Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6638/16.7T8PRT-A.P1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PRAZO
CONTAGEM DE PRAZOS
FACTO INTERRUPTIVO
PATROCÍNIO OFICIOSO
DILAÇÃO DO PRAZO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
MULTA
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ATOS PROCESSUAIS / MODALIDADES DO PRAZO / CITAÇÃO DE PESSOA SINGULAR.
DIREITO CIVIL – INTERPRETAÇÃO DA LEI – FACTOS JURÍDICOS / O TEMPO E A SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 139.º, N.ºS 3 E 5, 228.º, N.º 2 E 245.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, E 326.º, N.º 1.
ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS, APROVADO PELA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N.º 47/2007, DE 28 DE AGOSTO: - ARTIGOS 20.º E 24.º, N.ºS 1, 4 E 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- DE 18-01-2006, ACÓRDÃO N.º 57/2006, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 03-11-2009, PROCESSO N.º 21490/08.8YYLSB-A.L1-1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 15-11-2011, PROCESSO N.º 222/10.6TBVRL.P1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


- DE 10-03-2015, PROCESSO N.º 20/14.8T8PNH-C.C1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


- DE 10-06-2016, PROCESSO N.º 3040/15.1T8VCT.G1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Nos termos e para os efeitos previstos no art.º. 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se interrompe o prazo que estiver em curso se a comprovação do pedido de apoio judiciário (na modalidade de nomeação de patrono) se verificar antes do termo do respetivo prazo;

 II - Não ocorre o efeito interruptivo se a junção do documento comprovativo tiver lugar dentro dos três primeiros dias úteis posteriores ao termo do prazo.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA e BB intentaram ação com processo comum contra CC, pedindo que se declare resolvido um contrato de arrendamento celebrado entre as partes, relativo a prédio identificado nos autos, bem como que a ré seja condenada a entregar o locado e a pagar aos autores a quantia que se liquidar posteriormente, a título de indemnização.


2. A ré foi citada em 31.3.2016, por carta registada com aviso de receção, tendo a mesma sido entregue a terceira pessoa, que assinou o aviso. Seguidamente, foi expedida carta registada à citanda, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 233º, do CPC.


3. Em 06.05.2016, a ré veio juntar aos autos documento comprovativo de ter requerido a concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, para além de patrocínio judiciário.


4. Deferido o pedido de apoio judiciário nas modalidades solicitadas, foi nomeado patrono oficioso, o qual, em 18.07.2016, foi notificado da nomeação efetuada. Na mesma data, foi comunicada a nomeação ao tribunal de 1ª instância (v. fls. 22 e ss.).


5. Em 10.10.2016, a ré apresentou contestação e deduziu reconvenção. Com a apresentação daquela peça processual, a ré juntou aos autos comprovativo de ter autoliquidado a multa devida, nos termos previstos no art. 139º, nº 5, al. b), do CPC.


6. Os autores suscitaram a questão da intempestividade da contestação/reconvenção, tendo sido proferida decisão que julgou tempestiva a sua apresentação.


7. Inconformados com esta decisão, os autores interpuseram recurso de apelação.


Na Relação, foi proferido acórdão que declarou extemporânea a contestação/reconvenção e determinou a remessa dos autos à 1ª instância para ali prosseguir os seus ulteriores termos.


8. Irresignada com esta decisão, veio a ré interpor recurso de revista excecional, dizendo, em conclusão, nas suas alegações:

“1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido no âmbito dos presentes autos, que revogou a decisão proferida em sede de 1° instância, considerando a contestação apresentada como extemporânea, com base no facto de, no entendimento do acórdão ora recorrido, o pedido de apoio judiciário formulado no decurso dos três dias úteis subsequentes ao termos do prazo não ter a virtualidade de interromper o prazo inicial.

Acontece que,

Da contradição entre acórdãos

2. O acórdão ora em crise encontra-se em contradição com os supra transcritos na motivação.[1]

Na verdade,

3. Ao contrário do decidido no âmbito do acórdão ora em crise, em ambos os acórdãos supratranscritos e adiante juntos, considerou-se que a apresentação de requerimento com comprovativo de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono num dos três dias úteis subsequentes ao término do prazo, implica a interrupção do prazo que se encontrava a decorrer.

4. Situação que aqui se encontra em discussão.

Na verdade,

5. Dando a parte processual entrada de requerimento com comprovativo de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono num desses três dias úteis não poderá deixar de se considerar que se mostra interrompido o prazo de apresentação total da peça processual e não apenas esses dias de ‘prorrogação’ do prazo.

6. Para efeitos de interrupção do prazo, por força de pedido de apoio judiciário, o prazo em curso deverá ser acrescido da dilação de três dias úteis.

Pelo que,

7. Assim sendo, e estando assente que no dia 6 de Maio deu a ora Recorrente entrada de requerimento a dar conhecimento do pedido de apoio judiciário, formulado junto dos serviços competentes nas modalidades de nomeação de patrono e dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e

8. Que tal nomeação ocorreu no dia 18 de Julho de 2016.

9. O prazo para apresentação da contestação terminaria no dia 6 de Outubro,

10. Pelo que, tendo a contestação entrado no dia 10 de Outubro, correspondente ao segundo dia de multa após o término do prazo e tendo a Ré liquidado a competente multa e junto o seu comprovativo aos autos,

11. Não poderá deixar de se concluir que a contestação apresentada é tempestiva.

12. Ao considerar a contestação apresentada extemporânea, violou o acórdão recorrido os arts. 139ºº, n.° 5 do CPC e 24°, n.° 4 da Lei 34/2004.

13. Neste contexto, deve o acórdão em causa ser revogado, substituindo-se por outro que considere a contestação apresentada pela Recorrente como tempestiva.”.

9. Foram apresentadas contra-alegações, pugnando os autores pela confirmação do acórdão recorrido.


10. Neste Supremo Tribunal, a formação a que alude o art. 672º, nº 3, do CPC, proferiu acórdão em que, concluindo pela ausência de dupla conforme, ordenou a remessa do processo à distribuição como revista normal.


11. Cumpre, pois, apreciar e decidir se a apresentação da contestação/reconvenção é, ou não, extemporânea, o que nos reconduz à questão de saber se, nos termos e para os efeitos previstos no art. 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29/7, a junção aos autos do documento comprovativo de ter sido pedido apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo para contestar, é suscetível de interromper aquele prazo.


***


II - Fundamentação


12. Os factos a ter em conta na decisão da revista são os acima referidos, no relatório.


13. No caso dos autos, a ré, invocando o disposto no nº 4 do art. 24º, da Lei nº 34/2004, de 29/7 (que consagra o regime de acesso ao direito e aos tribunais) e no nº 5 do art.º 139º, do CPC, argumenta que a junção ao processo do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, num dos três dias úteis subsequentes ao terminus do prazo para contestar, determina a interrupção deste prazo.


A 1ª instância acolheu a pretensão da ré e considerou tempestiva a apresentação da contestação.


No entanto, o acórdão recorrido, perfilhando diverso entendimento, negou eficácia interruptiva à junção do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, por ter sido efetuada após o termo do prazo para contestar, e, com este fundamento, declarou extemporânea a apresentação da contestação/reconvenção.


Vejamos, então.


Nos termos do disposto no art. 20º, da Lei nº 34/2004, de 29/7 (com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28/8), «a decisão sobre a concessão do apoio judiciário compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área da residência do requerente».


Por sua vez, como se estabelece no nº 1 do art.º 24º, da mesma Lei, «o procedimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com exceção do previsto nos números seguintes.”.


O princípio da autonomia consignado nesta disposição legal comporta, porém, as exceções previstas nos diferentes números do sobredito art. 24º, relevando especialmente para a decisão do caso em apreço o preceituado nos nºs 4 e 5.


Com efeito: no nº 4, do citado art.º. 24º, consigna-se expressamente que o prazo que estiver em curso na acção judicial pendente se interrompe por mero efeito da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação nos serviços de segurança social do requerimento com o pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono;[2] e, no nº 5, prevê-se que o prazo interrompido se inicia, isto é, começa a correr por inteiro (cf. art.º 326º, nº 1, do CC), a partir da notificação da decisão que conhecer do pedido de apoio judiciário, nos termos ali especificados.


Ora, atendendo ao teor da norma constante do nº4, do referido art.º 24º, concretamente ao segmento em que se dispõe que o prazo que estiver em curso se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento em que se pede a nomeação de patrono, e fazendo apelo às regras da interpretação da lei, plasmadas no art.º. 9º, do CC, impõe-se concluir que o efeito interruptivo ali referido apenas ocorre se a comprovação for efetuada enquanto o prazo estiver a correr, pois não é suscetível de interrupção um prazo que já decorreu integralmente.


Não obstante, a ré, tendo em vista justificar a tempestividade da contestação, sustenta que a junção do comprovativo do pedido de nomeação de patrono, ainda que num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo especificamente cominado no Código de Processo Civil para o efeito, é dotada de eficácia interruptiva do prazo para contestar, para tanto invocando, em conjugação com o art.º 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, o regime contemplado no art.º 139º, nº 5, do CPC, segundo o qual «independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de (...) multa».


Sem razão, pois que, estando em causa um prazo perentório, o seu decurso extingue o direito de praticar o ato (cf. art.º 139º, nº3, do CPC), princípio basilar que nem as finalidades próprias do instituto do apoio judiciário permitem desconsiderar.


Por outro lado, a “dilação” prevista no art.º 139º, nº 5, do CPC, não constitui uma extensão do prazo perentório de que a parte dispõe para praticar um ato processual, limitando-se, a lei, a tolerar a sua prática em juízo, mediante o pagamento de determinada penalidade.


Vale por dizer que, decorrido o prazo para apresentar a contestação, a ré não podia aproveitar-se do disposto no art. 139º, nº 5, do CPC, para, no primeiro dia útil subsequente ao seu termo, em vez de contestar, juntar aos autos o documento comprovativo do pedido de nomeação de patrono.


A entender-se diferentemente, o requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, poderia usufruir de um duplo benefício: aproveitaria a "dilação" de três dias úteis subsequentes ao termo do prazo para apresentar o documento comprovativo de ter requerido o patrocínio judiciário; e, sendo-lhe concedido o apoio judiciário, poderia praticar o ato processual em questão no prazo interrompido (pela junção aos autos daquele documento), acrescido, mais uma vez, da "dilação" de três dias prevista no art.º 139º, nº 5, do CPC.


Diga-se, finalmente, que a ré não invocou qualquer razão que pudesse justificar a apresentação tardia do documento comprovativo do pedido de nomeação de patrono, pelo que está fora do âmbito deste recurso a análise da questão sob o prisma do «justo impedimento».


14. Concluindo:


Nos termos e para os efeitos previstos no art.º. 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se interrompe o prazo que estiver em curso se a comprovação do pedido de apoio judiciário (na modalidade de nomeação de patrono) se verificar antes do termo do respetivo prazo.


Por conseguinte, não ocorre o efeito interruptivo se a junção do documento comprovativo tiver lugar dentro dos três primeiros dias úteis posteriores ao termo do prazo.[3]


No caso sub judice, a ré foi citada para contestar a ação em 31.03.2016, por carta registada com aviso de receção.


Esta carta foi entregue a terceira pessoa, pelo que, acrescendo a dilação de cinco dias (arts. 228º, nº 2, e 245º, nº 1, do CPC), o prazo para apresentar a defesa terminou em 05.05.2016.


Assim sendo, não se tendo comprovado qualquer facto interruptivo do prazo que a lei concede para o efeito, quando, em 10.10.2016, a ré apresentou a contestação e deduziu reconvenção, já há muito se encontrava esgotado tal prazo.


Consequentemente, como bem se decidiu no acórdão recorrido, não podem deixar de ser aplicadas ao caso concreto as normas processuais relativas à revelia.



***



III - Decisão


15. Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso de revista, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.


Custas a cargo da recorrente.


Lisboa, 2.11.2017


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relator)

José Sousa Lameira

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

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[1] Refere-se ao acórdão da Relação de Lisboa de 3/11/2009, proferido no processo 21490/08.8YYLSB-A.L1-1 e ao acórdão da Relação do Porto de 15/11/2011, proferido no processo 222/10.6TBVRL.P1.
[2] Esta norma tem sido interpretada no sentido de incumbir ao requerente do apoio judiciário o ónus de comprovar na acção judicial pendente a apresentação do requerimento, com vista à interrupção do prazo, interpretação que o Tribunal Constitucional, por mais de uma vez, considerou conforme com a Constituição - cf., entre outros, o Ac. nº 57/2006, de 18.1.2006, in www.tribunalconstitucional.pt.
[3] Neste sentido, entre outros, o Ac. da Relação de Coimbra de 10.3.2015, proc.20/14.8T8PNH-C.C1, e o Ac. da Relação de Guimarães de 10.6.2016, proc. 3040/15.1T8VCT.G1, in www.dgsi.pt.