Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1159/10.4TTMTS.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
PRÉMIO DE SEGURO
SUBSÍDIO POR ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
DESPESAS DE DESLOCAÇÃO
PRESTAÇÕES EM ESPÉCIE
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO / REPARAÇÃO DOS DANOS EMERGENTES DE ACIDENTES DE TRABALHO.
Legislação Nacional:
DECRETO-LEI N.º 143/99, DE 30 DE ABRIL, NA REDACÇÃO DADA PELO DECRETO-LEI N.º 382-A/99, DE 22 DE SETEMBRO: - ARTIGO 71.º, N.º1.
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 37.º, N.º3, 41.º, N.º1, AL. A).
LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 186.º A 188.º .
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 29 DE NOVEMBRO DE 2006, PROCESSO N.º 2443/06, DA 4.ª SECÇÃO, E DE 20 DE MARÇO DE 2014, PROCESSO N.º 469/10.5T4AVR.P1.S1, TAMBÉM DA 4.ª SECÇÃO, AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1.  O n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, estabelece uma regra geral de proporcionalidade quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, respondendo, nesse caso, a seguradora por aquela retribuição e a entidade empregadora pela diferença.

2.  Sendo a retribuição declarada pela empregadora, para efeitos de prémio de seguro, inferior à real, a seguradora e a empregadora respondem, respectivamente, pelo pagamento dos valores relativos ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, às despesas com transportes e às prestações em espécie, na proporção correspondente ao valor da retribuição declarada e da parte da responsabilidade civil não transferida da reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 13 de Setembro de 2012, no Tribunal do Trabalho de Tomar, Secção Única, AA veio instaurar a fase contenciosa da acção especial emergente de acidente de trabalho em apreço, cuja participação foi recebida em juízo, no dia 13 de Outubro de 2010, data em que a instância se iniciou (artigo 26.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho), contra BB, S. A., e CC, Lda., pedindo o pagamento, pela ré seguradora, (a) da pensão anual e vitalícia de € 5.950,57, calculada com base no salário de € 9.713,20 e na desvalorização de 21,6 % de IPP com IPATH, (b) de € 368, a título de indemnização diferencial por incapacidades temporárias, (c) de € 50, relativos a transportes, (d) de € 5.400, referentes a subsídio por elevada incapacidade permanente e, ainda, (e) das prestações em espécie de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras, necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde e da sua capacidade de trabalho ou de ganho e à recuperação para a vida activa, e, por parte da ré entidade empregadora, (a) da pensão anual e vitalícia de € 2.011,25, calculada com base no diferencial remuneratório não transferido para a ré seguradora de € 4.944,06 e com base na desvalorização de 21,6 % de IPP com IPATH e (b) de € 4.718,51, pertinentes a indemnização diferencial por incapacidades temporárias, prestações acrescidas de juros de mora até efectivo pagamento.

Alegou que, no dia 6 de Outubro de 2009, encontrando-se a trabalhar sob as ordens, fiscalização e direcção da ré empregadora, com a categoria profissional de montador de estruturas de pré-fabricados, ao subir uma peça em cimento tipo viga, para engatar a linha de vida, escorregou e caiu, o que lhe provocou traumatismos em ambos os pés e lesões determinantes de uma IPP de 21,6 % com IPATH, sendo que, à data do acidente, vigorava um contrato de seguro firmado pela ré empregadora com a ré seguradora, por referência a uma remuneração anual de € 9.713,20.

Ambas as rés apresentaram contestação.

Após o julgamento, exarou-se sentença que julgou a acção procedente e que: I) fixou a desvalorização funcional do sinistrado em 21,60 % de IPP, com IPATH, desde 10 de Fevereiro de 2011; II) condenou a seguradora a pagar ao sinistrado: (a) a pensão anual e vitalícia de € 5.276,21, devida desde o dia imediato ao da alta, a pagar mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, devendo os subsídios de férias e de Natal, naquele mesmo valor (1/14 da pensão anual) ser pagos nos meses de Maio e de Novembro, (b) um subsídio de elevada incapacidade no valor de € 5.400, (c) uma indemnização diferencial, a título de incapacidades temporárias, de € 368, (d) as prestações em espécie de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa, (e) € 50, de despesas de deslocação e (f) juros de mora pelas prestações em atraso até integral pagamento, à taxa legal; III) condenou a empregadora a pagar ao sinistrado (a) a pensão anual e vitalícia de € 2.685,61, devida desde o dia imediato ao da alta, a pagar mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, devendo os subsídios de férias e de Natal, naquele mesmo valor (1/14 da pensão anual) ser pagos nos meses de Maio e de Novembro, (b) a indemnização diferencial, a título de incapacidades temporárias, de € 4.718,51 e (c) juros de mora pelas prestações em atraso até integral pagamento, à taxa legal.

2. Inconformada, a seguradora interpôs recurso de apelação, que foi julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, sendo contra o assim deliberado que aquela ré veio interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, o qual foi admitido pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do citado artigo, tendo formulado as conclusões seguintes, relativamente aos fundamentos do recurso interposto:

                «1.ª   O Acórdão proferido pelo TRC e sob impugnação excepcional recursiva está em frontal oposição e contradição, seja na fundamentação seja no seu dispositivo final e decisório com a douta fundamentação e decisão final proferida no Acórdão/Fundamento desta faculdade excepcional de Revista e que foi proferido pelo TRP aos 11/01/2010 no âmbito do processo 154/06.2TTAVR-P1 - Apelação 1.ª e em que foi parte a ora recorrente.
                  2.ª   O douto Acórdão/ Fundamento no seu percurso cognitivo da questão/questões de direito que constituem o tema deste recurso seguiu, [a] par e passo os fundamentos e decisão final tal qual constam do AC. desse STJ de 26/11/2006 - Proc. 06S2443, disponível em www.dgsi.pt.
                  3.ª   O Acórdão do TRC sob impugnação agora excepcional decidiu:
                       1)     Que o pagamento do subsídio de elevada incapacidade e despesas de deslocação devem recair totalmente sobre a seguradora e não apenas na proporção da quota-‑parte equivalente à carga salarial transferida.
                       2)     E que o pagamento de prestação em espécie de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras deve igualmente recair, na íntegra, sobre a seguradora, e não apenas na proporção da quota-parte do salário transferido.
                  4.ª   O douto Acórdão/Fundamento do TRP, na esteira e bem do Ac. do STJ atrás referido, proferiu decisão totalmente contraditória sobre a(s) mesma(s) questão fundamental de direito, tendo julgado:
                      1)   Que nas situações em que a retribuição declarada no âmbito do contrato de seguro de AT seja inferior à realmente auferida, o pagamento do valor do subsídio de elevada incapacidade e despesas de deslocação devem recair sobre a seguradora e sobre o empregador de acordo com as suas respectivas quotas-partes de responsabilidade e de acordo com a [regra] da proporcionalidade.
                      2) E que, em idênticas circunstâncias, também o pagamento de prestações em espécie, de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras devem recair sobre a seguradora e sobre o empregador de acordo com as suas respectivas quotas-partes de responsabilidade, e segundo a [regra] da proporcionalidade.
                   […]
                  7.ª   A decisão do Acórdão/Fundamento é a que respeita a “mens legis” e não restam dúvidas de que o artigo 37.º/3 da LAT, na sua redacção consagra um elenco meramente exemplificativo que não taxativo das prestações a que é forçoso aplicar-se a regra da proporcionalidade, e que vem transporta para a Apólice Uniforme por força da Norma Regulamentar 12/99-R de 30/11 e publicada no DR II Série de 30/11/99.
                   […]»

Termina defendendo que se revogue a decisão recorrida, «substituindo-a por outra de harmonia com o douto Acórdão/Fundamento invocado, no sentido de que o subsídio de elevada incapacidade e despesas de deslocação e todas as prestações em espécie de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras devem recair sobre a seguradora ora recorrente e sobre a co-Ré empregadora de acordo com as suas respectivas quotas-partes de responsabilidade e segundo o princípio/regra da proporcionalidade e tudo sob todas as demais e legais consequências».

Os recorridos não contra-alegaram.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso de revista devia proceder, tendo concluído que, «uma vez que a empregadora não transferiu para a recorrente/seguradora a responsabilidade emergente de AT pela totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado, afigura-se-‑nos que a regra da proporcionalidade contida no art. 37.º da Lei n.º 100/97 e, bem assim, o constante do art. 12.º da Norma n.º 12/99 R, de 8 de Novembro, impõem que pelo subsídio por alta incapacidade, bem como pelas despesas de deslocação e pelas prestações em espécie a que o sinistrado tem direito, sejam responsabilizadas a seguradora e a entidade patronal em proporções correspondentes, respectivamente, ao montante da retribuição segura e da parte não transferida».

O mencionado parecer, notificado às partes, não obteve resposta.

3. A questão posta cinge-se a saber se a responsabilidade pelo pagamento dos valores relativos ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, às despesas com transportes e às prestações em espécie devem observar a regra da proporcionalidade quando a retribuição declarada para efeitos do prémio de seguro for inferior à retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado.

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                              II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) No dia 06/10/2009, pelas 16.30 [horas], em Vila do Conde, o sinistrado foi vítima de um acidente que consistiu no seguinte: ao subir uma DP (peça em cimento tipo viga) para engatar a linha de vida, escorregou e caiu em cima das vigas provocando traumatismo de ambos os pés [alínea A) dos Factos Assentes];
2) O acidente ocorreu quando o sinistrado trabalhava como montador de pré-fabricados, sob ordens, direcção e fiscalização de CC, Lda., com sede na Rua das …, …, Apart. …, …, Contribuinte n.º … [alínea B) dos Factos Assentes];
3) A entidade empregadora transferiu a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais para a Companhia de BB, S.A., pela apólice n.º …, pelo montante de € 693,80 x 14 meses, ou seja, o total anual de € 9.713,20 [alínea C) dos Factos Assentes];
4) Em consequência do acidente, resultaram para o sinistrado as seguintes sequelas: membro inferior direito: subjectivos dolorosos no seio do tarso e sub-‑astragalina e edema residual; membro inferior esquerdo: na face anterior do tornozelo, cicatriz de características operatórias medindo cerca de 22 cm, artrodese dolorosa do tornozelo, edema marcado e dor [alínea D dos Factos Assentes];
5) Em virtude do acidente ocorrido, o sinistrado sofreu Incapacidade Temporária Absoluta de 07-10-2009 a 09-02-2011 [alínea E) dos Factos Assentes];
6) A seguradora pagou, a título de [incapacidades temporárias], a quantia de € 8.906,99 [alínea F) dos Factos Assentes];
7) O sinistrado deslocou-se uma vez [ao Tribunal do Trabalho de Tomar] e uma vez ao [Gabinete Médico-Legal] de Tomar, tendo despendido a quantia de € 50, a título de despesas de transportes [alínea G) dos Factos Assentes];
8) À data do acidente, o sinistrado auferia o salário de € 693,80 x 14 meses + € 5,13 x 22 x 11 (Subsídio de Alimentação) + € 336,60 € x 11 (Prémio de Assiduidade e desempenho), ou seja, o total anual de € 14.657,26 [resposta dada ao quesito 1.º];
9) A parcela remuneratória auferida pelo sinistrado, no valor mensal de € 336,60 está incluída nos recibos de vencimento como «prémio de assiduidade», no valor de € 81,60, e como «prémio de desempenho», no valor de € 225 [resposta dada ao quesito 2.º];
10) Os valores aludidos em «2» [aqui com referência ao ponto 9] foram sempre pagos desde a admissão do Autor ao serviço da 2.ª Ré, em Agosto de 2009, e até ao mês de Outubro de 2009 [resposta dada ao quesito 3.º];
11) Em consequência do acidente, o sinistrado é portador de IPP fixada em 21,6% [resposta dada ao quesito 4.º];
12) Em consequência do acidente, o sinistrado é portador de IPATH desde o dia 10 de Fevereiro de 2011 [resposta dada ao quesito 5.º].

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do actual Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no recurso.

2. As instâncias entenderam que a seguradora deve ser considerada a única responsável pelo pagamento dos valores relativos ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, às despesas com transportes e às prestações em espécie, na medida em que, tal como se explicitou no acórdão recorrido, o respectivo cálculo não depende da retribuição real auferida pelo sinistrado, mas do valor da remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, isto quanto ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, e do valor concreto das despesas efectuadas com transportes e das atinentes prestações em espécie, nos restantes encargos em apreço.

A seguradora discorda, alegando, em substância, que «o subsídio de elevada incapacidade e despesas de deslocação e todas as prestações em espécie de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras devem recair sobre a seguradora ora recorrente e sobre a co-Ré empregadora de acordo com as respectivas quotas-‑partes de responsabilidade e segundo o princípio/regra da proporcionalidade».

Estando em causa um acidente de trabalho ocorrido no dia 6 de Outubro de 2009, aplica-se o regime jurídico aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, o qual entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, e considerando o preceituado nos artigos 186.º a 188.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, diploma que apenas se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor, o que se verificou em 1 de Janeiro de 2010.

A questão suscitada é idêntica à que foi decidida por este Supremo Tribunal no acórdão de 29 de Novembro de 2006, Processo n.º 2443/06, da 4.ª Secção, cuja doutrina foi, entretanto, reafirmada pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Março de 2014, Processo n.º 469/10.5T4AVR.P1.S1, também da 4.ª Secção, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, sendo o primeiro aí reportado ao Processo n.º 06S2443.

Escreveu-se no sobredito acórdão de 29 de Novembro de 2006:

                 «[…]
                   3.3.1.
                   Está em causa a interpretação a conferir ao art. 37.º n.º 3 da L.A.T., que dispõe como segue:
                   “Quando a retribuição declarada para efeito de prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, na respectiva proporção.”
                   Como se vê, o preceito versa sobre a desconformidade, para efeitos de seguro, entre o salário real e o salário declarado, começando por enunciar a regra da proporcionalidade para, logo após, individualizar três prestações por ela abrangidas.
                   O sentido literal da norma parece comportar as duas interpretações em confronto nos autos.
                   Com efeito, esse sentido literal tanto permite sustentar que a individualização operada é absolutamente taxativa — afastando por isso, todas as demais prestações — como permite defender a sua natureza meramente exemplificativa, feita com o mero propósito de expressar que essas prestações também se contêm na regra geral enunciada.
                   Mas o argumento das instâncias não deixa de impressionar: se, pela lógica das coisas, a regra da proporcionalidade se destina a impedir o prejuízo da seguradora, cujo risco e consequente prémio foram calculados em função de um salário inferior ao real, parece que nada justificaria a sua aplicação sempre que as prestações concretamente em causa sejam fixadas por outra via que não pelo recurso ao salário.
                   É dizer que, nesses casos, o cálculo correspondente, não dependendo da referência retributiva, seria sempre o mesmo, ainda que a responsabilidade estivesse transferida para a Seguradora pela totalidade do salário auferido pelo sinistrado.
                   Porém, uma análise mais cuidada do preceito logo inutiliza o argumento invocado: é que nenhuma das prestações individualizadas no texto da lei — relativamente às quais a mesma impõe, de forma expressa, a regra da proporcionalidade — pressupõe, para o seu cálculo, o recurso à componente retributiva, bastando-se com o valor concreto das despesas respectivas.
                   Ora, se o legislador responsabiliza a entidade patronal pelo pagamento proporcional de despesas cujo cálculo não é afectado pela remuneração (real ou declarada) do trabalhador, não se poderá validamente sustentar que tenha pretendido subtrair à regra da proporcionalidade todas as demais prestações cujo cálculo seja feito em moldes idênticos.
                   A menos que houvesse — mas não se vislumbra — uma específica razão para integrar nessa regra as prestações individualizadas e afastar as restantes.
                   Não sendo esse o caso, só podemos concluir que tal individualização assume natureza meramente exemplificativa, visto que incide, justamente, sobre prestações cujo cálculo se socorre de parâmetros idênticos àquele de que também se socorre o cálculo do subsídio questionado nos autos.
                   E devemos concluir também, em decorrência disso, que o citado art. 37.º n.º 3 estabelece uma regra geral de proporcionalidade, onde se inclui o falado subsídio.
                   3.3.2.
                   Mas, ainda que se não aceite a imperatividade dessa inclusão, é no mínimo pacífico que o preceito a não proíbe.
                   E, nesse caso, a resposta há-de ser encontrada na disciplina do Código Comercial alusiva ao Contrato de Seguro.
                   Na parte útil, releva o art. 427.º que, sob a epígrafe “Regime do Contrato de Seguro”, estabelece:
                   “O contrato de Seguro regular-se-á pelas disposições da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste Código.”
                   Como se vê, as estipulações da apólice — desde que não belisquem normas imperativas — sobrepõem-se ao acervo normativo do próprio Código, em matéria de regulamentação específica do contrato de seguro.
                   O art. 38.º da L.A.T. (como já antes fazia a Base XLIV da Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965) consignou que a regulamentação do contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho” deveria constar de uma apólice uniforme, a aprovar pelo Instituto de Seguros de Portugal.
                   Na sequência desse imperativo legal, a “Norma 12/99-R”, de 30 de Novembro (publicada no D. R., II Série, de 30/11/99) veio aprovar a “Apólice Uniforme para Trabalhadores por conta de Outrem”.
                   O art. 12.º dessa “Apólice Uniforme”, sob a epígrafe “Insuficiência da Retribuição Segura”, estabelece que:
                   “No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga (...), o tomador de seguro responderá:
                   i) pela parte excedente das indemnizações e pensões;
                   ii) proporcionalmente, pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios para situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado.”
                   Como se vê, o preceito transcrito estabelece uma regra de proporcionalidade em termos idênticos aos do citado art. 37.º n.º 3 da L.A.T., mas inclui na sua previsão as prestações individualizadas neste artigo e, para além delas, todos os subsídios e prestações questionados nestes autos (designadamente o subsídio para readaptação da habitação do sinistrado) e ainda “... todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado”.
                   Tendo em conta o valor que o art. 427.º do Código Comercial confere às disposições da “Apólice Uniforme” — e porque a concreta repartição de responsabilidades, nela estabelecida, não é proibida por lei — só podemos concluir que a Ré empregadora responde proporcionalmente pelo pagamento do subsídio ora questionado.»
                     
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação, donde, atendendo a que, à data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de € 14.657,26 [facto provado 8)], mas a ré empregadora só transferiu para a ré seguradora a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho pelo montante anual de € 9.713,20 [facto provado 3)], a ré seguradora e a ré empregadora respondem pelo pagamento dos valores relativos ao subsídio de elevada incapacidade permanente, às despesas com transportes e às prestações em espécie, na proporção correspondente ao valor da retribuição declarada e da parte da responsabilidade civil não transferida, no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho entre os mesmos celebrado.

                                             III

Pelo exposto, delibera-se conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, na parte em que atribuiu à seguradora a responsabilidade exclusiva pelo pagamento dos valores relativos ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, às despesas com transportes e às prestações em espécie, consignando-se que aquele pagamento recai sobre a seguradora e a empregadora, na proporção de 0,66268866 e 0,33731133, respectivamente, mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido.

Custas, nas instâncias e na revista, a cargo da ré seguradora e da ré entidade empregadora, na proporção do respectivo decaimento.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                     Lisboa, 17 de Dezembro de 2014


Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha