento ao recurso, julgando procedente por verificada a existência da contradição jurisprudencial e revogando a decisão recorrida, relativamente à indemnização de clientela, mantendo-se no mais o decidido.

b) Custas do recurso pela Autora/Recorrida.

            c) Uniformiza-se a Jurisprudência nos seguintes termos: “Na aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, inclui-se a respectiva alínea c), adaptada a esse contrato.”

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Setembro de 2019

 Fernando Augusto Samões (Relator por vencimento, relativamente aos números 3.5 e 3.6, tendo mantido e quase que reproduzido, na parte restante, o que havia sido escrito no projecto apresentado pelo anterior Relator, o Ex.mo Conselheiro Oliveira Abreu).

(a redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico)


Maria João Vaz Tomé – Junto declaração de voto *

Bernardo Domingos

Ilídio Sacarrão Martins (Vencido de acordo com a declaração de voto do Conselheiro Oliveira Abreu).

Nuno Pinto de Oliveira (Vencido, de acordo com a declaração de voto do Exmº Senhor Conselheiro Oliveira Abreu)

Paula Sá Fernandes (Vencida de acordo com a declaração de voto do Senhor Conselheiro Oliveira Abreu)

Moura de Magalhães

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

Assunção Raimundo

João Bernardo

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida quanto à questão da atribuição da indemnização de clientela à autora, nos termos do voto de vencido do Cons. Oliveira Abreu)

Abrantes Geraldes (com declaração de vencido anexa).

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

Tomé Gomes

José Rainho

Maria da Graça Trigo (com declaração de voto junta) **

Olindo Geraldes (Conforme declaração que se anexa)***

Alexandre Reis

Pedro de Lima Gonçalves (votei vencido no que concerne ao ponto 3.6. do Acórdão, conforme declaração de voto anexo)

Rosa Tching

Maria do Rosário Morgado (Vencida quanto à questão de indemnização de clientela nos termos do voto de vencido do Cons. Oliveira Abreu).

Fátima Gomes, com declaração de voto. Adiro à declaração da Consª Maria da Graça Trigo

Rosa Ribeiro Coelho

Graça Amaral

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

Helder Almeida (Vencido, subscrevendo os fundamentos constantes do voto de vencido do Exmº Sr. Cons. Oliveira Abreu)

Acácio das Neves (junto voto de concordância) ****

Oliveira Abreu (Juntei voto de vencido) *****

António Joaquim Piçarra (Presidente)


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* Declaração de voto

1. Voto o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência na medida em que nele não está em causa a questão da (in)aplicação por analogia do regime da indemnização de clientela, previsto para o contrato de agência, ao contrato de concessão comercial.

2. I. A indemnização de clientela encontra-se prevista e regulada nos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 178/86, de 3 de julho (alterado pelo DL n.º 118/93, de 13 de abril) (doravante LCA).

II. Na querela respeitante ao seu fundamento, têm prevalecido a tese da remuneração (complementar ou diferida) - considerando estar em causa o pagamento de uma retribuição suplementar pela atividade anteriormente exercida pelo agente – e a tese da compensação do enriquecimento sem causa – tendo em conta que, no termo do contrato, enquanto o principal beneficia injustamente das vantagens económicas associadas à fidelização dos clientes alcançada pelo agente, o agente fica, muitas vezes, empobrecido na medida das comissões que lhe caberia perceber se a relação contratual não houvesse cessado.

III. Parece poder dizer-se, contudo, que nenhuma das teses referidas permite uma justificação inteiramente satisfatória da indemnização de clientela e da respetiva disciplina jurídica.
IV. Assim, inter alia, nenhuma dessas teses se concilia com a circunstância de a indemnização de clientela não ser devida quando o contrato cessa pelo exercício discricionário da vontade do agente ou por motivo que lhe seja imputável. Não consentem, outrossim, compreender que esta indemnização seja calculada segundo juízos de equidade e que o seu quantum esteja sujeito a um limite máximo.
V. A ideia que subjaz à disciplina jurídica da indemnização de clientela parece ser antes a da compensação do desequilíbrio que, uma vez extinta a relação contratual, se verifica muitas vezes entre as vantagens proporcionadas pelo contrato a cada uma das partes. Trata-se de um mecanismo de realização da justiça comutativa e de prevenção do abuso.
VI. Muito diferentemente do agente - exposto, pelas características da sua atividade empresarial e pela estrutura típica da sua retribuição, a um risco anormal de aproveitamento injusto da situação de vantagem que a cessação do contrato pode proporcionar ao principal -, o concessionário não promove negócios e capta clientes para o principal; não atua no interesse e por conta do principal, e não se sujeita às suas instruções no que toca à política comercial a implementar; a sua remuneração não depende da obtenção de um resultado, cuja realização se afigura influenciada por uma multiplicidade de fatores; na sua empresa, o fator capital prevalece sobre o fator trabalho.
VII. A onerosidade do contrato de concessão é muito diferente daquela do contrato de agência. O concessionário não é diretamente remunerado pelo concedente, antes realiza o seu proveito de forma independente. A sua contrapartida consiste na chance de obter rendimentos e lucros através da venda ou revenda dos produtos contratados, ou da prestação de serviços sob a marca do fornecedor, mas sempre no âmbito de uma atividade própria e independente.
3. I. A ordem jurídica não consagra um princípio geral de compensação das vantagens que, de forma não direta, possam resultar para um sujeito do cumprimento, por outro sujeito, das obrigações típicas decorrentes de um contrato que ambos tenham celebrado.
II. Via de regra, o ordenamento jurídico não sujeita o equilíbrio económico de cada negócio ao controlo – segundo critérios externos pré-definidos - por terceiros.
III. Pode assim dizer-se que a indemnização de clientela se reveste de caráter excecional.
IV. O contrato de concessão comercial coloca, como se disse, o concessionário numa posição diferente da do agente. As necessidades de tutela do concessionário podem ser satisfeitas mediante o recurso a outras figuras (v.g., a assim denominada indemnização por investimentos de confiança). Elas adequam-se suficientemente às características da atividade empresarial do concessionário.
V. Pode dizer-se que se o sujeito que ocupava originariamente a posição de concessionário se vem ulteriormente a encontrar na posição de agente é porque o contrato se modificou, deixando de ser de concessão.
VI. Não se descortina por isso, em regra, a existência de qualquer lacuna – da lei ou do direito - no que toca à proteção do concessionário; não há semelhança entre o conflito típico de interesses subsequente à cessação de um contrato de agência e o que surge aquando da cessação do contrato de concessão. Se a lei regula uma determinada situação de facto de uma maneira determinada, mas não contém nenhuma regra para outra situação de facto, que não é semelhante àquela no sentido da valoração encontrada, a falta de uma tal regulação não deve considerar-se uma lacuna da lei.
VII. A analogia de situações suscetível de conduzir à aplicação do regime da agência não se verifica. Devido à falta de semelhança, ambas as situações não devem ser identicamente valoradas nos aspetos decisivos, porquanto as dissemelhanças prevalecem sobre as semelhanças.
4. I. Em jeito de conclusão, creio que não deve ter lugar a equiparação pretendida.
II. Para a hipótese de assim não se entender, de se considerar que, na cessação do contrato de concessão, pode haver uma parte da atividade do concessionário que não foi retribuída ou compensada – de acordo com a tese da remuneração ou da compensação do enriquecimento sem causa -, crê-se que a aplicação analógica da indemnização de clientela deve obedecer aos mesmos requisitos que se encontram legalmente previstos para o agente, não devendo amputar-se o respetivo regime da al. c), do n.º 1, do art. 33.º, da LCA.

(Vide Fernando Ferreira Pinto, “A indemnização de clientela no âmbito dos contratos de distribuição”, in Revista de Direito Comercial, 2019-01-02, pp.1-30, disponível para consulta em www.revistadedireitocomercial.com; Fernando Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013, pp. 616-735)

Lisboa, 19 de setembro de 2019


(Maria João Vaz Tomé)

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** Voto de vencido:

Está relativamente estabilizada na jurisprudência e na doutrina a solução segundo a qual as regras do contrato de agência são de aplicar ao contrato de concessão comercial, com as necessárias adaptações.

O contrato de concessão comercial não deixa, contudo, de ter um figurino diverso, na medida em que implica uma atuação por conta própria e em nome próprio, correspondendo a uma atividade de distribuição comercial cujo lucro é, no essencial, resultante do diferencial entre o preço de compra e o preço de revenda.

Já o contrato de agência, sendo também um contrato de distribuição, implica a obrigação de promover por conta de outrem a celebração de contratos, mediante retribuição (art. 1º do DL 178/86, de 3-7). A retribuição, por seu lado, é, assim, integrada na sua maior parte por uma comissão de intermediação em função do número ou do valor de contratos celebrados.

Também é pacífico que é de aplicar ao concessionário a norma do contrato de agência que prevê a atribuição de uma indemnização de clientela em casos de cessação do contrato por motivos não imputáveis ao concessionário. Para tal, como já se expressou no Ac. do STJ 17-5-12, de que fui relator, no âmbito do proc. nº 99/05.3TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, faz todo o sentido condicionar a atribuição dessa indemnização à verificação dos requisitos das als. a) e b) do art. 33º, ou seja, à prova de que o concessionário:

a) Angariou novos clientes ou aumentou substancialmente o volume de negócios;

b) Tal atividade determina um benefício considerável para o concedente após a cessação do contrato.

Ademais, como decorre da al. c) do mesmo preceito, compreende-se que no contrato de agência não haja indemnização por clientela quando o agente, mesmo depois de extinto o contrato, continue a receber uma remuneração correspondente a comissões em função dos contratos anteriormente angariados.

Creio, porém, que no contrato de concessão, não se justifica a exigência do requisito constante da al. c) do nº 1 do art. 33º, do DL nº 176/86, de 3-7, porque, ao contrário do que ocorre com o agente, o concessionário não recebe retribuições (comissões) por contratos concluídos, antes extrai o seu lucro do diferencial entre os preços de compra e de revenda ou de outras cláusulas contratuais.

Fazer depender a atribuição dessa indemnização ao concessionário da prova de que deixou de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com os clientes que tinha em carteira, redunda, na prática, na restrição dessa indemnização a casos em que, depois da cessação do contrato, o concessionário deixe de exercer a atividade na área em que atuava.

Por estes motivos, defenderia a uniformização no sentido divergente do que obteve vencimento.


Abrantes Geraldes




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*** Declaração de voto

Votei o acórdão com as seguintes considerações relativamente à fundamentação:

1. No que se refere à decisão uniformizadora, adiro à posição que fez vencimento no pressuposto de que a contradição de julgados objecto do presente recurso não abrange a questão da aplicação analógica à cessação do contrato de concessão do regime da indemnização de clientela previsto para a cessação do contrato de agência. Se assim não fosse, entendo que se tornaria necessário reequacionar tal questão à luz dos desenvolvimentos doutrinais mais recentes.

2. Idealmente seria conveniente que a decisão uniformizadora concretizasse o critério da aplicação do pressuposto da alínea c), do nº 1, do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86 de 3 de Julho, à cessação do contrato de concessão. A multiplicidade das situações factuais possíveis torna, porém, preferível a opção feita pelo acórdão de uma formulação genérica.

3. No que se refere à incidência da decisão uniformizadora sobre a decisão do acórdão recorrido, considero que:

- Estando em causa uma situação de alteração do contrato de concessão dos autos (perda da exclusividade do concessionário) equiparada a denúncia-cessação do contrato de concessão, a aplicação ao caso concreto – e com as devidas adaptações – do regime da alínea c), do nº 1, do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86 revela especiais dificuldades;

- Ainda assim, incidindo sobre a autora o ónus da prova dos factos que integram o requisito da referida alínea c), e considerando não serem os factos provados suficientes para o efeito, entendo ser de concluir pela não verificação de tal requisito, com a consequente revogação da decisão de atribuição de indemnização de clientela.

Maria da Graça Trigo

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**** DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencido na parte do acórdão que não atribuiu a indemnização de clientela, cujo valor, num juízo de equidade, seria de fixar na quantia de € 100 000,00 (cem mil euros).
(Olindo dos Santos Geraldes)
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***** Declaração de voto (de concordância)

Tendo sido o Relator do Acórdão recorrido (sendo que os restantes elementos do coletivo entretanto já se jubilaram), votei o texto do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência que fez vencimento, alterando assim a minha posição anteriormente assumida no acórdão recorrido - relativamente à questão de a aplicação analógica ao contrato de concessão comercial (para efeitos de atribuição da indemnização por clientela) incluir ou não, também, a al. c) do n° 1 do art. 33° do DL n° 178/86 de 3 de
Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril - por concordar com os respetivos fundamentos.
Isto sendo certo que, incidindo a revista, no essencial, e no que respeita à suscitada e tratada questão do direito à indemnização por clientela, sobre a demonstração dos requisitos exigidos nas al. a) e b) daquele n° 1 (que a Relação havia considerado não estarem demonstrados), a questão da aplicação da al. c) acabou por ser tratada de forma residual (“...Finalmente, quanto ao preenchimento dos requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 33.º do DL n.º 178/86, de 03-04, e dando como assente que a melhor jurisprudência é a que defende a inaplicabilidade ao contrato de concessão comercial da al. c) (conforme assumido pelo acórdão recorrido)... ")
Lisboa, 19 de setembro de 2019

(Acácio das Neves)
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1. Voto de vencido.
2. No que respeita à emissão do acórdão de uniformização sobre o conflito de jurisprudência concordo com a resposta uniformizadora, conquanto perfilhe o entendimento de que se deveria densificar a alínea c), fazendo-se constar do normativo uniformizador que “a alínea c) deverá ser interpretado no sentido que o concessionário deixe de receber qualquer compensação por contratos concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes que angariou para o concedente”.
3. Quanto ao conhecimento da questão controvertida o meu voto é, inequivocamente, um voto de vencido.
4. Sendo pacificamente aceite o preenchimento das alíneas a) e b) n.º 1 do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência, conforme decorre do Acórdão recorrido, impor-se-á a subsunção da facticidade adquirida processualmente à consignada alínea c) do n.º 1 do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência, com referência ao reconhecido normativo uniformizador.
5. A alínea c) do n.º 1 do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência, deverá ser interpretada no sentido de que o concessionário deixe de receber qualquer compensação por contratos concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes que angariou para o concedente, ou seja, importa evitar acumulações, deixando de justificar-se a compensação devida ao concessionário, a título de indemnização de clientela, caso receba qualquer compensação por contratos concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes que angariou para o concedente.
6. Se tais proventos (obtidos após a cessação do contrato de concessão) puderem de algum modo ser considerados como resultado da sua anterior actividade como concessionário, está excluída a indemnização por força da al. c) do n.º 1 do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência, ao invés, se tais proventos não puderem, de nenhum modo, ser imputados àquela anterior actividade, tem direito à referida indemnização de clientela/compensação.
7. A este propósito, importa também anotar que atenta a razão de ser subjacente à alínea c) do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência - evitar que a compensação da mais-valia do incremento do ex-concessionário, redunde em duplicação de benefícios - afigura-se-nos que tal duplicação também não se verificará, mesmo concebendo que o ex-concessionário continue a actividade em moldes substancialmente diversos, desde que daí importe um flagrante desequilíbrio em seu desfavor, por causa inteiramente imputável ao ex-concedente.
8. Relembremos os factos apurados, relevantes para decidir a questão controvertida atinente à atribuição da indemnização de clientela ao concessionário, quanto ao concreto requisito positivo que decorre da alínea c), do n.º 1 do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência:

“- Em Junho de 2005, a R. comunicou à AA, S.A. [ora Autora] que passaria a fornecer as fraldas "Tena" e "Libero" directamente a todas as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos e a realizar a sua promoção, com o inerente cessar do preço inferior em 50% pela aquisição em maior quantidade (38 paletes) e dos descontos financeiros (marca exclusiva-2,5%, não devolução-0,5% e Rappel- de 3% a 5% em função de objectivos anuais) definidos até aí pela R. à AA, S.A.;
- A AA, S.A. [ora Autora] recusou esta alteração do acordo que tinha estabelecido;
- Em princípios de Julho de 2005 a R. vendeu fraldas "Tena" e "Libero" pelo menos às farmácias, clientes da AA, S.A., DD, EE, FF e GG;
- A R. acordou com a empresa de CC na promoção por esta das vendas das fraldas “Tena” e “Libero” junto dos armazenistas de produtos farmacêuticos, mediante o pagamento de uma comissão pela primeira, o que até aí a empresa de CC fazia para a AA, S.A.;

- A AA, S.A. nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, teve um volume de vendas das fraldas “Tena” e “Libero”, de, respetivamente, €63.305,94, €38.541,91, €41.455,53, €29.528,74, €18.824,27 e €11.536,22, perfazendo o total de €203.192,61;

- Como consequência da conduta da R., a AA, S.A. teve, em 2005, uma quebra de vendas no valor total de €900.458,02;

- (...) Obtendo uma margem bruta de €37.489,00, que representa uma quebra de 78,40% em relação a igual período do ano de 2004.”
9. Daqui decorre, por um lado, a alteração unilateral do contrato determinada pela Ré, que não pode deixar de ser entendida como um comportamento concludente no sentido de não vigorar mais o contrato celebrado, sendo de equiparar o seu comportamento a uma verdadeira denúncia.
10. Por outro lado, a Ré ao ter acordado com a empresa de CC na promoção, por esta, das vendas das fraldas “Tena” e “Libero” junto dos armazenistas de produtos farmacêuticos, mediante o pagamento de uma comissão, o que até aí a empresa de CC fazia para a Autora/AA, S.A., e mesmo considerando que, logo após a denuncia do contrato, a Ré passou, inclusive, a comercializar directamente os produtos ou a recorrer ao aludido sub-concessionário, anteriormente utilizado pela Autora para o efeito, demonstra que a Autora deixou de receber qualquer compensação, após a cessação do contrato, por contratos concluídos com os clientes que angariou para a Ré, uma vez que estava excluída do circuito de distribuição da Ré, importando incompatibilidade prática, preenchendo o requisito da alínea c) do n.º 1 do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência.
11. Ao apurar-se que a Ré, após a cessação do contrato de concessão, não só começou a vender directamente os produtos, a par de ter acordado com a empresa de CC na promoção da respectiva venda, junto dos armazenistas de produtos farmacêuticos, mediante pagamento de uma comissão, o que até aí a empresa de CC fazia para a Autora, excluindo, assim, a Autora do circuito de distribuição da Ré, tais factos demonstram, claramente, que o volume de vendas da Autora nos meses de Julho a Dezembro de 2005 (item 35 dos Factos Provados) não revelam, por si só, inequivocamente, serem volumes de vendas que decorram de contratos concluídos após a cessação do contrato de concessão comercial, evidenciam, quando muito, volumes de vendas averbados contabilisticamente naqueles meses, a par de que, cotejada a facticidade demonstrada (item 39 e 40 dos Factos Provados), comprovam uma quebra abrupta do volume de vendas da Autora, em confronto com o percebido, nomeadamente, no ano transacto.
12. Na verdade, após a cessação do contrato de concessão, a Ré excluiu a Autora do seu circuito de distribuição, inviabilizando a possibilidade desta, por incompatibilidade prática, de negociar ou concluir qualquer contrato com os clientes que angariou para a Ré, a partir da reconhecida cessação do contrato.
13. Ademais, mesmo concebendo mas não concedendo, que a Autora prosseguiu a sua actividade, sofrendo uma acentuada quebra do volume de negócios potenciado pela anterior actividade, sempre se concluiria que ao atribuirmos a indemnização de clientela à Autora, ex-concessionária, não estaríamos a duplicar qualquer benefício a favor desta, sendo que a razão de ser subjacente à alínea c) do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência, sempre estaria salvaguardada, tanto mais que se deverá proteger o ex-concessionário de modo a que não fique numa situação de flagrante desequilíbrio em relação ao incremento que proporcionou ao concedente, aqui Ré, o que, de resto, não seria alcançado se porventura fosse negada a reclamada indemnização de clientela.
14. Reconhecendo que a Autora, enquanto concessionária, teve o exclusivo das vendas de fraldas comercializadas pela Ré no território do Continente; comprou todos esses produtos apenas à Ré; foram os preços fixados por tabelas remetidas pela Ré; foram encomendas encaminhadas pela Ré para a Autora; foram as devoluções e trocas tratadas exclusivamente pela Autora; foram os objectivos das vendas e os planos de venda anualmente acertados pelas partes; foram os custos das companhas de promoção partilhados entre as partes; foram os descontos e prémios atribuídos em função das vendas; teve a Autora afectado recursos físicos e humanos para cumprir o contrato; que o ajuizado contrato se prolongou durante cerca de 5 anos e meio com um aumento do número de clientes, quadruplicando o volume de vendas; outrossim, após a denuncia do contrato, os produtos passaram a ser comercializados directamente pela Ré, a par de esta ter recorrido a um sub-concessionário anteriormente utilizado pela Autora, para a venda dos produtos, nos mesmos moldes que era feito até então, demonstra ter a Ré beneficiado do incremento no número de clientes e no volume de vendas verificado, de forma crescente e constante, ao longo dos anos em que vigorou o contrato, tendo beneficiado com a actividade da Autora, e uma vez que decidiu excluir a Autora do seu modelo ou circuito de distribuição, deixando esta de receber qualquer compensação por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes que angariou para a Ré, reconhecemos estar preenchidos, cumulativamente, os requisitos positivos decorrentes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 33º do Regime do Contrato de Agência, determinando, assim, atribuir a indemnização de clientela à concessionária, aqui Autora.

15. Neste particular atinente ao valor a fixar a título de indemnização de clientela do concessionário, coligimos, com utilidade, do acórdão recorrido, merecendo a nossa aprovação: “tendo presente as dificuldades e críticas existentes a propósito da sua determinação, mas considerando que a mesma, nos termos da lei aplicável, é, em última análise fixada de acordo com a equidade, correspondendo o valor calculado nos termos do art. 34.° do mencionado regime apenas ao seu limite máximo, entende-se ser de acompanhar a valoração feita na sentença da l.a instância. Nos termos aí consignados, ponderou-se a duração de 6 anos do contrato, o constante aumento das vendas, o investimento feito para esse aumento, a importância da marca na escolha e a fidelização que gera, o valor de vendas no ano de 2004 que não foi superior a €2.052.092,37, a margem média bruta de lucro entre 1999 e 2004 de 24%, a que corresponde uma média de lucro bruto de € 449.638,05 e o tempo entretanto volvido, bem como os encargos a suportar e o envolvimento da Ré na formação e marketing, fixando-se o valor da indemnização, já atualizado à data da sentença, de €200.000,00. O critério legal contido no art. 34.° não é facilmente transponível para uma situação como a presente em que está em causa um contrato de concessão comercial e em que, por natureza, não envolve um agente nem a forma como o mesmo é remunerado, desde logo, por na concessão comercial haver uma compra para revenda. Ainda, assim, a jurisprudência tem-se socorrido desde critério, chamando a atenção para o facto de que no cálculo da indemnização de clientela, a média anual das remunerações recebidas seja aferida pelo lucro líquido do concessionário (cfr. o mencionado Acórdão do STJ de 12-05-2016). Ora, sem prejuízo do cálculo feito pela l.a instância para apuramento da média de lucro bruto entre os anos de 1999 e 2004 (cfr. pág. 17 da sentença) não corresponda exactamente ao critério legal, uma vez que falando a lei nos últimos cinco anos, apenas importaria considerar os factos provados n.°s 23 a 27, que respeitam ao lucro bruto auferido nos anos de 2000 a 2004, o que perfaz uma média de lucro bruto de € 405.227,70, ponderando que o lucro líquido da Autora não se afastará muito de metade da margem bruta, entendemos como adequada a fixação, como base na equidade, da indemnização em € 200.000,00.”
16. Sem quaisquer outros considerandos, porque despiciendos, atribuiríamos à Autora, a indemnização de clientela em valor condizente a €200.000,00 (duzentos milhares de euros), sendo este o acolhimento que a questão controvertida mereceria.
17. Pelo exposto, proferido acórdão que verificou a existência da contradição jurisprudencial, julgando-a procedente, emitindo normativo uniformizador, não posso, todavia, deixar de manifestar que o conhecimento da questão controvertida, nos termos em que logrou vencimento, não merece a minha aprovação, daí este voto de vencido.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Setembro de 2019

     (Oliveira Abreu)

(a redacção deste voto de vencido não obedeceu ao novo acordo ortográfico)