Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11575/18.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
FACTO ILÍCITO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I - Entre os danos indemnizáveis ano âmbito da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito encontra-se o chamado dano biológico.

II - Dano esse que tanto pode ser ressarcido enquanto dano patrimonial, como compensado a título de dano não patrimonial, o que resultará de uma avaliação casuística quanto aos seus reflexos.

III - Resultando esse dano de uma incapacidade geral permanente, o mesmo é suscetível de ser indemnizado, como dano patrimonial futuro, desde que essa incapacidade se repercuta diretamente no exercício da atividade profissional para o autor, que dela padece, em termos de, pelo menos, lhe exigir um maior esforço no exercício dessa atividade, e mesmo que dela não resulte em termos imediatos qualquer diminuição no seu rendimento salarial ou capacidade de ganho.

IV - A reparação do dano na responsabilidade civil extracontratual resultante da circulação de veículos automóveis, os critérios e valores constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, não vinculam os tribunais, pois, que têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros, e daí que, nesse domínio, os tribunais continuem adstritos às regras e princípios insertos no CC.

V - Donde, e devido à ausência de regras legais que concretamente enunciem objetivamente os critérios a seguir e não podendo ser averiguado o valor exato dos danos, devem os mesmos ser sempre, em última instância, apurados à luz da equidade, emergente caso concreto, devendo o recurso as quaisquer tabelas matemáticas ou financeiras servir, quando muito, como meios auxiliares de orientação com vista a atingir tal desiderato equitativo da indemnização do dano (vg. futuro).

VI - A indemnização do dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa (terminada com a entrada na reforma).

VII - No que concerne aos danos não patrimoniais, e não fornecendo também quando a eles a lei critérios normativos concretos que fixem o valor do seu montante indemnizatório, a sua quantificação deverá igualmente ser feita através do recurso à equidade, considerando-se, nomeadamente, para o efeito ao grau de culpabilidade do responsável e do lesado, as respetivas situações económicas de cada um, a sua proporcionalidade em relação à gravidade do dano, tomando ainda em conta todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto, por forma a que, a essa luz, sejam condignamente compensados.

VIII - Sempre que uma indemnização pecuniária (por danos patrimoniais ou não patrimoniais) fixada provier de responsabilidade civil emergente de facto ilícito ou pelo risco, e ainda que o crédito se mostre ilíquido, a regra é que vence juros de mora a contar da citação do réu para a ação, a não ser que essa indemnização tenha sido objeto de cálculo atualizado à data da prolação da decisão que a fixou, caso então em que sobre ela apenas se vencem juros moratórios a partir dessa decisão atualizadora.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

1. O autor, AA, instaurou (18/05/2015) contra a ré, SEGURADORAS UNIDAS, S.A., (agora denominada GENERALI SEGUROS, S.A.), ambos com os demais sinais de identificação dos autos, a presente ação declarativa, com forma de processo comum, pedindo, no final, a condenação desta última a pagar-lhe a quantia total de € 38.895,64, acrescida de juros de mora desde a citação e até ao seu integral pagamento, correspondente às parcelas que assim discriminou:

-€ 2.234,26, a título de despesas suportadas pelo A.;

- € 9.588,48, a título de lucros cessantes/serviços gratificados;

- € 16.500,00, a título de Dano Biológico na vertente patrimonial;

- € 10.000,00, a título de Danos não Patrimoniais;

- € 572,90, a título de objetos pessoais danificados.

Para o efeito, e em síntese, alegou:

Nas circunstâncias de tempo (10/03/2014), lugar e modo por si descritas no articulado da petição inicial, ocorreu um acidente de viação que envolveu três veículos automóveis ligeiros, um dos quais propriedade do A. e por si conduzido (de matricula ..-AC-..), e outro (de matrícula ..-..-QI), cuja proprietária e condutora havia então transferido a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a mesmo para a ora R. (então com outra designação).

Acidente esse que ficou a dever-se exclusivamente ao comportamento culposo da condutora do veículo segurado na R. .

Em consequência desse acidente o A. sofreu danos de diversa natureza, que discrimina e que acima se mostram sintetizados, e pelos quais pretende ser ressarcido, o que a R. se vem recusando a fazer.


2. Contestou ré, defendendo-se, por exceção e por impugnação.

No que concerne à 1ª. defesa invocou a prescrição do direito do A. .

No que concerne à 2ª. defesa, muito embora tenha admitido a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, impugna, por um lado, os danos que o A. alega ter sofrido e, por outro, a medida das suas consequências, considerando, a esse respeito, excessivos os montantes indemnizatórios por eles peticionados.

Pediu no final a improcedência da ação.


3. O A. respondeu à exceção de prescrição aduzida pela R., pugnando pela sua improcedência.


4. Saneado o processo, os autos prosseguiram para audiência de discussão e julgamento.


5. Seguiu-se a prolação (10/01/2022) da sentença que julgou procedente a exceção (perentória) de prescrição do direito do autor e, em consequência, improcedente a ação, com a absolvição da ré do pedido contra si formulado por aquele.


6. Inconformados com tal sentença, dela apelou o autor.


7. Na apreciação desse recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), por acórdão de 02/06/2022, decidiu julgar improcedente a exceção da prescrição do direito do A., assim revogando a sentença da 1ª. instância, e conhecendo do mérito da ação, julgando esta parcialmente procedente, condenou a R. a pagar àquele a quantia total de € 34.782,34, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação da R. para a ação (ocorrida em 18/05/2018).


8. Foi agora a vez de a R., inconformado com tal acórdão, dele interpor recurso de revista, cujas respetivas alegações concluiu nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia nelas adotada):

«


1.


O presente recurso jurisdicional vem interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.06.2022, com a ref.ª Citius ...08;

2.


No caso dos autos, é admissível a interposição do presente recurso de revista, dado que não ocorre uma situação de “dupla conforme”.

3.


E, por outro lado, o valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão ora recorrida importa para a aqui Recorrente, o qual é aferido em função do teor da alegação do recurso e da pretensão nele formulada;

4.

No caso concreto, o valor da sucumbência do presente recurso é de €15.588,48, valor que expressamente se indica, conforme motivação supra explanada;

5.

Salvo o sempre devido respeito, o Tribunal recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do Direito aos factos dados como provados na sentença proferida em primeira instância, relativamente ao dano biológico na vertente patrimonial;

6.


De acordo com a tabela da Portaria n.º 377/2008, aplicando-se os cálculos e fórmulas aí previstas, a importância total atinente aos danos patrimoniais futuros não ultrapassa os €10.500,00 (dez mil e quinhentos euros), montante que a Recorrente deixa reclamado;

7.

Por outro lado, entende a Recorrente que ocorreu, na decisão ora posta em crise, a violação dos juízos de equidade na fixação do valor da indemnização pelos danos não patrimoniais;

8.

O valor arbitrado pelo Tribunal recorrido não é, salvo o devido respeito, consentâneo com os critérios atualmente aplicáveis;

9.

A Recorrente entende que, face à matéria factual provada e tendo em conta a aplicação dos critérios contidos no artigo 496.º do Código Civil, o montante indemnizatório devido ao Recorrido, a título de dano não patrimonial, não deverá ser fixado em quantia superior a €3.000,00 (três mil euros), montante que ora se deixa reclamado;

10.

No que toca aos serviços gratificados, inexiste qualquer elemento que comprove que o Autor/Recorrido continuasse, efetivamente, a prestá-los posteriormente à ocorrência do sinistro dos autos e que, consequentemente, continuasse a auferir a dita quantia mensal de €435,84.

11.


Por isso, entende a ora Recorrente que a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) se demonstra adequada para ressarcir os danos pela possibilidade de o Autor/Recorrido, eventualmente, continuar a prestar os serviços gratificados.

12.

Por último, tendo em conta que as indemnizações foram fixadas deforma atualizada, os juros de mora devem ser contabilizados somente a partir da decisão condenatória (acórdão), ou do trânsito em julgado da mesma, e não desde a data da citação, sob pena de se originar um enriquecimento indevido/injustificado do lesado à custa da ora Recorrente;

13.

O douto acórdão recorrido viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 483.º, 496.º, 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil, bem como, o disposto na Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio, com as alterações da Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho. »


9. Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso.


10. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II- Fundamentação



1. Do objeto do recurso.

Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, ex vi 679º do CPC).

Como vem, também, sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” a que se reporta o citado artº. 608º, e de que o tribunal deve conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.

1.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações do sobredito recurso da R. verifica-se que as questões que se nos impõe aqui apreciar e decidir são as seguintes:

a) Do quantum indemnizatório pelo dano biológico/na vertente de dano patrimonial futuro sofrido pelo A:

b) Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A.;

c) Do quantum indemnizatório pelos lucros cessantes/perda dos serviços gratificados;

d) Da data a partir da qual se deverão contabilizar/vencer os juros de mora.


***


2. Dos Factos.

Pelas instâncias foram dados como provados os seguintes factos (mantendo-se os termos da sua descrição, a ordem, a numeração, e a ortografia tal como que constam da sentença e do acórdão recorrido):

« Da petição

1º No dia 10 de março de 2014, pelas 19:40h, na Avenida ..., em ..., ocorreu um acidente de viação.

2º Nele foram intervenientes, o ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QI, conduzido por BB e de sua propriedade, segurado na Logo, agora Seguradoras Unidas, SA, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-AC-.. conduzido pelo Autor e de sua propriedade e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-GD-.., conduzido por CC e de sua propriedade, que passaremos a designar por QI, AC e GD, respetivamente.

3º O veículo QI encontrava-se seguro na Companhia de Seguros Logo, mediante o contrato de seguro titulado pela apólice válida n.º ...71, que após a fusão entre seguradora assumiu a designação de Seguradoras Unidas, SA.

4º A Ré assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro em causa, no entanto, ainda não indemnizou o Autor.

15º O condutor do veículo QI foi o único responsável pelo acidente.

16º O Autor sofreu ferimentos, tendo sido transportado para o Hospital de ..., E.P.E., onde deu entrada do episodio de urgência n.º ...60.

17º O autor apresentava queixas de traumatismo cervical e dorso lombar, onde lhe foi administrado Cetorolac 30 mg/1 ml, por via endovenosa.

18º Foi submetido a um Rx e acabou por ter alta para o domicílio, por não se terem verificado lesões ósseas agudas.

19º No entanto, como as queixas álgicas se mantinham, recorreu á Clínica ..., onde realizou ECD e teve indicação para realizar MFR (fisioterapia) e EPI.

20º Assim, o Autor realizou vários e dolorosos tratamentos de fisioterapia, tendo para tanto despendido do valor de € 974,30.

21º Como complemento da Fisioterapia, foi prescrito ao Autor, natação.

23º O Autor, também teve que ser submetido a várias consultas médicas, exames e teve que tomar medicação, tendo gasto a quantia global de € 219,56.

26º Devido às lesões sofridas em consequência do acidente, o Autor permaneceu de baixa médica, ITA, desde 11 de março de 2014 até 14 de julho de 2014 e com incapacidade temporária parcial, ITP, desde 15 de julho até 23 de janeiro de 2016.

27º Como sequelas do acidente em causa nos presentes autos, o Autor passou a sofrer de Dorso-Lombalgia residual com impotência funcional.

29º Durante o tempo de ITA e de ITP (serviços moderados), o Autor esteve impedido de realizar os serviços remunerados.

30º O Autor deixou de poder usufruir dos Serviços Remunerados que receberia se pudesse integrar a escala de tais serviços, ou seja, os serviços remunerados que normalmente se lhe atribui o nome de serviços de gratificados, são requisitados e pagos por empresas particulares.

31º Apenas realizam tais serviços os elementos da PSP que solicitem a integração naquelas escalas não sendo, portanto, um serviço obrigatório, no entanto, uma vez inscrito, o elemento da PSP tem de cumprir rigorosamente as escalas de nomeações.

33º Nesta medida, o Autor, ao permanecer de ITA e depois de serviços moderados, que se manteve desde 11-03-2014 a 23-01-2016, data da deliberação de nova junta superior de saúde da PSP, originou um impacto financeiro negativo na sua vida pessoal e familiar.

34º O Autor, pelos serviços gratificados, auferia a média mensal de € 435,84.

39º - Salário líquido anual de € 18.708,48; - O valor da IPP é de 4 pontos; - a idade do autor à data dos factos – 32 anos.

45º O Autor além de ser um amante do desporto em geral, a sua grande aptidão era para o futebol, tendo chegado a ser jogador federado.

46º Embora já não fosse federado, mas mantinha o gosto pelos jogos com amigos, que praticava pelo menos duas vezes por semana que, após o acidente nunca mais pode voltar a jogar devido às fortes dores que sente no joelho.

47º De forma a manter a sua condição física, o Autor ainda tentou começar a correr, tendo percebido que também não o podia fazer, pois o impacto que sentia no joelho era tremendo, causando-lhe bastantes dores.

49º Autoestima essa, que já se encontrava debilitada com o facto de perceber ao longo do tempo de dolorosas sessões de fisioterapia, a sua condição física não melhorava, sentindo--se deprimido e nervoso.

50º Levando o Autor a chorar diversas vezes, a irritar-se com facilidade, essencialmente no seio familiar, levando a que também passasse um período critico no seu casamento.

52º Toda essa conjugação de factos, levou a que o Autor tivesse de recorrer a apoio psicológico, prestado pelo Gabinete de ..., que o ajudou a encarar a realidade e a adaptar-se à sua nova condição de vida, aceitando as limitações de que ficou a padecer.

59º À data do sinistro a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação do veículo QI, encontrava-se transferida pela apólice n.º ...71, da Tranquilidade, que por fusão entre seguradoras, adquiriu o nome de Seguradoras Unidas, SA.

Da contestação

6.º É verdade que no dia 10 de Março de 2014, na hora e local referidos na douta Petição Inicial, ocorreu um acidente de viação.

7.º A Ré assumiu a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente – o que foi oportunamente comunicado ao Autor –, tendo ainda diligenciado no sentido de lhe ser assegurado o acompanhamento médico adequado, nomeadamente o pagamento de despesas médicas, consultas e tratamentos.»


Factos dados como não provados

«Da Petição

22º Sendo que, para tal o autor teve que se inscrever num dos centros da Solinca, e efetuou despesas com piscina, no valor global de € 478,40.

24º Para a realização de tais tratamentos, consultas etc., o Autor percorreu cerca de 2.810 Km.

55º À data do acidente, o Autor transportava no carro alguns objetos pessoais que ficaram danificados e que a Ré, nunca assumiu o pagamento:

- Tablet de marca Storex, modelo ..., no valor de € 89,90;

- Telemóvel Marca Nokia, modelo ..., no valor de € 318,00;

- Playstation Portátil, PSP ..., no valor de € 129,00;

- Cartão de memória marca Kinsgton 8 Gb, no valor de € 36,00.»


***


3. Do Direito.

3.1. Quanto à 1ª. questão.

- Do quantum indemnizatório pelo dano biológico/na vertente de dano patrimonial futuro sofrido pelo A.

3.1.1 Importa, antes de mais, começar por lembrar que nos encontramos no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, decorrente de um acidente de viação, do qual foi exclusivamente responsável a condutora do veículo automóvel segurado na R. (que esta, aliás, assumiu desde o início), e no qual se viu envolvido o A. (quando conduzia o seu veículo automóvel).

Responsabilidade essa que, como se sabe, se encontra disciplinada no artº. 483º e ss., do Código Civil (diploma a esse ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua fonte).

Dispõe-se nesse normativo legal que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Extrai-se, assim, desde logo, desse preceito legal que são pressupostos legais dessa responsabilidade a existência de um facto voluntário do agente, que o mesmo seja ilícito, que haja um nexo de imputação desse facto ao agente (culpa), que desse facto resulte um dano e, por fim, que se verifique um o nexo de causalidade entre esse o facto e o dano. (cfr. por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. ed., revista e actualizada, pág. 444 e ss.”).

Pressupostos esses cujos ónus de alegação e prova impende ao lesado (artº. 342º, nº. 1), a não ser que beneficie de uma presunção legal (artº. 350º, nº. 1), o que a acontecer transfere para o lesante o ónus de ilidir essa presunção (artº. 350º, nº. 2). No que concerne à culpa, ou seja, no que diz respeito ao pressuposto do nexo de imputação do facto ao agente, esse ónus de prova imposto ao lesado é ainda especificamente reforçado pelo artº. 487º.

Dada a pacificidade (na doutrina e jurisprudência) sobre tal matéria, não iremos perder-nos na dissecação de cada um desses conceitos legais, tanto mais que na presente revista o que verdadeiramente discute é, na sua essência, a quantificação indemnizatória de alguns desses danos que advieram para o autor em consequência do acidente rodoviário descrito nos autos (encontrando-se assente, como referiremos, que a produção do mesmo foi da exclusiva responsabilidade da condutora do veículo segurado na ré), a não ser que tal se venha a mostrar necessário na abordagem que adiante iremos fazer sobre eles.

Mesmo assim, não resistimos em deixar, desse já, umas breves notas preliminares no que concerne à obrigação de indemnizar imposta ao lesante pelos danos advenientes para o lesado decorrentes da conduta do primeiro.

Nos termos do artº. 562º. o objetivo da indemnização consiste em colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fora o acontecimento produtor do dano, desde que este seja resultante desse evento em termos de causalidade adequada.

Tal resultado deve ser procurado, em primeiro lugar, pela reposição da situação tal como estava antes da produção do dano - princípio da restauração natural.

Todavia, não raras vezes essa reposição apresenta-se muito difícil ou mesmo impossível (como acontece no caso dos danos não patrimoniais), tendo lugar então a indemnização em dinheiro (cfr. artº. 566º, nº. 1).

Ou seja, como decorre dos normativos legais acabados de citar, vigora entre nós o princípio da restauração ou reposição natural, traduzido na imposição para o lesante da obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Ou melhor ainda, tal reparação do lesado deve, em princípio, ser feita através da restauração ou reposição natural, só devendo a mesma ser realizada em dinheiro sempre que tal reconstituição (natural) não seja possível, não repare integralmente o dano ou se mostre excessivamente onerosa para o devedor.

Como resulta do artigo 563º, tal obrigação de reparação supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo. Porém, o nexo de causalidade (adequada) exigido entre o dano e o facto não deverá excluir a ideia de causalidade indireta – que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste (vide, por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Ob. cit., pág. 548”).

O montante da indemnização medir-se-á pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (nº. 2 do artº. 566º, que consagra a chamada teoria da diferença).

Como decorre do artº. 564º, nº. 1, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, ou seja, os danos emergentes - que alguns designam com alguma impropriedade também de “presentes” - como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes, sendo que nos termos do nº. 2 daquele mesmo normativo na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; e se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

São por demais consabidas as dificuldades que existem em tal domínio (de cálculo do montante indemnizatório), devido à ausência de regras legais que enunciem objetivamente os critérios (legais) a seguir, e daí que em tais situações, e particularmente naquelas em que não possa ser averiguado o valor exato dos danos, a lei mande julgar à luz da equidade, embora sem deixar de ter em conta critérios de verosimilhança ou de probabilidade à luz de cada caso concreto (artº. 566º, nº. 3).

Diga-se a esse respeito - e como constitui jurisprudência consolidada nos nossos tribunais superiores, e particularmente neste Supremo Tribunal -, que no que concerne à reparação do dano na responsabilidade civil extracontratual resultante da circulação de veículos automóveis, como sucede in casu, os critérios e valores constantes da Portaria nº. 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06, não vinculam os tribunais, pois, têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros, e daí que, nesse domínio, os tribunais continuem adstritos à regras e princípios insertos no Código Civil. (Cfr., a propósito, e por todos, Acs. do STJ de 21/06/2022, proc. nº. 1663/14.4T8GMR.G1. – no qual intervieram o mesmo relator e o ora 1º. adjunto, e que, por isso, seguiremos de pertoe de 19/09/2019, proc. nº. 2707/17.6T8BRG.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Diga-se, por último, e como decorre do se deixou exposto, que os danos indemnizáveis são tanto os danos que assumam natureza patrimonial, como também aqueles se revistam de natureza não patrimonial, exigindo-se tão só quanto a estes últimos que tenham gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito (artº. 496º).

3.1.2 Postas estas breves considerações de cariz geral sobre a obrigação de indemnizar os danos decorrentes da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, e que, in casu, emergiram de um acidente de viação - pela produção do qual foi, como já deixámos expresso, única responsável a condutora do veículo automóvel segurado na R./recorrente -, é altura de nos centrarmos na 1ª. questão acima colocada (no recurso da última, bem como no que concerne às demais que adiante analisaremos) e que tem a ver com a fixação do montante indemnizatório pelo dano biológico (na vertente de dano patrimonial futuro sofrido pelo A. em consequência do dito acidente).

Neste se recurso, a ré não questiona/discute a existência desse dano sofrido pelo A. mas tão só, como vimos, a quantificação do valor para o indemnizar.

Mesmo assim, e tendo em vista o seu melhor enquadramento, não deixaremos de tecer algumas breves considerações genéricas, de cariz teórico, sobre esse dano.

Como se escreveu no Ac. do STJ 15-09-2016 (proc. n.º 1737/04.0TBSXL.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “A temática da responsabilidade civil tem vindo progressivamente a importar novos conceitos e terminologia, nomeadamente em termos de caracterização e indemnização por danos, assumindo figuras jurídicas com vista a precisar a qualificação e ressarcimento dos danos produzidos nas vítimas, desde logo por acidentes, alargando, até por via disso, o elenco dos casos merecedores de indemnização, que a tradicional nomenclatura dificilmente abarcava. Sirva de exemplo a noção de “dano biológico”, a qual permite uma abrangência mais ampla do que a de “danos patrimoniais” de molde a que a indemnização se não confine apenas aos casos em que aquele dano produza repercussões nos rendimentos do lesado. O conceito de dano biológico mostra-se assim alargado.” (sublinhado nosso)

O denominado “dano biológico” que nos últimos tempos surgiu, como mais representatividade, na terminologia e conceitualidade dos danos a indemnizar na decorrência da responsabilidade civil, e nomeadamente da responsabilidade delitual.

Normalmente esse dano emerge da afetação de uma pessoa do ponto de vista funcional, que é determinante de consequências negativas a nível do desempenho na sua atividade geral/profissional (com reflexos, por norma, quer ao nível patrimonial, quer ao nível não patrimonial).

Dano biológico esse que costuma ser definido como um estado de danosidade físico-psíquico-pessoal, representando “uma diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. (Ac. do STJ, de 08/03/2016, proc. nº. 103/13.1TBARC.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Dano esse que tanto pode ser ressarcido enquanto dano patrimonial, como compensado a título de dano não patrimonial, o que resultará de uma a avaliação casuística quanto aos seus reflexos.

Sobre esta temática, e referente ao referido dano (biológico), veja-se ainda, a título de exemplo, aquilo que de forma prevalecente, vem sendo defendido neste Supremo Tribunal:

- Ac. do STJ de 5/12/2017 (proc. nº. 505/15, disponível em www.dgsi.pt ),O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de um maior empenho, de um estímulo acrescido.” (sublinhado nosso);

- Ac. do STJ de 23/10/2018 (proc. nº. 902/14.7TBVCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “O défíce funcional ou dano biológico é susceptível de desencadear danos de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial. Os do primeiro tipo (…) ocorrem quando a incapacidade, total ou parcial, se repercutem negativamente na atividade profissional habitual do lesado e, consequentemente, nos rendimentos que dela poderia auferir, serão ainda desse primeiro tipo quando, embora sem repercussão direta e imediata na atividade profissional habitual, na obtenção do ganho dela resultante, implique um maior esforço no exercício dessa mesma atividade ou limite significativamente, por via de elevado grau de afectação funcional, as possibilidades do lesado optar por outras vias profissionais, susceptíveis de ganhos materiais.” (sublinhado nosso)

- Ac. do STJ de 10/11/2016 (proc. nº. 175/05, disponível em www.dgsi.pt), Ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado”. (sublinhado nosso). A esse propósito, e em idêntico sentido, podem ver-se ainda os Acs. do STJ de 08/03/2016, proc. nº. 103/13.1TBARC.P1.S1, de 02/02/2016, proc. nº. 3987/10.1TBVFR.P1.S1, de 28/03/2019, proc. nº. 1120/12.4.TBPTL.G1.S1, e de 16/06/2016, proc. nº. 1364/06, disponíveis em www.dgsi.pt.

Posto isto, e cotejando a matéria factual apurada, a esse respeito, e nomeadamente o tipo de lesões e as sequelas sofridas pelo A., que lhe determinaram uma IPP de 4 pontos, aceita-se (tal como considerou o acórdão recorrido, e que a própria recorrente igualmente não manifesta discordância) estar-se perante um dano biológico, na sua vertente/dimensão de dano patrimonial futuro, sofrido pelo A., o qual muito embora não se repercuta na sua capacidade de ganho, todavia, é natural que o obrigue a uma acréscimo de esforço no desempenho das suas atividades/tarefas diárias, nomeadamente ao nível do desempenho profissional.

Concluindo configurar o referido dano (biológico - decorrente do défice funcional permanente de que o A. ficou afetado) um dano patrimonial futuro (qualificação essa, enfatiza-se, sobre a qual não há dissenso entre a instância recorrida, e as partes, nomeadamente da recorrente) impõe-se tão só avaliá-lo pecuniariamente (sendo só aí que se situa divergência da recorrente com decisão da Relação), por forma atribuir, por ele, uma indemnização (compensatória) ao autor.

A 2ª. instância (no acórdão de que se recorre) fixou essa indemnização na quantia € 16.000,00 (com a qual de conformou o A.), e da qual discorda a ré/recorrente, considerando-a exagerada, defendendo que ela não deve exceder os € 10.500,00.

Apreciemos.

Já acima deixámos expressas as dificuldades, e razão de ser delas, com que nos defrontamos no cálculo indemnizatório de tal dano, mandando a lei julgar, de acordo com a equidade quanto não possa ser averiguado o valor exato dele, embora sem deixar de ter em conta critérios de verosimilhança e/ou de probabilidade à luz de cada caso concreto.

Nessa medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida (Claus Canaris, in “O Pensamento Sistemático e o Conceito de Sistema na Ciência do Direito”).

A equidade deve ser a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo, o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr., entre outros, Acs. do STJ de 21/06/2022, acima citado, e de 10/12/98, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T1 – 65” e os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Ob. cit., pág. 474”).

E nessa medida, é de repudiar/afastar a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em equações de complexidade variável, como as determinadas por fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras, entre outras, que deverão, quando muito, servir de meios auxiliares de orientação com vista a atingir a tal desiderato equitativo de indemnização do dano.

Constitui hoje entendimento prevalecente nos tribunais superiores, e particularmente neste, que a indemnização do dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual até final desse período, ou seja, e por outras palavras, essa indemnização por tal dano deve corresponder a um capital de rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo desse período provável da sua vida, e que não tem de coincidir com o termo da sua vida profissional, com a entrada na reforma. É que finda a vida ativa do lesado por incapacidade permanente não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento e com ela todas as necessidades, pois que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, e a ter as suas necessidades, como, aliás, é das regras da experiência da própria vida (Vide, por todos, Ac. do STJ de 23/10/2018, proc. nº. 902/14.7TBVCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

E mesmo nos casos em que o lesado não exerce qualquer atividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento (como sucede no caso presente, e já ressalta do que supra deixámos referenciado), tanto a doutrina como a jurisprudência perfilham hoje o entendimento claramente dominante no sentido da ressarcibilidade do dano decorrente da afetação funcional ao nível físico, psíquico ou intelectual. (Vide, entre outros, o prof. Vaz Serra, in “RLJ, ano 102 – 296”; o prof. A. Varela, in “Obrigações, Almedina, Vol. I, pág. 910”; Acs. do STJ de 11/11/2021, proc. 730/17.8T8PVZ.P1.S1; de 06/12/2017, proc. 1509/13; de 19/09/2019, proc. 2706/17.6T8BRG.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.,  e Ac. do STJ de 17/5/94, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 – 101”).

Para além do se deixou exposto, nomeadamente em termos dos princípios gerais, na determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, há uma panóplia de tópicos ou elementos referenciais que deverão ainda ser considerados, tais como:

- A idade do autor lesado à data do acidente (que no caso se cifrava, como vimos, em 32 anos idade);

- O período provável de vida ativa, com apelo à esperança média de vida de que atrás já falámos, a qual na altura da ocorrência do acidente (2016), se cifrava, para os homens portugueses, em 77,61, (e de acordo com o portal do site do INE), sendo no caso de arredondar, e como tal considerar, para os 78 anos;

- A remuneração mensal auferida pelo lesado à data do acidente e/ou outros rendimentos por si então auferidos.

A esse propósito e como base de cálculo da indemnização para o tipo do dano futuro em causa, é, como regra, de atender ao vencimento ou salário mensal auferido pelo lesado na altura do acidente (cfr., a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in Rec. Rev. nº. 1976/03, 2ª. Sec.”).

Neste caso, sabe-se apenas que o A. auferia na altura um salário líquido anual no montante de € 18.708,48.

- A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo (neste caso, como vimos, A. não ficou afetado na sua capacidade de ganho);

- A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade (sendo notório que nos últimos anos a primeira se situou a um nível negativo – tendo recentemente, e pelas razões conjunturais que se conhecem, vindo a manifestar subidas para patamares positivos bastante acentuados, a rondar os 7% a 9%, e dando ultimamente sinais de estar, ainda que lentamente, a regredir, - e a segunda tem rondado taxas numa margem de variação entre os 0 % e o 1 % ou 2 %, conforme a duração dos depósitos, o que cremos, sobretudo se aquela situação de tendência recente da subida da inflação se mantiver, vir a alterar-se em termos de crescimento/subida, o que já se começa a fazer notar);

- A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade ou de défice funcional expressos em pontos;

Grau défice funcional que tanto pode traduzir-se em incapacidade total para o ofício, sem possibilidade de reconversão, como ser o exercício desse ofício total (o que sucede no caso) ou parcialmente possível, com ou sem diminuição salarial (que é, como vimos, o se sucede no caso).

Tendo presente os tópicos ou elementos que se deixaram referenciados, há  subsumi-los ao caso em apreço.

 Já vimos que, na sequência das lesões sofridas pelo acidente, o A. ficou, clinicamente, com um défice funcional permanente (IPP), de integridade física, de 4 pontos (que não lhe retira atualmente qualquer capacidade ganho).

Assim, para efeitos de singelo de exercício de cálculo indemnizatório de tal dano futuro somos levados a considerar o seguinte raciocínio (que, como já acima deixámos expresso, será no final sempre temperado com o recurso a um juízo de equidade):

Consideraremos, por defeito, que o A. é portador um défice funcional permanente (da integridade físico) 4 pontos.

Que na altura do acidente (quando tinha 32 anos de idade) o A. tinha uma esperança média de vida à volta de 46 anos (como vimos esperança média de vida dos homens portugueses situava-se então nos 77,61 anos, e que no caso, como supra se deixou referido, se arrendou para 78 anos).

Que na altura A. auferia na altura um salário líquido anual que se cifrava no montante de € 18.708,48.

Assim, tomando por base tais elementos (€ 18.708,48x46x0,08/8%), chegar-se-ia á conclusão, em termos de resultado, que a respetiva perda de rendimentos (aqui ficcionados) ao fim de 46 anos, que o autor tem previsivelmente de esperança de vida, importaria, singelamente, no valor total de € 68.847,21.

Porém, essa importância não é, como acima vimos, necessariamente vinculativa, pois que sempre, em princípio, teria de sofrer um ajustamento – não só pelas razões concretas a que atrás já nos referimos, como também porque o lesado vai receber de uma só vez aquilo que, em regra, deveria receber em frações anuais ao longo de 46 anos, havendo, assim, uma antecipação de capital, que poderá de imediato aplicar e fazer render -, para se evitar, desse modo, uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia. E daí que fosse prática habitual na nossa jurisprudência proceder a uma redução de tal quantia, variável perante cada caso concreto, mas que a maior parte das vezes tanto poderia oscilar entre 1/3 ou 1/4 daquele montante, como fixar-se numa percentagem que não ultrapassava os 10% ou 20% desse capital antecipado, tudo dependendo das situações casuísticas/concretas.

Porém, e como se escreveu a esse propósito no Ac. do STJ de 19/09/2019, proc. nº. 2706/17.6T8BRG.G1.S1 (citando, para o efeito, o Ac. do STJ de 19/04/2018, proc. nº. 196/11.6TCGMR.G2.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento.” (sublinhado nosso)

O que, na verdade reflete, aquilo que supra já deixámos referenciado a esse respeito, nomeadamente as atualmente muito baixas taxas de rentabilidade do capital investido, e particularmente no que concerne quanto aos depósitos bancários (embora, e pelas razões também supra referidas, tal possa vir a sofrer alteração nos próximos tempos).

Por outro lado, não se poderão desconsiderar quaisquer outros fatores que, sendo projetados no futuro, não é possível quantificar neste momento (sendo que alguns deles já atrás aludimos).

Por último, importa podemos desconsiderar (dada a sua relevância in casu) que a incapacidade física permanente (IPP) de que o A. ficou afetado, para além de ser baixa (apenas 4%), não o afeta na sua capacidade de ganho.

Desse modo, e sopesando tudo que se deixou exposto, afigura-se-nos, num juízo equitativo final, claramente ajustado o montante de € 16.000,00 (dezasseis mil euros) fixado pelo acórdão recorrido para o indemnizar o A. por tal dano.

E nessa medida, julga-se, nessa parte, improcedente o recurso da R., mantendo o que, a esse propósito, foi decidido pelo ora tribunal a quo.


***


3.2 Quanto à 2ª. questão.

- Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A. .

Está também em discussão, nesta revista, o montante indemnizatório atribuir ao autor pelos danos não patrimoniais que sofreu em consequência do referido acidente de viação, não se questionando a existência desses próprios danos.

A 2ª. instância (no acórdão de que se recorre) fixou essa indemnização na quantia € 8.000,00 (com a qual de conformou o A.), e da qual discorda a ré/recorrente, considerando-a exagerada, defendendo que ela não deve exceder os € 3.000,00.

Apreciemos.

Como é sabido, para além dos danos patrimoniais, são também suscetíveis de indemnização os danos que se revistam de natureza não patrimonial, exigindo-se tão só quanto a eles que tenham gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito (artº. 496º, nº. 1), sendo essa gravidade medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos e que caberá, desse modo, ao tribunal, em cada caso concreto, dizer se o dano (não patrimonial) é ou não merecedor de tutela jurídica.

Como ressalta do que atrás de deixou expresso, a ré não questiona (neste recurso) a existência desses danos, mas tão só, o montante pelo qual devem ser indemnizados/compensados (o que pressupõe, desde logo, o reconhecimento de que os mesmos se revestem de gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito, sendo que alguns deles estão associados ao dano biológico que se abordou na questão anterior, não sendo aqui de considerar, sob pena duplicação, a IPP de que ficou afetado o A.).

Mostrando-se impossível a reparação/restauração (natural) de tais danos, o seu ressarcimento só poderá ocorrer por via da indemnização/compensação em dinheiro (cfr. artº. 566º, nº. 1).

Na verdade, e como afirma o prof. Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. Ed., pág. 15”, que igualmente se cita no já acima referenciado Ac. do STJ de 19/09/2019) «os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano e compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal.»

Não fornecendo a lei critérios normativos concretos que fixem o seu montante indemnizatório e dada a consabida dificuldade em o fazer, o legislador fez, por isso, assentar a sua quantificação através do recurso à equidade (cfr. artºs. 496º, nº. 4, e 494º, 566º, nº. 3, e 4º), constituindo, porém, entendimento prevalecente, que se deverá atender para o efeito, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto (vide, por todos, os profs. Pires Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit., págs. 473/474”, e Acs. do STJ de 17/12/2019, proc. 2224/17.2T8BRG.G1.S1, de 17/12/2019, proc. 480/1.TBMMV.C1.S2, de 02/12/2013, proc. 1110/07.9TVLSB.L1.S1, e de 02/06/2016, proc. 6244/13.8TBVNG.P1.S1, disponíveis in dgsi.pt).

Como escreve Maria Veloso (in “Danos não patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol. III, Direito Das Obrigações, pág. 542”), nesse cálculo a natureza e a intensidade das lesões devem servir como “factor-base da ponderação”.

Danos esses que, como se extrai do exposto, devem ser condignamente compensados, como, aliás, vem sendo a afirmado neste mais alto tribunal, e cujo entendimento vem, sobretudo nos últimos tempos, grassando, numa espiral crescente, nos nossos tribunais.

Aqui chegados, e tendo presente tudo aquilo que atrás se deixou expendido, é agora altura de responder, de forma decisiva, à questão acima colocada, no sentido de valorar/quantificar a indemnização a atribuir ao A. pelos danos não patrimoniais que sofreu em consequência do sobredito acidente.

Para isso importa reter e ponderar aquilo que consta da descrição da materialidade factual dada como provada, e da qual se extrai, com relevo, o seguinte:

- O Autor devido aos ferimentos que sofreu com o acidente foi, logo após, transportado para o Hospital de ..., E.P.E., E.P.E., onde deu entrada com episodio de urgência;

- Apresentando então queixas de traumatismo cervical e dorso lombar, tendo-lhe ali sido administrado Cetorolac 30 mg/1 ml, por via endovenosa;

- Foi ainda submetido nessa Unidade Hospitalar a um Rx, acabando por ter alta para o domicílio, por não lhe terem verificado lesões ósseas agudas;

- No entanto, como as queixas álgicas se mantinham, o A. recorreu à Clínica ..., onde realizou ECD, recebendo aí indicação para realizar MFR (fisioterapia) e EPI.

- O A. realizou então vários e dolorosos tratamentos de fisioterapia;

- E como complemento da Fisioterapia, foi-lhe prescrito natação;

- Teve ainda o Autor que ser submetido a várias consultas médicas, exames e de tomar medicação;

- Devido às lesões sofridas em consequência do acidente, o Autor permaneceu de baixa médica, ITA, desde 11 de março de 2014 até 14 de julho de 2014 e com incapacidade temporária parcial, ITP, desde 15 de julho até 23 de janeiro de 2016;

- Como sequelas do acidente o Autor passou a sofrer de Dorso-Lombalgia residual com impotência funcional;

- O Autor além de ser então um amante do desporto em geral, a sua grande aptidão era para o futebol, tendo chegado mesmo a ser jogador federado;

- Embora já não fosse federado, continuava então a manter o gosto pelos jogos com os amigos, que praticava pelo menos duas vezes por semana, o que deixou de fazer, após o acidente, devido às fortes dores que sente no joelho;

 - De forma a manter a sua condição física, o Autor ainda tentou começar a correr, tendo percebido que também não o podia fazer, pois o impacto que sentia no joelho era tremendo, causando-lhe bastantes dores;

- Autor que ficou com a autoestima debilitada pelo facto de perceber, ao longo do tempo de dolorosas sessões de fisioterapia, que a sua condição física não melhorava, levando-o a sentir-se deprimido e nervoso;

- O que levou o Autor a chorar diversas vezes, a irritar-se com facilidade, essencialmente no seio familiar, levando a que também passasse um período crítico no seu casamento;

- Toda essa conjugação de factos, levou a que o Autor tivesse de recorrer a apoio psicológico, prestado pelo Gabinete de ... (que o ajudou a encarar a realidade e a adaptar-se à sua nova condição de vida, aceitando as limitações de que ficou a padecer);

- No relatório do exame médico a que se submeteu na pendência da causa (que se encontra junto a fls. 79/73, e que não foi objeto de impugnação) - elaborado pelo Serviço de Clínica e Patologia Forense da Delegação Sul do INML – foi-lhe fixado um quantum doloris de grau 3 numa escala de 7;

- O Autor em nada contribuiu para o acidente, o qual se deveu exclusivamente à conduta culposa da condutora do veículo segurado na ré.

Assim, numa ponderação global de tais circunstâncias e num juízo de equidade, afigura-se-nos ajustado o montante de € 8.000,00 (oito mil euros) que foi fixado pelo acórdão recorrido para indemnizar o A. por tais danos.

E nessa medida, julga-se, também nessa parte, improcedente o recurso (de revista) da R., mantendo-se o que, a esse propósito, foi decidido pelo ora tribunal a quo.


***


3.3 Quanto à 3ª. questão.

- Do quantum indemnizatório pelos lucros cessantes/perda dos serviços gratificados.

Na sequência do pedido formulado para o efeito pelo A., no acórdão recorrido condenou-se ainda a R. a pagar-lhe a quantia de € 9.588,48, a título indemnizatório referente aos rendimentos que deixou de auferir pelos serviços gratificados que esteve impedido de realizar durante o período em que, devido às lesões sofridas com o acidente, esteve afetado de ITA e ITP.

A recorrente defende que essa indemnização, por tal dano, não deve ir além dos € 5.000,00, pois que dada a forma como eram prestados não era garantido que durante aquele período em que esteve incapacitado os tivesse realizado na integra, não fosse essa incapacidade, daí ter como mais adequada e justa a fixação daquela quantia indemnizatória pela qual propugna.

Apreciando.

A esse propósito importa reter, pela sua relevância, a seguinte matéria factual apurada:

- Devido às lesões sofridas em consequência do acidente, o Autor permaneceu de baixa médica, ITA, desde 11 de março de 2014 até 14 de julho de 2014 e com incapacidade temporária parcial, ITP, desde 15 de julho até 23 de janeiro de 2016.

- Durante o tempo (de ITA e de ITP) o Autor esteve impedido de realizar os serviços remunerados.

- O Autor deixou de poder usufruir dos Serviços Remunerados que receberia se pudesse integrar a escala de tais serviços, ou seja, os serviços remunerados que normalmente se lhe atribui o nome de serviços de gratificados, são requisitados e pagos por empresas particulares.

- Apenas realizam tais serviços os elementos da PSP que solicitem a integração naquelas escalas não sendo, portanto, um serviço obrigatório, no entanto, uma vez inscrito, o elemento da PSP tem de cumprir rigorosamente as escalas de nomeações.

- Por esses serviços gratificados, auferia a média mensal de € 435,84. (sublinhado nosso)

Estamos a falar de um dano que se situa no âmbito/domínio dos lucros cessantes, ou seja, de ganhos que o A. terá visto frustrados, de entrarem no seu património, devido ao facto de ter ficado impossibilitado funcionalmente de realizar tais serviços devido às lesões que sofreu com o acidente (cfr., artº. 564, nº. 1, e a esse propósito, os profs. Pires Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit., pág. 548, nota 1).

No fundo, podemos dizer, que estamos a falar de danos futuros, as quais, como se sabe podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis. O dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá a sua ocorrência. Por seu turno, os danos previsíveis são ainda enquadrados em duas categorias: os certos e os eventuais. Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, como infalível e dano futuro eventual o que no momento em que se formula o respetivo juízo se revela como meramente possível, incerto ou hipotético.

Porém, a jurisprudência desde há muito tem entendido que são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos, como os futuros eventuais cujo grau de (in)certeza seja de tal modo que possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer (cfr.., por ex., Acs. do STJ de 11/4/94, in “CJ Ano II, T2 – 83”, de 24/2/99, in “BMJ 484, pág. 359” e de 22/4/2002, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, e o prof. Vaz Serra, inRLJ, Ano 113, pág. 326”).

Pois bem, se é certo que a realização de tais serviços não era obrigatória (pelos agentes da PSP, em que o A. se integrava), sendo antes facultativa, só passando a sê-lo a partir do momento  em que esses agentes solicitavam a sua integração/inscrição nas respetivas escalas de serviço, é também certo (porque consta da matéria de facto que está provada), que o A. pela realização desses serviços auferia uma média mensal de € 435,84, o que demostra que os realizava com carater regular, sendo portanto previsivelmente certos ou, pelo menos, que se apresentavam com alta probabilidade de virem a ser realizados.

Sendo assim, tais danos/prejuízos mostram-se indemnizáveis – a título de lucro cessante - (o que, aliás, e tal como ressalta do que deixámos expresso, a recorrente não discute).

Aqui chegados, e tendo ficado provado, por um lado, que pela realização desses serviços o A. auferia uma média mensal de € 435,84, e, por outro, que, devido às lesões sofridas, e à ITA e ITP que lhe demandaram, ficou impedido de realizar tais serviços durante o período de 11/03/2014 até 23/01/2016 (num total de 22 meses), facilmente, a nosso ver, se chega à conclusão de que a quantia de € 9.588,48 (nove mil quinhentos e oitenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos) fixada pelo acórdão recorrido corresponde à justa medida do referido dano/prejuízo sofrido pelo A. .

E daí que não vejamos razão para alterar também nessa parte o acórdão recorrido, assim, improcedendo nessa parte o recurso.


***


3.4 Quanto à 4ª. questão.

- Da data a partir da qual se deverão contabilizar/vencer os juros de mora.

 Como ressalta do que acima se deixou exarado na Relatório, na parte dispositiva do acórdão, de que ora se recorre, a R. foi condenada a pagar ao A. a quantia indemnizatória total € 34.782,34, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação da R. para a ação (ocorrida em 18/05/2018).

Defende a R./recorrente que tais juros moratórios devem apenas ser contabilizados a partir da data da prolação do acórdão ou do seu trânsito em julgado, com o invocado fundamento de as quantias indemnizatórias nele fixadas de terem sido atualizadas a essa data.

Apreciando.

Importa começar por referir que aquela quantia total (€ 34.782,34) que a R. foi condenada a pagar ao A. resulta da decomposição das seguintes parcelas indemnizatórias:

a) € 16.000,00, pelo dano biológico/na vertente de dano patrimonial futuro sofrido pelo A.;

b) € 8.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A.;

c) € 9.588,48, pelos lucros cessantes/pela perda dos serviços gratificados;

d) € 1.193,86, pelas despesas suportadas pelo A. com fisioterapia, consultas, exame e medicação (segmento indemnizatório/decisório esse que não foi objeto de recurso).

Nos termos do estipulado no artº. 804º “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados” (nº. 1), devendo “o devedor considerar-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido.” (nº. 2)

Por sua vez, dispõe-se no artº. 805º, e naquilo que para aqui mais releva, que:

«1. O devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) (…);

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) (…)

3. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.»  (sublinhado nosso)

Por último, preceitua-se no artº. 806º que:

« 1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

2. (…)

3. (…) »

Como se sabe, e naquilo que para aqui mais importa, o regime consagrado citado nº. 3 do artº. 805º mantém-se em vigor, tendo apenas sido objeto de uma interpretação restritiva feita pelo STJ, no seu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) nº. 4/2002, de 09/05/2002 (publicado no Diário da República nº. 146/2002, Série I-A de 2002-06-27), nos seguintes termos: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação

Ressalta da sua fundamentação, por um lado, que essa restrição se reporta às indemnizações (devidas por facto ilícito ou pelo risco), por danos patrimoniais ou por danos não patrimoniais, que tenham sido objeto de cálculo atualizado à data da prolação da decisão, e, por outro, que ali foi ponderada a função indemnizatória dos juros de mora desde a citação (artºs. 804º ss. e 805º nº. 2) e a função reparadora da atualização indemnizatória do artº. 566º, nº. 2, do C. Civil.

Regime esse que se aplica, sem qualquer distinção, quer às indemnizações fixadas por danos presentes/emergentes, quer a indemnizações fixadas por danos futuros (cfr. arts. 562º e ss. e 564º nº. 2).

Assim, e naquilo que para aqui mais importa, da conjugação do regime consagrado nos citados normativos legais (e particularmente no nº. 3 do artº. 805º) e da doutrina fixada pelo aludido AUJ (nº. 4/2002) ressalta que sempre que uma indemnização pecuniária (por danos patrimoniais ou não patrimoniais) fixada provier de responsabilidade civil emergente de facto ilícito ou pelo risco, e ainda que o crédito se mostre ilíquido, a regra é que vence juros de mora a contar da citação para a ação, a não ser que (aí funciona a exceção a essa regra) essa indemnização tenha sido objeto de cálculo atualizado à data da prolação da decisão que a fixou, caso então em que sobre ela apenas se vencem juros moratórios a partir dessa decisão atualizadora.

No caso dos autos está em causa a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, sendo dela que emergem os montantes indemnizatórios fixados.

Tendo presente o que se deixou expendido, da leitura do acórdão recorrido verifica-se/extrai-se que no que concerne às indemnizações referentes ao dano biológico/na sua vertente de dano patrimonial futuro e aos danos não patrimoniais sofridos pelo A. as mesmas foram objeto de cálculo atualizado à data em que foi proferida a respetiva decisão, o mesmo não sucedendo, como é natural dada a natureza dos danos que visaram compensar, em relação às demais indemnizações parcelares nele fixadas (e que atrás identificamos sob as alíneas c) e d).)

Sendo assim, enquanto no que concerne àquelas duas primeiras indemnizações os juros de mora apenas são devidos (iniciando-se o seu vencimento sobre as respetivas quantias) a partir da data da prolação do acórdão (sob pena de assim não suceder haver uma injustificada duplicação de rendimentos), já em relação às demais quantias indemnizatórias atribuídas os juros moratórios são devidos a partir da citação da R. para a ação.

Sendo assim, e no que concerne à referida questão, o recurso procede em parte.


***

III- Decisão



Assim, em face do que se deixou exposto, acorda-se, na parcial procedência do recurso revista e da ação, em condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia indemnizatória total de € 34.782,34 (trinta e quatro mil setecentos e oitenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, às taxa legais civis em vigor, até ao seu integral pagamento, os quais são devidos desde a data da citação da Ré para ação no que concerne à quantia total de € 10.782,30, e a partir da prolação do acórdão recorrido sobre a quantia total de € 24.000,00.

Custas da ação e deste recurso pela R. e pelo A., na proporção do respetivo decaimento, e que para o efeito se fixa em 98/100 para a primeira e em 2/100 para o segundo (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).


***


Sumário

I- Entre os danos indemnizáveis ano âmbito da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito encontra-se o chamado dano biológico.

II- Dano esse que tanto pode ser ressarcido enquanto dano patrimonial, como compensado a título de dano não patrimonial, o que resultará de uma avaliação casuística quanto aos seus reflexos.

III- Resultando esse dano de uma incapacidade geral permanente, o mesmo é suscetível de ser indemnizado, como dano patrimonial futuro, desde que essa incapacidade se repercuta diretamente no exercício da atividade profissional para o A., que dela padece, em termos de, pelo menos, lhe exigir um maior esforço no exercício dessa atividade, e mesmo que dela não resulte em termos imediatos qualquer diminuição no seu rendimento salarial ou capacidade de ganho.

IV- A reparação do dano na responsabilidade civil extracontratual resultante da circulação de veículos automóveis, os critérios e valores constantes da Portaria nº. 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06, não vinculam os tribunais, pois, que têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros, e daí que, nesse domínio, os tribunais continuem adstritos às regras e princípios insertos no Código Civil.

V- Donde, e devido à ausência de regras legais que concretamente enunciem objetivamente os critérios a seguir e não podendo ser averiguado o valor exato dos danos, devem os mesmos ser sempre, em última instância, apurados à luz da equidade, emergente caso concreto, devendo o recurso as quaisquer tabelas matemáticas ou financeiras servir, quando muito, como meios auxiliares de orientação com vista a atingir tal desiderato equitativo da indemnização do dano (vg. futuro).

VI- A indemnização do dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa (terminada com a entrada na reforma).

VII- No que concerne aos danos não patrimoniais, e não fornecendo também quando a eles a lei critérios normativos concretos que fixem o valor do seu montante indemnizatório, a sua quantificação deverá igualmente ser feita através do recurso à equidade, considerando-se, nomeadamente, para o efeito ao grau de culpabilidade do responsável e do lesado, as respetivas situações económicas de cada um, a sua proporcionalidade em relação à gravidade do dano, tomando ainda em conta todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto, por forma a que, a essa luz, sejam condignamente compensados.

VIII- Sempre que uma indemnização pecuniária (por danos patrimoniais ou não patrimoniais) fixada provier de responsabilidade civil emergente de facto ilícito ou pelo risco, e ainda que o crédito se mostre ilíquido, a regra é que vence juros de mora a contar da citação do R. para a ação, a não ser que essa indemnização tenha sido objeto de cálculo atualizado à data da prolação da decisão que a fixou, caso então em que sobre ela apenas se vencem juros moratórios a partir dessa decisão atualizadora.


***


Lisboa, 2023/03/14

Relator: cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Manuel Aguiar Pereira

Cons. Jorge Leal