Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4212/08.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
CASO JULGADO FORMAL
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / DEVERES DO TRABALHADOR - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 951.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2, 762.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL(CPC): - ARTIGO 490.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC), APROVADO PELA LEI N.º 41/2013, DE 26-6: - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 663.º, N.º2, 674.º, N.º3, 679.º, 682.º, N.º2.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 119.º, 121.º, ALÍNEAS C) E F), 396.º, N.º1 , ALS. A), B), C), N.º2, N.º3, 435.º, N.ºS 1 E 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º.
LEI N.º 7/2009, DE 12 -2: - ARTIGO 7.º, N.º1.
LEI N.º 99/2003, DE 27-8: - ARTIGOS 3.º, N.º1, 8.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/10/2009, PROCESSO N.º 766/05.1TTSTR.S1, DA 4.ª SECÇÃO
-DE 28/02/2013, PROCESSO N.º 396/05.8TBSAT.C1.S1, DA 2.ª SECÇÃO,
-DE 18/06/2013, PROCESSO N.º 10964/08.0TBMAI.P1.S1, DA 1.ª SECÇÃO,
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ASSENTO N.º 14/94, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE-A, DE 4 DE OUTUBRO DE 1994.
Sumário :
1.  A fixação da matéria de facto assente não conduz à formação de caso julgado formal, pelo que a circunstância de se ter dado como assente um determinado ponto da matéria de facto não obsta a que, posteriormente, o mesmo venha a ser tido como controvertido, transitando para a base instrutória.

2.  Sendo eliminado da matéria de facto assente um determinado facto, mas não se tendo facultado às partes a possibilidade de produzirem prova sobre o mesmo, pode o Supremo Tribunal de Justiça ordenar o reenvio do processo ao tribunal recorrido para ampliação da decisão de facto, reenvio que não se justifica quando a matéria de facto provada constitui base suficiente para a decisão de direito.

3.  Tendo o trabalhador, chefe de vendas de veículos usados, omitido durante cerca de dois meses e meio a comunicação à empregadora do desaparecimento de uma viatura usada e, aquando da sua suspensão preventiva, levado consigo exemplares de fichas de avaliação de veículos, com anotações de potenciais compradores das viaturas avaliadas, não conhecidos pela empregadora, além de violar os deveres de lealdade, de cumprir as instruções da empregadora e de boa utilização dos bens relacionados com o trabalho, afectou a relação de confiança que subjaz à relação laboral, gerando fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do seu desempenho, pelo que o despedimento mostra-se proporcional ao comportamento tido.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                      I

1. Em 13 de Novembro de 2008, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 1.º Juízo, 1.ª Secção, AA propôs acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, S. A., pedindo: a) se declare a ilicitude do seu despedimento, efectivado em 13 de Agosto de 2008, por ser improcedente a justa causa invocada e a condenação da ré (i) a pagar-lhe a quantia de € 81.852,06, «a título de indemnização pelo despedimento ilícito», e a entregar-lhe a viatura que lhe atribuiu ou outra da mesma marca e modelo, e com semelhantes características, bem como a assegurar o pagamento das respectivas revisões, seguro automóvel e demais encargos legais, (ii) a pagar-lhe € 5.000, a título de danos não patrimoniais sofridos, (iii) em alternativa, a reintegrá-lo; b) a condenação da ré a pagar-lhe (i) € 20.003,47, relativos ao trabalho suplementar prestado e não pago e aos dias de descanso compensatório não gozados, (ii) € 14.236,82, respeitantes a comissões cujo pagamento lhe era devido e não foi efectuado, (iii) € 3.040,43, referentes a diferenças remuneratórias devidas por virtude da cessação do contrato de trabalho, (iv) as retribuições que se vencerem desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, (v) quantias a que acrescem juros legais, desde a data do vencimento da obrigação até integral pagamento.

A ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, tendo, ainda, formulado pedido reconvencional; por impugnação, sustentou a admissibilidade da segunda nota de culpa e a verificação da justa causa do despedimento operado; por excepção e reconvindo invocou a compensação do crédito que detinha sobre o autor, no montante de € 985,58, referentes ao excesso de plafond de combustível e ao custo da reparação da viatura de serviço atribuída ao autor.

O autor respondeu, pugnando pela improcedência da excepção e reconvenção deduzidas e invocando que não se podiam atender, na decisão judicial, a alguns dos factos alegados na contestação, por não constarem da decisão disciplinar, tendo, ainda, declarado que optava por indemnização em substituição da reintegração.

Realizado o julgamento, exarou-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a importância de € 5.716,08 (€ 5.700, a título de comissões de veículos usados ligeiros de passageiros, e € 16,08, referentes ao remanescente da retribuição por 13 dias de trabalho no mês de Agosto de 2008), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, e absolvendo a ré dos restantes pedidos, mais julgando improcedente a excepção de compensação de créditos invocada pela ré.

2. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, julgando parcialmente procedente o recurso, alterou a matéria de facto, julgou ilícito o despedimento operado pela ré e condenou a ré a pagar ao autor indemnização em substituição da reintegração, «correspondente a 20 dias de retribuição base auferida à data do despedimento, por cada ano de antiguidade ou fracção, até à data do trânsito em julgado da sentença, a apurar em incidente de liquidação», as correspondentes retribuições intercalares e a quantia de € 2.500, a título de danos não patrimoniais e, além disso, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 2.056,81, a título de férias não gozadas, relativas ao ano de 2007, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, nos termos explicitados no ponto 7) do respectivo dispositivo.

É contra esta deliberação que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as conclusões seguintes:

                «1.ª   A Recorrente tem legitimidade (pois que decaiu), está em tempo e a decisão, enquanto Acórdão que pôs termo ao processo e conheceu do mérito da causa incidindo sobre a sentença proferida em 1.ª instância é recorrível à luz de todos os preceitos legais citados no requerimento de interposição (mormente nos termos do n.º 1 do artigo 629.º do NCPC), justificando-se a admissão e conhecimento do presente recurso de revista;
                  2.ª   O presente recurso de revista, que assenta na violação da lei substantiva e, na equivocada interpretação e aplicação da lei de processo, tem por objeto e visa impugnar tudo quanto no Acórdão do Tribunal a quo foi desfavorável à Recorrente (i.e., tudo aquilo em que revogou a sentença proferida em l.ª instância), pois que a decisão recorrida procedeu a uma incorreta interpretação do Direito, especialmente (mas não só) porque não considerou, como se impunha, que o comportamento do Recorrido (ou antes, a sucessão de graves comportamentos seus) constitui um exemplo acabado de uma atuação claramente integradora do conceito de justa causa de despedimento;
                  3.ª   A eliminação do 17.º facto julgado provado pelo Tribunal a quo configura uma flagrante violação do caso julgado formal verificado com o trânsito em julgado do despacho saneador no qual se fixou a matéria assente e organizou a base instrutória e do princípio dispositivo, impondo-se a revogação do Acórdão em crise também nesta parte, ou, subsidiariamente, que a matéria de facto provada em 1.ª instância se mantenha, quanto a este facto 17.º, inalterada, além de ser patente que nenhuma contradição existe entre esse facto e quaisquer outros julgados provados;
                  4.ª   Com a eliminação referida na 3.ª conclusão ficou abalada a igualdade processual das partes e a possibilidade de a R./Recorrente fazer prova que poderia fazer (e que não teve de fazer porque considerava que o artigo 17.º era bastante para sinalizar determinada realidade), assim constrangendo o seu direito de acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, comportando o Acórdão em crise uma interpretação violadora dos artigos 511.º, 672.º e 712.º do CPC e dos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa;
                  5.ª   Esta equivocada interpretação judicial do disposto nos artigos 511.º e 712.º do CPC (na redação anterior à que entrou em vigor em 1 de setembro passado) teve consequências no desenrolar do sentido da decisão posta em crise, pois que gerou obscuridade/ambiguidade sobre a titularidade das fichas subtraídas e desaguando numa ideia (incorreta) de que o A./Recorrido estava supostamente convencido (o que é falso e inverosímil) de que as fichas de avaliação em causa nos autos seriam objetos pessoais seus, quando todos os factos provados demonstram, isso sim, que as fichas eram documentos propriedade da empresa, havendo, nesta parte, no Acórdão um clamoroso equívoco e erro de julgamento, sem qualquer apoio na base factual em que os autos assentam;
                  6.ª   Existiu igualmente uma equivocada aplicação das leis de processo, mormente do disposto no artigo 490.º, n.º 2, do CPC, ao considerar-se admitido por acordo (e equivocadamente adicionado à factualidade provada sob o n.º 79.º) um facto que foi objeto de impugnação genérica e especificada (artigos 6.º, 270.º a 272.º da contestação de fls.) e que estava, além do mais, em contradição com a defesa da Recorrente quando globalmente considerada, decisão do Tribunal a quo que deve ser revogada e com isso ser igualmente revogada a condenação da Recorrente no pagamento de € 2.056,81, a título de férias não gozadas;
                  7.ª   Conforme se demonstrou nos autos: enganar a entidade empregadora, ocultando dolosamente dela durante um escabroso período de 70 dias (!) o desaparecimento de uma viatura no elevado valor de € 17.500,00 que estava à sua guarda é um comportamento não urbano, desleal, não zeloso, nem diligente, constituindo um comportamento grosseiramente culposo, gravemente desrespeitador e desobediente, violador dos deveres de zelar pelos bens da empresa que, pela sua gravidade e consequências, torna totalmente impossível a subsistência da relação de trabalho — sendo assim que os artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do CT/2003 (ou artigos 128.º e 351.º do CT2009) deveriam ter sido interpretados e aplicados;
                  8.ª   Conforme se provou nos autos: ter o Recorrido tentado vender uma viatura sabidamente desaparecida (e envolvendo nisso a sua equipa, para quem deveria ser uma referência e um exemplo), consciente de que não poderia consumar a venda e podendo prejudicar a Recorrente (e prejudicando-a mesmo) e a sua imagem é um comportamento não urbano, não zeloso; nem diligente, desleal, constituindo um comportamento maquiavelicamente culposo, grosseiramente desrespeitador da empresa e dos potenciais clientes da empresa que, pela sua gravidade e consequências, torna impossível a subsistência da relação de trabalho — sendo assim que os artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do CT/2003 (ou os artigos 128.º e 351.º do CT2009) deveriam ter sido interpretados e aplicados;
                  9.ª   Como se demonstrou nos autos: quando da sua suspensão preventiva (facto que não gera a suspensão dos deveres laborais), ter o Recorrido levado consigo 1500 fichas de avaliação comprovadamente pertencentes à empresa, entre os quais os únicos exemplares das fichas de avaliação que, no seu verso, permitiam à Recorrente conhecer o nome do comerciante interessado na compra de determinado carro usado e em alguns casos o preço oferecido, ao cliente, mantendo-os fora da empresa durante um inacreditável período de mais de 50 dias, sabendo que essa atitude era suscetível de lesar a empresa (como comprovadamente lesou porque sabia que a empresa não poderia aceder a essa informação) é um comportamento não urbano, não zeloso, nem diligente, desleal, antes constituindo um comportamento culposo e vingativo, desrespeitador dos deveres de custódia e de zelar pelos bens confiados pelo empregador. Pela sua gravidade e consequências, este comportamento torna impossível a subsistência da relação de trabalho — sendo assim que os artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do CT/2003 (ou os artigos 128.º e 351.º do CT2009) deveriam ter sido interpretados e aplicados;
                10.ª  Ponderando as demais circunstâncias provadas do caso, refira-se que se está na presença de cargo de chefia com elevado grau de responsabilidade e confiança, auferindo elevada retribuição, cabendo ao trabalhador a guarda do veículos em stock da prestigiada marca M..., tudo elementos que se deveriam ter tido, (e ter) como agravantes, confirmando ad nauseam que os factos praticados culposamente e referidos nas conclusões antecedentes constituíram, de modo claro, comportamentos graves e culposas que pelas suas consequências feriram de morte a confiança que a Recorrente depositava no Recorrido e tornaram, por isso, praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, conservação de vínculo que se tomou inexigível segundo os ditames da boa é [será «fé»], sendo assim que deveriam ter sido interpretados e aplicados os artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do CT/2003 (ou os artigos 128.º e 351.º do CT2009);
                11.ª  A sanção de despedimento foi, portanto, proporcional, porque adequada à culpa (grave e não mediana como equivocadamente afirmado no Aresto recorrido) e às circunstâncias do caso e ainda ao facto de estarmos perante uma acumulação de diversas infrações disciplinares (aspeto erradamente desvalorizado na decisão em crise), todas elas dolosas, todas elas graves, todas elas arrastadas teimosamente durante dias e dias, sendo por isso válido o despedimento do Recorrido, por manifesta existência de justa causa, sendo assim que os artigos 121.º e 396.º, n.os 1, 2 e 3 do CT2003 deveriam ter sido interpretados e aplicados;
                12.ª  As consequências e prejuízos para o empregador não têm necessariamente de ser de natureza estritamente patrimonial, ou de terem sido quantificados (e eles existiram, mesmo não tendo sido possível a sua quantificação), mais a mais sempre que está em causa o elemento fiduciário e graves violações do dever de lealdade, como as nossas Jurisprudência e Doutrina têm vindo a consistentemente afirmar;
                13.ª  Atentas todas as circunstâncias do caso, as funções desempenhadas e a antiguidade do trabalhador, a perda de confiança com o concomitante desaparecimento do mínimo suporte psicológico que tem de estar subjacente ao contrato de trabalho é aspeto que a sentença valorou adequadamente (o que já não veio a suceder no Acórdão em crise), sendo inexigível à empresa, de acordo com a regras da boa fé, manter este trabalhador ao serviço, até pelo exemplo deplorável que os seus comportamentos — objetivamente graves — constituíram;
                14.ª  Ao contrário do que resulta do Acórdão em crise, o elemento fiduciário assume, nas relações laborais, relevância extrema, mais a mais quando estão em causa funções de direção e/ou chefia — sendo que, in casu, tal confiança jamais poderia existir;
                15.ª  Contrariamente ao referido na decisão judicial recorrida, não ter cópias de determinada documentação (propriedade da empresa) não constitui falha organizativa e ainda que o fosse jamais legitimaria, ou desculparia, ou sequer atenuaria a gravidade da conduta e da culpa comportamento (mais a mais quando a falha em causa, a existir, sempre seria imputável ao próprio Recorrido);
                16.ª  De tudo resulta, enfim, ter o Recorrido violado grosseira e culposamente (e com uma culpa grave) os deveres de respeitar e tratar com probidade os seus superiores hierárquicos, de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina no trabalho, de guardar lealdade ao empregador, de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados pelo trabalho que lhe foram confiados pelo empregador e de promover todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, tal como previstos nas alíneas a), c), d), e), f) [e] g), do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho;
                17.ª  Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 396.º do CT2003, “o comportamento culposo que, pela sua gravidade e consequências, torne e imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constitui justa causa de despedimento”, sendo que nos termos das alíneas a), d) e e) do n.º 3 da mesma disposição, constituem exemplos de justa causa de despedimento, a “desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores”, “desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado” e “lesão de interesses patrimoniais sérios do empregador”;
                18.ª  Em face de todo o exposto, louva-se a Recorrente na sentença proferida em 1.ª instância e equivocadamente revogada pelo Acórdão em crise, sendo regular e lícito (seja no plano formal, seja no plano material) o despedimento do Recorrido, por manifesta existência de justa causa de despedimento e resolução do contrato, havendo nexo de causalidade entre o comportamento do trabalhador e a inexigibilidade de conservação do vínculo;
                19.ª  Por isso, têm de improceder todos os efeitos associados a uma declaração de ilicitude de despedimento que, no caso vertente não se justificam, não tendo o Recorrido qualquer direito indemnizatório ou ao recebimento de retribuições intercalares, pedidos dos quais a Recorrente deve ser absolvida, pelo que deve ser revogado o que consta dos pontos 2, 4, 5 e 6 da “DECISÃO” com que o Acórdão termina;
                20.ª  O mesmo se diga dos pretensos danos morais, matéria quanto à qual o mínimo que se pode dizer é que sibi imputet. Na verdade, se danos existiram, eles sempre terão sido auto-impostos pelo Recorrido com a sua conduta culposa, de grave incumprimento contratual, de total desrespeito para com a empresa, sendo que nunca a factualidade provada nos autos seria apta a poder conduzir a qualquer compensação deste tipo;
                21.ª  Com todo o respeito, mal andou, portanto, o Acórdão em crise, ao afirmar que o Recorrido cometeu diversas infrações disciplinares, mas arbitrando-lhe uma compensação por danos morais, que será paga pela vítima reconhecida das infrações a quem as cometeu, com isto se violando, além do mais, o que consta do artigo 496.º do Código Civil;
                22.ª  Sem prescindir, jamais a indemnização se deveria fixar em mais do que 15 dias por ano de antiguidade — i.e., mesmo que se concebesse hipoteticamente que a factualidade provada nos autos não constitui (como efetivamente constitui) clamorosa situação de justa causa de despedimento;
                23.ª  Também sem prescindir, os n.os 2, 3 e 4 do artigo 437.º do CT2003 prevêem que o valor das retribuições intercalares a pagar nesse caso seja obtida depois de um conjunto de deduções, pelo que estamos, assim, perante quantia ilíquida, por um lado, e que traduz um saldo, por outro. Posto que o artigo 805.º, n.º 3 do Código Civil, que dispõe que “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido”, estes preceitos foram portanto, equivocadamente interpretado[s] e aplicado[s] na decisão em crise;
                24.ª  Bem ao invés, só após a liquidação — ou com o trânsito em julgado da decisão que a opera — pode haver mora e vencimento de juros moratórios, tal como se pode ler, por exemplo, no Acórdão da Relação de Lisboa de 25/09/2013, sendo assim que o artigo 437.º do CT2003 e que o artigo 805.º do Código Civil deveriam ter sido interpretados e aplicados, impondo-se, assim, a revogação do ponto 7 da “Decisão” com que termina o Acórdão recorrido;
                25.ª  O Acórdão em crise violou os artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 490.º, n.º 2, 511.º, 672.º e 712.º do Código de Processo Civil, os artigos 121.º, n.º l, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do CT/2003 (ou os artigos 128.º, 351.º e 390.º do CT2009) e os artigos 496.º e 805.º, n.º 3 do Código Civil.»

O autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso de revista, e requereu a ampliação do âmbito do recurso, formulando as conclusões seguintes:

                 «1.   No douto acórdão recorrido, tal como na sentença proferida em 1.ª instância, o facto provado 76.º, do douto acórdão recorrido, encontra-se claramente em contradição com os factos provados 16.º, 17.º (na nova redacção) e 36.º do douto acórdão recorrido, tal como o Recorrente, ora Recorrido, alegou no recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância;
                   2.   Ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e prevenindo-‑se a necessidade da sua apreciação, requer-se o conhecimento, a título subsidiário, por esse douto Tribunal ad quem, do fundamento invocado pelo Recorrente, ora Recorrido, no recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, e no qual veio a decair no douto acórdão recorrido, correspondente à contradição entre o facto provado 76.º, da sentença e do douto acórdão recorrido, e os factos provados 16.º, 17.º (na nova redacção) e 36.º, da sentença e do douto acórdão recorrido, pelo que o mesmo deve ser eliminado, ou, em alternativa, deve passar a ter a redacção seguinte: «76.º Em consequência do comportamento referido em 17.º a ré não deixou de conhecer o preço oferecido ao cliente nas situações em que o vendedor da viatura nova não guardou uma cópia»;
                   3.   No caso de esse douto Tribunal ad quem considerar que a contradição na decisão da matéria de facto entre o facto provado 76.º, da sentença e do douto acórdão recorrido, e os factos provados 16.º, 17.º (na nova redacção) e 36.º, da sentença e do douto acórdão recorrido, inviabiliza a decisão jurídica da presente acção, deve o processo voltar ao tribunal recorrido, nos termos previstos no artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil;
                   4.   Ao ter eliminado o facto provado 17.º da sentença, o douto tribunal a quo não violou o disposto nos artigos 511.º, 672.º e 712.º do CPC, e artigos 13.º e 20.º, da CRP, pois, não só o despacho saneador, transitado, não conduz à formação de caso julgado formal no que concerne à fixação da especificação e do questionário — tal como, de resto, vem sendo há muito decidido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores — como a igualdade processual das partes em nada ficou abalada pelo facto de o douto acórdão recorrido ter eliminado tal facto provado, na medida em que as partes, mormente, a Recorrente, tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a realidade nele em causa e fizeram-no, efectivamente, em momento oportuno;
                   5.   O douto tribunal a quo não interpretou equivocadamente o disposto no artigo 490.º, n.º 2, do CPC, ao ter (i) ampliado a matéria de facto provada, por via do aditamento do facto provado 79.º, com a redacção «Em 05 de Maio de 2008, o autor pediu e a ré autorizou que o período de 16 dias úteis de férias que iria gozar de 5 a 27 de Maio fosse transferido para ser gozado de 18 de Agosto a 8 de Setembro», e (ii) ao ter condenado a Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de € 2.056,81, a título de 16 dias úteis de férias não gozadas (€ 2.150,00 + € 1.350,00/22 x 16), porquanto, o facto alegado pelo Recorrido no artigo 215.º, da petição inicial, é relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções de plausíveis da questão de direito, no que respeita ao pedido de pagamento de férias não gozadas, e encontra-se provado pelo documento de fls. 262 dos autos, o qual não foi impugnado pela Recorrente;
                   6.   Não resultou provado que o desaparecimento da viatura tivesse ficado a dever-se a qualquer acto praticado pelo Recorrido, tanto mais que as chaves da viatura se encontravam num chaveiro dentro das instalações da Recorrente — o que, naturalmente, só pode levar a concluir que foi alguém da Recorrente que as levou, não dando disso conhecimento ao Recorrido, que, nessa medida, julgou, legitimamente, que a viatura não havia desaparecido — e, por outro, que, estando o acesso à viatura circunscrito às pessoas da Recorrente, compreensível seria, como foi, que o Recorrido não tivesse, de imediato, participado à administração;
                   7.   O Recorrido não causou à Recorrente qualquer prejuízo, uma vez que, tal como consta do facto provado 34.º da sentença e do douto acórdão recorrido, após a suspensão preventiva do Recorrido, a viatura em causa apareceu;
                   8.   Ao não ter reportado o desaparecimento da viatura em causa durante um lapso temporal de cerca de dois meses e meio, e ao ter continuado a diligenciar por encontrar um comprador para a mesma, o Recorrido não comprometeu, de forma irreversível, a manutenção da relação laboral, pelo que, ao ter decidido pela forma como decidiu, em nada o douto tribunal a quo violou o disposto nos artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos;
                   9.   Ao ter levado consigo os seus exemplares das fichas de avaliação e ao tê-los mantido na sua posse durante um determinado lapso de tempo, o Recorrido não causou quaisquer prejuízos à Recorrente, pois, ao contrário do que esta, aliás, falsamente alega, não é de todo verdade que tal facto tenha causado quaisquer atrasos nas vendas das viaturas ou tenha determinado a repetição dos contactos tendentes à sua venda (os quesitos 123, 124 e 125 resultaram não provados), assim como em nada violou o Recorrido os deveres de zelo e diligência, na medida em que não se provou ter o Recorrido inutilizado as referidas fichas, pelo que o douto tribunal a quo, ao ter decidido pela forma como decidiu, em nada violou o disposto nos artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396,º e 437.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos;
                 10.   A circunstância de a Recorrente jamais ter solicitado ao Recorrido a devolução das fichas de avaliação que este levou consigo quando foi suspenso preventivamente é por demais reveladora da relativa e diminuta importância que a Recorrente lhes atribuía;
                 11.   A circunstância de a Recorrente jamais ter exigido que os quatro exemplares das fichas de avaliação existentes na empresa fossem rigorosamente iguais é, também, por demais reveladora da relativa e diminuta importância que a Recorrente lhes atribuía;
                 12.   O facto de a Recorrente não ter providenciado no sentido de que os quatro exemplares das fichas de avaliação fossem rigorosamente iguais só pode ser entendido como uma falha no modo de organização do trabalho, que só a ela pode ser imputada, sendo certo que não foi alegado, nem se provou, que o Recorrido estava impedido de levar consigo as ditas fichas, ou que estas, em caso algum, poderiam sair das instalações da Recorrente, constituindo elementos integrantes da empresa;
                 13.   A estratégia prosseguida pela Recorrente ao longo de toda a sua alegação, procurando acentuar a tónica do presente recurso numa suposta “clamorosa violação” do dever de lealdade, deve-se, apenas, à falência de melhores argumentos, pois, perante a factualidade dada como provada nos presentes autos, é por demais evidente que o elemento fiduciário da relação não foi posto em causa pelo Recorrido de forma grave e/ou irreparável;
                 14.   Não é justo, sendo, aliás, totalmente desadequado e desproporcional, tratar da mesma forma um trabalhador que, face ao desaparecimento de uma viatura que se encontra à sua guarda, de imediato diligencia no sentido de apurar o seu paradeiro, como foi o caso do Recorrido, e um trabalhador que, perante tais circunstâncias, pura e simplesmente nada faça;
                 15.   Não é justo, sendo, aliás, totalmente desadequado e desproporcional, sancionar com o despedimento um trabalhador que, face ao desaparecimento de uma viatura que se encontra à sua guarda, mas que por estar ciente de que apenas um certo e determinado número circunscrito de pessoas a ela têm acesso (pessoas da empresa), não equacione, desde logo, dever reportar a situação ao empregador, como foi o caso do Recorrido;
                 16.   Não é justo, sendo, aliás, totalmente desadequado e desproporcional, sancionar com o despedimento um trabalhador que, muito embora esteja ciente de que uma viatura que se encontra à sua guarda se encontra desaparecida, mas crente que esteja de que o seu reaparecimento ocorrerá, pois apenas um certo e determinado número circunscrito de pessoas a ela têm acesso (pessoas da empresa) continua a diligenciar pela procura de um comprador para a mesma, como foi o caso do Recorrido, quando daí não advenha qualquer real prejuízo para o empregador;
                 17. Não é justo, sendo, aliás, totalmente desadequado e desproporcional, sancionar com o despedimento um trabalhador que, por estar em crer que os exemplares das fichas de avaliação por si elaborados constituem objectos pessoais, os leva consigo aquando da sua suspensão preventiva, como foi o caso do Recorrido, quando a circunstância de todos os exemplares das referidas fichas existentes na empresa não serem rigorosamente iguais só pode ser entendida como uma falha no modo de organização do trabalho que apenas ao empregador pode ser imputada;
                 18.   Não é justo, sendo, aliás, totalmente desadequado e desproporcional, sancionar com o despedimento um trabalhador que, muito embora tenha levado consigo os seus exemplares das fichas de avaliação aquando da sua suspensão preventiva, apenas por considerar tratarem-se os mesmos de objectos pessoais, como foi o caso do Recorrido, com isso não determine, de modo algum quaisquer atrasos nas vendas das viaturas ou a repetição dos contactos tendentes à sua venda;
                 19.   Não é justo, sendo, aliás, totalmente desadequado e desproporcional, sancionar com o despedimento um trabalhador que, logo que informado pelo empregador de que este considera censurável o facto de ter levado consigo os seus exemplares das fichas de avaliação, de imediato manifesta a intenção de proceder à sua devolução, o que prontamente concretiza, como foi o caso do Recorrido;
                 20.   Não é justo, sendo aliás, totalmente desadequado e desproporcional, sancionar com o despedimento um trabalhador que ao longo de oito anos de vigência do seu vínculo laboral jamais foi punido disciplinarmente, como foi o caso do Recorrido;
                 21.   O comportamento do Recorrido não tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, conforme determina o artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, pelo que bem andou o douto tribunal a quo ao ter considerado inverificada a justa causa invocada pela Recorrente para o despedimento do Recorrido, e, em consequência, ilícito tal despedimento;
                 22.   O despedimento do Recorrido é ilícito, porque o motivo justificativo do mesmo é improcedente, nos termos previstos no artigo 429.º, alínea c), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos;
                 23.   O douto acórdão recorrido em nada violou o disposto nos artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do Código do Trabalho (2003), não merecendo, por isso, qualquer censura, devendo, nessa medida, manter-se nos seus precisos termos, com todas as legais consequências decorrentes da declaração da ilicitude do despedimento;
                 24.   O douto tribunal a quo não fez uma incorrecta interpretação do disposto no artigo 496.º do Código Civil, porquanto ponderou e enquadrou correctamente os danos não patrimoniais sofridos e alegados pelo Recorrido em consequência da ilicitude do seu despedimento;
                 25.   A indemnização por antiguidade arbitrada ao Recorrido foi devidamente ponderada e fixada nos termos previstos no artigo 429.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, tendo o douto Tribunal a quo atendido ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do despedimento do Recorrido, bem ao tempo decorrido desde o despedimento do Recorrido até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
                 26.   O douto tribunal a quo não incorreu em erro de interpretação dos artigos 437.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, e artigo 805.º do Código Civil, uma vez que no particular caso das retribuições intercalares, muito embora devam ser subtraídas as quantias referidas nos n.os 2, 3 e 4 do mencionado artigo 437.º, o certo é que estarão [em] causa, por via de regra, operações dependentes de simples cálculo aritmético, o que faz com que a iliquidez da obrigação seja meramente aparente;
                 27.   Os juros de mora são devidos deste a data do vencimento das retribuições intercalares, nos termos conjugados do disposto no artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, e artigo 269.º, n.º 4, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos.»

A ré respondeu à ampliação do âmbito do recurso de revista interposto e concluiu no sentido da improcedência da matéria suscitada naquele pedido.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, concluindo nos termos subsequentes: «i. [q]uanto ao recurso da Ré Recorrente, seja declarado improcedente quanto à reapreciação da matéria de facto, mas procedente quanto à licitude do despedimento e, consequentemente, revogado parcialmente o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue lícito o despedimento, mas condene a Recorrente a pagar ao Autor: € 5.716,08, acrescid[os] dos juros, nos termos fixados na sentença, e € 2.056,08, a título de férias não gozadas relativas ao ano de 2007, acrescid[os] de juros, devidos desde a data da cessação do contrato, nos termos decididos no acórdão recorrido[;] ii. [q]uanto à ampliação do objecto do recurso subordinado formulado pelo Autor, ora recorrido, dele se não conheça, por prejudicado[;] iii. [c]om condenação de ambos, Recorrente e recorrido, em custas.»

O sobredito parecer, notificado às partes, suscitou a resposta do autor, para dele discordar e reafirmar o entendimento acolhido nas suas contra-alegações.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

              –   Se a eliminação do ponto 17.º da matéria de facto provada configura uma violação do caso julgado formal verificado com o trânsito em julgado do despacho saneador, do princípio dispositivo e do princípio da igualdade processual das partes, assim constrangendo o direito de acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, infringindo o disposto nos artigos 511.º, 672.º e 712.º do Código de Processo Civil e nos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (conclusões 2.ª a 5.ª e 25.ª, nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista);
              –   Se ocorreu a equivocada aplicação das leis de processo, nomeadamente do n.º 2 do artigo 490.º do Código de Processo Civil, ao considerar-se admitido por acordo e adicionar-se à factualidade provada sob o n.º 79, um facto que foi objecto de impugnação genérica e especificada e que estava em contradição com a defesa da recorrente quando globalmente considerada, devendo revogar-se a condenação da ré a pagar ao autor a quantia de € 2.056,81, a título de férias não gozadas (conclusões 2.ª, 6.ª e 25.ª, nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista);
              –   Se existe contradição entre o facto provado 76.º e os factos provados 16.º, 17.º (na nova redacção) e 36.º, devendo ser eliminado, ou, em alternativa,  passar a nele constar que, «Em consequência do comportamento referido em 17.º, a ré não deixou de conhecer o preço oferecido ao cliente nas situações em que o vendedor da viatura nova não guardou uma cópia» [conclusões 1.ª a 3.ª da contra-alegação do autor ao recurso de revista];
              –   Se os factos pelos quais o autor foi despedido integram o conceito de justa causa de despedimento [conclusões 2.ª, 7.ª a 21.ª e 25.ª, nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista];
              –   Se a indemnização em substituição da reintegração deve ser fixada em 15 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade [conclusões 22.ª e 25.ª, esta na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
              –   Saber a partir de que momento se inicia a contagem dos juros de mora no respeitante às atinentes retribuições intercalares (conclusões 23.ª a 25.ª, esta na parte atinente, da alegação do recurso de revista).

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                              II

1. O tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
1) O autor foi admitido como trabalhador da ré, em 8 de Maio de 2000, para exercer as funções inerentes à catFFia profissional de vendedor de viaturas ligeiras, tal como decorre do contrato de trabalho, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 59 a 62, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
2) Posteriormente, em Junho de 2005, o autor passou a exercer as funções de chefe de vendas de viaturas usadas;
3) No dia 13 de Maio de 2008, o autor recebeu da ré, a comunicação de que havia sido instaurado contra si processo disciplinar com intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 63;
4) Tendo-lhe sido entregue a nota de culpa junta aos autos a fls. 64 a 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
5) Nesse mesmo dia, o autor foi preventivamente suspenso de funções;
6) Em 23 de Junho de 2008, a ré remeteu ao autor um aditamento à nota de culpa anteriormente deduzida, em que se articulavam os factos cuja prática era imputada ao trabalhador, conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 70 a 75, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
7) Em 13 de Agosto de 2008, o autor recebeu uma carta da ré em que a mesma lhe comunicava a decisão de o despedir na sequência da decisão do processo disciplinar que lhe aplicou a sanção de despedimento com invocação de justa causa, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 78 a 86, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
8) O autor tomou conhecimento, no dia 22 de Fevereiro de 2008 (sexta-‑feira), que o veículo Classe A não se encontrava nas instalações da ré em ...;
9) O autor, no dia 2 de Maio de 2008, comunicou a situação que envolvia o desaparecimento de uma viatura usada;
10) As fichas de avaliação são documentos preenchidos pelos vendedores de viaturas novas descrevendo o estado em que se encontra o veículo que o potencial cliente pretende entregar para retoma na compra da viatura nova;
11) Nessas fichas de avaliação é inscrito pelo vendedor de viaturas novas o nome do cliente e os dados gerais da viatura que o mesmo eventualmente pretende entregar para retoma: marca, modelo, cor, matrícula, ano da matrícula, combustível utilizado, número de portas e número de quilómetros;
12) Depois o vendedor de viaturas novas usualmente refere qual o estado geral da viatura para retoma no espaço reservado a outras informações;
13) Seguidamente, o vendedor de viaturas novas remetia tal ficha, por fax ou por email, ao autor que, reunindo com a sua equipa de vendedores de viatura usadas, atribuía um valor ao veículo usado;
14) Caso fosse possível desde logo atribuir um valor ao veículo para retoma, o trabalhador indicava tal valor na ficha, no espaço a essa informação destinado, datava-a e assinava-a;
15) Caso não fosse possível aos vendedores de usados avaliar o veículo em causa, o trabalhador efectuava uma prospecção de mercado, contactando alguns comerciantes e inscrevia na ficha o nome e montante que estes haviam oferecido pela viatura;
16) De seguida, o autor digitalizava o documento e enviava a digitalização por email para o vendedor de viaturas novas que lhe havia solicitado a avaliação, para o chefe de vendas desse vendedor e para o Dr. CC;
17) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação]; 
18) Assim que tomou conhecimento, pela sua anterior mandatária, a Dra. DD, de que o aditamento à nota de culpa considerava censurável o facto de ter removido das instalações da empresa o seu exemplar das fichas de avaliação, o trabalhador de imediato dirigiu à entidade empregadora a comunicação junta aos autos a fls. 106, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
19) O autor manifestou ainda a intenção de devolver os exemplares das fichas de avaliação que tinha na sua posse;
20) O que fez no próprio dia 3 de Julho de 2008;
21) O autor desempenhava, desde Junho de 2005, as funções de chefe de vendas dos veículos usados, cargo de grande responsabilidade dentro da estrutura empresarial da ré;
22) O autor trabalhou em vários fins-de-semana;
23) Em Agosto de 2008, a ré entregou ao autor a quantia de € 5.301,28;
24) A ré pagou ao autor, a título de proporcionais do subsídio de Natal do ano de 2008, a quantia de € 2.297,11;
25) CC desempenha as funções de adjunto da administração;
26) Aquando do referido em 8), de imediato o autor conversou com os seus colaboradores mais próximos no sentido de pedir explicações sobre se o Classe A fora emprestado por eles a algum cliente;
27) Contactou inúmeros colegas para que estes verificassem se nas instalações onde cada um deles trabalha se encontrava o Classe A, entre as demais viaturas;
28) Solicitou ao responsável pela preparação e movimentação de viaturas novas que pedisse aos movimentadores e motoristas se poderiam verificar se por acaso a viatura se encontrava parqueada nalguma das outras instalações da ré;
29) Ainda que se não recordasse de ter enviado a viatura para o Porto, o autor contactou colegas e pediu-lhes que verificassem nas duas instalações se a viatura estaria numa delas;
30) As chaves das viaturas encontram-se num chaveiro dentro das instalações da ré;
31) A retirada de alguma viatura só pode ocorrer com a intervenção de alguma pessoa da empresa ré;
32) O autor voltou a insistir na localização da viatura junto das demais instalações da ré;
33) Em meados de Abril de 2008, o Autor contactou um elemento policial — EE — explicando sumariamente a situação e procurando saber a localização do Classe A;
34) Após a suspensão do autor, a viatura apareceu;
35) O autor continuou a diligenciar por encontrar comprador para a viatura em causa, durante o período do seu desaparecimento;
36) Na ré existiam sempre quatro exemplares da mesma ficha de avaliação: um na posse do autor, outro na posse do vendedor de viaturas novas que havia solicitado a avaliação, outro na posse do chefe de vendas desse vendedor e outro na posse de CC;
37) Aquando da sua suspensão, o autor levou consigo os seus exemplares das fichas;
38) Desde Julho de 2006, a ré deixou de remunerar o autor pelas vendas de viaturas novas;
39) Em 29 de Março de 2008, a ré publicou no semanário Expresso, através da empresa de recrutamento FF, o anúncio junto a fls. 108 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos;
40) No desempenho das suas funções, o autor chefiava uma equipa de trabalhadores;
41) O autor trabalhava de segunda a sexta-feira, cumprindo período de 8 horas diárias distribuídas entre as 9 horas e as 19 horas;
42) Todos os sábados, um trabalhador da área comercial da ré tinha obrigatoriamente de prestar serviço nos vários stands da ré, por determinação desta;
43) Desde Setembro de 2000 até Junho de 2005, os vendedores e chefes de vendas elaboraram as escalas de serviço juntas de fls. 111 a 144, nas quais consta a distribuição dos trabalhadores pelos stands de vendas de viaturas novas;
44) Aos Sábados, os trabalhadores escalados prestavam 3 horas de trabalho a favor da ré;
45) Por imposição da ré, o autor prestou serviço na Feira Automóvel que decorre, de 2 em 2 anos, na Feira Internacional de Lisboa (FIL);
46) Tal evento realiza-se desde 2002, sendo organizado pelo importador M...-..., e decorre durante 10 dias onde se incluem dois fins-de-semana;
47) No ano de 2002, o autor prestou serviço à ré na Feira Automóvel durante um fim- de-semana e em dois dias úteis;
48) Cabendo ao autor encerrar o stand e proceder à elaboração de um relatório diário;
49) O horário normal de trabalho do autor terminava pelas 19 horas;
50) No ano de 2004, o autor prestou serviço à ré na Feira Automóvel durante um domingo e dois dias úteis;
51) No ano de 2005, por imposição da ré, o autor prestou trabalho no âmbito de uma feira de veículos usados;
52) No ano de 2006, por imposição da ré, o autor esteve presente em feiras de veículos usados;
53) Até Abril de 2007, a ré pagou ao autor a quantia mensal de € 2.850, a título de comissão veículos usados ligeiros de passageiros, e, a partir de Maio de 2007, a ré passou a pagar ao autor a quantia mensal de € 1.850, a título de comissão veículos usados ligeiros de passageiros;
54) Até Dezembro de 2007, a ré pagou ao autor a quantia mensal de € 1.850, a título de comissão veículos usados ligeiros de passageiros e, a partir de Janeiro de 2008, a ré passou a pagar ao autor a quantia mensal de €1.350, a título de comissão veículos usados ligeiros de passageiros;
55) Nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2006, a ré não pagou ao autor a quantia mensal de € 2.850, a título de comissão veículos usados ligeiros de passageiros;
56) O mercado dos veículos usados é menos rentável para um vendedor do que o de veículos novos;
57) Enquanto vendedor de veículos novos, o autor tinha uma significativa carteira de clientes;
58) A venda de um veículo novo conferia o direito de recebimento de uma comissão no montante de 12% da margem de lucro da venda e ainda a um prémio no valor unitário de € 50;
59) Desde Julho de 2006, a ré não pagou ao autor comissões ou prémios pela venda de veículos novos;
60) Em 28 de Agosto de 2008, a ré calculou as quantias em dívida ao autor, discriminadas no recibo junto a fls. 250, a título de retribuição de dias de férias não gozadas, proporcionais do subsídio de Natal referentes ao ano de 2008 e salário do mês de Agosto de 2008;
61) Em Agosto de 2008, o autor auferia ao serviço da ré, mensalmente, a quantia de € 2.150, a título de vencimento e a quantia de € 1.350, a título de comissão veículos usados ligeiros de passageiros;
62) A ré pagava ao autor, mensalmente, a quantia de € 175, referente a plafond de combustível, sendo o autor titular do cartão de combustível BP Plus com o n.º …;
63) Em virtude das funções de chefia que desempenhava, o autor tinha direito a usar uma viatura;
64) O autor usava tal viatura para seu gozo pessoal fora do horário de trabalho, nos dias de descanso e férias;
65) Suportando a ré todas as despesas inerentes ao uso e desgaste da viatura atribuída ao autor, nomeadamente, seguro automóvel, imposto de circulação, revisões e pneus;
66) Após o dia 13 de Maio de 2008, o autor continuou a usar viatura de serviço de marca M..., modelo E …. A…, com a matrícula -BN-para seu uso pessoal;
67) Em consequência do despedimento, o autor sentiu-se nervoso, transtornado, triste e angustiado;
68) O autor contribuía para o sustento e educação das suas duas filhas;
69) Após a decisão da ré de despedir o autor, ficou o mesmo impossibilitado de continuar a contribuir, como tinha feito até então, para o sustento das suas filhas nos moldes em que o vinha fazendo;
70) Em consequência do despedimento, o autor temeu que a sua reputação pessoal e profissional pudesse sair manchada;
71) A viatura referida em 8) tinha o valor de € 17.500;
72) Incumbe ao autor zelar pela guarda do stock de veículos da ré;
73) Incumbindo-lhe manter os seus superiores e a administração da ré informados de quaisquer factos relevantes que se verifiquem a respeito das vendas e do stock de viaturas;
74) Entre 22 de Fevereiro de 2008 e 2 de Maio de 2008, o autor nada reportou internamente, na ré, quanto ao desaparecimento da viatura referida em 8);
75) Os exemplares das fichas de avaliação que o autor levou consigo eram os únicos que continham anotações no verso relativas à identidade do comerciante interessado na compra do veículo e/ou ao valor oferecido;
76) Em consequência do comportamento referido em 37), a ré deixou de conhecer o preço oferecido ao cliente nas situações em que o vendedor da viatura nova não guardou uma cópia — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
77) Em consequência do comportamento referido em 37), a ré deixou de conhecer o comerciante que se comprometeu a comprar a viatura em causa — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
78) A Ré é uma sociedade anónima que se dedica à reparação e comercialização de veículos automóveis, designadamente de marca M... — facto aditado pelo Tribunal da Relação;
79) Em 5 de Maio de 2008, o autor pediu e a ré autorizou que o período de 16 dias úteis de férias que iria gozar de 5 a 27 de Maio fosse transferido para ser gozado de 18 de Agosto a 8 de Setembro — facto aditado pelo Tribunal da Relação.

1.1. No concernente ao acervo factual considerado provado, a ré/recorrente insurge-se, em primeira linha, contra a eliminação, pelo tribunal recorrido, do facto provado n.º 17 — que correspondia à alínea R) dos factos considerados assentes pelo tribunal de primeira instância — aduzindo que essa eliminação configura «flagrante violação do caso julgado formal verificado com o trânsito em julgado do despacho saneador no qual se fixou a matéria de facto assente e organizou a base instrutória e do princípio do dispositivo», assim se impondo a «revogação do Acórdão em crise» ou, «subsidiariamente, que a matéria de facto provada em 1.ª instância se mantenha». Invoca, ainda, que, com a eliminação do referido facto «ficou abalada a igualdade processual das partes e a possibilidade de a R./Recorrente fazer prova (e que não teve de fazer porque considerava que o artigo 17.º era bastante para sinalizar determinada realidade), assim constrangendo o seu direito de acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efectiva». Alega, finalmente, que a interpretação sustentada no acórdão recorrido quanto aos artigos 511.º e 712.º, do Código de Processo Civil, «teve consequências no desenrolar do sentido da decisão posta em crise, pois que gerou obscuridade/ambiguidade sobre a titularidade das fichas subtraídas e desaguando numa ideia (incorrecta) de que o A./ Recorrido estava supostamente convencido (o que é falso e inverosímil) de que as fichas de avaliação em causa nos autos seriam objectos pessoais seus, quando todos os factos provados demonstram, isso sim, que as fichas eram propriedade da empresa».

O acórdão recorrido pronunciou-se sobre esta questão, nos termos seguintes:

                  «O ponto 17.º dos factos provados tem o seguinte teor: “O autor, quando foi suspenso preventivamente de funções levou consigo os exemplares das fichas de avaliação”.
                      Este ponto corresponde à al. R) dos factos assentes, com igual redacção, tendo sido transposto para aquele elenco.
                      Tal facto decorre do artigo 79.º da petição inicial, embora não traduza exactamente o que foi alegado pelo recorrente.
                      Com efeito, no artigo 79.º da petição inicial, o recorrente invocou: “Efectivamente o A. pelas razões supra expostas, quando foi suspenso preventivamente de funções levou consigo os seus exemplares das fichas de avaliação por considerar que, existindo mais três exemplares das mesmas na empresa, estes documentos integravam o conceito de coisas pessoais”.
                      Note-se que também noutros artigos da petição inicial, nomeadamente nos arts. 82.º, 86.º e 89.º, o recorrente alude aos “seus exemplares das fichas de avaliação”.
                      A recorrida, por seu turno, no artigo 4.º da contestação invocou ser verdadeiro o seguinte trecho do artigo 79.º — “quando foi suspenso preventivamente de funções levou consigo os exemplares das fichas de avaliação”.
                      Ou seja, diferentemente do consagrado na alínea R) dos factos assentes, a recorrida não aceitou o alegado pelo recorrente no sentido de que levou “os seus exemplares de fichas de avaliação”, mas apenas que aquele levou os exemplares das fichas de avaliação, expressão que tem um sentido e alcance completamente diverso do alegado pelo recorrente, do que resulta que aquele facto, em si mesmo, não reproduz o que foi alegado pelo recorrente no artigo 79.º da petição inicial.
                      Por seu turno, o ponto 16.º dos factos provados tem a seguinte redacção “De seguida o autor digitalizava o documento e enviava a digitalização por email para o vendedor de viaturas novas que lhe havia solicitado a avaliação, para o chefe de vendas desse vendedor e para o Dr. CC”.
                      Este ponto da matéria de facto provada corresponde à al. Q) dos factos assentes e foi alegado pelo recorrente no artigo 72.º da petição inicial.
                      Por sua banda, o ponto 36.º dos factos provados tem a seguinte redacção: “Na Ré existiam sempre quatro exemplares da mesma ficha de avaliação: uma na posse do autor, outro na posse do vendedor de viaturas novas que havia solicitado a avaliação, outro na posse do chefe de vendas desse vendedor e outro na posse de CC”.
                      Tal facto foi, juntamente com outros, alegado pelo autor no artigo 73.º da petição inicial, constando do quesito 24.º da base instrutória que foi considerado parcialmente provado, na medida em que não foi considerado provado que esses 4 exemplares eram rigorosamente iguais, como alegado pelo recorrente e quesitado.
                      Por fim, o ponto 37.º dos factos provados tem a seguinte redacção: “Aquando da sua suspensão o autor levou consigo os seus exemplares das fichas”.
                      Como já vimos, o facto em causa foi alegado no artigo 79.º da petição inicial e consta do quesito 26.º da base instrutória que mereceu a resposta “Provado”.
                      Ora, da análise dos referidos pontos da matéria de facto provada (17.º, 16.º, 36.º e 37.º), considerando a posição assumida pelas partes nos autos e tendo ainda em conta que a redacção da al. R) dos factos assentes não corresponde exactamente ao que o recorrente alegou, nomeadamente no artigo 79.º da petição inicial, entendemos que, efectivamente, existe contradição entre o ponto 17.º e os pontos 16.º, 36.º e 37.º dos factos provados.
                      Na verdade, dizer que o recorrente quando foi suspenso preventivamente levou consigo as fichas de avaliação, induz em erro o destinatário da mensagem, na medida em que tem o sentido claro de que teria levado todos os exemplares das fichas de avaliação que existiam na ré, o que não corresponde à realidade.
                      Com efeito, do cotejo de todos os elementos juntos aos autos e acima referidos decorre que o recorrente, quando foi suspenso preventivamente, levou apenas um dos exemplares das fichas de avaliação (pois havia mais três, na posse das pessoas indicadas no ponto 36.º da factualidade provada).
                      Em consequência, porque o artigo 712.º, n.º 1, do CPC assim o permite e sendo certo que o despacho saneador não forma caso julgado formal quanto aos factos nele considerados assentes (neste sede seguimos a orientação plasmada no Código de Processo Civil Anotado, vo1. 2.º, de José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Pinto, pág. 383 onde, a propósito de saber-se se a especificação formava caso julgado positivo, se escreve: “não constituindo uma decisão, mas a mera organização dum elenco de factos para boa disciplina das fases ulteriores do processo, essa selecção não forma, pois, caso julgado formal”), elimina-se o ponto 17.º dos factos provados.
                      Refira-se, ainda, que a redacção alternativa proposta pelo recorrente já se mostra consagrada no ponto 37.º dos factos provados, daí que não fizesse sentido plasmá-la, de novo no ponto 17.º»

O Supremo Tribunal de Justiça teve já o ensejo de se pronunciar quanto ao efeito decorrente da fixação, em sede de despacho saneador, dos factos que, findos os articulados, são considerados assentes. E, ao contrário do defendido pela recorrente, a fixação da matéria de facto assente não conduz à formação de caso julgado formal, o que significa que a circunstância de se ter dado como assente um determinado ponto da matéria de facto não obsta a que o tribunal superior o venha a ter como controvertido e ordene a respectiva transição para a base instrutória (cf., a este propósito, o Assento n.º 14/94, publicado no Diário da República, I Série-A, de 4 de Outubro de 1994, actualmente com o valor  dos acórdãos proferidos nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que é imediatamente aplicável, bem como os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2009, Processo n.º 766/05.1TTSTR.S1, da 4.ª Secção, de 28 de Fevereiro de 2013, Processo n.º 396/05.8TBSAT.C1.S1, da 2.ª Secção, e de 18 de Junho de 2013, Processo n.º 10964/08.0TBMAI.P1.S1, da 1.ª Secção, todos acessíveis em www.stj.pt, podendo o acórdão de 27 de Outubro de 2009 ser, também, consultado em www.dgsi.pt).

Assim, o tribunal recorrido poderia, como fez, suprimir dos factos assentes o facto n.º 17, sem que isso represente a violação de caso julgado formal e do princípio do dispositivo, termos em que improcedem as conclusões 2.ª, 3.ª e 25.ª, nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista.

A recorrente sustenta, ainda, que a apontada supressão consequenciou a violação do princípio da igualdade das partes, do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, na medida em que desconsiderou, face à prova do citado facto n.º 17 [alínea R), dos factos assentes], a necessidade de ulterior prova sobre a realidade de facto ali consagrada.

Nesta parte, assiste razão à recorrente.
Efectivamente, considerando o tribunal recorrido que um determinado ponto de facto, tido por assente, afinal devia ser excluído da factualidade assente, então, importava facultar às partes a possibilidade de, sobre o mesmo, produzirem prova. Sobretudo à parte que beneficia do facto dado como assente não pode ser coarctada a faculdade de, perante a eliminação do facto que alegou e que constava do elenco dos factos assentes, produzir, quanto ao mesmo, a prova que tiver por relevante.

Donde, ao ser eliminado da matéria de facto assente o facto que constava da alínea R), inviabilizando-se que as partes pudessem produzir prova sobre o mesmo, justificar-se-ia que este Supremo Tribunal, ao abrigo dos poderes contidos no n.º 3 do artigo 682.º do novo Código de Processo Civil, ordenasse o reenvio do processo ao tribunal recorrido em ordem à ampliação da decisão da matéria de facto.

Porém, atenta a demais matéria de facto dada como provada — maxime, os factos provados 36), 37) e 75) —, entende-se que a mesma constitui base suficiente para a decisão de direito, razão pela qual o reenvio ao tribunal recorrido — em ordem a que se produzisse prova acerca de factos já devidamente esclarecidos e provados nos autos — consubstanciaria acto inútil.

Na verdade, consta da factualidade provada que, na ré, existiam sempre quatro exemplares da mesma ficha de avaliação, um na posse do autor, outro na posse do vendedor de viaturas novas que havia solicitado a avaliação, outro na posse do chefe de vendas desse vendedor e outro na posse de CC e que, quando o autor foi suspenso, este «levou consigo os seus exemplares das fichas», sendo que «[o]s exemplares das fichas de avaliação que o autor levou consigo eram os únicos que continham anotações no verso relativas à identidade do comerciante interessado na compra do veículo e/ou ao valor oferecido» [factos provados 36), 37) e 75)].

Procedem, assim, as conclusões 2.ª, 4.ª e 25.ª da alegação do recurso de revista, nas partes atinentes, mas sem os efeitos processuais pretendidos pela ré.
Adite-se que o expendido na conclusão 5.ª da alegação de recurso de revista, reconduz-se à interpretação da ré/recorrente acerca das consequências decorrentes da supressão do facto provado n.º 17 e que teriam determinado, na sua perspectiva, o incorrecto julgamento da causa, questão que se prende com a apreciação do mérito da causa, designadamente na vertente da justa causa de despedimento, e que, por isso, será devida e propriamente conhecida, mais adiante.

1.2. Ainda no tocante ao acervo factual considerado provado, a ré/recorrente alega que «[e]xistiu igualmente uma equivocada aplicação das leis de processo, mormente do disposto no artigo 490.º, n.º 2, do CPC, ao considerar-se admitido por acordo (e equivocadamente adicionado à factualidade provada sob o n.º 79.º) um facto que foi objeto de impugnação genérica e especificada (artigos 6.º, 270.º a 272.º da contestação de fls…) e que estava, além do mais, em contradição com a defesa da Recorrente quando globalmente considerada».

Neste conspecto, o tribunal recorrido explicitou a seguinte fundamentação:

                  «O artigo 215.º da petição inicial tem a seguinte redacção: “Tendo procedido à alteração do mapa de férias de tal modo que o período de férias que iria gozar de 5 a 7 de Maio foi transferido para ser gozado de 18 de Agosto a 8 de Setembro, tal como decorre do documento de alteração do mapa de férias que foi entregue, por correio interno, no Departamento de Recursos Humanos da Ré.”
                      E conclui o recorrente que teria a receber, a título de férias não gozadas, não € 488,64, mas sim € 3.391,92, que reclama.
                      E a fls. 262 juntou o recorrente o documento n.º 150, denominado “alteração de férias”, relativo ao recorrente, datado de 05.05.2008 e do qual consta a assinatura do colaborador e do responsável da Área de Negócio/Serviço que autorizou o gozo de 16 dias úteis de férias no período compreendido entre 18.08.2008 e 08.09.2008 e o período de férias a alterar (05.05.2008).
                      Do mesmo documento ainda consta uma declaração com o seguinte teor “Declaro em como recebi em 18/08/2008” e uma assinatura.
                      Ora, o alegado pelo recorrente no artigo 215.º da petição inicial foi impugnado, em termos genéricos, no artigo 6.º da contestação.
                      E sobre esta matéria, nos artigos 270.º a 272.º da contestação, a recorrida ainda alegou o seguinte:
                      “Artigo 270.º - O autor reclama uma quantia de € 3.391,92, a título de férias não gozadas, sendo que o documento 150 junto à petição inicial, só deu entrada na R. no dia 18.8.2008.
                      “Artigo 271.º - E que os registos da R. apontam para o gozo de férias no mês de Maio, nada existindo em sentido contrário — cfr. documento 18 adiante junto.
                      “Artigo 272.º - Pelo que lhe foram pagas as únicas férias que lhe eram devidas.”
                      Do exposto decorre que a recorrida não impugnou o teor do documento 150 junto com a petição inicial, não pondo em causa a autorização que dele consta no sentido do recorrente gozar 16 dias úteis de férias entre 18.08.2008 e 08.09.2008, mas afirmando que os registos da ré apontam para o gozo de férias no mês de Maio, conforme decorre do documento de fls. 395.
                      Este documento que foi enviado por GG para HH, no dia 19 de Fevereiro de [2008], contém uma tabela na qual se lê o número mecanográfico do recorrente, o número de dias de férias (25) e o ano (2008), os meses de Janeiro a Julho, sendo que nos meses de Março estão assinalados 4 e no mês de Maio 16.
                      O documento em causa não está assinado, nem datado, nem está minimamente caracterizado de modo a saber-se a que se destina, ou onde se incorpora.
                      Sobre este documento pronunciou-se o recorrente dizendo que “Já o documento n.º 18 consiste numa tabela elaborada pelos serviços da R. em que aparentemente se discriminam os dias de férias gozados pelo A. durante o ano de 2008.
                      Porém, além de não ter o referido documento qualquer valor probatório, o mesmo está em flagrante oposição com o documento junto pelo A. sob o n.º 150, esse sim datado e assinado”.
                      Ora, conforme decorre do artigo 215.º da petição inicial, o recorrente alegou que inicialmente iria gozar férias de 5 a 27 de Maio, o que até vai de encontro ao que consta do documento apresentado pela recorrida, ou seja, que aquele tinha férias a gozar no mês de Maio de 2008.
                      Contudo, não tendo a recorrida impugnado o teor do documento 150, pois apenas diz que entrou nos seus serviços no dia 18 de Agosto de 2008, podemos concluir que aceitou o seu conteúdo, ou seja que ao recorrente foi autorizado o gozo de 16 dias úteis de férias no período acima referido.
                      Tal facto é relevante para o pedido relativo ao pagamento de férias não gozadas que foi formulado pelo recorrente.
                      Assim, defere-se à ampliação da matéria de facto, aditando-se o seguinte ponto aos factos provados:
                      Em 05 de Maio de 2008, o autor pediu e a ré autorizou que o período de 16 dias úteis de férias que iria gozar de 5 a 27 de Maio fosse transferido para ser gozado de 18 de Agosto a 8 de Setembro.»

Como é sabido, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º do mesmo diploma legal.

Especificamente, o n.º 3 do artigo 674.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». Por outro lado, o n.º 2 do artigo 682.º citado reza que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º».

Assim, no respeitante à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos das normas citadas, não abrangendo a apreciação da factualidade que as instâncias consideraram assente com base em prova testemunhal ou em prova documental sem força probatória plena, uma vez que tal questão se situa apenas no domínio da relevância concedida pelas instâncias a um meio probatório que se enquadra no princípio da livre apreciação da prova.

Conforme bem resulta do transcrito segmento decisório, o tribunal recorrido alicerçou a questionada ampliação da matéria de facto, fundamentalmente, no teor de dois documentos: o documento n.º 150, produzido pelo autor, e o documento n.º 18, apresentado pela ré.
Ora, nenhum dos aludidos documentos se reveste, pela sua própria natureza, de força probatória plena, estando, por isso, sujeitos à livre apreciação do tribunal recorrido e, por isso, subtraídos à pretendida censura deste Supremo Tribunal.

Assim sendo, este Supremo Tribunal não pode conhecer das conclusões 2.ª, 6.ª e 25.ª da alegação do recurso de revista, na parte em que é afirmada a equivocada aplicação das leis de processo, nomeadamente do n.º 2 do artigo 490.º do Código de Processo Civil, ao considerar-se admitido por acordo e adicionar-se à factualidade provada sob o n.º 79, um facto que, segundo a recorrente, foi objecto de impugnação genérica e especificada e que estava em contradição com a defesa da recorrente quando globalmente considerada.

Nestes termos, fica prejudicado o conhecimento da peticionada revogação da condenação da ré a pagar ao autor € 2.056,81, a título de férias não gozadas.

De facto, o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

1.3. O autor/recorrido, na sua contra-alegação, veio requerer a ampliação do âmbito do recurso interposto, invocando a contradição entre o facto provado 76.º e os factos provados 16.º, 17.º (na nova redacção) e 36.º, pelo que deveria ser eliminado, ou, em alternativa,  passar a nele constar que, «[e]m consequência do comportamento referido em 17.º, a ré não deixou de conhecer o preço oferecido ao cliente nas situações em que o vendedor da viatura nova não guardou uma cópia».

A requerida ampliação retoma uma questão que o autor/recorrido já havia suscitado no recurso de apelação que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, na sequência desse recurso, eliminou o sobredito facto provado n.º 17, sendo, pois, impossível afirmar qualquer contradição entre um facto inexistente — porque eliminado — e outros factos dados como provados.

Relativamente aos restantes factos cuja contradição se invoca, o acórdão recorrido pronunciou-se nos termos que se passam a transcrever:

                  «Por fim, defende o recorrente que o facto provado 76.º da sentença encontra-se claramente em contradição com os factos provados 16.º, 17.º (na nova redacção) e 36.º da sentença, pelo que requer a sua eliminação ou, em alternativa, que passe a ter a redacção seguinte: «Em consequência do comportamento referido em 17.º a ré não deixou de conhecer o preço oferecido ao cliente nas situações em que o vendedor da viatura nova não guardou uma cópia.”
                      Ora, adiantamos, desde já, que, nesta parte, não assiste razão ao recorrente.
                      Com efeito, não obstante ter ficado provado que o recorrente digitalizava o documento e enviava a digitalização por email para o vendedor de viaturas novas que lhe havia solicitado a avaliação, para o chefe de vendas desse vendedor e para o Dr. CC que ficavam com uma cópia da mesma ficha de avaliação, a verdade é que, apesar do recorrente ter alegado que os quatro exemplares eram rigorosamente iguais (artigo 73.º da petição inicial), tal facto não ficou provado, tendo antes ficado provado que “os exemplares das fichas de avaliação que o autor levou consigo eram os únicos que continham anotações no verso relativas à identidade do comerciante interessado na compra do veículo e/ou ao valor oferecido” (ponto 75.º da matéria de facto provada), o que significa que os exemplares que ficaram na ré não lhe permitiam ter acesso à informação que constava do verso de tais fichas.
                      Sendo assim, nenhuma contradição existe entre o facto provado 76.º e os factos provados 16.º e 36.º, razão pela qual se mantém no enunciado dos factos provados.»

Tudo ponderado, sufragam-se, no essencial, as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.

Refira-se, no entanto, que pese embora o autor/recorrido alegue a existência de contradição entre os factos apontados, o certo é que, em rigor, o que pretende é a alteração do teor de um facto em sentido diverso daquele que está provado.
O tribunal recorrido, alicerçado na livre apreciação da prova, considerou provada uma versão de um facto distinta da ora propugnada pelo autor/recorrido.

Ora, tal como já se explicitou supra, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos do estabelecido nos conjugados artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pelo que é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

Improcede, portanto, a questão posta na ampliação do objecto do recurso.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que há-de ser resolvida a questão central suscitada no presente recurso.

2. A recorrente defende que deve considerar-se lícita a aplicação, ao autor, da sanção disciplinar de despedimento por estar demonstrado haver aquele violado «grosseira e culposamente (e com uma culpa grave) os deveres de respeitar e tratar com probidade os seus superiores hierárquicos, de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina no trabalho, de guardar lealdade ao empregador, de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados pelo trabalho que lhe foram confiados pelo empregador e de promover todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, tal como previstos nas alíneas a), c), d), e), f) [e] g) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho [de 2003]».

E mais alega que as mencionadas violações contendem, na sua perspectiva, com a confiança que deve presidir à relação de trabalho e revestem-se de gravidade tal que tornam inviável a subsistência do vínculo laboral.

2.1. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

No plano infraconstitucional, estando em causa um despedimento efectuado em 13 de Agosto de 2008, portanto, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o preceituado nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.

De harmonia com o preceituado no artigo 396.º, constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1).

O conceito de justa causa formulado neste normativo integra, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.
Na concretização do critério geral para determinação da justa causa, o n.º 3 do artigo 396.º indica alguns comportamentos do trabalhador que podem configurar justa causa de despedimento, indicação que assume natureza exemplificativa.

Doutro passo, os deveres do trabalhador são aludidos no artigo 121.º, sendo que o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], de deveres secundários, como o dever de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho [alínea f)], ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no artigo 119.º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea e)], que são apenas afloramentos do dever de lealdade, como flui do termo «nomeadamente» aí utilizado.

No dizer de MONTEIRO FERNANDES, «em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)», sendo que, nos cargos de direcção ou de confiança, «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador», o que aponta no sentido de que «o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)» e que, encarado de um outro ângulo, «apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», «com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 119.º/1 CT», donde promana, «no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional — razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo — da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte» (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234).

Tal como estipula o n.º 2 do artigo 396.º, «[p]ara apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes –, se conclua pela premência da desvinculação.

Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.

Refira-se que, na acção de impugnação do despedimento, o ónus probatório cabe ao trabalhador quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre o empregador quanto à verificação da justa causa de despedimento (artigos 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil e 435.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho).

2.2. O comportamento infraccional imputado ao autor reconduz-se, como dão nota os autos e os factos provados, a duas situações autónomas: (i) a primeira prende-se com a ausência de comunicação, à ré, do desaparecimento das instalações de ..., de uma viatura usada; (ii) a segunda com a circunstância de o autor — aquando da sua suspensão preventiva, ocorrida em 13 de Maio de 2008 — ter levado consigo os seus exemplares de fichas de avaliação de veículos para retoma.

No tocante ao primeiro dos comportamentos imputados ao autor, resultou provado, em síntese, que a ré é uma sociedade anónima que se dedica à reparação e comercialização de veículos automóveis, designadamente de marca M..., e que admitiu o autor como trabalhador, em 8 de Maio de 2000, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de vendedor de viaturas ligeiras, sendo que, em Junho de 2005, passou a exercer as funções de chefe de vendas de viaturas usadas, «cargo de grande responsabilidade dentro da estrutura empresarial da ré» e que implicava a chefia de uma equipa de trabalhadores. Cabia, ainda, ao autor, atentas as suas funções, zelar pela guarda do stock de veículos da ré, bem como manter os seus superiores e a administração da ré informados de quaisquer factos relevantes que se verificassem a respeito das vendas e do stock de viaturas.

Mais se provou que, no dia 22 de Fevereiro de 2008 (sexta-feira), o autor tomou conhecimento que um determinado veículo Classe A, avaliado em € 17.500, não se encontrava nas instalações da ré em ..., sendo certo que, apenas em 2 de Maio de 2008, comunicou esse facto à ré.

Também ficou demonstrado que, após tomar conhecimento da situação que envolvia o desaparecimento daquela viatura usada, o autor, de imediato, conversou com os seus colaboradores mais próximos no sentido de pedir explicações sobre se o Classe A fora emprestado por eles a algum cliente, contactou inúmeros colegas para que estes verificassem se nas instalações onde trabalhavam se encontrava o Classe A, entre as demais viaturas, solicitou ao responsável pela preparação e movimentação de viaturas novas que pedisse aos movimentadores e motoristas se poderiam verificar se por acaso a viatura se encontrava parqueada nalguma das outras instalações da ré e, ainda que se não recordasse de ter enviado a viatura para o Porto, contactou colegas e pediu-lhes que verificassem nas duas instalações se a viatura estaria numa delas, voltando a insistir na localização da viatura junto das demais instalações da ré e tendo, em meados de Abril de 2008, contactado um elemento policial explicando sumariamente a situação e procurando saber a localização da viatura em falta.

Refira-se que as chaves das viaturas encontravam-se num chaveiro dentro das instalações da ré, sendo que a retirada de alguma viatura só pode ocorrer com a intervenção de alguma pessoa da empresa ré, que após a suspensão do autor a viatura apareceu e que «[o] autor continuou a diligenciar por encontrar comprador para a viatura em causa, durante o período do seu desaparecimento».

A conduta descrita assume, indiscutivelmente, relevância disciplinar, na justa medida em que afronta, principal e predominantemente, o dever de cumprir as ordens e as instruções do empregador, no respeitante, sobretudo, ao dever de «manter  os seus superiores e a administração da ré informados de quaisquer factos relevantes que se verifiquem a respeito das vendas e do stock de viaturas» [facto provado 73)], sendo que os demais deveres invocados pela recorrente assumem relevância, ainda que acessória, na medida em que configuram o reflexo ou a consequência necessária da afronta àquele dever de obediência.

E idêntica caracterização — a da relevância disciplinar — é de acolher em relação ao comportamento assumido pelo autor, aquando da sua suspensão, ao levar consigo os seus exemplares das fichas de avaliação de veículos para retoma.

Relevam, neste plano de consideração, os factos provados seguintes: as fichas de avaliação são documentos preenchidos pelos vendedores de viaturas novas descrevendo o estado em que se encontra o veículo que o potencial cliente pretende entregar para retoma na compra da viatura nova; nessas fichas de avaliação é inscrito, pelo vendedor de viaturas novas, o nome do cliente e os dados gerais da viatura que o mesmo eventualmente pretende entregar para retoma, tais como a marca, modelo, cor, matrícula, ano da matrícula, combustível utilizado, número de portas e número de quilómetros; depois, o vendedor de viaturas novas usualmente refere qual o estado geral da viatura para retoma no espaço reservado a outras informações e, em seguida, o vendedor de viaturas novas remetia tal ficha, por fax ou por email, ao autor que, reunindo com a sua equipa de vendedores de viatura usadas, atribuía um valor ao veículo usado, sendo que, caso fosse possível desde logo atribuir um valor ao veículo para retoma, o trabalhador indicava tal valor na ficha, no espaço a essa informação destinado, datava-a e assinava-a; caso não fosse possível aos vendedores de usados avaliar o veículo em causa, o trabalhador efectuava uma prospecção de mercado, contactando alguns comerciantes e inscrevia na ficha o nome e montante que estes haviam oferecido pela viatura; subsequentemente, o autor digitalizava o documento e enviava a digitalização por email para o vendedor de viaturas novas que lhe havia solicitado a avaliação, para o chefe de vendas desse vendedor e para o Dr. CC, adjunto da administração da ré.

Logo, na ré existiam quatro exemplares da mesma ficha de avaliação: um na posse do autor, outro na posse do vendedor de viaturas novas que havia solicitado a avaliação, outro na posse do chefe de vendas desse vendedor e outro na posse de CC.

Porém, aquando da sua suspensão — ocorrida em 13 de Maio de 2008 — o autor levou consigo os seus exemplares das fichas, apenas fazendo menção de as devolver — o que fez no dia 3 de Julho de 2008 — após ter tomado conhecimento, pela sua mandatária, que o aditamento à nota de culpa considerava censurável o facto de ter removido das instalações da empresa o seu exemplar das fichas de avaliação; por isso, o autor dirigiu à ré a comunicação junta aos autos a fls. 106, manifestando a intenção de devolver os exemplares das fichas de avaliação que tinha na sua posse.
Registe-se que, não obstante existirem, na ré, quatro exemplares da mesma ficha de avaliação, os que o autor levou consigo, aquando da sua suspensão, eram os únicos que continham anotações no verso relativas à identidade do comerciante interessado na compra do veículo e/ou ao valor oferecido, sendo que, por o autor os ter levado consigo, a ré deixou de conhecer o preço oferecido ao cliente nas situações em que o vendedor da viatura nova não guardou uma cópia, bem como de conhecer o comerciante que se comprometeu a comprar a viatura em causa.
 
Ora, o autor não poderia deixar de conhecer que os documentos que levara consigo, e que manteve na sua posse entre 13 de Maio de 2008 e 3 de Julho seguinte, ou seja, durante quase dois meses, eram imprescindíveis ao giro comercial da ré, na medida em que portadores de informações únicas e que, obviamente, apenas à ré respeitavam e para ela tinham utilidade, assim soçobrando, obviamente, o argumento de que se tratariam de documentos pessoais ou próprios do autor.

Mostra-se, assim, evidenciada, a violação, pelo autor, do dever de promover os actos tendentes à melhoria da produtividade da ré e do dever de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho.

Verificada a relevância disciplinar dos comportamentos assumidos pelo autor, importa aquilatar da sua suficiência para efeitos de aplicação da mais grave das sanções disciplinares: o despedimento com justa causa.

2.3. O acórdão recorrido, na fundamentação do recurso de apelação que o autor interpôs — e no qual se insurgiu contra a sentença do tribunal de 1.ª instância, que reputou como lícito o despedimento promovido pela ré — ponderou, na análise do complexo conceito de justa causa, que, apesar do cometimento, pelo autor, de factos integradores da violação de deveres laborais passíveis de relevo disciplinar, não eram os mesmos de molde a comprometer a subsistência do contrato de trabalho, daí que tenha concluído pela ilicitude do despedimento efectivado.
Fundamentou essa sua deliberação na argumentação seguinte:

                  «Analisando e ponderando o comportamento do recorrente ilustrado nos factos provados, verificamos que se mostra mediana a intensidade da culpa com que actuou, na medida em que se provou que, após ter tomado conhecimento do desaparecimento da viatura em causa, encetou várias diligências no sentido de apurar a sua localização, o que significa que “não deixou de lado o assunto” ou que não lhe deu a importância que merecia, sendo certo que tratou de resolver a questão, embora descurasse a sua obrigação de comunicar a situação à ré.
                      Acresce que, após a suspensão preventiva do recorrente, a viatura em causa apareceu, pelo que não sofreu a recorrida quaisquer prejuízos patrimoniais com a situação gerada.
                      Por outro lado, é de salientar, ainda, que não resultou provado que o desaparecimento da viatura em causa tivesse ocorrido em consequência da prática de qualquer acto praticado pelo recorrente, sendo certo que as chaves da viatura se encontravam num chaveiro dentro das instalações da ré (não se provou que estivesse no gabinete do recorrente) o que nos leva a concluir que a sua retirada só podia ocorrer com a intervenção de alguma pessoa da ré, do que decorre que foi alguém da empresa que a levou, não dando disso conhecimento ao recorrente, daí que fosse legítimo ao recorrente pensar que não tinha desaparecido.
                      E porque o acesso à viatura estava circunscrito às pessoas da ré, entendemos, também, compreensível que o recorrente não tivesse, de imediato, participado à administração o seu desaparecimento.
                      Acresce, ainda, que apesar do recorrente ter continuado a diligenciar por encontrar comprador para a viatura em causa, durante o período do seu desaparecimento, comportamento que se considera imprudente e grave e violador do seu dever de zelo e diligência, o certo é que daí não adveio qualquer prejuízo para a imagem da ré, pelo que também aqui é atenuada a censurabilidade da conduta do recorrente, tanto mais que não ficou provado que tais diligências levaram a que algum potencial adquirente se tivesse comprometido a comprá-la.
                      Também podemos afirmar que é mediana a censurabilidade da conduta do recorrente no que respeita ao facto de ter levado consigo as fichas de avaliação, pois para todos os efeitos, o que levou foram os seus exemplares dessas fichas, embora contivessem anotações que interessavam à empregadora, o que era do seu conhecimento e, por isso, nos levou a concluir ser tal conduta violadora dos deveres laborais acima referidos.
                      Por outro lado, não tendo ficado provado que a recorrida alguma vez solicitou as fichas de avaliação ao recorrente, nem mesmo após o aditamento à nota de culpa, o que revela ser relativa a importância daquelas e sabendo-se que este, logo que tomou conhecimento que o aditamento à nota de culpa considerava censurável o facto de ter levado as mesmas, de imediato, dirigiu à ré a comunicação de fls. 106, onde refere, além do mais, que por as ter elaborado entendeu que fariam parte dos seus objectos pessoais, nunca pretendendo prejudicar a empresa e manifestando a sua vontade de as entregar, o que fez no dia 3 de Julho de 2008, ou seja no dia em que se mostra datada a dita comunicação, cremos ser de concluir que, também nesta parte, se mostra atenuado o juízo de reprovação da infracção disciplinar em causa.
                      Acresce, ainda, que, não obstante o teor dos pontos 76.º e 77.º dos factos provados, o certo é que não ficou provado que a circunstância do recorrente ter levado consigo as fichas de avaliação causou atrasos nas vendas das viaturas, que determinou a repetição dos contactos tendentes à sua venda ou que causou prejuízos à ré.
                      Por outro lado, há que considerar que o recorrente trabalhou na recorrida durante 8 anos, não resulta dos autos que já tivesse sido punido disciplinarmente, tudo apontando no sentido de que a descrita actuação se enquadra num acto acidental no seu percurso laboral, sem consequências para a ré.
                      Assim, não obstante a verificação das infracções disciplinares em causa, ponderadas todas as citadas circunstâncias, a verdade é que não assumem estas, em si mesmas e nas suas consequências gravidade tal que determine a quebra dos laços de confiança entre recorrente e recorrida e que tomem inexigível à recorrida a prestação por parte do recorrente, revelando-se a sanção aplicada desproporcional à infracção.»

Assente a relevância disciplinar dos comportamentos assumidos pelo autor, a apreciação da sua gravidade, mormente para efeito de ponderação da justa causa de despedimento, há-de aferir-se em função de todo o circunstancialismo que os rodeia.

Milita a favor do autor, neste âmbito, a sua antiguidade — embora de não significativo relevo no que respeita ao exercício do cargo de chefe de vendas de viaturas usadas —, sem registo de antecedentes disciplinares, e, também, o facto de, conhecedor do desaparecimento da viatura em causa, ter desenvolvido esforços no sentido da sua localização, bem como a circunstância de ter procedido à devolução das fichas de avaliação que levara consigo aquando da suspensão e de não resultar provado qualquer prejuízo material efectivo para a ré gerado pela conduta do autor.

Todavia, não se afigura serem esses factos suficientes para neutralizar ou diminuir a gravidade dos comportamentos assumidos pelo autor, em ordem a impor à ré a manutenção do vínculo laboral, sendo certo que, ao contrário do ajuizado na deliberação recorrida, não se considera atenuada a censurabilidade da conduta do autor, atendendo, por um lado, ao lapso de tempo em que manteve subtraído ao conhecimento da ré o desaparecimento da viatura, cuja guarda lhe estava adstrita e cujo desaparecimento lhe incumbia comunicar, e, por outro lado, ao lapso de tempo em que conservou em seu poder as fichas de avaliação de viaturas com informações únicas e úteis para a ré, que, em consequência daquele comportamento do autor, deixou de conhecer «o preço oferecido ao cliente nas situações em que o vendedor da viatura nova não guardou uma cópia», bem como a identidade do «comerciante que se comprometeu a comprar a viatura em causa».

Aliás, a circunstância do autor ter desenvolvido esforços no sentido de localizar a viatura desaparecida assume relevância moderada, porque, tendo ocultado, à ré, a informação acerca do seu desaparecimento, inviabilizou que fossem encetadas outras medidas, porventura mais profícuas, em ordem à sua pronta localização.

A agravar o mencionado comportamento surge, ainda, a circunstância de, durante o período em que esteve desaparecida a viatura, o autor não se ter inibido de continuar a desenvolver esforços no sentido encontrar um comprador para a mesma, o que, a ter ocorrido, poderia ter graves consequências para a imagem da ré.

No que concerne às fichas de avaliação dos veículos usados, também a circunstância de o autor as ter devolvido se reveste de moderada relevância, se ponderarmos que essa decisão surge motivada pela reacção disciplinar que a ré teve ao detectar que, aquando da suspensão, o autor as tinha levado consigo.

Em derradeiro termo, é tempo de enfrentar o que se nos afigura essencial, in casu. O comportamento do trabalhador tem de ser analisado na perspectiva da sua projecção sobre o vínculo laboral, em atenção às funções por ele desempenhadas e à possibilidade de estas subsistirem sem lesão irremediável dos deveres fundamentais inerentes. E, neste conspecto, há que reconhecer que o sobredito comportamento, nas circunstâncias concretas em que ocorreu, teve necessariamente como consequência a perda de confiança no autor, trabalhador a quem estavam confiadas funções de chefia, estatuto que lhe impunha uma especial postura de zelo, diligência e lealdade, e que, uma vez frustrada, é susceptível de criar na empregadora fortes dúvidas acerca da idoneidade futura do seu comportamento, além de que, também do ponto de vista objectivo, revela uma completa desadequação da conduta do trabalhador no respeito pelos interesses da entidade empregadora.

Tal como sublinha o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, a conduta do autor, que ocupava «uma posição de chefia na empresa projeta-se negativamente e de forma séria na própria organização, neste caso agravado pelo sinal negativo transmitido aos subordinados, e para o exterior desta» [cf. factos provados 26) a 29), 32) e 33)].

De facto, conforme este Supremo Tribunal tem salientado, nas situações em que o trabalhador exerce funções de chefia, logo, de maior confiança na organização das entidades empregadoras, o dever de lealdade é aí mais acentuado, por serem mais exigentes e qualificadas as funções atribuídas, assim se concluindo que a subsistência dessa confiança constitui o fundamento nuclear da manutenção do vínculo laboral.

E nem se diga que não resultaram prejuízos para a ré da conduta do autor.

Tal como lucidamente pondera JÚLIO GOMES (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 951), no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, «estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador».

Em suma, o autor, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a respectiva manutenção, que não é razoável exigir à entidade empregadora, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho aplicável, termos em que procedem as atinentes conclusões da alegação do recurso de revista.

Nestes termos, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas nas conclusões 22.ª a 25.ª, esta na parte atinente, da alegação do recurso de revista.
             
De facto, o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

                                             III

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

               a) Julgar parcialmente procedente a revista trazida pela ré, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que julgou ilícito o despedimento do autor e condenou a ré a pagar ao autor (i) a indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 20 dias de retribuição base auferida à data do despedimento, por cada ano de antiguidade ou fracção, até à data do trânsito em julgado da sentença, (ii) as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e (iii) a quantia de € 2.500, a título de danos não patrimoniais;
               b) Julgar improcedente a ampliação do âmbito do recurso requerida pelo autor/recorrido;
               c) No mais, manter o acórdão recorrido.

Custas, nas instâncias e no Supremo, a cargo do autor e da ré, na medida do respectivo decaimento.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                               Lisboa, 27 de Março de 2014

Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha