Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
576-D/2001.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: ACÓRDÃO POR REMISSÃO
FALÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
TRABALHADOR
CREDITO LABORAL
ESTABELECIMENTO
LOCAL DE TRABALHO
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Doutrina: - Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, V Volume, pág. 143.
- Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 672; e, RLJ, ano 122, pág. 112.
- Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III Volume, 1972, págs. 228, 247.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pág. 487.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 383.
- Salvador da Costa, Concurso de Credores, 3ª ed., págs. 332/333.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 351.º, 748.º, 751.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, N.º2, 515.º, 668.º, N.º1, AL. D), 713.º, N.º5, 716.º, N.º1.
CÓDIGO DE TRABALHO (APROVADO PELA LEI Nº 99/2003, DE 27-08): - ARTIGO 377.º, N.º 1, AL. B).
CPEREF: - ARTIGO 188.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 4/02/2004, PROCESSO Nº 03S4058;
-DE 13/01/2005, PROCESSO N.º 04B4031;
-DE 13/01/2005, PROCESSO N.º 04B4251;
-DE 17/03/2005, PROCESSO N.º 05B174;
-DE 7/04/2005, PROCESSO N.º 05B205;
-DE 21/04/2005, PROCESSO N.º 05B490;
-DE 5/05/2005, PROCESSO N.º 05B839;
-DE 31/05/2005, PROCESSO N.º 05B1730;
-DE 22/10/2009, NO PROCESSO Nº 605/04.0TJVNF-A.S1;
-DE 8/06/2010 NO PROCESSO Nº 3147/04.0TBSTS-A.P1.S1;
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Sumário : I - O uso da faculdade de remissão do art. 713.º, n.º 5, do CPC, apenas se justifica quando as questões colocadas no recurso tenham sido já analisadas na sentença recorrida e aí tenham sido cabalmente resolvidas.
II - Ao trabalhador, que reclame um crédito emergente do contrato de trabalho, incumbe, para poder beneficiar do privilégio imobiliário especial conferido no art. 377.º, n.º 1, al. b), do CT, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, alegar não só a existência e o montante desse crédito, como também o imóvel onde prestava a sua actividade, fazendo, depois, e se necessário, a prova de tais factos de acordo com a regra geral do ónus da prova (art. 342.º, n.º 1, do CC).
III - Num processo de falência, a reclamação de créditos não pode dissociar-se desse processo global de liquidação universal em que se insere, pelo que se documentada na falência a identificação dos imóveis onde laborava o estabelecimento fabril da empresa falida, constituídos por um conjunto de edifícios, nem sempre contíguos mas interligados, onde eram exercidas as actividades industriais da mesma, deve considerar-se processualmente adquirido esse facto e ser valorado pelo juiz na graduação de créditos, ainda que não haja sido especificamente alegado no requerimento apresentado pelos trabalhadores reclamantes nos termos do art. 188.º do CPEREF.
IV - Sendo assente haverem todos os trabalhadores exercido a sua actividade naquele complexo de edifícios constitutivos do estabelecimento industrial da falida, beneficiam os seus créditos de privilégio imobiliário especial sobre a totalidade dos imóveis, e é consequente que devem ser graduados antes dos créditos referidos nos arts. 748.º e 751.º do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I— RELATÓRIO


Nos autos de reclamação de créditos, que são apenso do processo especial de falência de “AA”, do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, foi proferida sentença que, na parte respeitante ao produto da liquidação dos bens imóveis da falida onerados com hipotecas voluntárias legais e privilégios creditórios, conferiu prioridade no pagamento, sucessivamente, aos trabalhadores (relativamente aos créditos fundados nos contratos de trabalho), Fazenda Nacional (por crédito do IMI), ao BCP em paridade com o BPI, CGD, S.A. em paridade com o BCP (todos na qualidade de credores hipotecários), Segurança Social (relativamente a contribuições garantidas por hipoteca legal, privilégio mobiliário geral e créditos referentes ao IRS), e demais credores, considerando no que se refere a juros que só podem ser atendidos os vencidos até à data da sentença de falência, 19 de Outubro de 2005.
Inconformada com o teor desta decisão, recorreu para a Relação a credora Caixa Geral de Depósitos, SA.
A Relação julgou o recurso improcedente pelo Acórdão de 13/09/10, inserto de fls. 1201 a 1204, considerando haver sido a problemática suscitada pela apelante bem resolvida na sentença recorrida.

Continuando inconformada, vem, agora, pedir revista do acórdão proferido, e nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:
1ª - Como o douto acórdão não se pronunciou sobre todas as questões colocadas pela recorrente, designadamente sobre a alegação de que em relação à verba n° 13 e 14, só o BCP e a CGD é que detêm uma hipoteca paritária e que quanto às verbas 15 a 21, o BNU (actual CGD) também detém uma hipoteca conjuntamente com os outros bancos, devendo a graduação de créditos ser também alterada nesse sentido, padece da nulidade prevista no artigo 668-1, d), ex vi do artigo 716, ambos do CPC;
2ª - Os factos atinentes à natureza privilegiada do crédito são factos principais/essenciais, isto é, dos que integram a causa de pedir e que necessitam de ser alegados nos termos da alínea c) do artigo 128 e do artigo 342-1, do C. Civil;
3ª - Desta forma, os trabalhadores para beneficiarem do privilégio imobiliário especial, previsto no artigo 377-1-b), do C. de Trabalho, tinham que alegar na sua reclamação de créditos o preciso ou o concreto imóvel onde exerciam a sua actividade, quando é certo que no património da insolvente existe mais de um imóvel apreendido e vendido, sob pena de não o fazendo, cessar o direito a invocar aquele privilégio;
4ª - Acontece que, como os trabalhadores não alegaram tal facto principal, o MJ ”a quo” mandou notificar o Sr. Administrador para vir informar quais os concretos imóveis onde os trabalhadores exerciam a sua actividade,
5ª - Ora, resulta do artigo 264, do CPC, que é vedado ao juiz a consideração de factos principais não alegados pelas partes ou em moldes diversos dos alegados por aquelas, pelo que não se podia considerar que os trabalhadores exerciam a sua actividade naqueles imóveis hipotecados;
6ª - Assim, o crédito hipotecário da CGD deverá ser graduado à frente dos créditos laborais, uma vez que o crédito daqueles apenas é garantido por privilégio mobiliário geral, atribuído pelo n° 1, alínea a), do art° 377° do Código do Trabalho;
7ª - Sempre e em qualquer caso, nunca os trabalhadores podiam ver reconhecido o privilégio do artigo 377°, do C. de Trabalho quanto aos prédios rústicos, os quais, diga-se, estão a ser alienados de forma independente de outros;
8ª - Por todo o exposto, por erro de interpretação e aplicação, violou a decisão recorrida os preceitos legais supra citados e demais disposições legais citadas na presente recurso.

Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – por diante CPC(1).
São as seguintes as questões nelas suscitadas:
a) Nulidade do Acórdão por violação do art. 668°, n° 1, al. d), primeira parte, do CPC;
b) Se o crédito hipotecário da CGD deverá ser graduado à frente dos créditos laborais.


II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

O Acórdão recorrido, como acima referimos, considerou as questões suscitadas na apelação bem resolvidas na sentença da 1ª instância e nessa conformidade para ela remeteu a sua fundamentação, nos termos permitidos pelo disposto no art. 713, n.º 5 do CPC.
Por sua vez, nessa decisão recorrida optou-se por não proceder a discriminação autónoma dos factos provados, antes os inserindo no decurso da interpretação e aplicação do direito de forma ajustada ao passo da fundamentação.

DE DIREITO

A) Nulidade do Acórdão por violação do art. 668°, n° 1, al. d), primeira parte, do CPC

Alega a recorrente que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a questão que lhe colocara relativa à errada graduação dos seus créditos concernente às verbas n° 13, 14, e 15 a 21, e alteração no sentido que propugnou, motivo porque entende ser nulo o seu Acórdão por omissão de pronúncia.
Não lhe assiste razão e passamos a explicar.
A nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. d) – primeira parte – do CPC é a omissão de pronúncia sobre questões que se devesse apreciar.
Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art. 666º, n.º 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra(2) .
Esta nulidade é uma constante nos recursos, originada na confusão que se estabelece entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. São, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte.
Com efeito, quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão pois a expressão “questões” referida nos arts 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d), do CPC não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes(4) .
Sem esquecer isto, visando simplificar, até por razões de celeridade processual, a estrutura dos acórdãos, o art. 713º, n.º 5, do CPC faculta a remissão para a decisão impugnada quando a Relação confirma inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1ª instância, quer quanto á decisão quer quanto aos fundamentos.
Por essa razão, de que recebe e perfilha os fundamentos da decisão recorrida, não tem a Relação que se debruçar sobre as questões levantadas nas conclusões das alegações, com ressalva das que sejam de conhecimento oficioso, pelo que não envolve tal silêncio alguma violação da obrigação de motivação ou fundamentação das decisões imposta no nº 1 do art. 205º da CRP, como o disse o Tribunal Constitucional no Ac. nº 151/99 de 9/3/99, publicado no BMJ 485º-70 (e no DR, II Série, nº181, de 5/8/99).
Mas o uso dessa faculdade de remissão não é irrestrita e descriteriosa, apenas se justifica quando as questões colocadas no recurso tenham sido já analisadas na sentença recorrida e aí tenham sido cabalmente resolvidas, sob pena de, então, sim, incorrer o acórdão em omissão de pronúncia(5) . O que não acontece, por exemplo, se na apelação se impugna a decisão da matéria de facto (6).
Revertendo ao caso, temos que a sentença da 1ª instância, após prévia e circunstanciada análise factual e jurídica, procedeu à graduação dos créditos do seguinte modo:
“- À verba n° 13, referente a prédio misto, sito no ........, freguesia de …….. - Edifício ……, rés-do-chão e andar, destinado à industria de sapataria, com 582 m2 - artigos 710 e 903 urbanos, 235 e 237 rústicos, descritos na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n° 000:
1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo “ BPI” e “BCP” até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas, em 27/11/1996.
4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.
5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
6.°) Todos os demais créditos verificados.

- À verba n.° 14, referente a prédio misto denominado "F…..", sito no ........, freguesia de …... - Edifício de sub-cave e cave amplas para armazém e rés-do-chão com refeitório, salão polivalente e sanitários - 370 m2; Pavilhão amplo destinado à indústria - 1.339 m2; terreno de mato - 141 m2, artigos 953 e 909 urbanos e 2056 rústico, descritos na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o nº 000:
1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo "BCP" até ao montante garantido pela hipoteca registada em 19/11/2002.
4.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
5.°) Todos os demais créditos verificados.

- À verba n.° 15, referente a prédio rústico composto por pinhal, sito no ........, freguesia de ……, com a área de 1.060 m2, artigo 116, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:
1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.°) O crédito do IMI reclamado nela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e “BCP” até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.
4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, S.A." e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.
5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que beneficiam de hipoteca legal, registada em 18 de Julho de 2005, até ao montantes neles garantidos.
6.°) Os demais créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
7.º) Todos os demais créditos verificados.

- À verba n.° 16, referente a prédio rústico, denominado por "M… " composto por pinhal, sito no ........, freguesia de ........, com a área de 380 m2, artigo 116, deserte na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:
1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e “BCP” até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.
4.°) Os créditos da “Caixa Geral de Depósitos, SA” e do “BCP” até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.
5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que beneficiam de hipoteca legal, registada em 18 de Julho de 2005, até ao montantes neles garantidos.
6.°) Os demais créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
7.°) Todos os demais créditos verificados.

- À verba n.° 17, referente a prédio rústico, denominado por "F…", composto por pinhal, sito no Lugar da Costa, freguesia de ........, com a área de 785 m2, artigo 160, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:
1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e “BCP” até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.
4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.
5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
6.°) Todos os demais créditos verificados.

- À verba n.° 18, referente a prédio rústico, composto por pinhal, sito no Lugar ……, freguesia de ........, com a área de 410 m2, artigo 118, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:
1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e "BCP" até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.
4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.
5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
6.°) Todos os demais créditos verificados.

- À verba n.° 19, referente a prédio rústico denominado por "M……", composto por pinhal, sito no L…, freguesia de ........, com a área de 775 m2, artigo 117, deserto na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:
1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo BPI” e "BCP" até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.
4°) Os créditos da “Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.
5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que beneficiam de hipoteca legal, registada em 18 de Julho de 2005, até ao montantes neles garantidos.
6.°) Os demais créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
7.°) Todos os demais créditos verificados.

- À verba n.° 20, referente a prédio rústico, composto por pinhal, sito no Lugar do ….., freguesia de ………., com a área de 1.500 m2, artigo 115, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:
1 °) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e "BCP" até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.
4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.
5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que beneficiam de hipoteca legal, registada em 18 de Julho de 2005, ate ao montantes neles garantidos.
6.°) Os demais créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
7.°) Todos os demais créditos verificados.

- À verba n.° 21, refererente a prédio rústico, composto por pinhal, sito no Lugar do ........, freguesia de ……, com a área de 1.102 m2, artigo 128, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:
1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.
2.º) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.
3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e "BCP" até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.
4.°) Os créditos da "Caixa Gerai de Depósitos, SA." e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.
5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.
6.°) Todos os demais créditos verificados.”

A recorrente CGD, SA discorda e acusou, na apelação, padecer de erro a graduação dos seus créditos, concretamente em relação às verbas n°s 13 e 14 (deve ser graduado em primeiro lugar, apenas com o BCP) e às verbas nºs 15 a 21 (deve ser graduado em primeiro lugar, conjuntamente com outros bancos, face à hipoteca registada em 27/11/96, e também em segundo lugar, com o BCP, face à hipoteca registada em 19/11/02).
Percebe-se que com a remissão e invocação do art. 713º, nº 5, do CPC a Relação assim não entendeu, e quis dizer que perfilhava e se louvava na fundamentação de facto e de direito do tribunal de 1ª instância, como que dela se apropriando, dessa forma manifestando que o entendimento defendido pela recorrente não tinha sustentação e correcto se apresentava o da decisão recorrida.
Aliás, a sentença da 1ª instância mostra-se cuidadosamente elaborada e precedida de minuciosa análise, tendo decidido todas as questões que naquela instância foram suscitadas.
Por sua vez, o acórdão recorrido, após o relatório, embora sem enumerar explicitamente a totalidade das questões que decidia, fez legal aplicação do disposto no art. 713º, n.º 5, do CPC, decidindo, como se referiu, por remissão, e acrescentando ainda algumas considerações complementares sobre a questão de saber se os trabalhadores da falida deviam beneficiar do privilégio imobiliário especial previsto no art. 377º do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/03 de 27/08.
Concluindo, ao fazer seus os fundamentos de facto e de direito expostos pelo tribunal recorrido a Relação obviamente apropriou-se da decisão impugnada, também nessa parte. Isto é, pronunciou-se sobre o insurgimento da recorrente neste particular.
Não pode, assim, dizer-se que a graduação visada seja questão nova suscitada perante o tribunal de 2ª instância, e sem dúvida que não é de conhecimento oficioso, casos em que lhe estaria vedado fazer uso da remissão por antes a dever apreciar.
Em suma, não ocorre omissão de pronúncia, não padece o Acórdão recorrido da consequente nulidade que a al. d), do nº 1, do art. 668º do CPC (aplicável ex vi do art. 716º, nº 1) prevê.

B) Se o crédito hipotecário da CGD deverá ser graduado à frente dos créditos laborais

Sob esta epígrafe, alinha a recorrente a argumentação de aos trabalhadores, para beneficiarem do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 377º, nº 1, al. b), do Código de Trabalho, competir alegar na sua reclamação de créditos o concreto imóvel onde exerciam a sua actividade, quando é certo que no património da insolvente existe mais de um imóvel apreendido e vendido, sob pena de, não o fazendo, cessar o direito a invocar aquele privilégio.
Como não o fizeram, não alegaram tal facto principal, o juiz “a quo” não podia considerar que os trabalhadores exerciam a sua actividade nos imóveis hipotecados, após informação do Sr. Liquidatário a sua solicitação, por lhe ser vedado fazer como resulta do art. 264º, nº 2 do CPC.
Pretende, pois, que o seu crédito hipotecário seja graduado à frente dos créditos laborais uma vez que, face àquela omissão, o crédito daqueles apenas é garantido por privilégio mobiliário geral, atribuído pelo n° 1, al. a), do art. 377° do Código do Trabalho.
Vejamos.
Constitui jurisprudência uniforme que o momento decisivo para definir o regime normativo aplicável à graduação de créditos no âmbito de um processo de liquidação universal é o do decretamento definitivo da falência, e não o que vigorar, porventura, na data do encerramento da discussão e julgamento do processo de reclamação, verificação e graduação de créditos, tramitado como sua dependência.
A data da declaração de falência que vem dada por assente é a de 27 de Maio de 2005.
Nesta data já estava em vigor o art. 377º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que revogou as Leis nºs 17/86, de 14 de Junho e 96/2001, de 20 de Agosto, diplomas que anteriormente regulavam a matéria dos privilégios creditórios de que gozavam os créditos dos trabalhadores resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação.
Também vem estabelecido que os contratos de trabalho cessaram todos após o início da vigência do art. 377º, em 28 de Agosto de 2004.
Não se suscita, pois, qualquer dúvida, nem a recorrente a levanta, de a relação existente entre os trabalhadores e a empresa falida ser de natureza laboral e de ao caso ser aplicável o regime do art. 377º.
Dispõe este art. 377.º:
“1. Os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”.
Não se põe em causa que ao trabalhador, que reclame um crédito emergente do contrato de trabalho, incumbe para poder beneficiar do aludido privilégio imobiliário especial, alegar não só a existência e o montante desse crédito, como também o imóvel onde prestava a sua actividade, fazendo, depois, e se necessário, a prova de tais factos de acordo com a regra geral do ónus da prova (art. 342º, nº 1 do Código Civil)(7)(8) .
Na realidade, foi o Sr. Liquidatário, a solicitação da Exma Juíza e posterior pedido de esclarecimentos da recorrente, quem deu a saber, conforme fls. 1061 e 1064, e 1083 a 1088, que os imóveis integrantes da massa falida formavam no seu conjunto um todo único e interligado, com alguns deles ainda considerados rústicos tão só porque o processo de licenciamento das instalações fabris ainda se encontrava em aberto, mas sobre os quais já existem edificações ou funcionavam como logradouros alcatroados dos já classificados como urbanos, não havendo na empresa actividade agrícola, silvícola, ou qualquer outra do género, nem trabalhadores rurais.
Na sentença de graduação da 1ª instância que se seguiu(9) , não escapou ao decisor a importância do tema aqui trazido posicionando-se na corrente de pensamento expressa no Acórdão deste Supremo Tribunal de 22/10/09, no Proc. nº 605/04.0TJVNF-A.S1, por essa forma dando por assente que os trabalhadores titulares dos créditos de natureza laboral exerciam a sua actividade nas instalações da falida, em todos os imóveis apreendidos nos autos.
Como afirma a dado passo, considera “que todos os imóveis apreendidos nos autos faziam parte do estabelecimento industrial da falida, de forma una e indivisível, onde era exercida a sua actividade produtiva concentrando nesse espaço o local onde os trabalhadores prestavam a sua actividade”, consequentemente sobre todos eles incidindo o privilégio imobiliário especial previsto no art. 377º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto e que revogou a Lei n.º 17/86, de 14 de Junho (cfr. ponto 8 da sentença, fls. 1117 a 1120).
Trata-se de questão já colocada a este Supremo Tribunal em diferentes matizes, tendo sido objecto, naquela que ora nos importa, de ponderação e decisões concordantes, relativamente recentes, nos Acórdãos de 22/10/09 já citado, e de 8/06/10 no Proc. nº 3147/04.0TBSTS-A.P1.S1.
Não vemos razão para deles dissentir, tendo em conta os princípios impregnados no processo civil. Como se decidiu no primeiro deles, “inserindo-se o procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos num processo global de falência, deve considerar-se processualmente adquirido o facto que se consubstancia na identificação do imóvel onde laborava o estabelecimento fabril da empresa falida, podendo as instâncias, ao proceder à graduação de créditos, terem tal facto em consideração, quando documentado na falência, ainda que não haja sido especificamente alegado no requerimento apresentado pelo reclamante nos termos do art.188º do CPEREF”.
Também aqui nos encontramos num processo de falência, e a reclamação de créditos não pode dissociar-se desse processo global de liquidação universal em que se insere. Decorre dos dados trazidos aos autos pelo liquidatário (fls. 1064 e 1084 a 1087) que todos os trabalhadores prestavam trabalho nas instalações da falida, constituídas por um conjunto de edifícios(9) , nem sempre contíguos mas interligados, onde eram exercidas as actividades industriais da mesma, e das certidões prediais juntas aos autos (cfr. fls. 942 a 965) se confirma a apreensão desses imóveis para o processo de falência.
Trata-se de um relevante acervo documental que, não se mostrando impugnado por quem quer que seja, não pode merecer a indiferença do julgador e deve considerar-se processualmente adquirido (art. 515º do CPC)(10) .
E foi ponderando essa aquisição processual, em conjugação com a caracterizada relação de natureza laboral dos trabalhadores com a falida, que o Exmo Juiz “a quo”, no exercício de um poder legalmente constituído (art. 351º do Código Civil), considerou o acima transcrito, isto é, que todos os trabalhadores exerceram a sua actividade naquele complexo de edifícios constitutivos de um todo uno e interligado, em que se traduzia o estabelecimento industrial da falida.
Diga-se, a propósito, que este facto não é passível de censura pelo Supremo Tribunal da Justiça. Como é sabido, a decisão sobre a matéria de facto só pode ser alterada por este Supremo Tribunal nos termos previstos no nº 2 do art. 722º e no nº 3 do art. 729º do CPC (na redacção anterior à conferida pelo Dec. Lei nº 303/2007 de 24/08, que, recorda-se, não é aplicável ao presente recurso), e não ocorre qualquer excepção a esta regra da intangibilidade da matéria de facto apurada pelas instâncias, pois não se verifica qualquer ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Sendo assente haverem todos os trabalhadores exercido a sua actividade naquele complexo de edifícios constitutivos do estabelecimento industrial da falida, beneficiam os seus créditos de privilégio imobiliário especial sobre a totalidade dos imóveis, e é consequente que devem ser graduados antes dos créditos referidos nos arts. 748º e 751º do Código Civil.
Deste modo, não colhe a tese da recorrente. Tanto basta para se perceber que o recurso não pode proceder.

III-DECISÃO
Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão da Relação do Porto.
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 10 de Maio de 2011
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Gregório Silva Jesus (Relator)
Martins de Sousa
Sebastião Póvoas

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[1] No regime anterior ao introduzido pelo Dec. Lei nº 303/07 de 24/08 ainda aqui aplicável (cfr. arts. 11º e 12º deste diploma).
[2] Cfr. Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 672, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III Volume, 1972, pág. 247 e Acs. do STJ de 13/01/05, 5/05/05, e 31/05/05, respectivamente, Proc. 04B4251, 05B839 e 05B1730, no ITIJ.
[3] Cfr. neste sentido Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, V Volume, pág. 143, Antunes Varela, RLJ, ano 122, pág. 112, Jacinto Rodrigues Bastos, obra citada, pág. 228.
[4] Cfr. neste sentido os Acs. deste STJ de 7/04/05, Proc. nº 05B205, 21/04/05, Proc. nº 05B490, no ITIJ; Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pág. 487.
[5] Cfr. Acs do STJ de 13/01/05, Proc. 04B4031,17/03/05, Proc. nº 05B174, e de 4/02/04, Proc. nº 03S4058, no ITIJ.
[6] Cfr. Salvador da Costa, Concurso de Credores, 3ª ed., págs. 332/333.
[7] De salientar, que diferentemente do art. 128º, nº 1, al. c) do CIRE que impõe aos credores da insolvência, sem excepção, que indiquem a sua “natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável ”, o art. 188º do CPEREF, aqui a ter em conta, apenas impunha ao credor do falido, que indicasse “a sua proveniência, natureza e montante”.
[8] Em que a matéria de facto não foi individualizada como preconizado no nº 2 do art. 659º do CPC, antes surgindo incrustada de modo esparso ao sabor da fundamentação.
[9] Não correspondendo já os artigos matriciais rústicos a prédios dessa natureza, só como tal permanecendo por à data em que a empresa se apresentou à falência o processo de licenciamento industrial ainda não haver sido concluído.
[10] O escopo primordial do processo é a realização do direito com o alcance da verdade material. Daí a importância deste normativo consagrando o princípio da aquisição processual, o qual segundo o enunciado de Manuel de Andrade se traduz no facto de “os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo” (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 383).