Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P2592
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
COACÇÃO
CRIME CONTINUADO
MENOR
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
FINS DAS PENAS
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
PRINCÍPIO DA CULPA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: SJ200801170025925
Data do Acordão: 01/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :


I - O art. 9.º do CP prevê que aos maiores de 16 anos e menores de 21 sejam aplicáveis normas fixadas em legislação especial. Tal legislação especial consta do DL 401/82, de 23-09, cujo n.º 2 do art. 1.º elucida que é considerado jovem para os seus efeitos o agente que, à data do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.

II - A jurisprudência, nomeadamente a deste STJ, tem mostrado alguma hesitação na aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes, existindo uma corrente mais restritiva que defende que, nos casos em que deve ser aplicada pena de prisão, a atenuação especial da pena, prevista no art. 4.º do DL 401/82, só deve ocorrer quando for possível concluir pela existência duma objectiva vantagem dessa atenuação para a ressocialização do delinquente.

III -Com diferente perspectiva, numa visão mais humanista, tem outra corrente afirmado que a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82, deve funcionar como regime-regra, que apenas será de afastar se for contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para se crer que, dela, possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado [cf. por todos, o Ac. do STJ, de 21-09-2006, Proc. n.º 3062/06 - 5.ª (relator Conselheiro Carmona da Mota)].

IV -O preâmbulo do DL 401/82, que constitui um elemento interpretativo de grande alcance, favorece este último entendimento, advertindo, todavia, para a necessidade de jamais serem descurados os interesses fundamentais da comunidade.

V - Relativamente aos jovens adultos (art. 2.º do DL 401/82), a atenuação especial pode fundar-se, não só no princípio da culpa (caso em que decorrerá dos arts. 72.º e 73.º do CP), como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial, ou seja, de reintegração do agente na sociedade.

VI -A atenuação especial para jovens adultos encontra a sua razão de ser no facto dos jovens de mais de 16 e menos de 21 anos, apesar de imputáveis, ainda se encontrarem numa fase da vida de formação de personalidade e à procura de modelos, nem sempre positivos, que os possam orientar para a vida adulta. Por outro lado, quanto mais jovem é o arguido, maior é a necessidade (quase que se diria “a imperatividade”) de se atenuar a pena, pelo que, a um jovem entre os 16 e os 18 anos de idade, não se deve negar, em princípio, a aplicação do regime especial que a lei prevê.

VII - No caso em que o arguido tinha, à data dos factos, que se prolongaram entre altura não apurada de 1998 e Setembro de 2003, entre 12/13 e 18 anos de idade, tendo os factos criminalmente relevantes ocorrido entre os 16 e os 18 anos de idade, verifica-se que a confissão de última hora, a falta de interiorização da gravidade do crime, as dificuldades no estabelecimento de relações sociais e o défice ao nível da integração dos afectos, demonstram a imaturidade de quem tinha 21 anos na altura do julgamento, imaturidade que seria, certamente, muito mais acentuada uns anos antes, o que reforça a necessidade de se aplicar o regime especial para jovens adultos.

VIII - Dentro da moldura penal abstracta correspondente ao crime de abuso sexual de crianças, praticado na forma continuada, p. e p. à data dos factos e da prolação da decisão recorrida no art. 172.º, n.º 2, do CP (actualmente, após a reforma do CP operada pela Lei 59/2007, de 04-09, no art. 171.º, n.º 2), especialmente atenuada, ou seja, pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 6 anos e 8 meses, mostra-se adequada a pena de 22 meses de prisão, considerando que:
- a conduta do arguido, que se iniciou quando o mesmo tinha 12/13 anos, consistiu na prática de penetrações anais e orais, reiteradas durante anos, com criança que, no início tinha 5 anos de idade e, no período em que o arguido pode ser penalmente responsabilizado, tinha entre 8 e 10 anos;
- por virtude das penetrações anais, a criança ficou com sequelas físicas, apresentando hiperémia franca e diminuição da tonicidade do esfíncter externo no ânus, a que acrescem as mais graves consequências ao nível psico-social;
- militam a favor do arguido a confissão muito relevante para a descoberta da verdade, o arrependimento sincero, a ausência de antecedentes criminais, a circunstância de estar a trabalhar e contribuir para as despesas domésticas, nomeadamente para o sustento de uma filha menor, e de já terem passado mais de 4 anos sobre os factos.

IX -Há uma antinomia entre, por um lado, a fortíssima exigência de prevenção geral do crime de abuso sexual de crianças, principalmente nos casos em que há penetrações reiteradas durante anos e em que a vítima ainda nem atingiu a puberdade e, por outro, as menores exigências de ressocialização do arguido, aparentemente reintegrado pelo ambiente familiar e pelo trabalho. Essa contradição resolve-se com a aplicação de uma pena curta de prisão, mas efectiva, pois a pena substitutiva não iria satisfazer a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.

Decisão Texto Integral: