Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
299/14.5T8VLG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
DEVER DE LEALDADE
DIRETOR COMERCIAL
ASSÉDIO MORAL
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS DO CONTRATO / DIREITOS DE PERSONALIDADE / IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO / ASSÉDIO MORAL / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR.
Doutrina:
- Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, Verbo, 2011, 450, 738/739.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I, 2007, 410/(1079), 412, 431, 436.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, 152, 161/162, 821.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 16.ª edição, 160.
- Pedro Romano Martinez (e outros), “Código do Trabalho” Anotado, 9.ª edição, 187.
- Rita Garcia Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, 100.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º3, 608.º, N.º 2, 635.º, 639.º, N.º 1,E 679º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 15.º, 23.º, 24.º, 25.º, 29.º, N.ºS 1 E 2, 127.º, N.º 1, ALS. A) E C), 128.º, N.º 1, F), 129.º, N.º 1, C), 330.º, N.º1, 351.º, N.ºS1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05.01.2012, PROC. N.º 164/07.2, DA 4.ª SECÇÃO, IN WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/SOCIAL/SOCIAL2012.PDF
-DE 03.12.2014, PROC. N.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, DA 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT

Sumário :
I - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade, exigibilidade e proporcionalidade.

II - Um trabalhador que, por motivos que lhe são alheios, deixou de exercer as funções de diretor comercial para as quais foi contratado, não tem um dever acrescido de lealdade para com a entidade empregadora.

III - Não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador, mesmo que consubstancie um exercício arbitrário de poder de direção, que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado.

IV - O assédio moral pressupõe comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

V - De acordo com o disposto no art. 29.º, n.º 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.

VI - Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA instaurou contra BB, LDA., a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

2. Na 1.ª Instância foi proferida sentença:

- A julgar lícito o despedimento e, assim, improcedente a ação;

- Julgando parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelo trabalhador (na contestação do articulado do empregador), a condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, a título de compensação por danos não patrimoniais (embora se tenha considerado inverificado o assédio moral invocado pelo A.).

3. Interposto recurso de apelação pelo A., foi o mesmo julgado parcialmente procedente pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP),que decidiu:

- Eliminar o ponto EE) da matéria de facto e alterar o ponto BBB);
 
- Julgar ilícito o despedimento do A., condenando, consequentemente a R. a pagar-lhe:
                              
· A indemnização de antiguidade correspondente à quantia de € 4.789,33, por cada ano completo ou fração de antiguidade, contada desde 08.03.2015 e até ao trânsito em julgado do acórdão, acrescida de juros de mora, até integral pagamento;

· As retribuições (incluindo subsídios de férias e de Natal) referentes ao período compreendido entre 16.10.2014 e a data do trânsito em julgado do acórdão, no montante unitário de € 7.184,00, acrescido de juros de mora, até integral pagamento, deduzindo-se as importâncias que o recorrente tenha auferido, no mesmo período temporal, a título de subsídio de desemprego.

- Considerar verificado o assédio moral invocado pelo A. e, consequentemente, aumentar, para € 35.000,00, o valor da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, condenando ainda a R. a pagar àquele juros de mora, desde 20.05.2015 e até integral pagamento.

4. Do assim decidido, interpôs a R. a presente revista, dizendo, em síntese, nas conclusões da sua alegação:

- Ao defender que sobre o Recorrido não impendia um acrescido dever de lealdade, que o exercício das funções de direção comercial pressupunha, e indo até mais longe, dizendo entender que o Autor não tinha nenhum dever de exclusividade perante a Ré, o Acórdão proferido dá como assentes factos que não aconteceram, esquece parte substancial da matéria dada como provada e contém, por simples consequência, erros de julgamento.

- Defendendo o conceito de "lealdade relativa", através de uma específica interpretação do conceito, que entende ser mitigado pelo princípio da proporcionalidade, o Acórdão recorrido faz apelo aos factos que esclarecem as circunstâncias que rodearam a decisão de despedimento e ao conceito de modelo objetivo do empregador razoável. Na primeira vertente, considera factos em tudo contrários à realidade que os autos espalham; na segunda, faz com que a razoabilidade apenas seja exigível a uma das partes.

- Sobre o Recorrido, durante toda a existência do seu contrato de trabalho, impendia um dever absoluto de exclusividade, sendo que tal dever não se limitava a uma mera disponibilidade de tempo, antes em si encerrava também a exclusividade de interesse, sendo-lhe exigível que não tivesse situações de conflito de interesse com a sua entidade patronal.
 
- O incremento do valor indemnizatório fixado pela 1.ª Instância baseia-se na ideia conceptual de que o Autor terá sido vítima passiva de mobbing, o que não ocorre no caso vertente.

5. A A. contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.

6. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sustentando ser lícito o despedimento do trabalhador e, por outro lado, que é de manter o decidido pelo Tribunal da Relação, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Notificadas as partes, apenas o A. respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

7. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir são as seguintes:[2]

- Se o apurado comportamento do A. constitui justa causa de despedimento;

- Se, por estar indemonstrada uma situação de assédio moral, a indemnização por danos não patrimoniais não deve ultrapassar o valor fixado na 1.ª Instância.

E decidindo.
II.

9. A matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte:[3]

A) A ré BB, Lda., (…) tem o seguinte objeto social: “importação, exportação, comércio por grosso e a retalho de grande variedade de mercadorias: CC”;

B) Possui três estabelecimentos de CC: no Porto, em …  e em …;

C) O trabalhador foi admitido em 08.03.2005;

D) Tem a categoria profissional de diretor comercial;

E) No dia 02 de julho de 2014, a mulher do arguido, DD, com ele casada no regime de comunhão de adquiridos, constituiu uma sociedade comercial por quotas unipessoal, com a firma Supermercado EE, Unipessoal, Lda., (…) com o objeto comercial de comércio a retalho em supermercado, comércio a retalho de carnes e produtos à base de carnes, de que é sócia e gerente, com sede na Rua …, n.º …, ..., ...;

F) A sociedade deu início de atividade fiscal no dia 09 de julho de 2014;

G) A mulher do arguido registou-se como cliente e comerciante na empregadora e em 06 de agosto de 2014 passou a adquirir mercadoria na loja de …/…;

H) O supermercado EE tem em exposição e em folheto e vende mercadorias que a empregadora não fornece, nomeadamente sumos G..., P..., água P…, ovos Q... tamanho L, indo portanto abastecer-se às empresas concorrentes da empregadora desses produtos, nomeadamente a A..., os V…., B… L… e produtos frescos da M...;

I) O supermercado EE tem seis trabalhadores: um cortador, um empregado de charcutaria, dois caixas e dois operadores;

J) (…)

K) Os fornecedores da empregadora conhecem o trabalhador;

L) A ré não tem aberto, nem nunca teve, pelo menos a partir do ano de admissão do autor, em 2005, qualquer estabelecimento de venda a retalho;

M) No dia 04 de julho de 2014 realizou-se uma reunião entre o autor e o gerente da ré, tendo este dito ao autor que ou vendia o estabelecimento ou teria de se demitir;

N) A D. FF, por virtude das funções de chefe dos serviços administrativos que exerce, tem conhecimento, ou pelo menos acesso, aos preços praticados pela ré aos seus fornecedores;

O) Os preços e condições de aquisição praticados pela ré são iguais para todos, constam de prospetos de distribuição ao público e das tabelas de preços que são elaboradas diariamente pelos serviços centrais;

P) Durante os anos de 2009 a 2011, houve na ré uma disputa entre os sócios que também exerciam funções de gerência, que provocou a exoneração de gerentes, providências cautelares e ações judiciais e que terminou no ano de 2011 com o controlo societário por parte do sócio BB;

Q) No ano de 2011, em setembro, foi dito ao autor pelo gerente da ré, BB, que iria ser destacado para a loja CC no Porto, porquanto a mesma se encontrava muito desorganizada;

R) A loja do Porto era gerida por dois responsáveis, o Sr. GG e o Sr. HH, que reportavam e continuaram a reportar diretamente à gerência da ré;

S) Em setembro de 2013, o autor foi transferido novamente para a loja de CC de Famalicão, loja esta que continuou a ser gerida pelos Senhores II e JJ, que mantiveram as mesmas funções;

T) A partir de setembro de 2011, o autor passou a assinar as guias de remessa/receção de mercadoria e conferir mercadoria;

U) A sociedade constituída pela mulher do trabalhador instalou um estabelecimento comercial de supermercado na sua sede, denominado EE e iniciou a exploração em agosto de 2014;

V) (…)

W) (…)

X) O supermercado EE funciona em concorrência com os clientes da empregadora, que são também mercearias, supermercados e estabelecimentos do mesmo género e se dedicam a atividade comercial semelhante;

Y) O supermercado EE fica na mesma localidade de outro supermercado cliente do comércio integrado da empregadora, o Supermercado KK, Unipessoal, Lda.;

Z) Os clientes da empregadora abastecem-se nas lojas da empregadora, sabendo o trabalhador, ou podendo saber, as condições negociais que lhes são concedidas, nomeadamente do Supermercado KK, que visitou e acompanhou, no exercício das suas funções na empregadora;

AA) O A. participa e colabora na exploração do supermercado EE, dela beneficiando e tirando proveito;

BB) O A. esteve, no mês de agosto de 2014, no supermercado EE, preparando a inauguração e depois atendendo ao público e tratando do serviço corrente do supermercado, recebendo clientes e fornecedores e mostrando o estabelecimento;

CC) No seu perfil do Facebook, que é público e de acesso irrestrito por qualquer pessoa registada no Facebook, o A. explicou no dia 29/07/2014 a origem do nome do supermercado e anunciou o estabelecimento nos dias 6, 7, 14 e 18 de julho de 2014;

EE) (…)[4]

DD) Este tipo de negócio exige e pressupõe um conhecimento atualizado e minucioso dos preços, promoções e descontos dos produtos, praticados pelos grossistas fornecedores e pelos concorrentes, e uma presença contínua e sistemática na direção do negócio, para aproveitar as oportunidades e gerir e participar na atividade comercial do estabelecimento, em cada momento;

FF) A mulher do trabalhador esteve desempregada nos últimos catorze anos;

GG) O trabalhador é e foi essencial para o lançamento e prossecução da atividade do supermercado: ele é que tem o conhecimento do negócio, dos produtos, dos preços, dos clientes, dos fornecedores, das margens, pela sua vasta experiência ao serviço da empregadora e anteriormente noutras empresas para que trabalhou, no mesmo ramo, nomeadamente a LL, dos supermercados MM, do Algarve, de onde veio para a empregadora;

HH) O trabalhador comporta-se/ aparece perante os fornecedores como sendo a imagem e o dono e gestor do estabelecimento;

II) Além dos fornecedores da empregadora, os clientes desta também conhecem o trabalhador;

JJ) A entidade empregadora faz atualmente parte da NN e da OO (central de compras) que por sua vez faz parte da EMD, uma das maiores centrais de compras europeias, e tem hoje ao seu serviço 189 funcionários;

KK) A BB, Lda., criou há cerca de 14 anos o projeto de comércio integrado “A Nossa Loja”, com mais de 400 lojas associadas, identificadas por uma política comercial e por uma insígnia comuns;

LL) Este projeto assenta na especial relação de confiança e credibilidade que a empregadora mantém com os específicos espaços comerciais a ele aderentes (supermercados de proximidade);

MM) É essencial para a manutenção e continuidade desta política comercial que a entidade empregadora tenha uma posição de equidade e igualdade de tratamento para com todos os seus clientes - lojas aderentes - com todos eles e para todos eles desenvolvendo o lançamento de produtos da marca “A Nossa Loja”, a preços e condições competitivas;

NN) Sendo o mercado alimentar caracterizado pela existência de algumas poucas organizações que detêm posições de mercado muitíssimo fortes, o objetivo de fornecimento às pequenas e médias mercearias e minimercados obriga a empregadora a uma permanente informação atualizada com fornecedores e clientes, por forma a conseguir obter quota nesse mercado de grande concorrência e dominado por grandes superfícies;

OO) A informação dos produtos que circunstancialmente podem ser lançados em específicas promoções, a necessidade de os adquirir em quantidades assinaláveis, antes que outros o façam, pressupondo a segurança de os escoar depois através dos canais previamente fidelizados, são necessidades essenciais, permanentes ao negócio da empregadora;

PP) A lógica comercial de um projeto de comércio integrado, sobretudo no mercado dos produtos alimentares, tem de se bater com a concorrência de todos os outros canais de distribuição, nomeadamente a da distribuição levada a cabo pelos hipermercados;

QQ) Tendo a empregadora a sua força na fidelidade dos seus clientes, o seu argumento para com eles passa pelo conhecimento dos fornecedores, dos contratos elaborados das margens de preço, das condições concedidas para o pagamento;

RR) Nesta lógica, a atividade da empregadora vai ainda mais longe, aconselhando os seus clientes nos seus projetos, no lay-out mais apelativo, na organização e exibição dos produtos;

SS) O autor foi contratado pela empregadora para, além do mais, em apoio direto à gerência, proceder à supervisão das encomendas, analisar as rentabilidades, negociar as margens de preços;

TT) Nessa contratação foi ponderada a sua anterior experiência, por ter estado ligado à abertura de raiz de várias lojas de retalho alimentar, sendo certo que o comércio tradicional - clientes da ré - necessitavam (e necessitam) de novos conhecimentos operativos, na referida disposição e organização de produtos no seu espaço comercial, na forma de atendimento e na valorização da importância de marca própria;

UU) As funções do autor consistiam, além de outras, em gerir o comércio integrado (de produtos em folheto) e dos promotores (de comércio integrado), dar apoio aos clientes nas sugestões/alterações das lojas;

VV) De igual forma, na reorganização que lhe foi pedida das lojas CC da empregadora, era esperada a prestação profissional do autor na análise e acompanhamento próximo da exposição destacada dos produtos em folheto, cartazes de preços, assegurando que os produtos do mesmo não entrassem em rutura, fosse pela entrega direta através do fornecedor ou pela transferência através de outra loja;

WW) O autor, face à função desempenhada, tinha até setembro de 2011 acesso a todas as dinâmicas criadas pela empregadora no exercício da sua atividade, às promoções semanais levadas a cabo, ao custo das mercadorias e à identificação dos seus fornecedores, aos preços de venda depois praticados;

XX) O autor usou o conhecimento com fornecedores que resultava do exercício das suas funções, contactando-os e recebendo-os no seu supermercado EE, comprando-lhes produtos;

YY) O autor, no exercício das suas funções, visitava a concorrência e acompanhava os seus preços;

ZZ) O autor, no exercício das suas funções conhecia a maior parte dos clientes da ré, com muitos dos quais esteve envolvido na abertura e/ou remodelação dos seus negócios;

AAA) Todos esses clientes da ré sabiam que o autor, pelo exercício das suas funções, sabia os preços que praticavam, as margens que aplicavam aos seus produtos e a quem os adquiriam;

BBB) Houve clientes a perguntar ao legal representante da empregadora se o supermercado pertencia a esta, se o arguido aí se encontrava como «testa de ferro» e se a empregadora fazia condições especiais para o supermercado EE;[5]

CCC) A ré dedica-se única e exclusivamente ao comércio por grosso;

DDD) Quando foi convidado para trabalhar na ré, ao autor foram atribuídas, tendo-as exercido até agosto de 2011, as seguintes tarefas (para além do referido em UU) ):

a. gerir o departamento comercial, na parte de compras;

b. reunir com os fornecedores;

c. negociar condições de aquisição aos fornecedores;

d. elaborar os respetivos contratos;

e. gerir o grupo de trabalho, constituído por 4 empregados, com funções de negociadores;

f. gerir os stocks;

g. gerir a admissão de operadores de loja, em conjunto com a Sra. D. FF;

h. controlar, organizar e remodelar os layout dos CC e colaborar na afetação de recursos humanos;

EEE) (…)

FFF) Em 06/08/2014, a mulher do autor solicitou uma reunião com a gerência da ré para apresentação do Supermercado EE, mas nunca foi recebida pela gerência da ré;

GGG) As férias de 2014 do autor foram marcadas pela ré para os dias 1 a 19 de agosto, mas por comunicação datada de 05/08/2014, que lhe foi dirigida e que recebeu (em triplicado) no dia 14/08/2014, foi-lhe transmitido que “por motivos de organização do serviço vai gozar todos os dias de férias vencidas que lhe assistem” e que “o período corrente de férias termina apenas no dia 02/09/2014”;

HHH) O local onde está instalado o Supermercado EE é uma zona densamente povoada, com muitos estabelecimentos comerciais de cariz semelhante, designadamente, supermercados, minimercados, mercearias e talhos;

III) O autor comunicou à gerência da ré no dia 04 de julho de 2014 a intenção de a sua mulher abrir o estabelecimento comercial;

JJJ) (…)

KKK) Desde setembro de 2011, o autor deixou, por completo, de ter acesso a quaisquer negociações com fornecedores, margens de venda;

LLL) Deixou de ter acesso à rede informática da ré, por lhe ter sido bloqueada a conta de utilizador (…);

MMM) Deixou de ter acesso à sua conta de e-mail profissional: (…);

NNN) Deixou de lhe ser disponibilizado o acesso ao gabinete onde tinha guardados todos os seus contactos profissionais;

OOO) Depois de setembro de 2011, os únicos contactos que o autor foi tendo com clientes foi através da ajuda que dava a alguns clientes nas lojas onde foi colocado, nas compras que efetuavam;

PPP) A D. FF é casada com o Sr. PP, que é o único titular da sociedade QQ – Sociedade Unipessoal, Lda., constituída em 2010, que se dedica ao “Comércio por grosso de peixe, crustáceos e moluscos, comércio por grosso de outros produtos alimentares…”;

QQQ) Esta sociedade dedica-se, em especial, à venda de bacalhau e de congelados, que é um dos principais negócios da ré, negociando com os mesmos fornecedores da ré e vendendo os seus produtos a clientes que também são da ré;

RRR) A D. FF, por virtude das funções de chefe dos serviços administrativos que exerce, tem conhecimento, ou pelo menos acesso, a todos os contratos e aos preços praticados pela ré aos seus clientes;

SSS) Desde setembro de 2011, o autor deixou de ter acesso a qualquer informação negocial da atividade da ré, apenas conhecendo os preços e condições de venda aos clientes que são afixados nas lojas do Porto e de Vila Nova de Famalicão, nos locais de acesso público, desconhecendo desde essa data as concretas condições negociais dadas ao Supermercado KK, ou a outro qualquer, tendo apenas acesso aos preços afixados na loja;

TTT) Desde setembro de 2011, ao autor apenas foram distribuídas tarefas de conferência de mercadoria, de ajuda de clientes no ato da compra e arrumo de paletes, quer na loja do Porto (até agosto de 2013), quer na loja de Famalicão (até à sua suspensão em agosto de 2014) e de recolha das fichas informativas dos promotores para posterior entrega ao Sr. RR;

UUU) O autor exerceu, durante 10 anos, funções de Diretor Comercial na Cooperativa LL, detentora da cadeia MM, com sede em …, no Algarve;

VVV) Foi convidado para ir trabalhar para a ré por convite pessoal dos gerentes à data, os Senhores BB e SS, no início do mês de fevereiro de 2005;

WWW) Aquando da mudança do autor para a loja do Porto, as funções que lhe estavam atribuídas passaram a ser desempenhadas pelo gerente Sr. TT, genro do gerente Sr. BB;

XXX) Na loja do Porto, para onde foi deslocado, fez pequenos reajustamentos ao layout e depois desse trabalho realizado, que durou vários dias, não lhe foram definidas quaisquer funções, limitando-se o autor a conferir mercadoria, a ajudar os clientes nas compras de mercadoria e a arrumar paletes;

YYY) Pouco depois de ir para a loja do Porto, o seu acesso informático às vendas, fornecedores e clientes foi cortado, deixando de poder aceder à informação aí disponibilizada;

ZZZ) Nunca mais foi o autor chamado à sede para exercer as funções para que foi contratado, designadamente, quanto aos contactos com os fornecedores;

AAAA) À semelhança do que aconteceu na loja do Porto, na loja de Famalicão o autor limitou-se a conferir mercadoria, a ajudar os clientes nas compras de mercadoria e a arrumar paletes;

BBBB) Ao contrário do que acontecia com os chefes das lojas de Famalicão e do Porto, ao autor nunca foram fornecidas as chaves dos respetivos estabelecimentos:

CCCC) O autor deixou de fazer as encomendas em relação a vários fornecedores que geria diretamente, de autorizar, assinando, os pedidos de encomenda como fazia nos anos de 2005 e 2006, e de validar informaticamente as encomendas feitas pelos negociadores, seus subordinados, até ao ano de 2011;

DDDD) A partir do ano de 2009, o autor não teve qualquer aumento do seu ordenado, sendo que nos anos anteriores (janeiro de 2006, de 2007, de 2008 e de 2009) havia sido sucessivamente aumentado desde os 6.000,00€ iniciais até aos 7.184,00 € atuais;

EEEE) O email do autor, com o endereço AA@....pt, sem o seu conhecimento, passou a ser reencaminhado para a conta de email TT fx…@...pt que, assim, se substitui ao autor na leitura e receção dos mesmos;

FFFF) O autor durante estes anos sentiu-se profundamente humilhado, abatido e rebaixado nas suas qualidades profissionais;

GGGG) Tem dificuldades em dormir, necessitando de tomar medicação para o fazer;

HHHH) Viu diminuídas as ótimas relações/contactos que teve durante mais de 30 anos com fornecedores que sempre o viram como excelente profissional.


III.

a) - Se o apurado comportamento do A. constitui justa causa de despedimento:


10. Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (art. 351.º, n.º 1, CT de 2009)[6], pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade e exigibilidade (na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes - n.º 3 do mesmo artigo) e proporcionalidade (art. 330.º, n.º 1).

Neste âmbito, dois aspetos cumpre ainda realçar: (i) a conduta do trabalhador deve ser apreciada globalmente, tendo em vista captar uma imagem global dos factos; (ii) deve verificar-se um nexo de causalidade entre a conduta do trabalhador e a impossibilidade (prática e imediata[7]) de subsistência do contrato de trabalho.[8]

11. A primeira instância considerou que a conduta do A. consubstancia fundamento para despedimento com justa causa, por violação do dever de lealdade [art. 128.º, n.º 1, f), do CT].

Diferentemente, a Relação, não pondo em causa a violação de tal dever, considerou que a sanção disciplinar aplicada é desproporcionada e, assim, que não se configura uma situação de justa causa de despedimento, com base na seguinte argumentação:

“(…)
[O] recorrente teve uma intervenção ativa na abertura e gestão do estabelecimento titulado pela sociedade de que a sua cônjuge era única sócia. Embora esta seja livre de instalar um negócio de supermercado no âmbito da sua liberdade de iniciativa económica (…), a verdade é que o ora recorrente atuou também, a par dela, na abertura, instalação e gestão do estabelecimento, a despeito de continuar a ser trabalhador subordinado da R. ora recorrida.
E(…) o negócio do supermercado EE entra em concorrência com o dos clientes da sua empregadora [facto X)], o que, em face dos factos que se provaram quanto aos contornos da atividade comercial desta – particularmente no âmbito do comércio integrado, em que a R. por intermédio do A., dava apoio aos clientes nas sugestões/alterações das lojas [facto UU)] –, torna a atuação do A. susceptível de implicar o risco de os clientes da R. desconfiarem que pudesse estar ela própria a exercer uma atividade concorrencial à sua (através do supermercado em cuja exploração o A. participa e colabora) ou a conceder ao A., seu trabalhador, condições mais vantajosas do que aos demais clientes.
Devendo o A. estar disto consciente, atento o conhecimento que tinha da atividade da R. e das funções de que esteve incumbido até Setembro de 2011 como Diretor Comercial, entendemos que o mesmo deveria abster-se de participar, como participou, na abertura e exploração do supermercado EE, comportando-se perante os fornecedores como sendo a imagem, o dono e o gestor do estabelecimento, não obstante estar simultaneamente vinculado laboralmente à R. [factos D), E) e U) a II)].
(…)
O dever de lealdade corresponde a uma obrigação acessória de conduta, que advém da boa fé ínsita no princípio geral constante do artigo 126.º do Código do Trabalho e do artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil. A exigência geral da boa fé na execução dos contratos genericamente prevista na lei civil assume especial acentuação no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra, constituindo neste âmbito fonte de deveres acessórios de conduta(-).
Entre os deveres acessórios de conduta a lei laboral indica, exemplificativamente, os deveres de sigilo e de não concorrência, constituindo este último “um comando votado à defesa do interesse económico e empresarial do empregador”(-), que visa “salvaguardar um bem particular que é a posição ocupada pelo empresário no mercado concorrencial”, prevenindo o desvio de clientela.
No caso, a atividade que o A. comprovadamente desenvolveu não cabia no âmbito da área de negócios da R. que, como se provou, se dedica única e exclusivamente ao comércio por grosso e nunca teve aberto qualquer estabelecimento de venda a retalho, pelo menos a partir de 2005 [factos L) e CCC)], pelo que, neste âmbito, não pode afirmar-se a existência de uma atividade concorrencial do A. com a R.
Seja como for, o artigo 128.º confere à lealdade um alcance normativo que supera os limites do sigilo e da não concorrência, alcance este que se infere desde logo da utilização do advérbio "nomeadamente" [como já ocorria no âmbito do artigo 20.º, n.º 1, alínea d) da LCT e no âmbito do artigo 121.º Código do Trabalho de 2003].
E cremos ser pacífico que o dever de "execução leal" veda ao trabalhador comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, por um lado, e, por outro, impõe-lhe que tome as atitudes necessárias quando constate uma ameaça de prejuízo(-).
 O que no caso sub judice, a nosso ver, deveria levar o A. a abster-se de participar ativamente, como participou, na abertura e exploração do supermercado EE, atento o risco que daí poderia advir para a R. de os seus clientes associarem o trabalhador ao negócio do supermercado e de essa circunstância afetar a confiança dos mesmos na R. [veja-se o facto BBB)].

(…) Mas será esta sua conduta disciplinarmente censurável de molde a considerar-se que, no contexto da relação laboral, assume gravidade e consequências justificativas do despedimento a que R. procedeu?
Adiantando, devemos dizer que a nossa resposta é negativa.
Com efeito, para integrar a cláusula geral da justa causa de despedimento, não basta um qualquer comportamento do trabalhador desrespeitador de deveres legais ou obrigacionais; mister é que, apreciado que seja o desrespeito de um ponto de vista objetivo e iluminado por uma perspetiva de proporcionalidade dos interesses em causa, torne a subsistência da relação laboral “insustentável” ou “intolerável”.
(…)
Como dizem Jorge Leite e C. Almeida(-), o legislador transfere para o julgador a tarefa de concretizar em cada momento a aplicação da "cláusula geral" (justa causa), estimulando, desse modo, a prática de uma justiça individualizante(-).
Ora, analisando o circunstancialismo de facto apurado nesta ação não podemos deixar de ponderar, desde logo, que a R. procedeu a uma evidente despromoção do A. a partir de Setembro de 2011, impedindo-o durante cerca de três anos e até ao despedimento de exercer as funções de Diretor Comercial para que o contratara e destacando-o sucessivamente para as lojas do Porto e de Famalicão, nas quais se limitava a exercer funções substancialmente inferiores aquelas para que fora contratado e que vinha exercendo até então.
Provou-se, com efeito que, o A. foi admitido como Diretor Comercial em 8 de Março de 2005 [factos C) e D)], após ter exercido durante 10 anos, funções de Diretor Comercial na Cooperativa LL, detentora da cadeia MM, com sede em Silves, no Algarve, sendo convidado para ir trabalhar para a ré por convite pessoal dos gerentes à data [factos UUU) e VVV)], e que lhe foram atribuídas, tendo-as exercido até Agosto de 2011, as seguintes tarefas: gerir o departamento comercial, na parte de compras; reunir com os fornecedores; negociar condições de aquisição aos fornecedores; elaborar os respetivos contratos; gerir o grupo de trabalho, constituído por 4 empregados, com funções de negociadores; gerir os stocks; gerir a admissão de operadores de loja, em conjunto com a Sra. D. FF; controlar, organizar e remodelar os layout dos CC e colaborar na afetação de recursos humanos; gerir o comércio integrado (de produtos em folheto) e dos promotores (de comércio integrado) e dar apoio aos clientes nas sugestões/alterações das lojas [factos UU) e DDD)].
Contudo, em Setembro de 2011, após uma disputa que se desenrolou nos anos de 2009 a 2011 entre os sócios da R. [facto P)] as suas funções foram assumidas por outra pessoa [facto WWW)] e foi destacado para a loja do Porto, que era gerida por dois responsáveis que reportavam e continuaram a reportar diretamente à gerência da ré, em Setembro de 2013 foi novamente transferido para a loja de CC de Famalicão, que era gerida também por dois responsáveis que mantiveram as mesmas funções, passando o A. a partir daquela data de Setembro de 2011, a assinar as guias de remessa/ receção de mercadoria, conferir mercadoria, arrumar paletes, recolha de fichas informativas e ajudar os clientes no ato da compra [factos P), Q), R), T), TTT), XXX) e AAAA)].
Os factos provados são eloquentes quanto a esta alteração do status laboral do A.
(…)
É patente (…) que a partir de Setembro de 2011 a ré afastou o autor das funções que anteriormente exercia e que correspondiam ao que tinha sido acordado aquando da sua contratação, atribuiu-as a um seu gerente, e o A. passou a ter funções secundárias, face às responsabilidades que anteriormente tinha na empresa, foi por duas vezes transferido para lojas concretas da R. foi-lhe cortado o acesso à rede informática da R. e o seu correio eletrónico passou a ser encaminhado, sem o seu conhecimento ou consentimento, para uma outra caixa eletrónica postal, sendo que esta situação se prolongou durante três anos e gerou no autor, designadamente, profunda humilhação, abatimento e sensação de rebaixamento nas suas qualidades profissionais.
Ora, como é dito na sentença, “sendo o trabalho não apenas uma forma de obtenção de proventos para fazer face às despesas do dia-a-dia, mas também – e acima de tudo – uma forma de realização pessoal do trabalhador, ao empregador cabe garantir que o trabalhador possa no exercício das suas funções cumprir esse objetivo, não o impedindo injustificadamente de levar a cabo as tarefas para que foi contratado e através das quais pode contribuir para a melhoria da produtividade e dos resultados da empresa”. E conclui, ainda a sentença, sem que tal tenha sido refutado em via recursória, que os factos apurados constituem violação por parte da ré dos deveres consagrados no artigo 127.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código do Trabalho, segundo os quais o empregador deve “respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade” e “proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral”.
Contudo, no desenvolvimento do seu raciocínio, a sentença sob censura afirma que a atuação da R violadora dos direitos do autor ao esvaziar as suas funções e relegá-lo para tarefas que em nada correspondiam àquelas para que tinha sido contratado, conferia ao A. o direito a resolver o contrato com justa causa, nos termos do disposto no art.º 394.º do Código do Trabalho, mas não pondera a mesma conduta do empregador para efeitos de aferir da justa causa de despedimento do A., o que se nos afigura contrariar o comando constante do n.º 4 do artigo 351.º do Código do Trabalho.
Na verdade, se de acordo com esta norma deve atender-se ao apreciar a justa causa, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”, não vemos como pode omitir-se desta ponderação o circunstancialismo apurado relativo aos últimos três anos de execução do contrato e à concreta configuração das relações entre as partes nesse período temporal, maxime se a conduta do empregador constitui uma violação ilícita de direitos do autor e se traduz na retirada das funções essenciais que este tinha o direito de desempenhar, numa conduta que se prolongou por um longo período de tempo e atenta, manifestamente, contra a boa-fé e contra direitos básicos do trabalhador a desempenhar uma função correspondente à sua categoria profissional – cfr. o artigo 126.º e 129.º, n.º 1, alínea e) do Código do Trabalho.
Acresce que este mesmo circunstancialismo abala o juízo feito pelo tribunal a quo no que diz respeito à intensidade do dever de lealdade que sobre o A. recaía. Com efeito, o tribunal a quo coloca o enfoque no facto de o A. ter sido contratado para exercer funções de responsabilidade e cita Maria Clara Sottomayor quando esta afirma que “o dever de lealdade, enquanto boa fé na execução do contrato, deve ser graduado consoante o grau de responsabilidade das funções do trabalhador, assumindo um conteúdo mais intenso em relação a trabalhadores que ocupam cargos de responsabilidade, de cujo bom desempenho depende a viabilidade e o equilíbrio financeiro da pessoa coletiva”.
É certo que a necessidade de subsistência de um estado de confiança entre as partes como fundamento objetivo da permanência do vínculo é particularmente premente nos casos em que o trabalhador exerce funções correspondentes a cargos de direção ou de confiança, tornando o dever de lealdade tanto mais acentuado quanto mais extensas e qualificadas forem as funções desempenhadas pelo trabalhador e quanto mais elas exigem confiança.
Nestes cargos, como temos afirmado noutros arestos desta Relação, a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador.
Contudo se o A., face à função desempenhada, tinha até Setembro de 2011 acesso a todas as dinâmicas criadas pela empregadora no exercício da sua atividade, às promoções semanais levadas a cabo, ao custo das mercadorias e à identificação dos seus fornecedores, aos preços de venda depois praticados [facto WW)] e a partir de então deixou de o ter, bem como deixaram de subsistir todos os índices demonstrativos da especial relação de confiança que se criara entre as partes com a investidura nas funções de Diretor Comercial, ficando outrem encarregado de tais funções [facto WWW)] e passando o A. a desempenhar funções menores que não implicam uma especial relação de confiança – como assinar as guias de remessa/ receção de mercadoria, conferir mercadoria e arrumar paletes [factos P), Q), R), T) e AAAA)] –, deixam de ter pertinência as considerações relacionadas com a especial exigência de lealdade implicada no exercício de cargos de maior confiança no momento em que se aprecia se o comportamento do trabalhador verificado cerca de três anos depois de o mesmo ter sido despromovido integra, ou não justa causa de despedimento.
Depois de lhe terem sido retiradas as funções de direção que implicavam uma especial relação de confiança, e decorridos três anos nessa situação, de forma alguma se pode afirmar impender sobre o A. o acrescido dever de lealdade que o exercício daquelas funções pressupunha.
Também não pode deixar de nesta sede ser ponderada a ausência de atuação da R. relativamente a uma outra trabalhadora, a chefe de serviços administrativos FF cujo marido exerce uma atividade comercial diretamente concorrente com a sua, dedicando-se, em especial, à venda de bacalhau e de congelados, que é um dos principais negócios da ré, negociando com os mesmos fornecedores da ré e vendendo os seus produtos a clientes que também são da R. [factos N), PPP), QQQ) e RRR)].
Embora se não tenha apurado o envolvimento pessoal desta trabalhadora no negócio explorado pela sociedade de que o marido é único titular, não pode compreender-se a atitude da R. perante o A. logo no dia 4 de Julho de 2014, quando este lhe comunicou a intenção da sua mulher de abrir o estabelecimento comercial, dizendo-lhe que ou vendia o estabelecimento ou teria que se demitir [factos M) e III)] e a tolerância que se verifica quanto a esta outra trabalhadora.
Acresce que os factos provados denotam que o A. procedeu em observância do dever geral de boa fé e lealdade que deve estar presente em toda e qualquer relação de trabalho ao ser lesto na comunicação à R. da intenção da sua mulher de abrir o estabelecimento comercial – o que fez logo no dia 4 de Julho de 2014, dois dias após a constituição da sociedade com a firma Supermercado EE, Unipessoal, Lda. [facto E)] – e ao proceder com total transparência no que diz respeito à abertura deste estabelecimento, que inclusivamente se registou como cliente da R.
Na verdade, ficou provado que 
(…)
- no dia 04 de Julho de 2014 o autor comunicou à gerência da ré a intenção de a sua mulher abrir o estabelecimento comercial [facto III)];
(…)
- no 06 de Agosto de 2014 a mulher do arguido registou-se como cliente e comerciante na empregadora e passou a adquirir mercadoria na loja de …/…, tendo nesse dia solicitado uma reunião com a gerência da ré para apresentação do Supermercado EE, mas nunca foi por ela recebida [factos G) e FFF)].
Embora não tenha ficado provado que o A. deu nota à R. do seu envolvimento pessoal no estabelecimento, o facto, também provado, de que neste mesmo dia 04 de Julho de 2014 em que o A. comunicou à gerência da R. a intenção da sua mulher de abrir o estabelecimento, o gerente da R. disse ao A. que “ou vendia o estabelecimento ou teria de se demitir” [facto M)] demonstra que a R. perspetivava o referido estabelecimento como pertença do A., estando disso convicta depois do que este lhe comunicou.
Finalmente, deve notar-se, como faz o recorrente, que o mesmo não tinha nenhum dever de exclusividade perante a R. e que o Supermercado EE não fazia concorrência direta à R. – caso em que a violação do dever de lealdade assumiria maior gravidade –, mas aos clientes desta.
Em suma, efetuando um juízo sobre a gravidade e consequências do comportamento do A., na perspetiva do reflexo do seu apurado comportamento sobre a inexigibilidade da subsistência da relação laboral, à luz do modelo objetivo do empregador razoável, com a sagacidade, experiência e senso atribuíveis ao bom pai de família – não à luz do “sentir” concreto do empregador, que se refletiu na sanção disciplinar adotada –, não podemos sufragar o entendimento de que a conduta do recorrente, em face das circunstâncias que a rodearam, foi de molde a ferir de forma inexorável e irreversível o sentimento de confiança do empregador, que constitui o suporte mínimo e indispensável da sobrevivência duma relação laboral
E não pode também sufragar-se o juízo de que a sanção de despedimento aplicada é adequada e proporcional à gravidade das infrações imputadas, como foi afirmado na 1.ª instância.
Conforme constitui jurisprudência pacífica, a sanção expulsiva deve ser reservada a situações extremas, em que não seja razoavelmente equacionável a aplicação de uma qualquer outra sanção conservatória(-).
Embora se entenda que o recorrente não devia ter-se envolvido pessoalmente, do modo que fez, no lançamento e gestão do Supermercado EE enquanto persistisse como trabalhador subordinado ao serviço da R., entendemos que esta sua conduta analisada no contexto já ponderado das circunstâncias concretas do contrato de trabalho em que o A. já há 3 anos estava afastado de funções de direção e desempenhava funções menores apesar da sua consabida competência e experiência, não é portadora de uma carga de desvalor tal que conduza a um juízo de inviabilidade da relação laboral e não se integra no padrão pressuposto no conceito geral de justa causa de despedimento.
Em conformidade com o princípio da proporcionalidade prescrito no art. 330.º do Código do Trabalho, não se justifica no caso vertente a aplicação da sanção mais grave das previstas no elenco do n.º 1 do art. 328.º do Código do Trabalho, maxime num cenário em que não está demonstrada a prévia censura disciplinar de qualquer outra conduta que o recorrente haja adotado no decurso do contrato de trabalho estabelecido entre as partes.
O que nos conduz à afirmação de que a R. procedeu a um despedimento ilícito, nos termos do artigo 381.º, alínea b) do Código do Trabalho.
(…)”

12. Sufragamos esta argumentação, que dispensa desenvolvidas considerações complementares, bem como o sentido decisório atingido. Com efeito:

Sendo indubitável que o A. violou, culposamente, o dever de lealdade a que se encontrava adstrito, não decorre dos factos provados, nomeadamente, que:

- O estabelecimento aberto pela mulher do A. (com a sua intervenção ativa) faça concorrência à R.;

- O A. tivesse tirado partido de qualquer informação privilegiada atinente ao negócio da R., sendo aliás certo, tendo em conta a natureza das funções por aquele exercidas nos últimos três anos, nada sugerir que o mesmo tivesse conhecimentos dessa natureza;

- A conduta do A. tenha provocado qualquer tipo de prejuízo à R.

Ao invés, encontra-se assente:

- O estabelecimento em causa concorre com os clientes da R. e não com a própria entidade empregadora, sendo também ele cliente desta;

- O A. há muito que não desempenhava funções de direção, sendo certo que um trabalhador que, por motivos que lhe são alheios, deixou de exercer as funções de diretor comercial para as quais foi contratado, não tem um dever acrescido de lealdade para com a entidade empregadora;

- Entre A. e R. não foi celebrado qualquer contrato que exigisse exclusividade;

- Ainda assim, o A. teve o cuidado de, antes da abertura do estabelecimento, informar a R. desse facto;

- A diretora dos serviços administrativos da R., que tem acesso a toda a sua informação empresarial, é casada com um concorrente direto daquela, não tendo a R. manifestado qualquer oposição a tal situação.

Neste contexto, tal como o Tribunal da Relação, entendemos que a intensidade com que foi violado o dever de lealdade não é de molde a criar na empregadora fundadas dúvidas sobre idoneidade futura da conduta do A. e, assim, a quebrar irremediavelmente a relação de confiança que a natureza da concreta relação de trabalho em causa pressupõe.

A comprová-lo, desde logo, a circunstância de, no tocante a uma trabalhadora com acesso a informação privilegiada, nenhuma reação se ter verificado por parte da R.

Na verdade, como se refere no Acórdão de 05.01.2012 desta Secção Social, “verificar-se-á a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre trabalhador e empregador que seja suscetível de criar no espírito deste a dúvida sobre idoneidade futura da conduta daquele, estando, portanto, o conceito de justa causa ligado à ideia de inviabilidade do vínculo contratual, correspondendo a uma crise extrema e irreversível do contrato.[9]

Reitera-se, pois, que nenhuma censura merece, nesta parte, a decisão recorrida.
***
b) - Se, por estar indemonstrada uma situação de assédio moral, a indemnização por danos não patrimoniais não deve ultrapassar o valor fixado na 1.ª Instância:

13. Em linha com o preceituado no art. 15.º, do CT, segundo o qual o trabalhador goza do direito à respetiva integridade física e moral, e ainda nos arts. 23.º, 24.º, 25.º, e 129.º, n.º 1, c), estabelece o art. 29.º, n.º 1, do mesmo diploma, que por assédio se entende “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Com amplitude acrescida em relação ao regime consagrado no CT/2003, as condutas neste âmbito relevantes deixam de estar necessariamente reportadas a situações de discriminação, abrangendo agora a lei, expressis verbis, a par do assédio sexual (cfr. art. 29.º, n.º 2), as seguintes formas de assédio:

- O assédio moral discriminatório, baseado, nomeadamente, num dos fatores discriminatórios descritos no art. 24.º;

- O assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em qualquer fator discriminatório concreto, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis[10].

A este propósito, como assinala Júlio Manuel Vieira Gomes, importa destacar que “as humilhações são proibidas porque são uma afronta à dignidade da pessoa e uma violação dos seus direitos e não porque constituem um tratamento desigual” [“o assédio não é mais aceitável só porque o empregador insulta indiscriminadamente todos os seus trabalhadores”], pelo que as situações em que o assédio não reveste natureza discriminatória em nada lhe retiram ou diminuem a ilicitude/gravidade. Na verdade, continua o mesmo autor: “as proibições de discriminação visam (…) evitar a injustiça criada pela circunstância de um comportamento - que, em si mesmo, seria legítimo - se tornar ilegítimo por uma diferenciação injusta”; e, ao invés, “no comportamento humilhante ou insultante, não é preciso fazer qualquer comparação com outros trabalhadores para identificar a injustiça”, uma vez que “o comportamento é injusto em sim mesmo, e não por comparação com outros”.[11]

Podendo resultar, pois, dos mais díspares sentimentos e motivações envolvidos nas relações interpessoais no seio da empresa[12], é possível distinguir, agora em função da motivação da conduta, duas modalidades de assédio moral:

- O assédio emocional/psicológico (decorrente, por exemplo, de animosidade, antipatia, inveja, desconfiança ou insegurança), em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi);

- O assédio estratégico, merecedor de especial atenção e que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objetivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa[13] e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina.

14. De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer-‑se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[14], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

Ora, é patente que uma abordagem do art. 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.

Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29.º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”[15].

E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes[16], “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção”.

15. Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes[17]:

“Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:

a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);

b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);

c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).

A definição do art. 29.º parece, por exemplo, prescindir do elemento intencional que parece essencial à diferenciação da hipótese de assédio, face a outros tipos de comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador. A interpretação do preceito deve, pois, ser feita no sentido indicado.”

16. A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.[18]

Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil.

Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.

No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.

Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.

Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra[19] associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).[20]

Posto isto, quanto ao caso dos autos:

17. Não obstante o pedido do A. atinente aos danos não patrimoniais se basear na violação do disposto no art. 29.º, do CT, o Tribunal de primeira instância considerou apenas que o comportamento da R. era violador dos deveres previstos no art. 127.º, n.º 1, als. a) e c), do mesmo diploma, sem qualquer referência ao assédio moral.

Diferentemente, a decisão recorrida entendeu estar in casu verificada uma situação deste tipo, com uma fundamentação centrada na circunstância de o comportamento da R., ter criado ao trabalhador, durante três anos, um ambiente hostil, humilhante e desestabilizador, assim afetando a sua dignidade e saúde.

Ora, no caso vertente, não se retira dos factos provados que a R. tenha agido movida por qualquer objetivo final ilícito ou eticamente reprovável, nomeadamente, que tivesse o propósito de hostilizar o A. ou de o levar a demitir-se, sendo certo que não se subscreve (como decorre do antes exposto) uma leitura do regime legal do assédio moral que neste âmbito não exija, em princípio, certa dimensão volitiva.

Também não nos encontramos perante uma conduta dos legais representantes da R. que possa considerar-se real e manifestamente humilhante, vexatória ou atentatória da dignidade do A.

Com efeito, da factualidade provada [sob as letras p) e q)] resulta que o “esvaziamento” do cargo de direção do trabalhador não se prendeu com qualquer situação relacionada com o próprio, resultando antes de um desentendimento entre dois sócios da sociedade, envolvendo mesmo disputas judiciais, na sequência do que, tendo mudado a gerência, o A. – sem quebra da retribuição – deixou de exercer as funções de diretor comercial que até então lhe estavam acometidas, continuando, todavia, a desempenhar funções comerciais.

Aliás, dos factos provados [mormente das alíneas p) e eeee)] decorre que terá sido o novo sócio-gerente da R. (BB) a assumir parte das funções anteriormente levadas a cabo pelo A.

Deste modo, concluindo-se que a factualidade assente é insuscetível de configurar uma situação de mobbing, impõe-se a repristinação do decidido neste âmbito pela primeira instância.
IV.

18. Em face do exposto, concedendo parcialmente a revista, acorda-se:

- Em revogar o acórdão recorrido no segmento atinente ao quantitativo da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, repristinando-se, nesta parte, a sentença proferida na primeira instância;
- No mais, em manter o decidido pelo Tribunal da Relação.

Custas da revista, bem como nas instâncias, na proporção do vencido.
Anexa-se sumário do acórdão.
                                                        

Lisboa, 24 de abril de 2016




Mário Belo Morgado (Relator)
                                                                        
                                                                      
Ana Luísa Geraldes


António Ribeiro Cardoso

__________________
[1] Todas as referências ao CPC são reportadas ao regime processual introduzido pela Lei 41/2013, de 26 de junho, que é o aplicável à revista.
[2] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.
[3] Transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão do recurso de revista.
[4] Ponto eliminado pelo TRP, do seguinte teor: “A mulher do trabalhador não tem conhecimentos deste tipo de negócio, residia no sul do país e não conhece clientes nem fornecedores”.
[5] Redação dada pelo TRP.
[6] Aplicável ao caso dos autos, tendo em conta a data do despedimento ora em causa. Referem-se a este diploma todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.
[7] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 821.
[8] Quanto à densificação do requisito “impossibilidade de subsistência da relação de trabalho”, cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, Verbo, 2011, p. 738 – 739.
[9] Proc. 164/07.2, in www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2012.pdf.
[10] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 152 e 161 – 162.
[11] Direito do Trabalho, I, 2007, p. 410/(1079) e 412.    
[12] V.g., a animosidade decorrente de diferenças políticas, culturais ou religiosas, a rivalidade inerente à dinâmica competitiva no local de trabalho, desafio, inveja, desconfiança, ambição, deslumbramento pelo exercício do poder, antipatia e insegurança.
[13] “Transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar”, na expressão de Júlio Gomes, ibidem, p. 431.
[14] Cfr. Pedro Romano Martinez (e outros), Código do Trabalho Anotado, 9.ª edição, p. 187, e Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, 2011, p. 450.
[15] Direito do Trabalho, Almedina, 16.ª edição, p. 160.
[16] Ob. cit., p. 436.
[17] Ibidem.
[18] Júlio Manuel Vieira Gomes, ob. cit., p. 436.
[19] Em regra, mas não necessariamente, sendo – no limite - configuráveis quadros de assédio resultantes de repetidas e graves “descargas emocionais do assediador, sem qualquer intenção [específica] de sujeição da vítima” – cfr. Rita Garcia Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 100.
[20] Nas considerações assim tecidas sobre o assédio moral, seguimos de muito perto o exposto a este propósito no Ac. de 03.12.2014 desta Secção Social, Proc. n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, com o mesmo relator do presente aresto, disponível em www.dgsi.pt.