Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4447/17.5T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
OBRIGAÇÃO
DEVER DE DILIGÊNCIA
GARANTIA DO PAGAMENTO
BANCO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO MOBILIÁRIO – INTERMEDIAÇÃO / DISPOSIÇÕES GERAIS / ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIO / PRINCÍPIOS / INFORMAÇÃO A INVESTIDORES / DEVERES DE INFORMAÇÃO.
Doutrina:
- Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, p. 85 e 86;
- Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, p. 685, 691 e 692.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 304.º E 312.º.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF), APROVADO PELO DL N.° 298/92, DE 31-12: - ARTIGOS 3.º, ALÍNEA A), 4.º, N.º 1 E 293.º, N.º 1, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 364/11.0TVLSB.L1.S1;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 9633/ 16.2T8LSB.L1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O intermediário financeiro encontra-se vinculado às normas do que estabelecem regras próprias inerentes à sua atividade, designadamente cumprimento de deveres de informação (arts. 304.º e 312.º, ambos do CVM).

II - O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa – em absoluto – o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.

III - Não cabe, em regra, nas funções dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – Relatório


1. AA intentou a presente ação contra o “Banco BB, S.A.” pedindo, a título principal, a condenação da ré a pagar-lhe o valor do capital e juros vencidos que, na data da instauração da ação, perfazem EUR 110.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.


Subsidiariamente, pediu que:


- Seja declarada a nulidade de eventual contrato de adesão que a ré invoque;


- Seja declarado ineficaz em relação à autora a aplicação que a ré tenha feito do montante entregue ao Banco;


- Seja a ré condenada a restituir-lhe a quantia de EUR 100.000,00, acrescida de juros vencidos, à taxa contratada, e vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento.


Cumulativamente, pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de EUR 5.000,00, a título de indemnização pordanos não patrimoniais.


Para tanto, alegou, em síntese, que:


Em Outubro de 2006, o gerente da agência de … do BANCO CC disse à autora que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Banco e com rentabilidade assegurada.


O dito funcionário do Banco sabia que a autora não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles e que tinha um perfil conservador.


Sucede que o seu dinheiro – EUR 100.000,00 – veio a ser colocado em obrigações DD 2006, sem que a autora soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a DD era uma empresa.


O que motivou a autorização da autora foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.


Se a autora tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações DD 2006, produto de risco, e que o capital não era garantido pelo BANCO CC, não o autorizaria.


A autora não foi informada sobre a compra das obrigações subordinadas DD 2006, nem lhe foi lido ou explicado qualquer contrato, nem entregue cópia, sendo que, a existir tal documento, seriam nulas as referidas cláusulas, o que, dada a sua essencialidade, afetaria a validade de todo o contrato.


Nesta conformidade, alegou que a ré é responsável pelos prejuízos que lhe foram causados, uma vez que não lhe foi pago o capital no prazo da sua maturidade, nem os juros respetivos desde Novembro de 2015.


Para além disso, invocou a existência de danos não patrimoniais que a ré igualmente deve ressarcir.


2. Na contestação, a ré, defendendo-se por exceção, invocou a incompetência do tribunal em razão do território e a prescrição; por impugnação, alegou, em breve síntese, não ter havido violação de quaisquer deveres que sobre si impendessem, devendo, consequentemente, ser absolvida.


3. Na 1ª instância, foi proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu a ré do pedido.


4. Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, julgando a apelação parcialmente procedente:


a) - Condenou a ré a pagar à autora a quantia de EUR 100.000,00 e respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde o dia 9 de maio de 2016 e vincendos até integral pagamento;


b) – No mais, confirmou a sentença recorrida.


5. Irresignada com o assim decidido, veio, agora, a ré interpor a presente revista, formulando as seguintes conclusões:


1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º, nº 1, alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto de o Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações DD e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso.

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante - sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A DD era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da DD.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela DD seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BANCO CC.

13. O risco BANCO CC ou risco DD, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto - corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do titulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses - www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o Banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo Banco.

24. O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na atual redação do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatitilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjetivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da atividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida à autora e o ato de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º, do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se, em abstrato, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da atividade de intermediação financeira, de receção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à receção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os A AUTORA É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico, ou não, do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de receção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no ato de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectivade probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da DD  em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

6. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.


***


7. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.°, n.°2, 635.°, n°4 e 639°, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.


Por sua vez - como vem sendo repetidamente afirmado - os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal a quo.


Sendo assim, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual que constituam a R. na obrigação de indemnizar a AUTORA.



***



II - Fundamentação de facto


8.      Vem provado que:


1. A autora era cliente da ré (BANCO CC), na agência de …, com a conta à ordem nº 3…1, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças.


2. Em 10 de abril de 2006, na Agência do BANCO CC das …, a autora, através de EE, subscreveu duas obrigações subordinadas DD 2006, no valor global de EUR 100.000,00, cujo boletim tem o seguinte conteúdo:

BANCO CC    DD 2006         Boletim de Subscrição


EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS


NATUREZA DA EMISSÃO


Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efetuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores. Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas



MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO


€50.000,00 (1 obrigação)



PRAZO E REEMBOLSO


O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o

reembolso do capital efetuado em 9 de maio

de 2016. O reembolso antecipado da emissão

só é possível por iniciativa da DD –, SGPS, SA, a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.



REMUNERAÇÃO


Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:



CupõesTaxa Anual Nominal Bruta

PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO


De 10 de abril a 05 de maio de 2006. O período de subscrição terminará antes de 5 de maio de 2006, caso as ordens de subscrição recebidas perfaçam o montante total da emissão.


DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA


08 de maio de 2006



1.º Semestre4,5%*
9 cupões seguintesEuribor 6 meses + 1,15%
Restantes SemestresEuribor 6 meses + 1,50%


* Taxa Anual Efetiva líquida: 3, 632

IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR

(…) [em parte manuscrito]

ORDEM DE SUBSCRIÇÃO

(…) €100.000 (…)

ORDEM DE DÉBITO

(…) 
O BancoO Subscritor/O Representante do Subscritor
(…)(…)


3. Os EUR 100.000,00 entregues na sequência da subscrição do documento referido em 2. não foram restituídos.


4. Antes de subscrever a obrigação referida em 2, o funcionário do banco disse a EE que a obrigação era um produto a 10 anos, com juros semestrais, se necessitasse do dinheiro ficaria disponível, era um produto de capital garantido, era da dona do Banco e semelhante a um depósito a prazo.


5. No momento da subscrição da obrigação referida em 2, para os funcionários da Agência do BANCO CC das …, a DD era a dona do BANCO CC, sendo a obrigação subordinada DD 2006 um produto seguro, sem risco, com capital garantido e com possibilidade de transmissão.


6. A autora, antes da subscrição da obrigação referida em 2, era tida pelos funcionários do BANCO CC como uma investidora conservadora.


6-A. Ninguém explicou à autora que BANCO CC e DD eram duas entidades distintas e que investir em DD, era diferente de aplicar dinheiro no BANCO CC.


7. O que motivou a autorização da autora foi o facto de lhe ter sido dito pelos funcionários do Banco que o capital era garantido e o BANCO CC garantia o capital.


7-A. A autora nunca teria adquirido as obrigações se soubesse em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo BANCO CC.


8. A autora atuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo.


9. Em data não apurada, os juros da obrigação referida em 2 deixaram de ser pagos.


***


9. Por sua vez, foi dado como não provado que:


- O dito funcionário do Banco réu sabia que a autora não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente;


- Com a sua atuação, o réu colocou a autora num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro, o que lhe tem provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida, andando a autora em permanente estado de “stress”, doente e sem alegria de viver, por ter sido desapossada das suas economias de uma vida e sem perspetivas de futuro.


***


III - Fundamentação de direito


10. Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil

Insurgindo-se contra a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou a ação (parcialmente) procedente, a ré/recorrente pede, nesta revista, a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que a absolva do pedido.

Em abono da sua pretensão, sustenta que, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alegue o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que, em caso algum, se presumem e que, no caso em apreço, não se não mostram verificados os aludidos pressupostos da responsabilidade civil, mormente a ilicitude e o nexo de causalidade.

Vejamos, pois.


Os Bancos são instituições de crédito que podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira – cf. arts. 3º, al. a), 4, n°l e 293°, n°l, al. a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos.


Nas relações com a autora, o BANCO CC, como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos arts. 73° e 74°, na redação então em vigor.


Por sua vez, enquanto intermediário financeiro (cf. arts. 289.°, n.° 1, al. a) e 290.°, n.° 1, al. c), do Código dos Valores Mobiliários[1]) encontrava-se vinculado às normas do que estabelecem regras próprias quanto aos deveres dos intermediários financeiros (cf. arts. 304° a 342°, ambos do CdVM).


Estava, por conseguinte, obrigado ao cumprimento dos deveres inerentes a esta atividade, designadamente deveres de informação, nos termos consignados nos arts. 304º[2]e 312°[3], ambos do CdVM.


Por sua vez, decorria do art. 7º do CVM, na redação aplicável, que “a qualidade da informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação (…)” deve ser “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.”.


Tal preceito desenha o quadro geral da informação que se concretiza noutras disposições do Código, quer quanto ao conteúdo, quer quanto a aspetos procedimentais. É, contudo, uma norma de conduta incompleta, porque não estabelece deveres concretos nem as consequências jurídicas da sua eventual violação.


Pois bem.


Como refere Paulo Câmara[4], "um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes.".


A informação - salienta o mesmo autor - constitui, por um lado, "um instrumento de proteção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento" e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados".[5]


Em todo o caso, muito embora o direito à informação reclame do intermediário financeiro um esforço sério de recolha de elementos com a maior fiabilidade possível, não obriga à previsão de enunciados de verificação incerta e/ou pouco provável.[6]


Como, a propósito, adverte Paulo Câmara, "com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (...).Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (...)"[7]


Dito isto, importa analisar se, no caso em apreço, a ré incorre em responsabilidade civil perante a autora, sabido que, nos termos prescritos pelo art. 314°, do CdVM, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados em consequência do que lhes seja imposto por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a culpa quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.


Está em causa um contrato de intermediação financeira relativo à "receção e transmissão de ordens" (cf. art. 290°, al. a), do CdVM).


Como já referido, as normas do CdVM, na redação anterior à entrada em vigor do DL n° 357-A/2007 de 31.10, não densificavam o dever de informação, como hoje resulta das disposições dos arts. 312°-A a 312°-G, que apenas foram aditadas por aquele Decreto-lei.


Efetivamente, o Código dos Valores Mobiliários (na redação vigente à data da subscrição das obrigações aqui em causa), para além do cumprimento do dever geral de informação previsto no art. 312°, apenas afirmava no art. 323° uma regra geral quanto ao dever de informação, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.


Ora, no caso subjudice, atento o quadro legal aplicável, há que reconhecer que a matéria de facto provada não permite imputar ao Banco réu a violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.


Na verdade, a circunstância de ter sido referido que “era um produto de capital garantido, da dona do Banco e semelhante a um depósito a prazo”, por ser essa a convicção dos funcionários do Banco (cf. pontos4 e 5, dos factos provados), só por si, não permite consubstanciar a violação do dever de informação.


É que "a probabilidade de a entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do Banco CC não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data da contratação. Neste contexto circunstancial, para além da obrigação de restituição do capital investido recair sobre a emitente das obrigações, que, em último grau, detinha o Banco CC, a "garantia" do capital por este último equiparava-se ou até podia ainda ser inferior à da DD, em virtude daquele ser detido pela DD, SGPS, S.A, a emitente das obrigações postas à subscrição. Aliás, se esta última não estivesse em condições de restituir o capital, menos ainda poderia estar o Banco CC."[8]


Por outro lado, as características específicas das obrigações intermediadas não faziam supor algum risco que devesse ser assinalado ao cliente, antes de este decidir, pois que, na referida ocasião, era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ou outra característica, já que nada fazia supor a degradação financeira da emitente e/ou do grupo económico que integrava, tanto mais que pagou os cupões das obrigações que até determinada data (cf. ponto 9, dos factos provados).


Desta forma, e tal como se considerou no acórdão deste STJ, proferido em 6.6.2013, no proc. 364/11.0TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt., a respeito de uma situação com contornos semelhantes aos do caso em análise, é de concluir que "a ré forneceu à autora as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, (...), nem a da (...) emitente das obrigações.".


Diga-se, finalmente, que tão pouco ficou provado que o Banco tivesse assumido e/ou violado um acordo de garantia do capital no final do período de maturidade do produto financeiro, não cabendo, aliás, nas funções habituais dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades.


Em face do exposto, mostra-se afastada a existência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada à ré, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas na revista.


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IV – Decisão


11. Nestes termos, concedendo provimento à revista, acorda-se em revogar o acórdão recorrido e em absolver a ré do pedido.

Custas na revista e nas instâncias a cargo da autora, ora recorrida.


Lisboa, 6.6.2019


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

Hélder Almeida

Oliveira Abreu

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[1] Atendendo à data da subscrição das obrigações – 2006-  tem aplicação ao caso dos autos o Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, embora sem as significativas alterações introduzidas pelo D.L. nº 357-A/2007 de 31 de outubro e diplomas posteriores.
[2]Estabelecia, então, o art.304º que: (1) “Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”; (2) “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”; (3) “Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matériade investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
[3]Segundo o qual: (1) “O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…).”
[4]Cf. Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 691.
[5]Ob.cit., pág. 685.
[6]Cf. Paulo Câmara, ob. cit. pág. 692 e Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86.
[7]Ob. cit., pág. 684.
[8] Como se entendeu no acórdão deste STJproferido em 19.12.2018, no processo n.° 9633/ 16.2T8LSB.L1.S1, de que foi relator o Conselheiro Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt    _