Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
003570
Nº Convencional: JSTJ00018962
Relator: MORA DO VALE
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE OUTRA PROFISSÃO
Nº do Documento: SJ199305050035704
Data do Acordão: 05/05/1993
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N427 ANO1993 PAG433 - CJSTJ 1993 ANOI TII PAG274
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7422/91
Data: 05/06/1992
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: JORGE LEITE IN DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PAG92.
ABÍLIO NETO IN CONTRATO DE TRABALHO NOTAS PRÁTICAS PAG526.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ARTIGO 4 B.
CCIV66 ARTIGO 790.
DL 372-A/75 DE 1975/07/16 ARTIGO 8 N1 B.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1988/02/02 IN AD N318 PAG821.
Sumário : I - Não se verifica a caducidade do contrato de trabalho, referido na alínea b) do artigo 4 do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, quando o trabalhador fica incapacitado para o trabalho habitual da empresa, mas não para outros trabalhos.
II - A tal não obsta o facto de estarem preenchidos, na data da apresentação ao serviço do trabalhador, após baixa por doença, os postos de trabalho nos sectores da empresa para cujo trabalho aquele está apto.
Decisão Texto Integral: A intentou, pelo 3 Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção ordinária contra Codan Portugal - Instrumentos Médicos, Lda., pedindo a declaração da nulidade do seu despedimento pela ré, e a condenação desta a reintegrá-la e a pagar-lhe as retribuições vencidas, no montante de 124500 escudos, e as vincendas, até à data da sentença, com juros à taxa legal.
Articulou, em resumo, que:
- trabalhou sob as ordens e direcção da ré desde 28 de Janeiro de 1974 até 20 de Setembro de 1989.
- com a categoria de semi-especializada, e auferindo o ordenado líquido de 41500 escudos/mês.
- por motivo de doença profissional, encontra-se numa situação de incapacidade de cem por cento para o trabalho habitual.
- face à tal situação, a ré, por carta de 18 de Setembro de 1989, comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho cessara.
Contestou a ré, afirmando, em síntese, que:
- a doença da autora não foi originada pelas circunstâncias do seu trabalho.
- a ré, nas suas instalações sempre proporcionou aos trabalhadores, incluindo a autora, condições de trabalho, de acordo com as recomendações internacionais.
- a incapacidade absoluta da autora para o trabalho habitual determina a caducidade do seu contrato de trabalho com a ré.
- assim, o contrato caducou, não tendo ocorrido qualquer despedimento.
Seguiu o processo com saneador e especificação-questionário e julgamento, vindo a ser proferida sentença, que julgou a acção procedente e provada.
Recorreu a ré, sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença da primeira instância.
Ainda inconformada, a ré recorreu, de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça.
E, alegando, concluiu que:
A) A recorrida, ao ser declarada incapacitada permanentemente, e a 100%, para desempenhar a função para que foi contratada, em consequência de uma conjuntivite, viu caducada a sua relação laboral, nos termos da alínea b) do artigo 4 do Decreto-Lei n. 64-A/89.
B) Trata-se, de facto e de direito, de uma impossibilidade absoluta, definitiva e superveniente de a trabalhadora continuar a desempenhar as suas funções.
C) Não sendo, nem oferecendo controvérsia o carácter superveniente e definitivo da impossibilidade, também ela é absoluta, pois esta característica, tal como as outras, tem que ser aferida à relação jurídica em concreto.
D) E, sendo assim, estando impedida definitivamente de desempenhar a função para que havia sido contratada, isso significa que se trata de uma impossibilidade absoluta, que obvia ao desenvolvimento do próprio objecto do contrato celebrado.
E) A lei é bem clara nas aludidas situações (Vide Base XXXIV da Lei n. 2127 e artigos 61 e 62 do Decreto n. 360/71), ao reconhecer a caducidade "ipso facto", quando a impossibilidade se torna permanente.
F) Só impõe às empresas a obrigação de dar prioridade em novas admissões para lugares compatíveis com o grau de incapacidade dos trabalhadores.
G) O regime legal descrito é imperativo, pelo que o douto acórdão recorrido viola tais preceitos legais.
H) O douto acórdão recorrido acaba também por ignorar o disposto nos ns. 1 e 4 do artigo 63 da Constituição da República, que impõe ao Estado a obrigação social e legal de tratar e enquadrar adequadamente situações como a da recorrida. Tal incumbência não pode ser imposta às empresas.
I) Acresce que, no caso concreto, a recorrente nem sequer possuía posto de trabalho vago, compatível com a doença e incapacidade da recorrida.
Deve ser dado revogado o acórdão recorrido.
A autora contra-alegou, sustentando que deve ser confirmado o acórdão recorrido.
No mesmo sentido, emitiu douto parecer o Digno Magistrado do Ministério Público.
Os factos assentes, e dos quais este Tribunal tem de partir para a decisão de direito, são os seguintes: a) A autora trabalhou sob as ordens e direcção da ré, desde 28 de Janeiro de 1974 até 20 de Setembro de 1989. b) Tendo a categoria de semi-especializada, e auferindo o ordenado mensal líquido de 41500 escudos. c) Em 18 de Setembro de 1989, a ré enviou à autora uma carta, que foi recebida pela autora em 20 do mesmo mês, e cuja fotocópia se acha junta a fls. 6, podendo nela ler-se, nomeadamente:
"a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de continuar a prestar o seu trabalho, constatada inequivocamente pela sua prestação após ter recebido "alta" (...) em consequência vimos pela presente invocar a caducidade do contrato de trabalho, que a ligava à nossa empresa". d) Não mais tendo a ré dado trabalho à autora, a partir da recepção da focada carta. e) A Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais atribuiu à autora uma incapacidade de 100% para o trabalho habitual, por doença profissional, por sofrer de conjuntivite crónica bilateral. f) A autora trabalhou nas instalações fabris da ré, ininterruptamente, durante cerca de 13 anos, até tais instalações terem sido encerradas, e os serviços transferidos para outro local. h) Após 3 de Abril de 1986, a ré manteve a autora a trabalhar nas mesmas instalações referidas em f). i) Em 15 de Julho de 1988, a autora foi forçada a entrar de baixa, situação que se manteve até 1 de Agosto de 1989, quando voltou ao serviço, tendo pedido para trabalhar num local onde não existisse um ambiente prejudicial à sua conjuntivite crónica. j) O que lhe foi negado pela ré. l) A autora, na altura, continuava com capacidade de trabalho para outras funções, que não aquelas que anteriormente desempenhava. n) A ré enviou à Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais a carta junta a fls. 64, assinada por B, que declarava que, em 16 de Março de 1984, foi diagnosticada à autora sinofaringite crónica e que, desde 1981, se queixava de episódios de odinofagia, tosse irritativa e sinorreia, tendo sido seguida, entre outras, na Consulta de Alergologia do Hospital de Santa Maria. o) A autora contraiu uma conjuntivite crónica, e trabalhava na "Secção 23", num local inteiramente fechado onde eram manipulados e montados tubos de plástico, contendo diversos produtos químicos, nomeadamente álcool isoprofilico, ciclazamona, fenol, froquena, e outros. p) Esses produtos libertavam cheiros e vapores, que impregnavam o ambiente, afectando os olhos e garganta dos trabalhadores ali em serviço, entre eles a autora. q) O local mencionado em f) não possuía qualquer ventilação, mantendo-se as janelas sempre fechadas, por imposição da ré, a fim de evitar a entrada de poeiras, que afectassem os sistemas ali existentes. r) A autora e demais trabalhadores exerciam a sua actividade sem protecção alguma, nomeadamente máscara adequada para protecção dos olhos. s) A situação clínica da autora agravou-se, progressivamente durante os anos de 1986 e 1987. t) Em 1 de Agosto de 1989 existia na empresa ré uma Secção, separada da sala onde se preparavam os produtos, destinada à embalagem dos produtos já devidamente fechados, sendo que os trabalhadores desse sector, sempre que o mesmo não se achava em funcionamento, transitavam para o sector de produção. u) No local de trabalho da autora, Secção 23, existia uma concentração de isopropanol de 10 mg/m3. v) Respeitando a concentração de isopropanol de 2x471 mg/m3 à Secção 22, onde a autora não prestava qualquer actividade. x) A autora, bem como a maioria dos trabalhadores da ré, recusava o uso de máscara de protecção, já que esta era demasiadamente incómoda. z) Na Secção onde trabalhava a autora, em 7 de Maio de 1985, a concentração no ar inalado, mg/m3, era de: acetona 3. ciclo-hexanona 18 fenol 0,45. aa) Em 1 de Agosto de 1989, todos os postos de trabalho, não ligados directamente ao sector de produção, estavam preenchidos.

O Direito.
Como se refere nas alegações da recorrente (fls. 186) o objecto do recurso é exclusivamente o de saber se ocorreu ou não a caducidade do contrato de trabalho entre autora e ré.
Isto é, a questão a decidir é tão somente a da aplicação da alínea b) do artigo 4 do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, melhor da alínea b) do artigo 4 do Regime jurídico da celebração do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Segundo o dito artigo 4, alínea b):
"O contrato de trabalho caduca nos termos gerais do direito, nomeadamente: b) Verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber".
A remissão para os termos gerais do direito deve entender-se como feita para o artigo 790 do Código Civil (Ver Jorge Leite, Da cessação do contrato de trabalho, pag. 92, edição de 1978), artigo que regula a impossibilidade objectiva da prestação.
Segundo Antunes Varela (Das obrigações, 2 Vol., 3 edição, pag. 67):
"Genericamente, a prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância o comportamento exigível do devedor se torna inviável".
Como escreve Abílio Neto (Contrato de Trabalho, Notas práticas, 12 edição, 1992, pag. 526):
"No que toca especificamente ao contrato de trabalho, nem toda e qualquer impossibilidade, seja para o trabalhador prestar o seu trabalho, seja para a entidade empregadora o receber, constitui causa determinante da caducidade: esta só ocorrerá se essa impossibilidade for, simultaneamente, absoluta e definitiva.
Será superveniente, quando a causa determinante só se verificar depois da constituição do vínculo laboral, e não quando já existisse à data em que o mesmo se constituiu; será absoluta, quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade patronal não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho; será definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, nunca mais seja viável a prestação ou o recebimento do trabalho.
Assim, verifica-se a caducidade do contrato de trabalho se o trabalhador, por doença natural, ficar total e definitivamente impossibilitado de prestar o serviço para que foi contratado ou outro, ou se, por imposição legal ou administrativa, a entidade patronal ficar, em definitivo, impedida de exercer a sua actividade.
O dito artigo 4 (que trata da caducidade do contrato de trabalho) corresponde ao artigo 8 do Decreto-Lei n. 372-A/75, de 16 de Julho.
Na vigência deste último, decidiu este Supremo (Ac. de 2 de Fevereiro de 1988 - Ac. D. 318-821):
"A referência feita para os termos gerais de direito pelo artigo 8, n. 1, alínea b) do Decreto-Lei n. 372-A/75, a propósito da caducidade do contrato de trabalho, deve entender-se feita para os artigos 790 e seguintes do Código Civil.
Assim, a impossibilidade da prestação, para que se verifique a caducidade do contrato, há-de ser, além de superveniente, absoluta (não basta uma excessiva onerosidade), definitiva (e não apenas temporária) e total (e não apenas parcial)".
Passa a transcrever-se o que escreve Meneses Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, pag. 793):
"A jurisprudência mostra-se bastante exigente no tocante ao requisito da absolutidade; uma simples diminuição das qualidades do trabalhador, quando lhe possam ainda ser distribuídas outras tarefas, não conduz à caducidade. Haverá aqui uma manifestação, pela positiva, do princípio da igualdade, que permite favorecer os mais fracos".
Como flui da matéria factual atrás alinhada (alínea e)): A Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais atribuiu à autora uma incapacidade de
100% para o trabalho habitual, por doença profissional, por sofrer de conjuntivite crónica bilateral.
Isto é, a autora, porque trabalhava na Secção 23, em ambiente fechado, onde a manipulação e montagem de tubos de plástico, contendo produtos químicos libertadores de cheiros e vapores, nocivos para os olhos e garganta dos trabalhadores ali em serviço, contraiu a dita conjuntivite crónica bilateral. (pontos de facto o), p), q) e r).
E esta determinou a incapacidade total da autora mas só para o trabalho habitual, e não para outros trabalhos.
Portanto, a autora ficou a poder trabalhar, designadamente, na Secção destinada à embalagem dos produtos. (Secção mencionada no ponto de facto R) - alíneas e) e l)).
Em face do atrás exposto, verifica-se que, ao contrário do que pretende a recorrente, a incapacidade da autora não é total, mas tão somente para o trabalho na Secção de produção, onde ela habitualmente trabalhava.
Assim, as conclusões A), B), C), D), E), F), G) e H) das alegações da recorrente não merecem acolhimento.
Na última das conclusões (I), afirma a recorrente que:
"Acresce que, no caso concreto, a recorrente nem sequer possuía posto de trabalho vago compatível com a doença e incapacidade da recorrida"
Esta afirmação tem cabimento, situada na data de apresentação da autora ao serviço da ré, após ter estado de baixa, desde 15 de Julho de 1988, sendo aquela data 1 de Agosto de 1989 - alíneas i), j) e aa) da matéria fáctica.
Efectivamente, segundo esta última alínea, em 1 de Agosto de 1989 todos os postos de trabalho, não ligados directamente ao sector de produção, estavam preenchidos.
Mas, a autora tinha o direito de trabalhar na empresa ré, ao serviço da qual contraiu a doença profissional, e a ré a obrigação de colocar aquela logo que isso lhe fosse possível.
O preenchimento dos postos de trabalho não ligados directamente ao sector de produção verificado em 1 de Agosto de 1989, não significa a perpetuidade de tal situação.
Como referia o Dr. Rodrigues da Silva, na vigência do artigo 8 do Decreto-Lei n. 372-A/75, correspondente ao artigo 4 do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, "A mera dificuldade de o trabalhador prestar o trabalho onde a empresa o oferecer não fazem caducar o contrato de trabalho. Podem conduzir à suspensão do contrato se a impossibilidade não for definitiva - o que confirma a indispensabilidade da integração do regime jurídico da suspensão por impedimento prolongado da empresa. Eventualmente, podem permitir a rescisão do contrato de trabalho por despedimento colectivo promovido pela empresa. De resto, a excessiva onerosidade da exploração produtiva traduz-se em termos colectivos, totais ou parciais. Não é susceptível de ser resolvida através da extinção individual de dado contrato de trabalho. (Boletim do Ministério da Justiça, Suplemento - Direito do Trabalho, pags. 205-206).
A ré deveria colocar a autora a trabalhar, logo que isso lhe fosse possível, num sector diferente do da produção, designadamente na Secção de embalagem.
Não lhe era lícito esta "chutar" a autora, como quis fazer, valendo-se da sua incapacidade para o trabalho habitual, que não para todo e qualquer trabalho.
Por isso que, embora exacta a conclusão I) não conduz ao êxito da pretensão da recorrente.

Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, nega-se a revista, confirmando-se o Acórdão da Relação de Lisboa.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 5 de Maio de 1993.
Mora do Vale;
Ramos dos Santos;
Dias Simão.
Decisões impugnadas:

I - Sentença de 9 de Abril de 1991 do Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3 Juízo, 2 Secção;
II - Acórdão de 6 de Maio de 1992 da Relação de Lisboa.