Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
158/14.1TBMRA.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: BEM IMÓVEL
POSSE
BENFEITORIAS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / POSSE / EFEITOS DA POSSE / BENFEITORIAS NECESSÁRIAS E ÚTEIS.
Doutrina:
-Durval Ferreira, Posse e Usucapião, p. 132;
-Menezes Cordeiro, Direitos Reais, p. 395;
-Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, p. 268 e 272.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO1273.º.
Sumário :

I – A autora que, no convencimento de pertencer aos seus falecidos pais, acordou com os irmãos lhe fosse atribuído o prédio onde antes viviam, e, em consequência, o passou a visitar com frequência mensal e, sob interpelação dos vizinhos que a reputavam como dona, nele realizou obras, exerceu a posse sobre o imóvel.

II – Por força da qualidade de possuidora, a autora tem direito a ser ressarcida das benfeitorias necessárias e úteis que realizou no prédio – art. 1273.º do CC – a satisfazer pelos réus seus proprietários.

Decisão Texto Integral:               

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I Relatório

1. AA instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum, contra BB, CC, e marido DD, pedindo que os réus sejam condenados no pagamento à Autora de uma indemnização, no valor de €23 000,00 (vinte e três mil euros), pelas benfeitorias por esta executadas no imóvel sito na Rua ..., que veio a ser judicialmente declarado como propriedade das Rés, bem como no pagamento de juros de mora, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a data das respetivas citações até efetivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, estar convicta de ser a titular do direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua ..., descrito da Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º. 1270 e inscrito na matriz sob o artigo 406.º, tendo nele realizado obras no valor de €18.000,00 (dezoito mil euros), pagou integralmente ao empreiteiro, sendo que o identificado imóvel sofreu alterações e beneficiações que não só evitaram a sua perda e deterioração, como também lhe aumentaram em muito o respetivo valor e nenhuma das referidas benfeitorias pode ser levantada do imóvel sem detrimento do mesmo.

2. Contestaram os Réus, por exceção, invocando o caso julgado alicerçado na prolação de sentença proferida em 13.07.2012, no Proc. n.º114/07.6TBMRA, que condenou a autora a reconhecer os réus como proprietários do imóvel em causa (por usucapião) e impugnaram a factualidade alegada pela autora, terminando com o pedido de condenação da mesma em litigância de má-fé e pugnando pela improcedência da ação.

Deduziram reconvenção, e na eventualidade da ação vir a ser julgada procedente, pediram a compensação no valor de €12 027,80 pelas deteriorações feitas pela Autora, alegando não ser razoável obrigar as proprietárias a suportar o custo de uma intervenção que diminuiu a funcionalidade e a estética tradicional do imóvel, sobre cuja realização não foram ouvidas e que nunca aprovariam, sendo que sempre haverá que ter em consideração o disposto quanto a compensação de benfeitorias com deteriorações nos termos do artigo 1274.º do Código Civil.

3. A Autora veio responder, pugnando pela improcedência da exceção de caso julgado e impugnando o pedido reconvencional.

4. Foi admitido o pedido reconvencional e julgada improcedente a invocada exceção de caso julgado, procedendo-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

5. Procedeu-se ao julgamento e foi proferida sentença que decidiu:

“Por todo o supra exposto, a secção de competência genérica da instância local de ... julga a ação parcialmente procedente por provada e, em conformidade:

a) Condena os réus BB, CC e marido DD, a pagar à Autora AA a quantia de € 11.650,00 (onze mil, seiscentos e cinquenta euros), a título de benfeitorias necessárias, € 5.150,00 (cinco mil, cento e cinquenta euros), a título de benfeitorias úteis, bem como a condenação dos R. no pagamento de juros devidos, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento sobre cada uma das quantias supra referidas, indo no mais absolvidos.

b) Julga improcedente, por não provado o pedido reconvencional deduzido pelos réus, contra a autora, absolvendo-a do mesmo.

 c) Absolve a autora do pedido de condenação em litigância de má-fé contra si deduzido pelos réus”.

6. Não se conformando com a decisão, os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

7. O Tribunal da Relação de Évora veio a julgar a apelação procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida, absolvendo os Réus do pedido.

8. Inconformada com tal decisão, a A. veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. O Venerando Tribunal da Relação de Évora não manteve a Sentença proferida no Tribunal da 1ª Instância, negando qualquer pretensão indemnizatória á Autora, relativamente ás benfeitorias úteis e necessárias que a mesma provou ter realizado no imóvel, por entender - em face do disposto no artigo 1273º do Código Civil - que a Autora não demonstrou que aquando do início das obras detinha o corpus e o animus possidendi, isto é que detinha nessa altura a verdadeira posse jurídica sobre o imóvel.

2ª. Sendo desta decisão que se discorda, e que constitui o objecto da presente Revista.

3ª. Cumpre pois submeter á apreciação e decisão de Vossas Excelências se assiste ou não  á Autora o direito a ser indemnizada pelos Réus, pelas benfeitorias úteis e necessárias que realizou no imóvel sito na Rua ...

4ª. Para tanto, impõe-se recuperar a factologia com relevância para esta questão, que foi dada como provada pela 1ª Instância, e que não foi modificada no Acordão recorrido, antes e sim mantida sem qualquer alteração, a qual foi de resto também ela objecto do Recurso de Apelação dos Réus, e consequentemente perscrutada, apreciada e reanalisada em sede desse recurso.

5ª. Tal factologia é a que vem vertida nos seguintes pontos de facto:

- 1.4, relativa á vivência da Autora no imóvel em questão, onde habitou com seus pais e irmãos, desde que nasceu até data não concretamente apurada;

-1.6, relativa á circunstância de que por morte dos pais da Autora, o dito imóvel foi objecto de partilha da herança deixada pelos mesmos, por considerarem tal imóvel um bem dos pais, tendo os herdeiros deliberado e acordado entre eles que essa casa ficaria para a Autora;

-1.7, relativa ao modo como a Autora agia em relação á referida casa, como proprietária da mesma, e sendo assim considerada pelos vizinhos e familiares, por a ter herdado de seus pais, e fazendo visitas á casa, pelo menos com uma frequência mensal;

-1.14 e 1.15, relativa ao facto das vizinhas das casas contíguas se terem ido queixar a ela, Autora, dos problemas de humidades e infiltrações que estavam a ocorrer nas suas próprias casas e que provinham da casa em questão e a terem interpelado por diversas vezes para fazer obras de reparação urgentes no imóvel;

-1.18, relativa ao facto da Autora ter mandado proceder a obras de recuperação e reparação do identificado imóvel, que se iniciaram em Fevereiro de 2006;

-1.19.1 a 1.19.20, relativas ás obras profundas de recuperação integral da dita casa, envolvendo a parte interior da mesma, mas também toda a parte exterior e logradouro;

-1.25, relativa á recuperação integral do imóvel realizada pela Autora e a sua consequente conservação;

-1.32, relativa ás circunstâncias e ao período de tempo de realização de tais obras pela Autora, durante quase dois anos, á vista de todos e sem qualquer oposição ou intervenção de outros;

-1.33, relativa ao facto de que, só em 13 de Março de 2007, numa das deslocações da Autora ao imóvel, para ver o andamento das obras, é que a mesma tomou conhecimento por um anúncio publicado no jornal "...", da aquisição da dita casa por EE, por ususcapião;

-1.34, de que durante todo o período em que decorreram as obras mandadas executar pela Autora no imóvel, á vista de todos, nunca EE ou qualquer pessoa a mando daquele, interferiu nas mesmas ou fez qualquer notificação à Autora;

-pontos 1.35, 1.37 e 1.38, relativa á reacção e medidas tomadas pela Autora ao ter tomado conhecimento do referido anúncio, publicitando a aquisição do identificado imóvel por usucapião, por EE, que contra ele e a respectiva mulher instaurou a acção declarativa a que coube o Processo nQ 114j07.6TBMRA, nela peticionado a anulação da referida escritura de justificação notarial e a condenação dos aí Réus a reconhecer o direito de propriedade da Autora, ininterrupto e pacifico, desde 1925.

6ª. Ora, os factos acabados de enunciar, que foram dados como provados quer em sede da 1ª instância quer em sede da Relação, permitem concluir que, contrariamente ao que se entendeu no Acordão recorrido, á data do inicio da execução das obras a actuação da Autora dada por assente denuncia claramente um só intuito - o de agir como beneficiária do direito correspondente a título de propriedade, até porque como se reconhece no Douto Acordão, "não se suscitam dúvidas de que a Autora, aquando do inicio dessas obras se decidiu a fazê-las e fê-las por estar convencida de que a casa lhe pertencia pois ninguém com a devida lucidez faria tais obras se não estivesse convencida de ser a proprietária".

7ª. Se assim se concluiu no Douto Acordão sempre teria de daí se inferir que a Autora era possuidora do imóvel, e possuidora de boa fé, atenta a noção de posse que nos é dada pelo artigo 1251Q do Código Civil, que define posse como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro qualquer direito real.

8ª. De facto, e ao contrário do que considerou o Douto Acordão recorrido, tal actuação da Autora não conforma nenhum dos casos de mera detenção que vêm relacionados, no artigo 1253º do Código Civil, a saber: "a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; e, c) Os representantes ou mandatários do possuidor, e de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem."

9ª. Sendo que, na alínea a) do artigo 1253º do Código Civil estão contempladas aquelas situações em que o poder de facto foi adquirido em termos tais que a própria lei afasta a posse desde que a situação não caia no âmbito das alíneas b) e c) do mesmo preceito, como refere Menezes Cordeiro, no seu" A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais", 3º edição, página 65.

10ª. Segundo a concepção dita "subjectivista" do instituto da posse, ao elemento objectivo corpus, poder que se manifesta quando alguém actua de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real (artigo 1251º), acresce o elemento subjectivo animus, definido como a intenção de exercer, como titular, um direito real sobre a coisa (artigo 1253º, alínea a) a contrario sensu), assim se distinguindo da simples detenção, caracterizada pelo simples exercício daquele poder de facto, mas desprovido da referida intenção.

11ª. As teses subjectivistas defendem pois que a posse é constituída por dois elementos autónomos, o corpus e o animus, cuja reunião é indispensável á existéncia da posse; sem o corpus, o animus constitui uma mera atitude interna de índole psicológica, e sem o animus, o corpus reduz-se a uma situação material, desprovida de relevância jurídica.

12ª. Pelo contrário, o pensamento "objectivista" dispensa uma intencionalidade específica mas não destituí a posse de qualquer elemento voluntário, porquanto o corpus não poderia existir sem o animus, nem este sem aquele; ambos nascem em simultâneo pela incorporação necessária da vontade no controlo da coisa, não resultando a posse na sua simples reunião, porque a ser assim, cada elemento teria uma existência prévia separada; Corpus e Animus relacionam-se tal como a palavra e o pensamento - na palavra incorpora-se o pensamento até então puramente interno e no corpus incorpora-se a vontade até aí puramente interna. Logo, o corpus é um facto da vontade, no sentido em que exprime a intenção de controlo de uma coisa, não havendo portanto corpus quando alguém é obrigado, por hipótese, a conservar uma coisa em seu poder, pois nesse caso, falta-lhe o seu controlo material que reside precisamente no coator, assim como não existe obviamente corpus quando nem sequer há consciência de que se tem uma coisa em seu poder. Em suma, o corpus possessório é sempre a materialização da consciência e vontade de controlo material da coisa.

13ª. Ora, como doutamente o referiu na sua Declaração de voto, a Veneranda Desembargadora, Maria João Sousa e Faro, vencida no Acordão recorrido, "(...) Quer para quem acompanhe a concepção subjectivista, quer para quem siga o entendimento, ancorado na teoria objectivista (...), o certo é que a materialidade fáctica que permitiu ao julgador da 1ª Instância ter chegado á conclusão que chegou acerca do exercício da posse pela Autora sobre o prédio em causa, dá guarida a qualquer das teorias sobre a posse."

14ª. Com efeito, contrariamente ao que se refere no Douto Acordão recorrido, a Autora não só alegou factos concretos na sua P.I. demonstrativos da sua actuação ou poder de facto sobre a casa e correspondente ao exercício do direito de propriedade, reportados quer à data em que iniciou as obras, quer mesmo antes dessa data, como logrou prová-los, sendo que a Relação confirmou e manteve sem alteração tal factualidade dada por assente pela 1ª instância.

15ª. Factos esses que na Declaração de voto de vencida da Veneranda Desembargadora, Maria João Sousa e Faro, a mesma doutamente sublinhou e elencou da seguinte forma: "Aí se evidencia a sua vivência no imóvel (1.4), que o mesmo foi objecto de partilha da herança(1.6), as visitas mensais reiteradas (1.7)"  - todos estes anteriores á data em que iniciou as obras - " e por fim a própria execução das obras, á vista de todos (1.18) - tudo actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade (artigo 1263º a)) ."

16ª. E acrescentando: "Para os que seguem a teoria subjectivista e, por consequência, consideram que a posse é integrada por dois elementos - o corpus (ou elemento material da posse) e o animus (elemento subjectivo), que consiste na intenção de exercer como seu titular o direito real correspondente áquele domínio de facto, os dados são evidentes: Que a Autora exerceu tais poderes na convicção de ser dona do prédio, assim sendo considerada por todos (1.7,1.14, 1.15), tanto mais que só em 13.3.2007 tomou conhecimento do anúncio dos RR (1.33)."

17ª. E ainda: "Por maioria de razão, para os que defendem a teoria objectivista: provado o exercício de um poder de facto sobre o imóvel e não se provando que o mesmo corresponda a uma situação de mera detenção, enquadrável em qualquer das alíneas do artigo 1253º, tem-se como verificada a posse."

18ª. E continuando: “É certo que de tal situação possessória não derivaram efeitos jurídicos no âmbito da procedente acção - para reconhecimento do direito de propriedade - mas nada obstaculiza que seja de relevar para efeitos de pretensão de ser indemnizada á luz do artigo 1273º do Código Civil."

19ª. E em face de tudo isso, concluiu a Veneranda Desembargadora dizendo na sua Declaração de voto: "Não me parece, pois, com todo o devido respeito, que se possa afirmar que a Autora não tenha demonstrado que aquando do início das obras detinha o corpus e o animus possidendi e que com esse fundamento se lhe negue a indemnização pelas benfeitorias realizadas."

20ª. Posição que sufragamos na íntegra, por ser aquela que está de acordo com a factologia que foi dada por provada, e á qual aplicados devidamente os citados preceitos só poderá conduzir á procedência do pedido de indemnização das benfeitorias que foram realizadas no citado imóvel pela Autora.

21ª. Aliás, dir-se-á ainda que, se segundo o Douto Acordão Recorrido, a Autora não demonstrou que aquando do início das obras detinha o corpus e o animus possidendi, isto é a verdadeira posse sobre a casa, apesar dos factos por ela invocados na P.I. e dados por provados em 1ª Instância e na Relação, então que prática reiterada de outros actos materiais teria ainda a Autora de ter desenvolvido, invocado e provado - para além dos já referidos supra - para se ter de considerar que se tratava de actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade?!

22ª. A Veneranda Relação de Évora não os referiu, e a lei também não diz, nem tem ou pode dizer, como o direito de propriedade é exercitável, limita-se a fixar o respectivo conteúdo típico determinando que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição (artigo 1305º do Código Civil).

23ª. Ora, a Autora alegou na sua Petição Inicial, tal como nas restantes peças processuais que levou aos autos, e demonstrou ter desenvolvido uma prática reiterada, já antes do inicio das obras, de actos materializadores de um gozo de modo pleno e exclusivo do uso, fruição e disposição da dita casa, que aliás manteve no decurso das obras que realizou de forma pública e á vista de todos, sem oposição de ninguém, sendo que, como aliás se considera no Douto Acordão recorrido "só a partir do momento em que a Autora é condenada, é que se pode afirmar com segurança, ter a Autora a consciência de que o prédio pertence aos Réus, não antes e particularmente á data em que realizou as obras (Fevereiro de 2006)”.

24ª. No caso, a descaracterização da posse exercida pela Autora sobre o identificado imóvel, para mera detenção, feita no Douto Acórdão recorrido, é obra apenas e tão só de puras determinações jurídicas vazias, porque se abstrairam por completo das intenções com que efectivamente actuou a Autora e que se provaram a partir dos actos materiais por ela praticados, e dados por provados.

25ª. Por isso entendemos que, os factos provados são demonstrativos, sem margem para dúvidas de que a Autora desenvolveu uma actuação ou poder de facto sobre a casa, e correspondente ao exercício do direito de propriedade quer na data em que iniciou as obras, quer no período que as antecedeu, quer ainda no decurso das mesmas e até á conclusão do Processo nº 114/07.6TBMRA.

26ª. Ainda se impõe salientar que até mesmo a conduta dos Réus, que nada fizeram para obstar á realização das ditas obras, feitas de dia e á frente de toda a gente, interpretada segundo a boa fé e os bons costumes, mais teria levado a que a Autora tivesse a legitima convicção de que era a proprietária da casa, agindo pois com esse "animus".

27ª. Ora, ante tudo o que ficou provado nestes autos, não se reconhecer á Autora o direito a ser indemnizada pelas obras de recuperação e valorização do imóvel que de boa fé e por se considerar e ser reconhecida como proprietária desse imóvel por vizinhos e familiares, levou a cabo no mesmo, representaria a mais clamorosa injustiça.

28ª. O Douto Acordão do Tribunal da Relação de Évora, ao negar tal direito á Autora, violou pois os artigos 1251º, 1253º alínea a) (a contrario sensu) e 1273º do Código Civil, que deveriam ter sido interpretados e aplicados com o sentido exposto nas presentes alegações.

Conclui pela revogação do Acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por Acórdão que condene os Réus/Recorridos no pagamento da indemnização que foi arbitrada à Autoras na decisão proferida na 1ª instância.

9. Os Recorridos contra-alegaram, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

            1ª. Discute-se nos presentes autos a existência de um direito indemnizatório por despesas havidas com a realização de benfeitorias num imóvel.

                2ª. Na decisão recorrida entendeu-se que a A. recorrente não demonstrou, como legalmente lhe está imposto -cfr. art. 1273° do C.C.-, que "aquando do início das obras detinha o corpus e o animus possidendi, isto é a verdadeira posse sobre a casa".

                3ª. E, por assim ter sucedido, revogou a decisão que tinha sido proferida na 1ª instância, absolvendo os RR. do pedido indemnizatório.

                4ª. Segundo a A. recorrente o factualismo apurado nos autos é suficiente para revogar a decisão do Tribunal de 2ª instância, visto que permite conclusão em sentido oposto.

                5ª. Atenta a relação material controvertida configurada pela A., urge analisar o instituto da posse e interpretar, essencialmente, o artigo 1273° do Código Civil e, em concreto, o seu âmbito de aplicação.

                6ª. Nos termos dessa norma, quer o possuidor de boa fé, quer o de má fé, têm o direito de ser indemnizados pelas benfeitorias necessárias ou úteis que hajam feito (sendo benfeitorias "necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para o recreio do benjeitorizante" - cfr. nº. 3, do art. 2160 do C.C.) -.

                7ª. A obrigação de o titular do direito indemnizar o possuidor do custo das benfeitorias necessárias e das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa pressupõe a existência de uma verdadeira relação possessória. situações de mera detenção ou posse precária ficarão excluídas

                8ª. De acordo com o que se mostra definido na lei "posse" é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real - cfr. art. 12510 do C.C. -.

               9ª. A posse estrutura-se em dois elementos essenciais: um material, designado por cotpus, e outro intencional, o animus.

                10ª. O nosso Código Civil consagra uma posse na orientação subjectiva, consubstanciada numa relação entre uma pessoa e uma coisa caracterizada pela sua apreensão material e pela intenção de exercício de poderes próprios correspondentes ao conteúdo de um determinado direito real.

                11ª. A realização de uma obra num imóvel não traduz por si só a prática reiterada de actos materiais sobre o imóvel de modo a poder concluir-se que com ele se estabelece uma relação possessória.

               12ª. A análise do factualismo assente nos autos permite, contrariamente ao entendimento da A. recorrente, concluir que a relação que a A. recorrente manteve com o imóvel não foi uma relação que releve para efeitos de preenchimento do reclamado direito indemnizatório previsto no art. 1273º do CC.

                13ª. Atento, o princípio do caso julgado, importará conjugar com os presentes autos os que sob nº. 114/07.6TBMRA correram também termos no mesmo Tribunal de 1ª instância, nomeadamente a decisão proferida e factualismo provado.

               14ª. Porquanto, nesses autos foi confirmado o teor da escritura pública de justificação notarial promovida pelos RR., nos termos da qual, com base na posse exercida sobre o imóvel dos autos, adquiriram o direito de propriedade.

                15ª. Efectivamente, a prática reiterada de actos materiais com a convição de ser exercido um direito de propriedade, permitiu que os RR. estabelecessem uma verdadeira relação de posse no imóvel.

               16ª. Como ensina o prof. Antunes Varela, " ... todo o instituto da posse está estruturado no sentido da protecção daquelas situações em que as relações do titular com a coisa são exclusivas e afastam a possibilidade de existência de iguais situações por parte de outros indivíduos" - cfr. anotação ao artigo 1251° do CC, ob. cit., pág. 2-.

                17ª. Ainda que se entendesse diversamente, a verdade é que, como bem se anota no douto Acórdão da Relação de Évora, cabia à A. recorrente a demonstração da "prática reiterada dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, a que se refere a alínea a) do art. 12630 do C. Civil, e que traduzem a aquisição da posse, ou qualquer outro elencado nas demais alineas", não bastando "para ter direito a ser indemnizada das benfeitorias necessárias e úteis que haja realizado na casa invocar que as realizou convencida de ser a proprietária“.

                18ª. Por outro lado, adiante-se ainda que o próprio tipo de operação urbanística efectuada obrigava a procedimento legal que impõe o respectivo controlo e fiscalização pelas entidades públicas competentes - cfr. art. 4° e 5° do RJUE -, o que se justifica desde logo por elementares razões de segurança - cfr. art.128°do RJUE -.

                19ª. Nesse procedimento legal tem o requerente que invocar e fazer prova, aquando da apresentação do pedido, da titularidade dequalquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística" - cfr. art. 9º, nº. 4 e Portaria 1110/2001, de 19 de Setembro -.

               20ª. A esse procedimento legal fez até a A. expressa referência e em concreto para a obra que efectuou - cfr. art. 53º da p.i. -, sabendo porém que o mesmo nunca tinha sido por si desencadeado; motivo pelo qual nunca pode cumprir a notificação que lhe foi feita pelo tribunal "para juntar aos autos cópia integral certificada do processo de licenciamento camarário da obra" - cfr. douto despacho de 29/10/2015, referência nº. 27288774 -, tendo sido também por isso, aliás, que em sede reconvencional os RR. pediram a sua condenação em litigância de má fé.

                21ª. A douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora. ao contrário do que sustenta a recorrente, mostra-se congruente e racional, contendo os fundamentos de facto e de direito em que justifica a decisão coerente; estando os fundamentos invocados em consonância e, sendo decorrência escorreita da prova produzida, inequívoca e categórica, assumem-se logicamente harmônicos com a decisão.

                22ª. Em conclusão,

o recurso não deve ser atendido;

Valendo os argumentos do douto Acórdão sob recurso.

10. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pela recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Autora/Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se no início das obras que executou em prédio alheio a Recorrente exercia a posse sobre esse prédio.

               

III. Fundamentação.

1. As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:

1.1. FF e GG casaram entre si em ....1922.

1.2. FF e GG são os pais de HH, nascido em ....1923, II, nascido em 1925, JJ, nascida em ....1929, FF , nascida em ...1932, AA, aqui Autora nascida em ....1934, LL, nascida em ...1939, MM, nascido em ....1942 e NN, nascida em ....1946.

1.3. Com exceção de HH, nascido em ....1923, II, nascido em 1925, todos os filhos de FF e GG nasceram e foram criados na casa que corresponde ao prédio urbano sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 1270 e inscrito na matriz sob o art.º 406.

1.4. Desde que nasceu em finais da década de 20 do século passado e até data não concretamente apurada, AA habitou, com FF e GG, seus pais e com os seus irmãos, no prédio urbano sito na Rua ..., descrito da Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. 1270 e inscrito na matriz sob o artigo 406.

1.5. GG faleceu em 1956 e FF faleceu em 1962.

1.6. Por falecimento de GG e FF, sucederam-lhes como herdeiros os seus filhos HH, II, FF, JJ, AA, LL, MM e NN que, convictos que estavam que a casa identificada no artigo 1º. era um bem dos pais, deliberaram e acordaram entre eles que essa casa ficaria para a AA, aqui Autora.

1.7. A autora agia convencida e assim era considerada pelos vizinhos e familiares como proprietária da casa, em virtude de a ter herdado do seu pai, visitando a casa, pelo menos, com uma frequência mensal.

1.8. Em data não concretamente apurada foi para lá viver a Sra. D. LL, com o marido e três filhos, pessoas muito pobres.

1.9. Durante o tempo que lá viveram ocorreu um incêndio no anexo que servia de cozinha.

1.10. Após a D. LL ter deixado essa casa, por volta do ano de 2000 a mesma ficou fechada e desabitada durante vários anos.

1.11. A casa em questão foi-se degradando com o passar do tempo, e algumas partes da mesma começaram a ruir.

1.12. Devido ao avançado estado de degradação da respetiva canalização, ocorreram infiltrações para as casas vizinhas, causando em paredes e tetos dessas casas humidades, bolores e maus cheiros.

1.13. Acresce que, a casa em questão era por vezes utilizada por rapazes, que acumulavam detritos, entravam pela porta da rua e saiam pelo portão das traseiras.

1.14. Devido ao alastramento das infiltrações nas casas vizinhas, estas começaram a queixar-se à Autora do estado de avançada deterioração e de abandono em que o imóvel se encontrava, e dos problemas de humidades e infiltrações que estavam a ocorrer nas suas próprias casas.

1.15. Tendo essas vizinhas interpelado a Autora por diversas vezes para que fizesse obras de reparação urgentes no imóvel.

1.16. Tanto mais que, quer as fundações, quer as paredes e telhado que eram de taipa com vigamento em barrotes de madeira na estrutura do telhado, estavam em avançado estado de deterioração.

1.17. Encontrando-se parcialmente em ruínas, para além da existência de graves infiltrações de humidade nas paredes e tetos do imóvel, que se estendiam para as paredes e tetos das casas contíguas.

1.18. A Autora mandou proceder a obras de recuperação e reparação do identificado imóvel, que se iniciaram em Fevereiro de 2006.

1.19. As obras que foram realizadas no imóvel, a mando da Autora constaram das seguintes:

1.19.1. Foi previamente feita a limpeza do local, retirado todo o entulho e removidas as partes em ruínas e mais deterioradas;

1.19.2. Ao nível das fundações, foram abertos sulcos de fundações e sapatas em altura suficiente, as quais foram betonadas de forma a interagirem e darem consistência à estrutura pré-existente.

1.19.3. Foram elevados em betão armado, sistema de pilares e vigas, suportando lages de teto, sendo estas em vigas pré-reforçadas, incluindo a abertura.

1.19.4. Toda a estrutura vertical do imóvel foi guarnecida em paredes de alvenaria de tijolo cerâmico furado.

1.19.5. As paredes exteriores foram executadas com tijolos de 30 x 20 x 20, em elemento duplo para caixa-de-ar, e preenchido o espaço entre elas com placas de polietileno.

1.19.6. Nas paredes interiores foi assente tijolo de 30 x 20 x 11.

1.19.7. Todas as paredes, exteriores e interiores foram revestidas a reboco hidráulico fino em ambas as faces e pintadas a cutelo.

1.19.8. A cobertura do imóvel foi executada em telha cerâmica aba de canudo, de cor vermelha e assente sobre laje de vigas pré-reforçadas, levando no espaço entre elas isolamento tremido.

1.19.9. Foi colocada nova instalação elétrica em toda a casa, com tubagem, fios, tomadas, interruptores e quadro eléctrico.

1.19.10. Ao nível da canalização, foi colocada nova tubagem para os esgotos e águas pluviais e nova tubagem para águas limpas e para abastecer a casa de banho.

1.19.11. Foi construída de raiz uma nova casa de banho, já que sendo embora uma casa de habitação a mesma não tinha até então qualquer divisão destinada a esse fim.

1.19.12. Após a edificação das paredes dessa nova divisão, destinada a casa de banho do imóvel, foram as mesmas revestidas em todo o seu interior a azulejos, com barra de elementos decorativos horizontal ao centro e moldura para o espelho.

1.19.13. Foi instalada nessa casa de banho uma sanita, um lavatório, uma base para poliban e um bidé, tudo com as respetivas torneiras, suportes para toalhas e rolo de papel higiénico e sistema completa de autoclismo e descarga de água.

1.19.14. Foi feita de raiz e instalada toda a canalização dessa casa de banho.

1.19.15. Dado o avançado estado de degradação de portas e janelas do imóvel, tiveram as mesmas de ser retiradas e substituídas por portas novas, com as respetivas armações e aduelas.

1.19.16. Foi colocada nova porta e nova janela em alumínio na fachada da casa que dá para a rua.

1.19.17. Foi colocada nova porta em ferro, na fachada a tardoz da casa, que dá acesso ao quintal.

1.19.18. Foi ainda colocado um portão de garagem, na zona traseira, para acesso ao logradouro da casa.

1.19.19. Todo o antigo pavimento interior da casa, que estava em estado muito degradado, com buracos e partes queimadas, foi removido.

1.19.20. Tendo sido aplicado novo pavimento em toda a área interior dessa casa, em mosaico grés.

1.19.21. Foram reparadas e edificadas novas paredes, interiores e exteriores com o respetivo reboco a fino.

1.20. Todas as referidas obras foram executados no imóvel sito na Rua ..., por um construtor civil/empreiteiro contratado pela Autora, de nome OO, com instalações no Largo ...

1.21. Tais obras tiveram o seu início em 21 de Fevereiro de 2006 e decorreram até meados do ano de 2007.

1.22. Pelas referidas obras pagou a Autora ao construtor/empreiteiro que as executou, Sr. OO, o preço global de € 18.000,00 (dezoito mil euros), nele incluído o IVA à taxa legal de 20% então em vigor, preço esse resultante da soma dos valores parcelares de cada uma das indicadas obras, tendo sido passada a respetiva fatura.

1.23. A limpeza do existente, recuperação de paredes, rebocos, colocação de telha e de portas exteriores foram indispensáveis e absolutamente necessárias para a reparação e conservação do imóvel, em face do avançado estado de deterioração que apresentava e para por termo às graves infiltrações de humidades e entrada de águas pluviais, que já deflagravam para as casas contíguas.

1.24. Tais obras tiveram de ser realizadas pela Autora para evitar a perda e destruição total do imóvel e o agravamento dos danos provocados pelas humidades que se estendiam às casas vizinhas.

1.25. Permitiram a recuperação integral desse imóvel e a sua consequente conservação.

1.26. A edificação da casa de banho com os sanitários, levada a cabo pela Autora com as demais obras de reparação e restauro do imóvel entre a colocação de teto falso, instalação elétrica, canalização e esgotos e pavimentação a mosaico, mostrou-se necessária a assegurar as respetivas condições de habitabilidade no mesmo, como também veio permitir o seu melhoramento e o aumento do respetivo valor.

1.27. E consequentemente a obter dessa forma o competente licenciamento camarário que de outra forma não conseguiria por se tratar de uma casa para habitação.

1.28. A referida casa de banho, a colocação de teto falso, instalação elétrica, canalização e esgotos e pavimentação a mosaico passaram a fazer parte integrante desse imóvel e não poderão ser deles levantados sem detrimento do mesmo.

1.29. O valor comercial atual dessa obra (casa de banho), nela considerada a respetiva canalização, esgotos, instalação elétrica, paredes, azulejos, sanitário, loiças, torneiras, teto e porta, não será inferior a € 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros).

1.30. A construção no imóvel em questão, dessa casa de banho teve um custo, pago pela Autora de superior a €1 000,00 (mil euros).

1.31. Antes da realização das obras de reparação e conservação e bem assim da construção da casa de banho, o prédio tal como se encontrava, em ruínas, não tinha valor comercial superior a €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), aumentando com as mesmas o seu valor, para valores superiores a €35 000,00 (trinta e cinco mil euros).

1.32. As referidas obras foram feitas pela Autora, durante quase dois anos, à vista de todos e sem qualquer oposição ou intervenção de outros.

1.33. Em 13 de Março de 2007, a Autora deslocou-se a ..., para ver o andamento das obras, e nessa altura, tomou conhecimento de um anúncio, publicado no jornal “...”, a publicitar a aquisição da casa por EE, por usucapião.

1.34. Durante todo o período em que decorreram as obras mandadas executar pela Autora no identificado imóvel, à vista de todos, nunca EE ou qualquer outra pessoa a mando daquele, interferiu nas mesmas ou fez qualquer notificação à Autora.

1.35. Após tomar conhecimento do referido anúncio publicitando a aquisição por EE, do identificado imóvel, por usucapião, a Autora instaurou contra aquele e respetiva mulher BB, ação declarativa, sob a forma comum ordinária.

1.36. Tal ação correu seus termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de ..., sob o Processo Nº.114/07.6 TBMRA.

1.37. Nessa ação peticionou a Autora: - A anulação da escritura de justificação notarial celebrada a 9 de Janeiro de 2007, exarada a fls. 24 do Livro de Notas para “escrituras diversas” Nº.139-D do Cartório Notarial de ...; - A condenação do aí Réu, EE a reconhecer o direito de propriedade da Autora, ininterrupto e pacífico, desde 1925, data em que a sua tia, ... comprou a propriedade a PP; - E o reconhecimento de que o aí Réu nunca foi possuidor do imóvel.

1.38. Os aí Réus, EE e BB contestaram a ação e nela deduziram reconvenção, com fundamento na posse que alegaram ter do identificado imóvel, a título de exceção perentória, tendo concluído com o pedido de condenação da Autora a reconhecê-los como titulares do direito de propriedade sobre o dito imóvel, adquirido por usucapião.

1.39. O aí Réu, EE faleceu na pendência dessa ação, em ....2009, tendo sido habilitadas como suas sucessoras as ora Rés, BB e CC.

1.40. Nessa ação foi proferida Sentença, em 13 de Julho de 2012, que julgou a mesma improcedente e a Reconvenção procedente, tendo declarado que as Rés, BB e CC, esta última casada com o Réu DD, adquiriram, em comum, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio dos autos, e tendo condenado a Autora a reconhecê-los como titulares desse direito.

1.41. Tal Sentença mostra-se transitada em julgado.

1.42. Em consequência da referida Sentença, teve a Autora de proceder à entrega do imóvel correspondente ao prédio urbano sito na Rua de ..., Concelho de ... às aqui Rés.

1.43. A R. BB vive no ... e a R. CC vive com o seu marido DD a cerca de 150 quilómetros do imóvel em causa.

- Procedeu-se à correção da numeração dado que se verificou a existência de um lapso a partir de 1.35. -

2. Do mérito do recurso

           A Autora intentou a presente ação, alegando que exerceu a posse sobre o prédio que identifica (que em outra ação foi reconhecido como sendo da propriedade dos Réus, que o adquiriram por usucapião) e nesse mesmo prédio efetuou benfeitorias necessárias e úteis que não pode levantar sem deterioração, pretendendo nesta ação ser ressarcida do valor por si gasto.

O Tribunal de 1ª instância veio a julgar a ação procedente e condenou os Réus no pagamento reclamado.

Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação, vindo o Tribunal da Relação de Évora, por deliberação maioritária, a julgar procedente o recurso, por não se ter demonstrado que a Autora, aquando do início das obras, exercia a posse sobre o prédio.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 1273º do Código Civil, tanto o possuidor de boa como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (nº1), e quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (nº2).

Ora, consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (nº1 do artigo 216º do Código Civil).

As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias (nº2 do artigo 216º do Código Civil).

São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, a destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante (nº3 do artigo 216º do Código Civil).

           No presente recurso, não se questiona a realização de benfeitorias necessárias e úteis (que não se podem levantar sem deterioração do prédio) feitas pela Autora no prédio que, como em outra ação foi declarado, é pertença dos Réus.

            O que vem questionado é se está demonstrado que no início das obras, a Autora exercia a posse sobre o prédio.

            A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil), sendo que a posse pode ser adquirida, nos termos do disposto no artigo 1263º do Código Civil, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito (alínea a)), pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor (alínea b)), por constituto possessório (alínea c)), por inversão do título de posse (alínea d)).

            Como refere Rui Pinto Duarte, “acerca da posse debatem-se duas concepções doutrinárias básicas. Uma é dita subjectivista por sustentar que a posse envolve, para além da materialidade da situação em que consiste, um elemento de cariz subjectivo consistente numa intenção. A outra é dita objectivista por se contentar com a materialidade da situação. À primeira está ligado o nome de Savigny e à segunda o de Ihering. Obviamente, cada uma delas está ligada a um certo entendimento dos fundamentos da tutela da posse.

            Diga-se que a corrente subjectivista se divide numa pluralidade de opiniões. De comum essas opiniões têm a exigência dos dois citados elementos para que de posse se fale – elementos esses tradicionalmente designados por corpus e animus. No entanto, há profundas divergências no entendimento desses elementos, sobretudo quanto ao objecto do animus.

(…) As dificuldades e divergências abrangem ainda a noção de corpus”

(in Curso de Direitos Reais, pág.268)

Como se sabe, a maioria da doutrina e a quase totalidade da jurisprudência entendem que o Código Civil acolhe uma conceção subjetivista da posse, invocando, designadamente o disposto nos artigos 1251º e 1253º do Código Civil; contudo, por influência de Menezes Cordeiro, Direitos Reais, págs. 395 e segs. foi questionada essa posição, mantendo-se a querela, que no caso concreto não tem relevância.

Por outro lado, importa ter presente que da nossa lei (cfr. artigo 1257º, nº1, do Código Civil) resulta claramente uma conceção de corpus como uma relação social – não meramente traduzida em atos materiais (Rui Pinto Duarte, obra citada, pág.272).

Ou, como refere Durval Ferreira “para que a coisa entre na disponibilidade fáctica, na esfera empírica da relação de senhorio do sujeito, dum modo geral pode dizer-se que é preciso atender á energia do acto de apreensão, á sua perdurabilidade e á natureza do direito que se pretende adquirir.

Basta, se o acto ou série de actos têm, segundo o consenso público, a energia suficiente para significar que, entre uma coisa e determinado indivíduo, se estabeleceu uma relação duradoura.

Assim, um só acto pode evidenciar a posse”

(in Posse e Usucapião, pág.132)

No caso presente, seja qual for a conceção a que se adere, como se afirma no voto de vencido da Senhora Juíza Desembargadora, encontra-se demonstrado que a Autora/Recorrente detinha a posse do prédio no início das obras que a Autora levou a cabo.

Assim, encontra-se provado que a Autora viveu no prédio com os seus pais e os seus irmãos, e que, após o falecimento dos seus pais, a Autora e os seus irmãos, no convencimento de que era um bem dos seus pais, acordaram entre eles que essa casa ficaria para a Autora.

A Autora agia convencida e assim era considerada pelos vizinhos e familiares como proprietária da casa, em virtude de a ter herdade do seu pai, visitando a casa, pelo menos, com uma frequência mensal.

Devido ao alastramento das infiltrações nas casas vizinhas, estas começaram a queixar-se à Autora do estado de avançada deterioração e de abandono em que o imóvel se encontrava, e dos problemas de humidades e infiltrações que estavam a ocorrer nas suas próprias casas.

Tendo essas vizinhas interpelado a Autora, por diversas vezes, para que fizesse obras de reparação urgentes no imóvel.

Ora, destes factos resulta que a Autora/Recorrente praticava atos materiais de posse, isto é, visitava o prédio, pelo menos, com uma frequência mensal e que com este ato se mantinha uma relação duradoura entre a Autora e o prédio, segundo o consenso público, sendo que os vizinhos se queixavam à Autora do estado avançado de deterioração e de abandono do prédio, reclamando que a Autora efetuasse obras de reparação urgentes no prédio.

Por outro lado, a Autora agia como se fosse dona do prédio e assim era considerada por familiares e vizinhos, estando, assim, demonstrado o “animus”, traduzindo-se na intenção de exercer sobre o prédio como seu titular, isto é, a comportar-se como se fosse proprietária.

Deste modo, verifica-se que a Autora exercia a posse sobre o imóvel, aquando do início da realização das obras no prédio.

Como se referiu, o possuidor tem direito a ser ressarcido pelas benfeitorias necessárias e úteis (estas que não possam ser levantadas sem deteriorar o prédio).

No caso dos autos, estão provadas as benfeitorias necessárias (no valor de €11 650,00) e úteis, que não podem ser levantadas sem deteriorar o prédio (no valor de €5 150,00).

Assim, deve a Autora ser ressarcida destas despesas, como decidiu o Tribunal de 1ª instância.


IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, e, consequentemente, condenam-se os Réus no pagamento à Autora das quantias referidas na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância.


As custas ficarão a cargo dos Recorridos.

Lisboa,17 de abril de 2018

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Cabral Tavares

Fátima Gomes