Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
292/1999-S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANOS REFLEXOS
Nº do Documento: SJ
Apenso:
Data do Acordão: 09/17/2009
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :

I. Em matéria de responsabilidade extracontratual, em princípio, apenas são indemnizáveis os danos sofridos pelo lesado, ou seja, o titular do direito violado ou do interesse protegido pela disposição legal violada.

II. Apenas nos casos excepcionais previstos nos arts. 495º e 496º, nº 2 do Cód. Civil, a lei admite o ressarcimento dos danos indirectos provocados a terceiros.

III. Não são, assim, indemnizáveis os danos vulgarmente chamados “reflexos” ou indirectos que, fora dos casos previstos nos referidos arts. 495º e 496º, sejam indirectamente causados a terceiros.
Decisão Texto Integral:

*
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA e mulher, BB, por si e na qualidade de legais representantes de seus filhos menores, CC e DD, intentaram, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, contra F..., Companhia de Seguros, SA – hoje denominada Companhia de Seguros F...-Mundial, S. A. – e contra T... – Empresa de Transportes e Gestão, SA, pedindo a condenação das RR a pagarem-lhes a quantia global de 66.055.022$00.
Alegam a ocorrência de acidente de viação, causado por veículo pertencente à 2ª ré e seguro pela 1ª ré, do qual resultaram para os autores danos patrimoniais e não patrimoniais no valor peticionado.
A ré T... contestou, arguindo a sua ilegitimidade.
A ré F... impugnou os factos alegados pelos autores e requereu a intervenção da G... – Companhia de Seguros, SA, na qualidade de seguradora do ramo acidentes de trabalho, de que o autor AA beneficiava.
Admitido este chamamento, veio a chamada G... oferecer articulado próprio, pedindo a condenação da ré F... no pagamento do montante de 9.013.026$00 e no que vier a ser liquidado em execução de sentença, relativo às pensões e demais despesas entretanto suportadas pela chamada por força do acidente de trabalho de que o autor foi sinistrado.
A ré F... contestou o pedido deduzido pela interveniente G....
A ré T... foi julgada parte ilegítima e absolvida da instância no despacho saneador.
Os autores apresentaram vários articulados supervenientes, tendo ampliado o seu pedido.
Também a interveniente G... veio ampliar o seu pedido.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a ré:
a) A pagar ao 1º autor a quantia de € 714.839,92, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data do acidente até seu efectivo e integral pagamento;
b) A pagar ao 1º autor a quantia de € 15000,00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da decisão;
c) A pagar ao 1º autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, referente aos custos de contratação de terceira pessoa para o apoiar no desempenho das tarefas do dia a dia;
d) A pagar à interveniente G... a quantia de € 29.425,00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação (pagamentos efectuados antes da mesma) e desde a data do respectivo pagamento quanto aos posteriores;
e) A pagar à interveniente a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença devida por pagamento de pensões e demais despesas relativas ao acidente de trabalho, até ao limite da reserva matemática constituída, acrescida de juros legais;
f) A pagar à interveniente G... a quantia que se vier a liquidar em execução referente aos danos sofridos pelo veículo “CQ”, até ao limite de € 27.433,88.
Absolveu a ré do demais peticionado.

Inconformada, a ré recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo os autores interposto recurso subordinado.

O Tribunal da Relação proferiu acórdão a conceder parcial procedência aos recursos, alterando a sentença e condenando a ré:
a) A pagar ao autor AA a quantia de € 478.615,63, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) A pagar ao autor AA a quantia de € 250.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, contados a partir da decisão;
c) A pagar à autora BB a quantia de € 2.992,80, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até seu efectivo e integral pagamento;
d) A pagar à autora BB e aos autores CC e DD, respectivamente, as quantias de € 50.000,00, € 25.000,00 e € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros, à taxa legal, contados a partir da decisão;
e) A pagar ao autor AA a quantia de € 71.878,17, a título de custos de contratação de terceira pessoa para o apoiar no desempenho das tarefas do dia a dia;
f) Manteve as condenações da ré referidas nas alíneas d) e f) da sentença recorrida.
Manteve, igualmente, a absolvição da ré, no demais peticionado.

Inconformada, a ré veio recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça.
Os autores vieram recorrer subordinadamente.

A ré nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
1ª. O montante da indemnização arbitrado ao autor AA, a título de danos patrimoniais futuros, está erradamente avaliado, segundo os critérios preconizados pela doutrina e de há muito uniformemente seguidos pela jurisprudência dos nossos tribunais, designadamente por ter considerado como limite da vida activa daquele a idade de 70 anos, em lugar dos 60, como se justificaria para a respectiva profissão, motorista de pesados.
2ª. Por outro lado, ao montante calculado deveria ser subtraído o valor já pago pela respectiva entidade patronal, bem como a pensão de reforma que o autor está a receber.
3ª. O montante indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais do recorrido AA deve ser reduzido em termos equitativos, tendo em conta os padrões adoptados pela jurisprudência.
4ª. Devem ser abolidas as indemnizações atribuídas aos AA BB, CC e DD, na medida em que não há cobertura legal para tal, já que a lei só prevê a indemnização a terceiros por danos não patrimoniais próprios, em caso de morte do lesado (artº. 496º do CC).
5ª. Não se justifica a indemnização pelo dano patrimonial decorrente da necessidade de contratar uma terceira pessoa, que não ficou provado.

Os autores alegaram com as seguintes conclusões:
1ª. Deve o valor da indemnização devida ao A AA pelos danos sofridos em razão da perda da sua capacidade de ganho ser fixado em € 1.798.660,83.
2ª. Deve o valor da indemnização devida ao A AA pelos danos sofridos em razão do dano resultante dos custos da contratação de terceira pessoa ser fixado em € 653.298,70.
3ª. Deve o valor da indemnização devida à A BB pelos danos sofridos em razão do dano resultante das perdas salariais ser fixado em € 3.242,22.
4ª. Deve a data da constituição em mora da R, relativamente à sua obrigação de ressarcir os AA dos danos patrimoniais por estes sofridos, com exclusão dos custos da contratação de terceira pessoa, ser fixada no dia do evento danoso, 08.01.1997.
5ª. Deve a data da constituição em mora da R, relativamente à sua obrigação de indemnizar os AA pelo ressarcimento dos custos da contratação de terceira pessoa, ser fixada no dia em que ela foi notificada da ampliação do pedido.

Os autores contra alegaram, rebatendo os argumentos da ré e pugnando pela negação da respectiva revista, não tendo sido apresentadas outras contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Mas antes de mais haveria que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por provada.
Porém, na falta de impugnação daquela matéria e em face da desnecessidade de a alterar oficiosamente, de acordo com o preceituado pelo artº. 713º nº 6 do Cód. de Proc. Civil, dão-se por reproduzidos aqueles factos constantes do acórdão recorrido.
Vejamos agora cada um dos recursos.

I. Revista da ré.
Esta nas suas conclusões coloca, para conhecer neste recurso, as seguintes questões:
a) A indemnização a arbitrar ao autor AA pelos danos patrimoniais futuros não deve exceder o montante de € 125.344,67 ?
b) A indemnização a arbitrar ao mesmo autor pelos danos não patrimoniais deve ser reduzida de acordo com os critérios legais ?
c) Devem ser julgados improcedentes os pedidos dos autores BB, CC e DD referentes aos danos não patrimoniais peticionados ?
d) Deve também ser improcedente o pedido de pagamento dos custos decorrentes de contratação de terceira pessoa ?

Vejamos.
a) Nesta primeira questão a ré impugna o valor da indemnização atribuída ao autor AA, a título de danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda da sua capacidade de ganho.
O acórdão recorrido fez apelo ao critério há muito consagrado pela doutrina e jurisprudência para encontrar o valor.
Para o respectivo cálculo, o acórdão recorrido tomou em consideração a idade de 70 anos, como limite da vida activa do autor, e não os 60 anos pretendidos pela recorrente.
A IPP (75%) que afecta o autor tornou-o absolutamente incapaz para o trabalho habitual, sem qualquer possibilidade de reconversão.
Dada a actual tendência de fazer subir a idade mínima de reforma e a necessidade sentida pela generalidade das pessoas em prolongar voluntariamente a sua vida activa, em face do aumento da esperança de vida e do valor baixo do montante das reformas, não podemos censurar o acórdão recorrido ao considerar os setenta anos, para o cálculo do montante para ressarcir os danos patrimoniais futuros do autor AA.
Ponderando estas considerações e as demais razões apontadas no douto acórdão recorrido, consideramos, assim, equitativamente fixada em € 500.000,00 a indemnização arbitrada a este título.
O acórdão recorrido abateu a este valor as importâncias pagas ao autor pela interveniente G..., por força do contrato de seguro de acidente de trabalho.
Nada mais há abater, pois não se provou que a entidade patronal lhe tenha feito pagamentos ou que beneficie de pensão de reforma.
Soçobra, desta forma este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão, defende a recorrente a redução da indemnização devida a título dos danos não patrimoniais, sem quantificar o montante pretendido.
Ora o dano não patrimonial sofrido pelo autor AA, tal como resulta dos factos provados, é gravíssimo, sendo certo que tinha apenas 38 anos à data do acidente.
O acórdão recorrido fundamentou exaustivamente a indemnização de € 250.000,00 arbitrada a este título, que merece a nossa inteira concordância, pelo que para ele se remete.
Naufraga, assim, também este fundamento do recurso.

c) Nesta terceira questão defende a recorrente que sejam julgados improcedentes os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos autores BB, CC e DD.
Esta questão foi decidida no sentido de não haver fundamento legal para a concessão desta indemnização na sentença de 1ª instância.
Já no douto acórdão recorrido, servindo-se dos mesmos factos apurados, foi a mesma indemnização concedida como tendo apoio na lei.
Pese embora as considerações brilhantes desta decisão, entendemos que a melhor aplicação da lei impõe a repristinação da decisão negatória da 1ª instância.
Vejamos.
Está aqui em causa a questão de saber se em caso de responsabilidade civil extracontratual, de que resultou lesão que não foi mortal para a vítima, ainda assim, poderão ser indemnizados terceiros que indirecta ou reflexamente tenham sofrido danos, nomeadamente de ordem não patrimonial.
A doutrina tradicional não admite tal ressarcimento senão nos casos excepcionais previstos no art. 494º, nº 2 do Cód. Civil – cf. o Prof. A. Varela , no seu livro “Das Obrigações em Geral”, I vol. pág. 644-645, da 9ª ed.; o Prof. Almeida Costa, no seu “Direito das Obrigações”, pág. 527-529, da 7ª ed. e Meneses Cordeiro, no seu “Direito das Obrigações”, 2º vol., 1986, pág. 291-292.
Apenas o Prof. Vaz Serra – RLJ, ano 104º, pág. 16 - desde sempre defendeu opinião contrária que veio a ser acolhida por Ribeiro de Faria – Direito das Obrigações, vol. I, pág. 491, nota 2.
A jurisprudência tradicional era no sentido da inadmissibilidade da ressarcibilidade dos chamados danos reflexos ou indirectos – cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 25-11-98, na revista nº 865/98 da 2ª secção.
Mais recentemente surgiram mais defensores da opinião seguida na controvérsia por Vaz Serra, sobretudo na jurisprudência – que nos parece, porém, continuar acentuadamente maioritária no sentido que seguimos – na sequência do notável estudo do Desembargador A. Abrantes Geraldes, publicado em “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles”, IV vol., 263 e segs., onde se defendeu uma interpretação actualista da lei no sentido de a lei permitir a ressarcibilidade daquele tipo de danos.
Pese embora o brilho deste estudo, pensamos que o mesmo pode funcionar como óptimo elemento de trabalho para motivar o legislador a fazer uma alteração na lei no sentido da previsão e regulamentação do direito de indemnização dos lesados reflexamente, em caso de lesão de que o lesado directo não perdeu a vida, se esta for a opção que o legislador decida tomar.
Mas vejamos as razões que nos parecem determinantes para a interpretação da lei que seguimos.
Do disposto no art. 483º, nº 1 do Cód. Civil resulta que em caso de responsabilidade civil extracontratual o lesado é o titular do direito que é violado pela conduta do agente.
Estão aqui apenas incluídos, em princípio, os danos causados directamente pela conduta do agente, no sentido de que a conduta lesiva produz, em primeira linha, uma violação de um direito do lesado, como a vida, a integridade física ou moral, bens estes que integram o seu património.
Porém, é concebível que a situação possa ser mais complexa, nomeadamente no caso de os sofrimentos padecidos pela vítima de um acidente de viação, ou a sua morte, também causarem a familiares ou amigos daquela um enorme desgosto.
Nestas situações, há terceiros que sofrem danos reflexamente dos que a vítima sofreu, ou seja, há uma ou mais consequências indirecta da conduta do lesante que violou os direitos da vítima.
São geralmente apontados dois tipos de danos indirectos nesta discussão:
- O primeiro tipo de danos é o dano de cariz não patrimonial dos pais que vêem o seu filho menor saudável em quem depositavam as maiores esperanças num futuro promissor, ficar estropiado de forma irreversível, ficando reduzido a uma vida de qualidade muito limitada e/ou até dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas.
- O segundo tipo de danos é o dano de igual natureza decorrente para a mulher casada que viu o seu jovem e saudável cônjuge ficar em situação igualmente dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas e ficar, ainda, também impotente, frustrando, assim, as suas legítimas expectativas de uma vida conjugal rica e plena de satisfações e de felicidade.
Temos, obviamente, de reconhecer que tais danos, embora revestindo a natureza reflexa ou indirecta, se mostram, com alguma frequência, com uma gravidade muito superior à maioria dos danos directos que as vítimas sofrem na generalidade dos acidentes de viação que chegam aos tribunais.
Porém, como simples intérpretes da lei, temos de respeitar as regras legais com que o nosso legislador nos contemplou.
Do disposto nos arts. 483º, 495º, nº 2 e 496º, nº 2, todos do Cód. Civil, resulta a regra de que a ressarcibilidade dos danos está reservada aos danos directos sofridos pela vítima da conduta do lesante, salvo as excepções fixadas no nº 2 do art. 495º referido, aplicável quer em caso de morte da vítima quer em caso de simples lesão corporal não mortal, e salvo o caso de morte da vítima, segundo o previsto na nº 2 do art. 496º mencionado.
Destas disposições resulta, em nosso entender, que apenas nessas situações excepcionais ali previstas, a lei permite o ressarcimento destes danos de terceiros, sendo a regra a da não ressarcibilidade destes danos de terceiros que decorrem indirecta ou reflexamente dos danos causados à vítima directa.
A entender-se da forma oposta, ficava sem razão de ser a previsão da ressarcimento constante do nº 2 do art. 495º referido, pois tal já estaria contido na regra geral da ressarcibilidade de todos os lesados quer fossem lesados directos quer reflexos.
Poder-se-ia dizer que o citado preceito apenas visava delimitar as pessoas a quem a lei atribui esse direito.
Não é essa a nossa opinião pois a interpretação oposta impõe-se com o recurso ao elemento de interpretação histórico.
Com efeito, conforme se pode ver no Boletim do Ministério da Justiça, nº 101, pág. 138 e segs., o Prof. Vaz Serra que interveio activamente nos trabalhos preparatórios do Cód. Civil de 1966, formulou uma norma que previa clara e directamente a ressarcibilidade daquele tipo de danos, no § 5 da proposta de redacção oferecida para o art. 759º da parte do Direito das Obrigações daquele código, preceito este que não passou para o texto final por ter essa pretensão sido rejeitada.
Por outro lado, tendo o legislador regulamentado os familiares que têm direito a serem indemnizados em caso de morte da vítima, não o fez para o caso de a mesma não haver falecido, o que também aponta para a interpretação no sentido da não ter querido admitir a ressarcibilidade deste tipo de danos.
Foi assim uma opção consciente do legislador que pode ser discutível e que o tempo pode ter tornado ainda mais discutível, mas que temos de respeitar sob pena de o intérprete estar a invadir o campo de actuação do legislador, violando o princípio constitucional da separação dos poderes soberanos.
Neste entendimento, só excepcionalmente os danos sofridos por terceiros serão indemnizáveis, tendo sido para assegurar esse objectivo que foram introduzidos os dispositivos do nº 2 do art. 495º e o nº 2 do art. 496º já mencionados.
Foi este o sentido seguido no acórdão deste Supremo de 21-03-2000, na revista nº 1027/99 que seguimos em vários pontos na exposição que acabamos de fazer. No mesmo sentido se podem apontar, ainda, os acórdãos deste Tribunal de 26-02-2004, na revista nº 4298/03, de 31-10-2006, na revista nº 3244/06 e ainda o recente acórdão de 01-03-2007, na revista nº 4025/06.
Desta forma, sendo os danos não patrimoniais alegados e provados como tendo sido sofridos pelos autores BB, CC e DD reflexos ou indirectos em relação aos danos sofridos pelo autor AA, único dos autores interveniente no acidente, e não estando aqueles danos integrados nos previstos no nº 2 do art 495º referido, não podem os mesmos serem ressarcidos.
Procede, desta forma, este fundamento do recurso.

d) Finalmente resta apreciar a questão em que a ré defende que deve ser abolida a indemnização pelo eventual dano da necessidade de contratação de terceira pessoa para apoiar o autor AA na realização das tarefas do dia a dia, por manifesta falta de prova do mesmo.
Relativamente a esta matéria apenas ficou provado que, fruto do acidente, o autor AA tem necessidade de assistência de terceira pessoa.
Mais ficou provado que, durante um ano, para poder acompanhar o mesmo autor nos seus internamentos hospitalares, quer no seu processo de recuperação, a autora mulher não trabalhou.
O dano, representado pela perda de rendimentos do trabalho da autora mulher durante um ano, foi contemplado no acórdão recorrido e condenada a ré a ressarci-lo.
Para além deste dano, os autores não lograram realmente concretizar qualquer outro resultante da necessidade do autor de assistência de terceira pessoa, designadamente sobre o grau de assistência de que carece e/ou que tenham contratado alguém para o efeito. Desta forma se não indicia que essa assistência exceda a que a família poderá dar dentro da normal colaboração conjugal ou familiar, ou que a mesma tenha qualquer valor material significativo.
Nesta parte procede a revista da ré, pelo que a final se decidirá em conformidade.

II. Revista dos autores.
Das conclusões destes recorrentes decorre que estes, para conhecer neste recurso, levantam as seguintes questões:
a) Deve a indemnização devida pelos danos patrimoniais decorrentes da perda da capacidade de ganho do autor AA ser fixado em € 1.798.660,83 ?
b) Deve a indemnização devida ao mesmo autor pelos danos com a contratação de terceira pessoa ser fixada em € 653.298,70 ?
c) A indemnização devida à autora BB pelos danos sofridos em razão das perdas salariais ser fixado em € 3.242,22 ?
d) Deve a data de constituição da ré em mora relativamente às indemnizações fixadas aos autores AA e BB, pelos danos patrimoniais, com excepção do dano de contratação de terceira pessoa, ser fixada no dia do evento danoso ?
e) E deve essa mora ser fixada na data do dia de notificação da ampliação do pedido no tocante aos custos de contratação de terceira pessoa ?

Vejamos.
a) Trata esta primeira questão da indemnização devida pela perda da capacidade de ganho pelo autor AA.
Já deixámos referido que consideramos equitativa a fixação em € 500.000,00 da indemnização arbitrada ao autor AA pelo dano resultante da perda da capacidade de ganho.
Os recorrentes pretendem que o Tribunal tome em consideração eventuais aumentos do vencimento do autor.
O acórdão recorrido já o fez, ainda que não com a amplitude defendida pelos recorrentes.
Entendemos, porém, que outras considerações de eventuais aumentos não se justifica, porque todos temos a noção que tais aumentos são justificados pela inflação e são, em regra, inferiores a esta, diminuindo o poder de compra dos trabalhadores.
Sendo a indemnização a pagar no imediato e vencendo juros a contar da citação, nada justifica a contemplação de eventuais aumentos, sob pena de enriquecimento do lesado.
O acórdão recorrido considerou devidamente tais eventuais aumentos, contando os 70 anos como idade limite para o cálculo da indemnização.
Atendendo a que o objectivo prosseguido com esta indemnização, criação de um fundo, cujo capital e juros substituam o rendimento perdido, extinguindo-se no fim da vida do lesado, afigura-se-nos equitativo o valor fixado pelo Tribunal da Relação.
Soçobra, assim, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão defendem os recorrentes que a indemnização decorrente da necessidade de contratar terceira pessoa deve ser substancialmente aumentada.
Esta questão ficou prejudicada com a apreciação do recurso da ré, onde se concluiu não dever ser esta indemnização concedida.
Assim, os autores não lograram provar qualquer dano material concreto resultante da necessidade do autor AA da assistência de terceira pessoa, para além do sofrido pela autora BB e já contemplado no acórdão.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.

c) Aqui os recorrentes pretendem fazer subir a indemnização devida à autora BB decorrente da perda salarial que sofreu.
O valor da indemnização arbitrado para ressarcimento deste dano está em consonância com os factos provados, 2.500$00 por cada dia útil de trabalho, pelo que nada há alterar, soçobrando este fundamento do recurso.

d) Trata esta questão da data em que se deve considerar constituída em mora a ré relativamente às obrigações indemnizatórias por danos patrimoniais sofridos pelos autores AA e BB, com excepção do dano decorrente da contratação de terceira pessoa, defendendo como tal a data do evento danoso.
Considera-se em mora – art. 804º, nº 2 do Cód. Civil – o devedor quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
O art. 805º do mesmo código estipula no seu nº 1 que o devedor só se constitui em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicial interpelado para cumprir.
E o seu nº 3 estabelece que sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. E acrescenta ainda que se se tratar de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constituiu-se em mora desde a citação, a menos que haja então mora nos termos gerais.
Ora a falta de liquidez do crédito dos autores pelos danos patrimoniais não é da responsabilidade da ré, como bem fundamentou e decidiu o acórdão recorrido.
Assim, nos termos do referido artº. 805º nº 3, segunda parte, a ré constituiu-se em mora apenas na data da sua citação, o que está em consonância com o decidido.
Improcede, desta maneira, mais este fundamento do recurso.

e) Finalmente, resta a questão da data em que a ré se constituiu em mora relativamente aos danos com a contratação de terceira pessoa.
Como já vimos esta indemnização foi rejeitada, pelo que fica prejudicada a questão de saber quando a ré entrou em mora para o cumprimento da mesma.

Pelo exposto, julga-se:
- Negar a revista pedida pelos autores;
- Conceder em parte a revista pedida pela ré, e, por isso, se altera o douto acórdão recorrido, absolvendo a ré do pagamento das indemnizações aos autores BB, CC e DD pelos danos não patrimoniais e absolvendo a ré, ainda, do pagamento ao autor AA da indemnização decorrente da necessidade de contratação de terceira pessoa, e mantendo-se o mais decidido.
Custas da acção nos termos determinados na sentença de 1ª instância.
Custas da revista dos autores a cargo destes.
As custas das apelações e da revista da ré a cargo dos autores e da ré em partes iguais.

17 de Setembro de 2009

João Camilo ( Relator por vencimento )
Fonseca Ramos
Cardoso de Albuquerque
Salreta Pereira ( vencido conforme declaração de voto que junto )
Salazar Casanova ( vencido conforme declaração de voto que junto)


Declaração de Voto
Confirmaria o acórdão recorrido, na parte em que decidiu ressarcir o dano moral sofrido pela mulher e filhos do lesado.
Entendo que o artº. 496º nº 3 (2ª parte) do CC não restringe o direito à indemnização por dano não patrimonial próprio às situações de morte do lesado.
A lei, aprovada em Novembro de 1966 e entrada em vigor em 1 de Junho de 1967, limita-se a estabelecer que, no caso de morte, podem ser atendidos os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no nº 2.
Este dispositivo não pode considerar-se uma excepção ao princípio geral consagrado no nº 1 do citado preceito, em que se dispõe que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
O que aquele nº 3 consagrou foi a constatação de que há situações, como a morte do lesado, em que o dano não patrimonial de terceiro é susceptível de assumir uma gravidade tal que justifique a tutela do direito.
Não sendo uma norma excepcional, comporta até uma aplicação analógica (artº. 11º do CC).
De qualquer modo, mesmo as normas excepcionais admitem interpretação extensiva, como resulta deste mesmo preceito.
Estando todos de acordo que a situação provada nos autos assume gravidade idêntica à da morte do lesado, por igualdade de razões lhe deve ser aplicado o regime previsto no artº. 496º nº 3 (2ª parte).
O apelo aos trabalhos preparatórios e à rejeição duma proposta do Prof. Vaz Serra para alteração da redacção deste preceito por parte da comissão não me parece decisivo, pois se passaram cerca de 43 anos sobre esse tempo, com alterações políticas, sociais e económicas radicais.
O puro subjectivismo histórico, como teoria interpretativa, há muito se encontra abandonado, defendendo-se hoje o seu tempero com o objectivismo actualista, o que, aliás, já resulta do artº. 9º do CC.
O subscritor do presente voto de vencido subscreveu, como adjunto, os acórdãos deste Tribunal proferidos nas revistas 4486/04, publicado em 08.03.2005, e 2733/06, publicado em 08.09.2009, em que foi perfilhada esta mesma solução.
No plano doutrinário, Vaz Serra (RLJ, ano 104º, p. 14), Ribeiro de Faria (Direito das Obrigações, vol. 1º, p. 492, nota 2) e Abrantes Geraldes (Temas de Responsabilidade Civil, II, p. 9-90) defendem igualmente esta mesma interpretação do questionado preceito.
Pelas razões que expostas ficam, reafirmo a confirmação do acórdão recorrido, no que a esta questão diz respeito.
Lx. 17.09.2009
Salreta Pereira

Do acidente resultam danos próprios e danos reflexos.
A lei, quanto a estes últimos, apenas concede tutela a terceiros no caso de morte; no entanto, parece aceitável o entendimento, que corresponde a uma realidade inegável, que desse mesmo acto ilícito podem resultar danos morais próprios não apenas para a vítima lesada fisicamente mas também para aqueles que, por força da lei, estão obrigados ao exercício de determinados deveres para com a vítima.
Teremos, assim, a considerar o dano moral do familiar, dano próprio enquanto sacrifício pessoal acrescido no cumprimento do dever de F... sem contrapartida na expressão do débito conjugal, limitando-se, assim, a comunhão plena de vida que a lei civil consagra como meio-fim do contrato de casamento.
Dano próprio também ocorre noutras situações, enquanto custo pessoal que atinge o cônjuge, e demais obrigados por lei ao dever de auxiliar a vítima, na medida do sacrifício acrescido que doravante é imposto no cumprimento desse dever. Pensemos em situações de grave lesão física causada à vítima (paraplegia ou outra grave deformidade que limita a autonomia de vida)
Tais danos próprios hão-de subsumir-se ao disposto no artigo 496.º/1 do Código Civil.
Por esta via, poderíamos aceitar a indemnização a favor do cônjuge.
17-09-2009
Salazar Casanova