Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
035155
Nº Convencional: JSTJ00003707
Relator: BOTELHO DE SOUSA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
INSTRUMENTO DO CRIME
CAÇA EM EPOCA DE DEFESO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197906280351553
Data do Acordão: 06/28/1979
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS DE 79/09/27, PÁG. 2527 A 2531 - BMJ N288 ANO1979 PÁG. 236
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA TRIBUNAL PENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 1 ARTIGO 5 ARTIGO 18 ARTIGO 27 ARTIGO 38 PARUNICO ARTIGO 54 N1 N2 N3 N4 ARTIGO 75
N1 N2 N3 N4 ARTIGO 76 N2 N3 ARTIGO 77 ARTIGO 81 ARTIGO 83 ARTIGO 88 ARTIGO 127.
CPP29 ARTIGO 450 N5 ARTIGO 535 N1 ARTIGO 635
ARTIGO 669 PARUNICO ARTIGO 668.
CPC67 ARTIGO 764.
D 47847 DE 1967/08/14 ARTIGO 88 N1 ARTIGO 205 N1 ARTIGO 206 N1 ARTIGO 207 N1 ARTIGO 210 N1 ARTIGO 214 N1.
L 2132 DE 1967/05726 BXLVIII.
CE54 ARTIGO 63.
DL 185/72 DE 1972/05/31.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1971/01/06 IN BMJ N203 PAG111.
ACÓRDÃO RL DE 1977/01/28 IN BMJ N266 PAG204.
Sumário :
A suspensão da execução da pena abrange a perda dos instrumentos do ilicito contravencional de caça em tempo de defeso.
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em Sessão Plena:

Os reus A, B e C, na comarca de Benavente, foram condenados como autores da contravenção ao disposto no n. 1 do artigo 210 do Decreto n. 47 847, de 14 de Agosto de 1967, referido ao artigo 88 nas suas alineas a), d) e e) do mesmo diploma e artigos 29 e 30 do Decreto-Lei n. 354-A/74, de 14 de Agosto, na pena de quarenta e cinco dias de prisão e na de 2500 escudos de multa, e esta pena, em alternativa, nos termos do disposto no artigo 123 do Codigo Penal, com a de vinte e cinco dias de prisão.
Declarou-se, nos termos do artigo 88 do Codigo Penal, suspensa pelo espaço de tres anos, a execução da pena.
Ainda, por tal sentença, de harmonia com o disposto nos artigos 205, 206, 207, n. 1, e 210 daquele Decreto n. 47847, ficaram interditos de caçar tais reus pelo tempo de tres anos, tendo-se, mais, declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos utilizados pelos reus, na pratica da dita infracção, concretizados no veiculo automovel FS-65-19 e nas espingardas com as respectivas cartucheiras oportunamente apreendidas.
De tal sentença, recorreram os reus, para o Tribunal da Relação de Evora e, nesse recurso, solicitavam a alteração do decidido, no sentido da suspensão da pena, quanto a sua execução, abranger, tambem a parte em que se declararam perdidos os instrumentos utilizados para a pratica da transgressão.
Tal recurso não obteve provimento, pois, a Relação de Evora, no seu acordão de 9 de Fevereiro de 1978, baseou o ai decidido, na circunstancia do n. 1 do artigo 75 incluir e referir-se, apenas, aos efeitos materiais da condenação e não da pena, sucedendo que os efeitos pessoais desta constavam dos artigos 76, 77 e 127 todos do Codigo Penal. Fundamentou tal orientação no confronto de tais preceitos. Ainda, nesse acordão, se argumentou no sentido, de que, o facto do artigo 635 e seus paragrafos do Codigo de Processo Penal se não referiam, expressamente, aos instrumentos do crime e a sua perda, se deve, a circunstancia desta perda a favor do Estado resultar de razões de ordem publica e não particular.
O excelentissimo representante do Ministerio Publico junto dessa Relação, ao abrigo do preceituado no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, tempestivamente, recorrem de tal acordão, para este Tribunal Pleno, com fundamento, em oposição sobre o mesmo ponto de direito, com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acordão datado de 28 de Janeiro de 1977, recurso n. 8745, transitado em julgado e sumariado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 266, a paginas 204 e 205.
Com efeito, deste acordão resultou a condenação, dos ai reus, como co-autores da contravenção prevista e punida pelo n. 1 do artigo 210 daquele Decreto n. 47847 e pelos artigos 30 e 31 do Decreto-Lei n. 354-A/74, na pena de um mes de prisão, substituida por igual tempo de multa a 30 escudos diarios, e ainda, na multa complementar de 500 escudos, o que perfaz a multa total de 1400 escudos, e tambem, na interdição do direito de caçar por um ano, na perda a favor do Estado do automovel e espingardas, que foram instrumentos do crime.
Tambem, neste acordão, se decidiu, manter-se a suspensão da execução das penas aplicadas, suspensão que abrangeu, ainda, a interdição do direito de caçar e a perda do veiculo e espingarda.
Alem do mais, consta deste acordão, que face a redacção do actual artigo 635 e de seus paragrafos ( a constante do Decreto-Lei n. 185/72, de 31 de Maio, ha que ter como certo, não ser admissivel a distinção entre efeitos da condenação, e efeitos da pena, isto pelo menos, quanto ao problema do ambito de suspensão da execução das penas, devendo esta suspensão abranger todos esses efeitos.
Tambem neste acordão, nos termos da Base XIV da Lei n. 2132, se entendeu e decidiu, que tanto a interdição do direito de caçar, como a perda a favor do Estado dos instrumentos das contravenções a lei que regula a caça, e dos respectivos produtos, são verdadeiras sanções penais, e como tais, abrangidas pela referida suspensão de execução das penas, e não meros efeitos das penas ou da condenação. E, a tal, não obsta a circunstancia do artigo 88 do Codigo Penal se não referir expressamente a este tipo de penas, pois, como se referiu, por maioria de razão, ha que aplicar aquele artigo 635 e seus paragrafos do Codigo de Processo Penal.
Consta de folhas 18 que este acordão transitou em julgado.
A Secção Criminal deste Supremo, pelo seu acordão de folhas 46 a 49, considerando estarem verificados os requisitos exigidos pela lei, para que este recurso extraordinario, fosse admitido, manda-o prosseguir.
Com efeito, tendo o acordão agora recorrido sido proferido em processo sumario, dele não era admissivel recurso ordinario, por ao mesmo se opor, o n. 6 do artigo 646 do Codigo de Processo Penal, preceito em vigor, e não modificado pelo disposto no artigo 20 do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, como tem sido jurisprudencia deste Supremo.
Como ja vimos, o acordão da Relação de Lisboa transitou em julgado. Do exposto, facil e de ver que os dois acordãos, foram proferidos no dominio da mesma legislação, alias ainda em vigor.
Tambem em ambos os acordãos se decretou a suspensão da execução das penas aplicadas, so que, no agora recorrido, se decidiu, que ela não abrangia a perda a favor do Estado do automovel, arma e munições, instrumentos da contravenção, e no acordão da Relação de Lisboa, decidiu-se, precisamente o contrario, de que essa suspensão abrangia a perda do automovel e da espingarda, tambem instrumentos do crime.
Neste ultimo acordão, tambem se decidiu, que a mesma suspensão, abrangia mais a interdição do direito de caçar decretada, mas, como no acordão agora recorrido, a Relação não se pronunciou sobre esta materia, bem se decidiu no acordão da Secção Criminal, no sentido de que a oposição sobre o mesmo ponto de direito, verificada, respeita, apenas, quanto ao veiculo e armamento.
Fica assim restringido a tais limites o objecto do presente recurso.
Como ja tambem se referiu no acordão da Secção Criminal, ha nitida oposição sobre o mesmo ponto de direito, pois que, o agora recorrido, considerou a perda do veiculo e do armamento como efeito da condenação, pois assim, haveria que interpretar o artigo 75, n. 1, do Codigo Penal, em confronto com o disposto nos artigos 76, 77, e
127 do mesmo diploma legal, respeitando, estes, aos efeitos pessoais da pena.
Desta forma, suspensa a execução da pena, nos termos do artigo 88 do referido Codigo, não ha que suspender, senão os efeitos dela, e por isso se não suspendem os efeitos da condenação, ou seja, a perda dos instrumentos da contravenção.
E o acordão da Relação de Lisboa, decidiu em sentido contrario, de que não ha distinção entre efeitos de condenação no aspecto material, e os efeitos da pena, mesmo pessoais, pelo que, tudo e abrangido pela pena, e dai, suspensa a execução desta, suspensos estão todos esses efeitos, nomeadamente a perda do automovel e do armamento, instrumentos do ilicito.
Fica assim, mais uma vez demonstrado, que no presente recurso se deve conhecer do respectivo objecto, nos termos dos artigos 669 e paragrafo unico, 668 e paragrafo unico ambos do Codigo de Processo Penal e 764 do Codigo de Processo Civil.
A folhas 52 o excelentissimo Ajudante do Procurador da Republica apresentou as suas alegações.
Nelas defende: que a perda do veiculo e espingarda não são verdadeiras sanções penais, mas meros efeitos da condenação, e não da pena, e por isso não são abrangidos pelo disposto no artigo 635 do Codigo de Processo Penal; assim, e por tal razão, e que o paragrafo 1 deste artigo não inclui os instrumentos do crime; resulta do confronto do disposto no artigo 75 com o que consta dos artigos
76, 77 e 127, todos do Codigo Penal, que aquele teve em atenção as consequencias economicas da condenação, e estes os efeitos pessoais das penas ou a forma de os extinguir; finalmente os termos do artigo 75 e seu n. 1 do Codigo Penal, estabelecendo a independencia da perda dos instrumentos em relação a pena demonstram que aquela e mero efeito da condenação e não desta.
Os reus A, B e C alegaram a folhas 54 e 56. Ai solicitam que se lavre assento no sentido de que "a suspensão da execução da pena, abrange a perda dos instrumentos e produtos da infracção e a interdição do direito de caçar aplicavel por força do n. 1 dos artigos 206, 207 e 210 do Regulamento da Caça (Decreto n. 47847, de 14 de Agosto de 1967)".
Baseiam o pedido com os seguintes fundamentos:
A Base XLVI da Lei n. 2132, de 26 de Maio de 1967 e os artigos 206, n. 1, 207 e 210 do Decreto n. 47847, de 14 de Agosto de 1967, consideram a perda dos instrumentos, incluindo a espingarda, e veiculo utilizados para o cometimento da infracção, e a interdição do direito de caçar, como sanções tipicamente penais, e não meros efeitos da condenação, o mesmo sucedendo com a perda do produto da caça ilegal; não pode, assim, aplicar-se a regra geral do artigo 75 nem estabelecer o invocado paralelismo com os artigos 76, 77 e 127 todos do Codigo Penal; não e admissivel a distinção entre efeitos da pena e da condenação, nem ha disso necessidade; apenas sucede que o artigo 75 estabelece o principio geral independentemente da especie da pena aplicada, e os artigos 76 e 77 referidos, determinam os efeitos especificos de certas penas; nos termos do paragrafo 1 do artigo 635 do Codigo de Processo Penal, os unicos efeitos da pena, que a suspensão não extingue são a responsabilidade civil pelos danos, pelo imposto de justiça e custas.
Correram os vistos legais e nada impede que se conheça do objecto do recurso.
O nosso Codigo Penal no artigo 54 instituiu penas e medidas de segurança sendo umas e outras " as que se declaram nos artigos seguintes".
Assim, o nosso Codigo Penal, não estabeleceu expressamente existirem penas principais e penas acessorias, ao contrario do Codigo italiano que nos seus artigos 17 e 19 as contempla.

Do disposto nos artigos 74 e seguintes do Codigo Penal, estabelecem-se efeitos, que, por vezes, se dizem da condenação e outras vezes, tambem, respeitam a certas penas.
As penas foram instituidas como se diz no artigo 27 do Codigo Penal para reparar o dano causado na ordem moral da sociedade e para fins de prevenção geral e especial.
Implicam, para o condenado, o sofrimento dum mal ou a perda baseada apenas no cometimento da infracção, de bens juridicos.
E neste conceito cabem, pelo menos, muitos desses denominados efeitos.
E como eles acrescem a pena principal ou fundamentalmente aplicada, atenta a sua natureza, punitiva ou preventiva nitidamente criminal constituem verdadeiras penas acessorias. No entanto não podemos esquecer o sistema do nosso Codigo Penal que as considera efeitos e não penas.
Tal materia, interessa mais propriamente para o aspecto processual, ja que, embora da sentença deva constar o que se diz no paragrafo 2 e parte do 5 (indemnização e imposto) do artigo 450 do Codigo de Processo Penal, o artigo 83 do Codigo Penal ao contrario, determinava que
"os efeitos das penas tem lugar em virtude da lei, independentemente de declaração alguma na sentença condenatoria".
Pelo contrario, não so pelo disposto na parte primeira do n. 5 do dito artigo 450, mas ate, pela parte final do artigo 27 do Codigo Penal, as penas tem de constar da sentença.
Num criterio formal ou adjectivo determinado pelo Codigo Penal, mas alterado pelo Codigo de Processo Penal, as penas, teriam que constar da sentença e os efeitos não.
Em regra tais penas acessorias, cominam-se nas leis com vista a obter um fim especifico determinado, para alem do fim geral de reprovação e prevenção da chamada pena principal.
Temos pois tais especies de sanções, quer se chamem efeitos quer penas acessorias, mas todas de caracter penal. Continuemos agora no desenvolvimento do problema em crise.
O n. 1 do artigo 210 do Regulamento da Caça, Decreto n. 47847, de 14 de Agosto de 1967, fundado na base XLVIII da Lei da Caça n. 2132, de 26 de Maio de 1967, dispõe "A caça em epoca de defeso, ou com emprego de meios proibidos, ou a especies a que não seja permitida, e punivel, salvo o disposto no artigo seguinte, com prisão de um a seis meses e multa de 500 escudos a 10 000 escudos e acarreta sempre a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e produtos da infracção".
Pelo artigo 205 desse diploma, seu n. 1 "a interdição do direito de caçar pode ser temporario de um a cinco anos, ou definitiva".
E o artigo 206, n. 1, desse Regulamento determina que "a perda dos instrumentos da infracção abrange todos os instrumentos utilizados no seu cometimento, incluindo a espingarda e o veiculo que tenha servido a pratica daquela"
Ainda no n.1 do artigo 207 do mesmo Regulamento, se diz:
"Decretar-se-a sempre a perda dos produtos das infracções previstas nos artigos 210...".
Em outros preceitos deste Regulamento, se estabelecem outras sanções, como a perda de arma usada na caça, por quem, nos termos da respectiva carta de caçador estiver proibido do seu uso (artigo 214, n. 1).
Finalmente a alinea a) do n. 1 do artigo 88 desse Regulamento proibe a utilização na caça de veiculos de tracção animal ou mecanica, ou aviões.
Passamos agora a transcrever alguns preceitos do Codigo Penal:
"A condenação do criminoso, logo que passe em julgado, tem unicamente os efeitos declarados nos artigos seguintes" (artigo 74).
O reu definitivamente condenado, qualquer que seja a pena incorre":
"1 - Na perda, a favor do Estado, dos instrumentos do crime, não tendo o ofendido, ou terceira pessoa, direito a sua restituição (artigo 75, n. 1)."
Nos ns. 2, 3 e 4 estabelece-se a obrigação, de restituição das coisas ou do seu valor, de indemnizações do dano causado, e de pagar as custas do processo e despesas de expiação.
Anota-se que, nos n.1 e 2 se faz referencia sempre a infracção como "crime" o que não sucede com os ns. 3 e
4, todos do artigo 75 citado.
Pelo artigo 76 os condenados a pena maior incorrem na perda de emprego ou funções publicas, não podendo eleger, ser eleito ou nomeado para quaisquer funções publicas, nem ser tutor, curador, procurador em negocios de justiça ou membro do conselho de familia.
Pelo artigo 77 e seus numeros, se a condenação for de prisão correccional ou de suspensão temporaria dos direitos politicos ou desterro sera suspenso de qualquer emprego ou funções publicas alem doutras proibições atras indicadas nos ns. 2 e 3 daquele artigo 76.
Da analise destas regras resulta que a interdição do direito de caçar não se encontra prevista nem como efeito da pena, nem com esta natureza, no Codigo Penal, e dai o problema da sua qualificação juridica.
Tal interdição não pode considerar-se como efeito da pena, por tal razão, atento que o artigo 74 do Codigo Penal, ao empregar a expressão "unicamente", limitou-os, aos indicados neste diploma penal.
Tem pois de se considerar uma pena, taxativamente fixada quer nas Bases XLVII, XLVI, alinea c), XLVIII quer nos mencionados artigos 205, ns 1 e 2, e 210, ns. 1 e 2, e que tem de ser declarada na decisão condenatoria, como atras sucedeu no caso dos autos.
Tambem, ela ao ser instituida foi motivada para evitar que o infractor volte a prevaricar, constatando-se, o fim especial dessa sanção.
E como ela se encontra fixada na lei nos termos do disposto nos artigos 1, 5 e 27 do Codigo Penal, ha que considera-lo como pena, apesar do que dispõe a parte final do artigo 54, que, assim se tem de entender como preceito do Codigo Penal que contem enumeração exemplificativa.
Tratando agora das perdas do automovel e da espingarda, constata-se da exposição feita, que, tambem estão expressamente previstas para serem aplicadas aos infractores, nas mencionadas leis, e foram decretadas na decisão recorrida, como atras a respectiva regra punitiva manda, parecendo serem penas.
Mas, e evidente, que a infracção praticada, o foi, utilizando tais objectos, e assim estes são instrumentos dele.
Dai, a questão de saber se tal situação não se deveria enquadrar no n. 1 do mencionado artigo 75 do Codigo Penal.
E ocasião de frisar o que ainda se não fez nestes autos, mas apenas neste acordão, na folha antecedente, do n. 1 desse artigo empregar a expressão "instrumentos do crime", e no caso do processo, os reus terem sido condenados por meras contravenções. Podera nesta materia de incriminação entender-se, que a lei, ao falar ai, em crime quis referir-se a qualquer ilicito, mesmo meramente contravencional?
Sabe-se que o Codigo Penal na sua parte geral expressamente se refere e define os crimes e delitos e as contravenções, empregando tambem a expressão infracção (ver artigos 1, 3, 6, 8 e outros).
E de presumir, assim, que ao usar cada uma dessas expressões, o faça no seu sentido tecnico-juridico.
Dai que, nem que não seja por duvidas, se não possa aceitar qualquer interpretação analogica quanto a tal n. 1 do artigo 75, pois tal e proibido pelo artigo 18 do Codigo Penal.
Mas relativamente a perda do automovel dispõe o artigo 63 do Codigo da Estrada serem "declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do artigo 75, n. 1, do Codigo Penal, apenas os veiculos que, sendo propriedade do agente, tenham servido de instrumento a crimes voluntarios puniveis com pena maior".
Tal preceito tem de se considerar de caracter geral, embora conste do Codigo da Estrada, e assim, sendo posterior a redacção desse n. 1 do artigo 75 constante do Codigo Penal, tem de aplicar-se.
Daqui se conclui que o n. 1 do artigo 75 do Codigo Penal não abrange o caso dos autos por se tratar duma contravenção, isto em relação ao veiculo.
Com relação a espingarda, admitindo-se que tal perda tambem podia ser considerada prevista no dito n. 1 do artigo 75 mencionado, teriamos a situação analoga a do paragrafo unico do artigo 38 do Codigo Penal.
A face do Codigo Penal seria efeito da pena, a face do Codigo da Caça teria a natureza desta sanção.
Posto assim o problema, continuemos agora com a situação da declaração da suspensão da execução da pena decretada.
Com a promulgação do Decreto-Lei n. 185/72, de 31 de Maio, o artigo 635 do Codigo de Processo Penal passou a ter a seguinte redacção na parte relevante ao caso dos autos:
"A suspensão da pena resultante de condenação condicional abrange os efeitos de natureza penal da condenação".
"1 - A caducidade da condenação condicional não extingue a responsabilidade civil por danos, pelo imposto de justiça e custas".
Não nos diz a lei, o que são efeitos de natureza penal da condenação, mas como a expressão demonstra são todos aqueles males resultantes da condenação, instituidos pela lei ao punir a pratica do ilicito criminal que envolvem castigo ou mesmo e apenas, procurem evitar a nova pratica de ilicitos penais.
Isso se conclui do exposto e do que consta do seu paragrafo 1 ao excluir, afinal, o que os n. 2, 3 e 4 do artigo 75 preconizam.
E evidente a natureza penal das perdas do automovel, da espingarda e tambem a interdição do direito de caçar.
Resultam directamente da infracção cometida e tem por motivo o que o artigo 27 do Codigo Penal indica como razão ou fundamento da responsabilidade criminal.
Ao contrario o que se contem nesse paragrafo 1 do artigo
535 e ns. 2, 3 e 4, do artigo 75 tem em vista, ja, razões, que baseiam o que o direito civil determina sobre o direito de ser restituido daquilo de que se foi ilicitamente privado, de ser indemnizado, e de indemnizar o Estado, ao menos parcialmente, das despesas que faz com a punição dos delinquentes.
Temos assim efeitos civis de condenação e efeitos penais, usando-se aquela qualificação no sentido amplo de abranger tambem o que se pode chamar de caracter fiscal quanto as custas e imposto de justiça.
Como ja consta deste acordão, ha quem entenda existir distinção entre efeito da condenação, que abrangeria os efeitos dos ns. 1 a 4 do referido artigo 75, e os efeitos da pena constantes dos artigos 76, 77 e 81 e outros, do Codigo Penal.

Este Supremo no seu acordão de 6 de Janeiro de 1971, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 203, a paginas 111, decidiu nesse sentido em relação a excepção constante do artigo 6 do Codigo Penal indicada em terceiro lugar.
Porem, tal decisão teve lugar antes da actual redacção do referido artigo 535 do Codigo de Processo Penal.
E certo que como e obvio e ate resulta do disposto no artigo 450 do Codigo de Processo Penal a condenação como decisão e bastante mais do que uma apliação da pena.
E, tambem e verdade que o artigo 75 refere-se ao reu condenado e os 76, 77, 81 e outros a pena sofrida pela condenação.
O artigo 88 do Codigo Penal tambem fala em condenação, individualizando as penas de prisão e multa, mas declara suspensa a execução da pena.
Porem, a expressão usada no corpo do artigo 535 e o conteudo do seu paragrafo 1, não permitem tal distinção.
No corpo do artigo identifica-se a condenação condicional com a suspensão da pena, para se dizer que abrange os efeitos penais daquela.
E o paragrafo 1, em vez de se referir a caducidade da pena, declarada suspensa quanto a sua execução pelo artigo 88 do Codigo Penal, refere-se a caducidade da condenação condicional, situação que envolve tudo e que consta da sentença e que, como se ve do disposto no artigo 450 do Codigo de Processo Penal, e bastante mais.
Do disposto do paragrafo 1 e do proprio corpo do artigo 635 do Codigo de Processo Penal resulta a irrelevancia, se e que ela existe, da distinção entre efeitos da condenação e efeitos da pena.
Para se saber, o que e mais abrangido pela suspensão da execução da pena, alem desta, ha somente a considerar tal dispositivo desse paragrafo 1 e desse artigo 635. E nesses efeitos de natureza penal, como são da condenação, são abrangidos, não so, os que o Codigo qualifica como tais, mas todos e quaisquer outros, dessa especie, incluindo as tambem denominadas, por muitos, penas acessorias. Fica assim considerado e decidido o problema, podendo ainda dizer-se que, não havia razão para que se suspendesse, quanto a execução, a pena, considerada sanção primordial, e as demais acessorias ou complementares ou os efeitos de natureza penal de menor importancia, tivessem que ser cumpridas por não estarem compreendidas na suspensão.
E tambem, atento o disposto no corpo do artigo 635 citado, não representa obice a orientação adoptada, a circunstancia do artigo 88 do Codigo Penal, referir-se so as penas de prisão e multa, alem de que visava apenas as sanções consideradas primordias.
Desta forma se lavra o seguinte assento:
A suspensão da execução da pena abrange a perda dos instrumentos do ilicito contravencional de caça em tempo de defeso.
Sem imposto.

Lisboa, 28 de Junho de 1979

Eduardo Botelho de Sousa (Relator) - Ferreira da Costa - Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Junior - Costa Soares - Artur Moreira da Fonseca - Hernani de Lencastre
- Anibal Aquilino Ribeiro - Alberto Alves Pinto - Antonio Furtado dos Santos - Octavio Dias Garcia - João Vale - Henrique Justino da Rocha Ferreira - Rui Corte Real - Antonio Correia de Melo Bandeira - Oliveira Carvalho - Augusto de Azevedo Ferreira - Adriano Vera Jardim - João Moura - F. Bruto da Costa - Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Abel de Campos - Santos Vitor.