Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
610/16.4JAAVR.C1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
AGRAVANTES
PENA DE PRISÃO
MEDIDA DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 03/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO
Área Temática:
DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO.
Doutrina:
- Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, p. 475, 481, 547, 563, 566 e 574;
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., p. 232 a 357;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, notas aos artigos 18.º e 27.º;
- Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 45 e 57
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 30.º, N.º 1, 71.º, N.ºS 1 E 2, 77.º, N.ºS 1 E 2, 171.º, N.ºS 1 E 2 E 177.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B).
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 411.º, N.º 5, 419.º, N.º 3, ALÍNEA C) E 432.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO N.º 5/2017, IN DR I, DE 23-06-2017;
- DE 06-02-2008, PROCESSO N.º 4454/07;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 4403/00.2TDLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-03-2018, PROCESSO N.º 22/08.3JALRA.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

1. A determinação da pena comporta duas operações distintas: a determinação da pena aplicável (moldura da pena), por via da averiguação do preenchimento do tipo legal de crime (tipo fundamental) e de circunstâncias modificativas, que podem conduzir à punição por um tipo de crime agravado ou privilegiado, e a determinação concreta da pena (medida da pena), em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal). Em caso de concurso de crimes (artigo 30.º, nº 1, do Código Penal), há ainda que determinar a pena única, a partir da moldura definida pela pena mais grave aplicada aos crimes em concurso e pela soma das penas aplicadas, sem ultrapassar o limite de 25 anos de prisão, tendo em consideração, no seu conjunto, a gravidade dos factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).
2. Mostram os factos provados que as ofensas sexuais consistiram em coito anal e oral, que a vítima é filho do arguido e que esta tinha 11 anos de idade, estando preenchidos todos os elementos do tipo de ilícito do crime de abuso sexual de crianças agravado, nos termos dos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
3. A conduta do arguido preenche, por dezasseis vezes, este tipo de crime, a que corresponde a pena de 4 anos a 13 anos e 4 meses de prisão, verificando-se, assim, uma situação de concurso de crimes a que é aplicável uma pena única conjunta nos termos do artigo 77.º do Código Penal.
4. Quanto aos concretos actos de abuso sexual (coito anal e coito oral), que, nos termos do n.º 2 do artigo 171.º do Código Penal, constituem factores de qualificação do tipo de crime, não podem estes, em si mesmos, ser tidos em conta nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 71.º, sob pena de violação do princípio da dupla valoração; o que releva, para estes efeitos, é o modo de execução desses actos e as circunstâncias em que foram praticados, nomeadamente o aproveitamento da relação de autoridade e de ascendência do arguido sobre a vítima, a quem impunha “temor reverencial”, resultantes do facto de esta ser seu filho, a energia criminosa com que actuou e a imposição de silêncio à vítima, bem como as circunstâncias de os factos terem sido praticados na casa de morada da família e de esta não ter outra pessoa que a pudesse proteger, o que, não fazendo parte do tipo de crime, milita severamente contra o arguido.
5. Desta perspectiva, depondo também fortemente contra o arguido, salienta-se o particular peso de agravação resultante da concreta idade da vítima, que tinha 11 anos de idade – circunstância que concretiza o elemento do tipo “menor de 14 anos” – e da gravíssima violação dos deveres que particularmente se impunham ao arguido, de protecção da criança; bastando à integração da previsão típica a simples existência da relação familiar, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 177.º, o que está em causa é a devida valoração do aproveitamento e abuso de uma posição manifesta de confiança, de autoridade ou de influência sobre a criança, resultante da relação familiar, a qual, na estrutura da valoração do artigo 177.º apenas se reconduz a elemento do tipo no caso da alínea b) do mesmo preceito, que não da respectiva alínea a).
6. Tendo em consideração as circunstâncias valoradas na determinação das penas, as finalidades por estas prosseguidas, os princípios que lhe presidem e as molduras penais correspondentes a cada um dos crimes praticados, não se encontra fundamento que possa constituir base de discordância quanto às penas de 6 anos de prisão aplicadas a cada um dos crimes em concurso.
7. Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Tribunal, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente.
8. Dos factos provados sobressai, de forma exuberante, pela frequência da reiteração das condutas, pela idade da vítima e pela gravidade da violação dos deveres cuja observância se impunha ao arguido, que este projectou nos factos praticados características de personalidade altamente censuráveis, reveladoras de particular necessidade de socialização, por manifesta falta de preparação para, face aos deveres a que particularmente estava obrigado, manter uma conduta respeitadora dos valores que, no seio da família, se impõem em vista da protecção e do desenvolvimento salutar da criança.
9. Tendo em conta os factos na sua globalidade, a sua íntima conexão pessoal, espacial e sequencial e as qualidades de personalidade do arguido neles manifestada, não se encontra qualquer fundamento para considerar que a pena única aplicada, de 12 anos de prisão, não se mostra adequada e proporcional à gravidade do facto e às necessidades que a sua aplicação visa realizar, sendo, pois, improcedente o recurso.

Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso do acórdão do tribunal colectivo do Juízo Central Criminal de ...

(Juiz 1), da comarca de ..., que o condenou pela prática de dezasseis crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, agravados pelo preceituado no artigo 177.º, n.º1, a), do mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão por cada deles e, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

Foi ainda condenado na pena de inibição do poder paternal relativamente ao seu filho menor BB até que este perfaça a maioridade, ao abrigo do disposto no artigo 69.º-C, n.º3, do Código Penal, e ao pagamento, a favor deste, na quantia de 16.000,00€ (dezasseis mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados da data da decisão até efectivo e integral pagamento.

2. Apresenta motivação de recurso, de que extrai as seguintes conclusões:

“1. Considerando a matéria de facto dada como provada e o direito aplicável, a pena concreta de 6 (seis) anos de prisão aplicada a cada um dos ilícitos revela-se desajustada e excessiva, bem como se revela muito elevada a pena única de 12 (doze) anos de prisão do concurso de infrações.

2. No que concerne ao quantum da pena aplicada ao arguido pelo Tribunal a quo, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto nos artigos 71.º e 77.º do C.P.

3. No acórdão recorrido o Tribunal considerou, para determinar a medida da pena, que o grau de ilicitude dos factos se afigurava “muito elevado”, com indicação de circunstâncias que já fazem parte do tipo de crime, em concreto o facto do ato sexual de relevo ter consistido em coito anal e coito oral (artigo 171.º, nº 2 do C.P) e ainda o facto de o ato sexual de relevo ser praticado com menor de 14 anos (artigo 171.º, nº1 do C.P), violando, desta forma, o princípio da proibição da dupla valoração.

4. Não considerou o Tribunal a quo, para determinação da medida da pena, a circunstância de não ter resultado da conduta do arguido qualquer dano físico no menor, conforme relatório de natureza sexual constante de fls. 162 a 164.

5. Não consta do acórdão recorrido qualquer facto ou circunstância que revele que o arguido tenha feito uso de uma brutalidade excessiva na prática dos atos ilícitos, ou que sofra de qualquer desvio ou tendência mórbida para a prática desses ilícitos.

6. O tribunal a quo não teve na devida consideração, na ponderação da medida da pena, as circunstâncias que são favoráveis ao arguido, nomeadamente o facto de este, à data dos factos, não ter qualquer antecedente criminal, o facto de ser uma pessoa perfeitamente inserida na sociedade e respeitada no meio pequeno onde vive, o que o torna mais sensível à pena que lhe for aplicada.

7. Para além das circunstâncias indicadas na 6ª conclusão, importa ainda referir que resulta do resumo dos depoimentos da ex mulher do arguido, que esta “nunca presenciou qualquer comportamento estranho do arguido para com os filhos”, a sua ex sogra também afirmou que o arguido “era um bom pai” e todas as testemunhas de defesa se referiram ao arguido como sendo uma pessoa trabalhadora e respeitadora.

8. Em face das conclusões acima expostas, o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa, que não deverá ultrapassar os 5 anos de prisão, nos termos do artigo 71.º do C.P.

9. Ao aplicar uma pena de 6 anos de prisão ao arguido por cada ilícito praticado, o Tribunal a quo violou o artigo 71.º, nºs 1 e 2 do C.P.

10. Na determinação da medida da pena única, o acórdão recorrido remeteu para a “factualidade anteriormente descrita” aquando da determinação das penas parcelares e, na nossa modesta opinião, aplicou uma pena única excessiva e desproporcional no cúmulo jurídico, não tendo em consideração os critérios especiais previstos no artigo 77.º, nº1 do C.P: os factos e a personalidade do agente.

11. No caso concreto, é importante ter em consideração que as penas parcelares têm na sua base factos do mesmo contexto, numa curta unidade temporal (dois meses) e todos com uma estreita relação, uma vez que o facto ilícito, a vítima e o modo de execução é o mesmo em cada infração.

12. Dos factos dados como provados não podemos concluir que os factos praticados revelam uma tendência criminosa, surgem antes, a nosso ver, como uma consequência nefasta de uma particular conjuntura na vida do recorrente, em concreto o divórcio e a saída da sua ex mulher de casa, uma situação excecional, e não resulta de um traço de personalidade.

13. A personalidade do agente e o seu trajeto de vida conforme os padrões comunitários pré-estabelecidos, levam-nos a concluir que o ilícito global praticado não revela, no caso concreto, uma inclinação criminosa, mas antes uma pluriocasionalidade.

14. O contexto específico em que os ilícitos ocorreram, dentro de casa, numa situação excecional, deixam-nos a certeza de que o arguido, cumprida a pena, não mais praticará qualquer ilícito.

15. Estas circunstâncias indicadas deveriam ter sido consideradas e sopesadas pelo Tribunal a quo, no momento da determinação da pena única, em termos axiológicos e de compreensão humana, o que permitiria por si só a aplicação de uma pena única mais moderada, tendo em atenção os factos e a personalidade do recorrido.

16. Consideramos, salvo melhor opinião, que o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 77.º, nº1 do C.P, sendo a nosso ver excessiva e demasiado severa, a aplicação de uma pena única de 12 (doze) anos de prisão, atenta a factualidade considerada, devendo o Tribunal aplicar ao arguido uma pena única não superior a 7 (sete) anos de prisão, respeitando as regras para determinação do concurso no caso concreto.

Termos em que,

Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o arguido numa pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão por cada um dos crimes e numa pena única não superior a 7 (sete) anos de prisão.”

3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público, pelo Senhor Procurador-Adjunto no tribunal recorrido, a defender a improcedência do recurso, dizendo (transcrição parcial):

“1- O tribunal a quo violou o princípio da dupla valoração na determinação da medida concreta das penas aplicadas ao arguido? Tais penas, parcelares e única, são desproporcionadas e excessivas? (…)

Ora, se o princípio da proibição da dupla valoração impede que se tenham em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime, já nada obsta “a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso.”

Assim sendo, não será indiferente, para estes efeitos, que o arguido, em obediência a uma única resolução criminosa, numa mesma ocasião e lugar (e, por conseguinte, estando em causa apenas um crime de abuso sexual de crianças), tenha mantido relações sexuais de coito anal com a vítima, durante um minuto, ou durante uma hora; que o tenha feito provocando dores na vítima, ou não; que tenha submetido a vítima apenas a coito anal, ou também, e para além disso, a coito oral e à introdução anal de diversos objectos.

No caso concreto, tal como se descreve nos pontos 10 a 14 da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, o arguido no que toca ao crime cometido no dia 8/11/16, primeiro manteve relações de sexo anal com o menor e, depois, quando aquele lhe pede para parar porque tal lhe causava dores, disse ao seu filho para chupar o seu pénis, introduzindo-lhe o mesmo na boca, acto este que causou profunda repulsa no menor que reagiu dizendo que “não o queria na sua boca”, ao que o arguido lhe disse que “ou metia a pila na boca ou no cú”, o que fez com que o menor permitisse ao arguido, seu pai, que lhe voltasse, mais uma vez, a introduzir o pénis no ânus – cfr. pontos 13 e 14.

Esta forma especialmente gravosa no modo de execução deste crime de abuso sexual de crianças pode e deve ser valorada na fixação da medida concreta da pena (eventualmente exigiria até um agravamento da medida deste concreto crime de abuso sexual de crianças agravado relativamente aos restantes pelos quais o arguido foi condenado), pois que diz respeito à intensidade do preenchimento deste elemento típico e aos seus efeitos (nomeadamente nas sequelas psicológicas deixadas no menor).

E o mesmo se diga relativamente à concreta idade do menor de 14 anos, pois que diferente será, para estes efeitos, que o agente cometa esse crime na pessoa de um menor com 13 anos de idade, ou num com apenas alguns meses de idade, ou, nomeadamente, como é o caso, com um menor de 11 anos de idade (idade ainda longe do limite dos 14 anos a partir do qual a lei pune mais brandamente este tipo de condutas – art. 172, nº1 do Código Penal). 

Assim sendo, ao considerar tais circunstâncias na fixação da medida concreta da pena, o tribunal a quo não violou, na nossa perspectiva, a proibição do princípio da dupla valoração, consagrado no art. 71º, nº2 do Código Penal.

Refere de seguida o arguido, nas conclusões do seu recurso, que o Tribunal também não teve em devida conta a circunstância dos actos por si praticados não terem provocado lesões físicas no menor; de o arguido não ter usado de brutalidade excessiva na prática dos mesmos; de ser primário e de estar inserido social e profissionalmente.

Contudo, basta atentar na fundamentação de direito do acórdão recorrido, supra transcrita, para se verificar que o tribunal a quo sopesou a favor do arguido a circunstância daquele não possuir antecedentes criminais, as suas condições sociais e profissionais e o facto de ser respeitado na comunidade em que se insere.

Aliás, sempre se diga que tal não o impediu de praticar os crimes por que foi condenado que, aliás, só cessaram, por razões alheias à sua vontade (detenção do mesmo na sequência de desabafo do menor na escola em momento em que já não suportava mais esta conduta do arguido).

Por outro lado, refere o arguido que não usou de brutalidade excessiva (independentemente do que se entenda por brutalidade excessiva, já que todos estes factos encerram em si mesmos uma “brutalidade”, que, enquanto tal, comporta sempre algo de excessivo). Ora, tal não é um facto que deva ser encarado como uma atenuante. Na verdade, se porventura os factos tivessem sido praticados ainda com mais “brutalidade”, aquilo que se justificava era então uma punição mais severa.

Com efeito, importa ter presente, na determinação da medida concreta da pena, quais as suas finalidades.

Assim, “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa .”( …)

Nestes termos, essa tutela de bens jurídicos fixar-se-á numa espécie de “moldura de prevenção” a que se dá o nome de defesa do ordenamento jurídico. Moldura essa “cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias.“ Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 243.

Desta forma, o quantum da pena não poderá nunca descer abaixo daquele limiar a partir do qual se ponha “em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.” (…) F. Dias, Ob. cit., p. 243.

Só então, e dentro desta “moldura de prevenção” actuarão as finalidades de prevenção especial.

Ora, revertendo ao caso concreto, verifica-se que a moldura penal abstractamente aplicável a cada um dos crimes de abuso sexual de crianças agravado, cometidos pelo arguido na pessoa do seu filho BB, se situa entre um mínimo de 4 anos e um máximo de 13 anos e 4 meses de prisão.

Ora, tendo em conta que para determinar a medida concreta das penas aplicadas, há que tomar em consideração que:

- O grau da ilicitude dos factos, em qualquer dos casos, sem perder de vista a gravidade própria valorada na moldura abstracta correspondente, afigura-¬se especialmente forte, atenta a intensidade e natureza dos mesmos, através de um modo de execução que traduz um profundo desprezo pelo bem jurídico protegido, sendo de sublinhar as dores físicas sofridas pelo menor em consequência dos actos sexuais perpetrados pelo arguido e a circunstância dos actos sexuais praticados com a vítima terem ocorrido na casa de morada de família, onde morava também a outra filha do arguido;

 - A tenra idade da vítima (muito inferior aos 14 anos) aquando da prática dos factos criminosos;

- Do ponto de vista da liberdade da determinação sexual da vítima, a agressão cometida foi acentuada, considerados os diversos actos praticados pelo arguido;

- A gravidade das suas consequências, traduzida nos sentimentos vincados e persistentes, ainda hoje presentes no menor, de medo, tristeza, repulsa e revolta, existindo o perigo concreto das eventuais consequências ao nível psicológico que tais condutas poderão produzir, no futuro, nas vítimas com natural repercussão ao nível emocional;

- O dolo do arguido, directo e intenso, revela acentuada persistência, traduzida no empenho e energia revelada na execução dos actos que repetidamente praticou e os obstáculos e as contra-motivações sociais que teve de vencer para concretizar o seu propósito libidinoso;

- Os fins ou motivos que o determinaram, que eram a satisfação dos seus desejos sexuais, que sobrepuseram aos interesses de desenvolvimento harmonioso da criança na sua esfera sexual e aos inalienáveis deveres de quem, enquanto pai, se impunha que defendesse.

- A falta de consciência critica e de arrependimento pelos factos cometidos e bem assim a ausência de qualquer gesto tendente à reparação (na medida do possível) dos danos provocados;

- A sua pedofilia e personalidade mal formada, espelhada nos factos e na indiferença ao sofrimento do seu filho (que por já não suportar mais tais abusos, acabou por relatar tais factos na escola, assim vendo exposto o núcleo mais restrito da sua intimidade), aliada à falta de consciência crítica para a gravidade da sua conduta, faz com que as exigências de prevenção especial sejam elevadas, atento o risco de repetição no futuro de factos do mesmo género;

- A marcada pedofilia do arguido é socialmente tida como grave e desonrosa, reclamando fortes exigências de prevenção geral, exigências estas que, como se sabe, têm vindo a ganhar crescente relevância na sociedade contemporânea com a crescente necessidade de protecção da liberdade e autodeterminação sexual, sobretudo das crianças, atentas as suas dimensões e gravíssimas consequências, tanto individual como colectivamente, constituindo a sua ofensa motivo de generalizado e crescente repúdio social. Exigências estas mais prementes em meios pequenos, de cariz rural, como aquele onde os crimes foram praticados, vista a sua maior ressonância social.

Não merece censura a medida concreta das penas parcelares e também da pena única, encontradas para a punição dos sobreditos crimes.

Veja-se que a medida das penas parcelares se situa ainda no quarto inferior da moldura penal abstractamente aplicável e no que concerne à medida da pena única aplicada, verifica-se que numa moldura penal abstractamente aplicável que se situava entre um mínimo de 6 anos de prisão e um máximo de 25 anos de prisão, aquela fixou-se nos 12 anos de prisão, ou seja, ainda na metade inferior de tal moldura.

O que significa que o Tribunal a quo ponderou fortemente as circunstâncias que militavam a favor do arguido, já supra referenciadas.

De referir aqui, também, que inexiste qualquer facto da matéria dada como provada que indique que o cometimento destes crimes se ficou a dever a uma mera pluriocasionalidade, antes pelo contrário, os mesmos radicam numa tendência do agente (a sua pedofilia e personalidade mal formada), que apenas não se prolongou mais no tempo devido a circunstâncias alheias à sua vontade.

Destarte, na nossa perspectiva o tribunal recorrido, ao condenar o arguido recorrente pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de dezasseis crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 171º, nºs 1 e 2 e 177º, nº1, al. a), ambos do Código Penal, cada qual na pena de seis anos de prisão e, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de doze anos de prisão, mais não fez do que dar cumprimento ao estabelecido nos arts. 40º, 70º, 71º e 77º, todos do Código Penal.

Assim sendo, e pelo exposto, não merece censura, a nosso ver e sempre salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, a decisão recorrida.”

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto, em concordância com o Ministério Público na 1.ª instância, emitido parecer quanto ao mérito do recurso nos seguintes termos:

“(…) b. Na procedência da acusação, condenou o Acórdão Recorrido o arguido na pena única de 12 anos de prisão, aglutinadora de 16 penas parcelares de 6 anos de prisão cada uma, correspondentes a outros tantos crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 171.º, n.ºs 1 e 2, 177.º n.º 1 al. a) do CP, por ele praticados na pessoa do ofendido, menor de 14 anos, seu filho, BB, bem como na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao mesmo ofendido até que este perfaça a maioridade, nos termos do art.º 69º-C n.º 3 do CP.

c.     Inconformado com a medida concreta das penas de prisão parcelares e conjunta – que quer ver reduzidas, as primeiras, a não mais de 5 anos cada uma, e, a segunda, a não mais de 7 anos –, move-lhe, ora, o arguido o presente recurso.

Diz, em suma, que tais penas são desproporcionadas e excessivas, e assim pois que o Acórdão Recorrido incorreu numa série de ilegalidades, a saber:

─   Na avaliação do grau de ilicitude, relevou duplamente as circunstâncias que já fazem parte do tipo de ilícito do art.os 171º n.os 1 e 2, 177º n.º 1 al.ª a) do CP, de os actos sexuais de relevo terem consistido em coito anal e em coito oral e de ter sido praticado em menor de 14 anos de idade, o que importa violação do princípio da proibição da dupla valoração acolhido no (corpo do) art.º 71º n.º 2 do CP– conclusões 1. e 3. da motivação.

─   Nessa mesma operação, não valorizou devidamente a circunstância de os actos praticados não terem provocado lesões físicas no ofendido e de não ter usado de brutalidade excessiva – conclusões 4. e 5.

─   Na aferição das necessidades de socialização e na formulação do juízo global de culpa e ilicitude, não considerou as circunstâncias de o arguido ser primário e de estar inserido social e profissionalmente, de ter sido curto o período temporal em que os factos ocorreram e de não revelarem, estes, uma tendência criminosa mas tão-só uma pluriocasionalidade – conclusões 6., 11., 12. 13. e 14..

─   Violou, por tudo, as normas dos art.os 71º n.os 1 e 2 e 77º n.º 1 do CP.

d.     Em peça de irrecusável qualidade, o Exmo. Procurador Adjunto na 1ª instância contramotivou o recurso, evidenciando, com referenciação aos pertinentes passos dos factos provados e às pertinentes disposições legais e confortando-se na jurisprudência dos Tribunais Superiores e na doutrina mais autorizada, a falta de razão do recorrente e demonstrando, em particular, a correcção das operações de determinação das penas parcelares e conjunta.

E não deixou, designadamente, de anotar, com toda a pertinência face às críticas que a tal propósito vêm feitas pelo recorrente, que não importa violação do princípio da dupla valoração a repercussão na medida da pena da «intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso»; que o grau de ilicitude dos factos é, no caso, «especialmente forte»; que o dolo do arguido, directo e intenso, denota «acentuada persistência»; que a «pedofilia e personalidade mal formada» do arguido, «aliada à falta de consciência crítica para a gravidade da sua conduta, faz com que as exigências de prevenção especial sejam elevadas»; e que comportamentos como o do arguido geram sentimentos de forte repulsa social, exigindo-se que a pena reafirme inequivocamente, através da sua severidade, a validade e vigência dos valores da liberdade autodeterminação sexual ofendidos.

Sendo que, por tudo, concluiu que, num quadro assim desenhado de tão acentuadas exigências de prevenção geral e especial e de culpa tão significativa – e desse modo, quer com relação a cada um dos actos vistos isoladamente, quer, acima de tudo, encarados todos eles no seu conjunto e à luz da sua atinência à personalidade do arguido –, nem se concebe, logo, como, numa moldura abstracta de 4 a 13 anos e 3 meses de prisão – art.ºs 171.º n.ºs 1 e 2 e 177.º n.º 1 al. a) do CP –, os art.ºs 40.º n.ºs 1 e 2 e 71.º n.ºs 1 e 2 do CP consintam penas parcelares inferiores aos 6 anos de prisão que foram decretados, nem, depois, como, numa moldura de concurso de 6 a 25 anos de prisão os mesmos preceitos e ainda os do art.º 77º n.os 1 e 2 do CP, credenciem pena única inferior à de 12 anos aplicada.

e.     A resposta do Exmo. Procurador Adjunto, esclarecida e proficiente, comprova a falta de fundamento do recurso, refutando as violações de lei que vêm imputadas ao Acórdão Recorrido e evidenciando a adequação e proporcionalidade das penas parcelares e conjunta decretadas.

Merece a inteira adesão do signatário, que por isso aqui remete para os respectivos termos, por brevidade e economia de meios.

E, com base nas razões nela desenvolvidas, é de parecer que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.”

5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual tem por objecto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

7. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida – que devem resultar directamente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência – e a nulidades processuais não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), bem como quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, com a alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

Pelo acórdão n.º 5/2017 deste Supremo Tribunal de Justiça (DR I de 23-06-2017) foi fixada jurisprudência no sentido de que «a competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal colectivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.»

Como se tem afirmado na jurisprudência deste Tribunal (cfr., entre outros, o acórdão de 14.3.2018, no Proc. 22/08.3JALRA.E1.S1, em www.dgsi.pt), o conhecimento do recurso implica que, no âmbito da sua competência, este Tribunal aprecie e decida todas as questões de direito relacionadas com o objecto e âmbito do recurso delimitado pelo recorrente, com vista à sua boa decisão, sem prejuízo das regras relativas à alteração da qualificação jurídica dos factos e das implicações do princípio da proibição da reformatio in pejus (artigos 424.º, n.º 3, e 409.º do CPP).

8. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, as questões colocadas à apreciação e decisão deste tribunal circunscrevem-se à medida das penas parcelares e da pena única, que o recorrente considera terem sido determinadas em violação do disposto nos artigos 71.º e 77.º, n.º 1, do Código Penal.

A determinação da pena comporta duas operações distintas, configurando dois níveis a considerar na decisão: a determinação da pena aplicável (moldura da pena), por via da averiguação do preenchimento do tipo legal de crime (tipo fundamental) e de circunstâncias modificativas que podem conduzir à punição por um tipo de crime agravado ou privilegiado, e a determinação concreta da pena (medida da pena), em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal).

Em caso de concurso de crimes (artigo 30.º, nº 1, do Código Penal), há ainda que verificar o respeito pelo critério especial de determinação da pena única, a partir da moldura definida pela pena mais grave aplicada aos crimes em concurso e pela soma das penas aplicadas, sem ultrapassar o limite de 25 anos de prisão, tendo em consideração, no seu conjunto, a gravidade dos factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).

O acórdão recorrido

9. O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

“1)  O menor BB nasceu em ... de 2005 e é filho do arguido e de CC.

2)    O arguido e CC foram casados entre si e divorciaram-se em 19/09/2016, no âmbito do processo n.º 3621/16.6T8VIS, que correu termos junto da IC, 1ª Secção, J1 de Família e Menores de ..., no âmbito do qual foram reguladas as responsabilidades parentais do BB e ainda da ..., também filha de ambos, ficando estes dois menores a residir com o arguido na Rua ..., área desta Comarca.

3)    Em dia e hora não concretamente apurados mas ocorridos num domingo à tarde do mês de Setembro de 2016, o arguido decidiu iniciar contactos de cariz sexual com o menor BB sempre que tal se propiciasse.

4)    Nesse domingo, o arguido, que trajava apenas cuecas, chamou o BB ao seu quarto de dormir, ao que, obedecendo-lhe, o menor foi ao seu encontro sem suspeitar do que pretendia o arguido seu pai.

5)    Aí chegado, o arguido de imediato disse ao BB para retirar a calças e cuecas que vestia e se deitar na cama de barriga para baixo, o que este fez.

6)    Após, o arguido despiu as suas cuecas e, com o pénis ereto, tentou penetrar, friccionando, o mesmo no ânus do menor BB.

7)    De imediato, o menor começou a chorar, dizendo ao arguido para que parasse pois que lhe estava a causar dor.

8)    Indiferente à reação do filho, o arguido continuou a pressionar o seu pénis ereto no ânus do menor.

9)    Em dias não concretamente apurados, mas após a data supra referida e até 08/11/2016, por diversas ocasiões, e pelo menos por mais quinze vezes, o arguido abeirou-se do menor BB, e quer no quarto de dormir deste como no quarto de dormir do arguido, determinou que aquele se deitasse na cama de barriga para baixo, sem roupa e, com o seu pénis ereto logrou conseguir introduzi-lo, através de fricção, no ânus do menor.

10)  Em 08/11/2016, em hora não concretamente apurada, mas sendo já noite, e estando o menor BB já deitado na sua cama, o arguido introduziu-se no quarto deste.

11)  Nesse momento, disse ao menor para retirar as suas cuecas e que se colocasse debruçado na cama, de barriga para baixo.

12)  Após, o arguido, com o seu pénis ereto logrou introduzir o mesmo no ânus do menor, tendo o BB pedido que parasse porque lhe estava a doer, ao que o arguido ripostou que se não estivesse calado que lhe ia pôr uma almofada na boca

13)  De seguida, o arguido retirou o seu pénis do ânus do menor e disse ao mesmo para se virar de frente e lhe colocar o pénis na boca ordenando-lhe que “chupasse”, tendo de seguida introduzido o seu pénis ereto na boca do BB.

14)  Porque o BB rejeitasse, dizendo-lhe que não o queria na sua boca, o arguido disse-lhe que “ou metia a pila na boca ou no cú”, pelo que o menor acabou por permitir que o arguido uma vez mais lhe introduzisse o pénis no seu ânus.

15)  Após praticar cada um dos factos acima descritos, o arguido advertia sempre o menor para não contar a ninguém o sucedido

16)  O arguido sabia perfeitamente que o ofendido BB, seu filho, nascera a ... de 2005 e, por isso mesmo à data dos factos tinha idade inferior a 14 anos.

17)  Durante todo o período de tempo que duraram as condutas acima descritas, o arguido agiu de modo livre, deliberado e conscientemente, sempre com o propósito, concretizado, de satisfazer as suas intenções libidinosas, atuando de todas essas vezes de forma a ter com o menor seu filho atos de natureza sexual, aproveitando-se da sua posição de pai e do temor reverencial que o menor, por isso mesmo, tinha para consigo, para conseguir concretizar tais intentos e, por outro lado, evitar que a menor relatasse a terceiros tais factos, sabendo por isso mesmo ser de maior gravidade toda aquela sua conduta.

18)  Agiu igualmente o arguido com a intenção de ofender o pudor do ofendido e a sua liberdade sexual, bem sabendo que este não tinha idade e discernimento para consentir naqueles atos, e que os mesmos prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e afetivo e formação quer como pessoa quer como homem.

19)  O arguido agiu de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo da grande censurabilidade e punibilidade das suas condutas.(…)

21)  O arguido é o mais novo de uma fratria de três, tendo crescido integrado no agregado dos progenitores e irmãos.

22)  Durante a infância este agregado esteve emigrado durante alguns anos em ....

23)  Quando regressaram a Portugal, o arguido já se encontrava em idade escolar, tendo ingressado no 2.º/3.º ano de escolaridade, abandonando o sistema de ensino após concluir o 5.º ano, aos 16 anos.

24)  O pai era funcionário da Câmara Municipal e a mãe doméstica.

25)  Ao longo dos anos o arguido tem trabalhado na construção civil e na agricultura.

26)  Constituiu agregado autónomo aos 22 anos, idade com que casou a primeira vez.

27)  Deste casamento nasceu um filho que viria a falecer abruptamente com apenas um mês de idade.

28)  Após um ano de casamento tomou a iniciativa de se separar.

29)  Nessa altura reintegrou o agregado dos progenitores dos quais se viria a autonomizar novamente, aos 31 anos, quando estabeleceu relacionamento afetivo com a mãe do menor BB com quem veio entretanto a casar.

30)  Há cerca de 2 anos e meio, e após 13/14 anos de via em comum, esta abandonou o agregado, deixando os dois filhos do casal, de 13 e 11 anos de idade aos cuidados do arguido.

31)  Entre os dois casamentos, o arguido foi tendo alguns relacionamentos de curta duração, procurando parceiras ocasionais para satisfazer as suas necessidades de natureza sexual.

32)  Posteriormente à prisão preventiva a que esteve sujeito, o arguido passou a residir sozinho em casa própria.

33)  Desde novembro de 2016 que não tem qualquer contacto direto com os filhos.

34)  O arguido subsiste com o rendimento auferido na realização de trabalhos na agricultura e construção civil, sem contrato formal.

35)  O arguido não tem antecedentes criminais.”

10. De acordo com o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do Código Penal e 375.º, n.º 1, do CPP, que concretizam o dever de fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.º da Constituição, na sentença são expressamente referidos e especificados os fundamentos da medida da pena.

Nesta parte, a decisão recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

10.1. Quando à determinação das molduras penais dos crimes em concurso (qualificação jurídica dos factos):

“Do crime de abuso sexual de crianças

Preceitua o artigo 171.º do Código Penal que “quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos”, acrescentando o n.º 2 que “se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos”.

As penas referidas nos pontos anteriores são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for ascendente, descendente, adotante, adotado, parente ou afim até ao segundo grau do agente – artigo 177.º, n.º 1, a), do Código Penal.

Com este crime pretende proteger-se o “livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual”, nesse sentido, Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, tomo I, p. 442, tutela essa concretizada mediante a previsão de crimes de perigo abstrato, como o aqui em análise.

Nestes casos, como refere Teresa Beleza - in “O Conceito Legal de Violação”, in R.M.P., 15º, nº 59, julho/setembro de 1994 -, “já não é o pudor do jovem ou da criança (…), ou da pessoa adulta vulnerável (…) que está em causa (…), mas a convicção legal (iuris et de iure, dir-se-ia) de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de auto determinação a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual”.

Daí que se proíba a prática de atos que condicionem a liberdade de escolha e exercício da sexualidade do menor no futuro.

Trata-se de um crime de mera atividade, consistindo a ação típica no estabelecimento consensual (ou pelo menos não violento) de uma relação entre o agente ou terceiro e um menor de 14 anos, recondutível ao conceito de “ato sexual de relevo”.

A dificuldade da análise da faceta objetiva deste tipo-de-ilícito reside, pois, na concretização deste conceito indeterminado, da qual deve estar arredada qualquer conotação de índole moral ou ético-social.

Assim, e secundado a definição seguida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.05.2014, “ato sexual de relevo é um comportamento ativo, o qual objetivamente considerado assume uma natureza, um conteúdo e um significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica”, ação ou conduta sexual essa que deverá ser entendida em termos amplos, englobando a “sexualidade pré e extra genital, a que emana do corpo como zona erógena de conjunto” - cfr. Sénio Alves, in “Crimes Sexuais”, 1995, p. 10.5.

Segundo este autor a gravidade do ato deve ser aferida segundo a perspetiva do homem médio e nunca na perspetiva subjetiva da vítima.

O agente do crime pode ser qualquer pessoa, de qualquer sexo, incluindo os familiares da vítima (crime comum), a qual deverá, porém, ter menos de 14 anos de idade, podendo ser de qualquer sexo.

A nível subjetivo, exige-se o dolo (genérico) do agente, em qualquer das suas modalidades, abrangendo forçosamente a idade da vítima.

Revertendo ao caso, ressuma da factualidade dada como provada que em dia e hora não concretamente apurados mas ocorridos num domingo à tarde do mês de Setembro de 2016, o arguido decidiu iniciar contactos de cariz sexual com o menor BB sempre que tal se propiciasse.

Nesse domingo, o arguido, que trajava apenas cuecas, chamou o BB ao seu quarto de dormir, ao que, obedecendo-lhe, o menor foi ao seu encontro sem suspeitar do que pretendia o arguido seu pai.

Aí chegado, o arguido de imediato disse ao BB para retirar a calças e cuecas que vestia e se deitar na cama de barriga para baixo, o que este fez.

Após, o arguido despiu as suas cuecas e, com o pénis erecto, tentou penetrar, friccionando, o mesmo no ânus do menor BB.

De imediato, o menor começou a chorar, dizendo ao arguido para que parasse pois que lhe estava a causar dor. Indiferente à reacção do filho, o arguido continuou a pressionar o seu pénis erecto no ânus do menor.

Por outro lado, mais se apurou que em dias não concretamente apurados, mas após a data supra referida e até 08/11/2016, por diversas ocasiões, e pelo menos por mais quinze vezes, o arguido abeirou-se do menor BB, e quer no quarto de dormir deste como no quarto de dormir do arguido, determinou que aquele se deitasse na cama de barriga para baixo, sem roupa e, com o seu pénis erecto logrou conseguir introduzi-lo, através de fricção, no ânus do menor.

Em 08/11/2016, em hora não concretamente apurada, mas sendo já noite, e estando o menor BB já deitado na sua cama, o arguido introduziu-se no quarto deste.

Nesse momento, disse ao menor para retirar as suas cuecas e que se colocasse debruçado na cama, de barriga para baixo.

Após, o arguido, com o seu pénis erecto logrou introduzir o mesmo no ânus do menor, tendo o BB pedido que parasse porque lhe estava a doer, ao que o arguido ripostou que se não estivesse calado que lhe ia pôr uma almofada na boca

De seguida, o arguido retirou o seu pénis do ânus do menor e disse ao mesmo para se virar de frente e lhe colocar o pénis na boca ordenando-lhe que “chupasse”, tendo de seguida introduzido o seu pénis erecto na boca do BB.

Porque o BB rejeitasse, dizendo-lhe que não o queria na sua boca, o arguido disse-lhe que “ou metia a pila na boca ou no cú” , pelo que o menor acabou por permitir que o arguido uma vez mais lhe introduzisse o pénis no seu ânus.

Após praticar cada um dos factos acima descritos, o arguido advertia sempre o menor para não contar a ninguém o sucedido

O arguido sabia perfeitamente que o ofendido BB, seu filho, nascera a 25 de Julho de 2005 e, por isso mesmo à data dos factos tinha idade inferior a 14 anos.

Durante todo o período de tempo que duraram as condutas acima descritas, o arguido agiu de modo livre, deliberado e conscientemente, sempre com o propósito, concretizado, de satisfazer as suas intenções libidinosas, actuando de todas essas vezes de forma a ter com o menor seu filho actos de natureza sexual, aproveitando-se da sua posição de pai e do temor reverencial que o menor, por isso mesmo, tinha para consigo, para conseguir concretizar tais intentos e, por outro lado, evitar que a menor relatasse a terceiros tais factos, sabendo por isso mesmo ser de maior gravidade toda aquela sua conduta.

Agiu igualmente o arguido com a intenção de ofender o pudor do ofendido e a sua liberdade sexual, bem sabendo que este não tinha idade e discernimento para consentir naqueles actos, e que os mesmos prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e afectivo e formação quer como pessoa quer como homem.

Por fim, apurou-se que o arguido agiu de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo da grande censurabilidade e punibilidade das suas condutas.

Destarte, e não se antolhando quaisquer causas de justificação ou desculpação que importe considerar, impõe-se concluir que o arguido praticou os crimes de que vinha publicamente acusado.”

10.2. Quanto à escolha e determinação da medida das penas:

10.2.1. Quanto às penas parcelares:

“Escolha das penas

O crime de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, agravado por força do preceituado no artigo 177.º, n.º 1, a), é punido com pena de prisão de 4 anos a 13 anos e 3 meses de prisão.

As penas a aplicar são, assim, necessariamente penas de prisão.

Determinação da medida concreta das penas

No direito vigente, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente (artigo 40º, nº 1, do Código Penal).

Por outro lado, a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa (artigo 40.º, nº 2), ou seja, não há pena sem culpa e jamais a medida da pena poderá ultrapassar a medida da culpa.

O princípio da culpa tem assento constitucional, decorrendo do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade (artigos 1.º e 27.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

Tal como se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 432/2002, “são consequências desta consagração constitucional, entre outras, a exigência de uma culpa concreta (e não ficcionada) como pressuposto necessário da aplicação de qualquer pena, e a inerente proscrição da responsabilidade objectiva; a proibição de aplicação de penas que excedam, no seu quantum, o que for permitido pela medida da culpa e a proibição das penas absolutas ou tendencialmente fixas”.

Assim, e acompanhando de perto os ensinamentos de FIGUEIREDO DIAS, temos que, a culpa funciona como limite máximo da pena concreta, ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa humana (cf. As consequências jurídicas do crime – Reimpressão, Coimbra Editora, p. 238 e ss).

De seguida, e até ao limite máximo consentido pela culpa, surge-nos a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos, e cujo mínimo resulta do “quantum” de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias.

Como refere aquele ilustre Professor, é esta a medida mínima da “moldura de prevenção” que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial.

Decisivo só pode ser o “quantum” de pena imprescindível para que não se ponha, irremediavelmente, em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico penais.

Por último, dentro dos critérios da moldura assim definida, atuam as finalidades de prevenção especial, quer a função primordial de socialização, quer qualquer umas das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança/inocuização.

Atentemos então em cada uma das exigências.

Nos crimes em causa são elevadíssimas as exigências de prevenção geral pela forma determinada como a sociedade reage a este tipo de crimes, sobretudo quando estão em causa crianças, reclamando a punição exemplar dos seus autores com penas que os façam sentir a gravidade e a dimensão da censura social por tais condutas.

Por seu turno, os concretos fatores de medida da pena, constantes do elenco do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.

Dos critérios que constam no citado artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal para determinar a pena concreta relevam no caso dos autos o dolo direto, com que atuou, correspondente à forma mais grave da culpa, dolo esse que foi intenso, traduzido na energia criminosa com que o arguido atuou para satisfação da sua lascívia e desejo sexual, não hesitando em desenvolver toda a sua conduta sobre o próprio filho, aproveitando-se da relação familiar, de proximidade e de ascendência que tinha sobre este, não ignorando que, por força da saída da mãe de casa, não tinha qualquer outra pessoa que o pudesse proteger e de quem se pudesse socorrer.

O grau de ilicitude é também muito elevado, atenta a natureza e reiteração dos atos praticados sobre o menor - os mais graves entre os integradores de atos sexuais de relevo, sexo anal e sexo oral – não se coibindo de o iniciar sexualmente com apenas 11 anos de idade, confrontando-o com uma área de relações humanas de foro extremamente íntimo de uma forma completamente desadequada e chocante, tudo a extrapolar de uma sexualidade normal (lícita ou ilícita), ferindo por forma intensíssima os valores ético-sociais dominantes na sociedade em que nos inserimos, no tocante à problemática do sexo, da sexualidade e da liberdade sexual e aptos a ferir de forma indiscutivelmente intensa e potencialmente irreversível o seu desenvolvimento normal, muito provavelmente marcando-o para o resto da vida.

Contra o arguido também o facto de não ressumar dos autos que o mesmo tenha interiorizado a gravidade e o desvalor das respetivas condutas, reiteradas ao longo de mais dois meses e que apenas terminaram por razões alheias à sua vontade e tão-somente porque o menor acabou por contar o sucedido na escola.

Também contra o arguido o facto de não resultar dos autos que se mostre arrependido pelo sucedido, sendo, por isso, prementes as exigências de prevenção especial, tudo evidenciando uma personalidade altamente deformada, a carecer urgentemente de socialização.

A favor do arguido apenas as suas condições profissionais e sociais, uma vez que se apurou que se manteve sempre ativo profissionalmente e é considerado e respeitado na sociedade onde se insere.

De ponderar ainda a circunstância de ser delinquente primário.

De forma que, aqui chegados, e sabendo que as penas a aplicar ao arguido deverão ser o reflexo de todos os critérios, fatores e elementos supra enunciados, afigura-se-nos justo e equilibrado condenar o arguido na pena de 6 (seis) anos de prisão por cada um dos 16 crimes de abuso sexual de crianças de que vem acusado.”

10.2.2.Quanto à pena única:

“Determina o artigo 77º, nº 1, do Código Penal que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

Acrescenta o nº 2 que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”.

Por fim, refere o nº 3 que “se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém -se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.”.

Destarte, e tendo em conta os pressupostos ditados pelo artigo 77º, nº 1, do Código Penal, dúvidas não restam quanto ao facto de se estar perante uma situação de concurso de crimes.

Assim, em obediência ao artigo 77º, nº 2 e 3, do Código Penal, impõe-se encontrar a moldura penal de concurso de crimes, que no caso será a de 6 (seis) anos (limite mínimo) a 25 (vinte e cinco) anos de prisão (limite máximo).

Por seu turno, e dentro desta moldura, deverá encontrar-se a medida concreta da pena única do concurso que, para além dos critérios gerais da medida da pena, tomará em consideração de forma conjunta “os factos e a personalidade do agente”.

Tal como afirma FIGUEIREDO DIAS, na determinação da pena de concurso “tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, sobretudo, a questão de se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só uma pluriocasionalidade que não radica na sua personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” (obra já anteriormente citada, p. 291, § 421).

Orientados por estes ensinamentos e tendo presente toda a factualidade anteriormente descrita, entende-se justo condenar o arguido, pela prática, em concurso efetivo, dos assinalados crimes na pena única de 12 (doze) anos de prisão efetiva.”

11. A decisão recorrida não sofre de qualquer dos vícios a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, nem ocorre qualquer nulidade, que devam ser oficiosamente conhecidos.

Não obstando, pois, à apreciação e decisão de mérito.

Quanto à qualificação jurídica dos factos

12. Concluiu o acórdão recorrido que os factos descritos constituem crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, agravado pela circunstância prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 177.º do mesmo diploma.

Dispõe o artigo 171.º do Código Penal (Abuso sexual de crianças), na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, vigente ao tempo da prática dos factos, que quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos é punido com pena de prisão de um a oito anos (n.º 1) e que, se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos (n.º 2).

Nos termos do artigo 177.º, n.º 1, al. a), as penas previstas no artigo 171.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for descendente do agente. A agravação da pena resulta da simples existência desta relação familiar.

13. Mostram os factos provados que as ofensas sexuais consistiram em coito anal e oral, que a vítima é filho do arguido e que esta tinha 11 anos de idade.

Como se apreciou e decidiu no acórdão recorrido, estão preenchidos todos os elementos do tipo de ilícito do crime de abuso sexual de crianças agravado, nos termos das citadas disposições legais, não se suscitando qualquer questão a este respeito.

A conduta do arguido preenche, por dezasseis vezes, este tipo de crime, a que corresponde a pena de 4 anos a 13 anos e 4 meses de prisão, por força da agravação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 177.º, verificando-se, assim, uma situação de concurso de crimes a que é aplicável uma pena única conjunta nos termos do artigo 77.º do Código Penal.

Quanto à determinação das penas parcelares

14. Na determinação das penas aplicadas a cada um dos crimes em concurso partiu o tribunal, como se impõe, da moldura das penas previstas para cada um deles.

15. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa», devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º do mesmo diploma.

Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A privação temporária do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao genericamente designado princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que, como é sabido, se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pela necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas, em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigos 40.º e 71.º do Código Penal). Na determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71.º, devem ser levadas em consideração as circunstâncias relacionadas com o facto ilícito típico praticado e com a personalidade do agente manifestada no facto (personalidade onde o facto radica e o fundamenta), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, incluídas no denominado “tipo complexivo total” (na expressão de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., p. 234) e não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele.

Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, n.º 2, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime (alínea e), com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto (alínea f). O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial (sobre estes pontos, para melhor aproximação metodológica na determinação do sentido e alcance da previsão do artigo 71.º do Código Penal, segue-se, em particular, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, que se segue, em particular pp. 475, 481, 547, 563, 566, 574, e Figueiredo Dias, op. cit., pp. 232-357).

16. Importa, pois, apreciar a concreta lesão do bem jurídico protegido, pela norma incriminadora, inserida no universo dos crimes contra a determinação sexual – o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, como se identifica no acórdão recorrido –, em função da gravidade dos ataques ao objecto das acções levadas a efeito pelo arguido, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação.

17. Na determinação da medida da pena de cada um dos crimes, convocando os mencionados critérios e factores, considerou o tribunal recorrido, desde logo, as “elevadíssimas exigências de prevenção geral pela forma determinada como a sociedade reage a este tipo de crimes, sobretudo quando estão em causa crianças, reclamando a punição exemplar dos seus autores com penas que os façam sentir a gravidade e a dimensão da censura social por tais condutas”, o que, devendo limitar-se pela medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal), se deve comportar nas imposições decorrentes da gravidade do facto e do princípio da proporcionalidade. Como anteriormente se explicitou, a finalidade de protecção do bem jurídico por via da aplicação da pena conforma uma exigência de proporcionalidade, constitucionalmente imposta, pelo que há-de ser a gravidade do facto, aferida pelo concurso das circunstâncias relevantes do artigo 71.º do Código Penal, que, a final, dentro dos limites mínimo e máximo das penas, servirá para definir os limites das necessidades de prevenção (como salienta Anabela M. Rodrigues, ob. cit., p. 369).

18. Quanto às circunstâncias relevantes, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, atendeu-se à elevada intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo, aos fins e motivos que determinaram a conduta do arguido – a satisfação da lascívia e desejo sexual –, ao aproveitamento da relação familiar, de proximidade e de ascendência sobre a vítima, à circunstância de a vítima não ter outra pessoa para o proteger e socorrer, devido ao facto de a sua mãe ter saído de casa, ao muito elevado grau de ilicitude, atenta a sua reiteração e à forma como os actos foram praticados, à não interiorização da gravidade e desvalor das condutas, ao não abandono voluntário das práticas sexuais com a vítima e ao não arrependimento.

A favor do arguido foi considerada a sua conduta anterior ao crime e a falta de antecedentes criminais, carecendo, assim, de fundamento o alegado pelo recorrente no que a esta circunstância diz respeito (conclusão 6 da motivação). Destas circunstâncias não resultam elementos que contribuam para a agravação da pena, mas não se extraem motivos que devam ser atendidos no sentido da sua atenuação.

19. Quanto aos concretos actos de abuso sexual (coito anal e coito oral), que, nos termos do n.º 2 do artigo 171.º do Código Penal, constituem factores de qualificação do tipo de crime, não podem estes, em si mesmos, ser tidos em conta nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 71.º, sob pena de violação do princípio da dupla valoração, sendo, pois, fundado o argumento do recorrente neste sentido. O que releva, porém, para estes efeitos, é o modo de execução desses actos e as circunstâncias em que foram praticados, postos em evidência na fundamentação da decisão recorrida, nomeadamente o aproveitamento da relação de autoridade e de ascendência sobre a vítima, a quem impunha “temor reverencial”, resultantes do facto de esta ser filho do arguido, a energia criminosa com que o arguido actuou e a imposição de silêncio à vítima (ponto 17 da matéria de facto), bem como as circunstâncias de os factos terem sido praticados na casa de morada da família e de esta não ter outra pessoa que a pudesse proteger, o que, não fazendo parte do tipo de crime, milita severamente contra o arguido.

Desta perspectiva, depondo fortemente contra o arguido, importa salientar o particular peso de agravação resultante da concreta idade do menor, que tinha 11 anos de idade – circunstância que concretiza o elemento do tipo “menor de 14 anos” – e da gravíssima violação dos deveres que, como pai da vítima, particularmente se impunham ao arguido, de protecção da criança, bem sabendo que os factos praticados a afectavam gravemente (ponto 18 da matéria de facto). A este propósito, impõe-se salientar, como já se referiu (supra, 12) que, bastando à integração da previsão típica a simples existência da relação familiar, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 177.º, o que está em causa é a devida valoração do aproveitamento e abuso de uma posição manifesta de confiança, de autoridade ou de influência sobre a criança, resultante da relação familiar, a qual, na estrutura da valoração do artigo 177.º apenas se reconduz a elemento do tipo no caso da alínea b) do mesmo preceito, que não da respectiva alínea a).

20. Para além disto, não pode nem deve ser considerado o alegado pelo recorrente nas conclusões 5 e 7 da motivação, isto é, o “uso de uma brutalidade excessiva na prática dos atos ilícitos, ou que [o arguido] sofra de qualquer desvio ou tendência mórbida para a prática desses ilícitos” e “que resulta do resumo dos depoimentos da ex-mulher do arguido, que esta “nunca presenciou qualquer comportamento estranho do arguido para com os filhos”, a sua ex sogra também afirmou que o arguido “era um bom pai” e todas as testemunhas de defesa se referiram ao arguido como sendo uma pessoa trabalhadora e respeitadora”.

Sem prejuízo de se notar que a dita “brutalidade”, expressa no grau de ilicitude e no modo de execução do facto, é a que resulta dos factos provados, trata-se de aspectos relacionados com a matéria de facto, que não constam da descrição destes e que, como tal, não podem ser objecto de apreciação no âmbito do recurso, que é limitado a matéria de direito.

21. Em conclusão, tendo em consideração as circunstâncias tidas em conta na determinação das penas, as finalidades por estas prosseguidas, os princípios que lhe presidem e as molduras penais correspondentes a cada um dos crimes praticados (supra, 11 a 17), não se encontra fundamento que possa constituir base de discordância quanto às penas de 6 anos de prisão aplicadas a cada um dos crimes em concurso.

Quanto à determinação da pena única conjunta

22. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante das penas correspondentes aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso.

O substrato da medida da pena não pode bastar-se com os factos que constituem os elementos do tipo de ilícito ou do tipo de culpa, sendo necessário atender a todas as circunstâncias que, deles não fazendo parte, possam depor a favor do agente ou contra ele, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, seguindo os critérios da culpa e da prevenção, bem como ter em conta o critério especial do artigo 77.º, n.º 1, in fine (assim Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 45 e 57), respeitando o princípio da proibição da dupla valoração (artigo 71.º, n.º 2).

Impõe este critério que, na medida da pena, sejam considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – a personalidade do agente manifestada no facto, em que se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais deste, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a susceptibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 248ss).

Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, e retomando-se o que se afirmou no recente acórdão proferido no processo n.º 144/14.0JACBR-A.S1 (ainda não publicado), “com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente (…)” – Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, Proc. n.º 4454/07” (acórdão de 14.07.2016, Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, rel. Cons. Pires da Graça, em www.dgsi.pt).

Citando Figueiredo Dias (ob. cit., p. 291): «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».

23. Partindo da moldura resultante das penas aplicadas, de 6 anos, no seu limite mínimo, a 25 anos, no seu limite máximo, em virtude de a soma das penas parcelares exceder este limite, decidiu-se no acórdão recorrido, depois da invocação do regime e do critério de determinação da pena única, destacando a necessidade de, na pluralidade de crimes, se distinguirem os casos de mera pluriocasionalidade dos casos reveladores de tendência criminosa, que “orientados por estes ensinamentos e tendo presente toda a factualidade anteriormente descrita, entende-se justo condenar o arguido, pela prática, em concurso efetivo, dos assinalados crimes na pena única de 12 (doze) anos de prisão efetiva” (supra, 10.2.2.).

24. Na aplicação do critério especial previsto no artigo 77.º, n.º 1, parte final, a pena única deve ser fixada na consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, nos termos já anteriormente explicitados.

Os crimes em concurso consistiram na violação da mesma norma incriminadora, num período de cerca de três meses, na casa de habitação do arguido e da vítima, de forma essencialmente homogénea e no quadro da relação familiar existente entre eles.

Embora, face a estas circunstâncias, se possa aceitar, como o recorrente (conclusões 11 e segs. da motivação), que os factos ocorreram num particular contexto da vida do arguido – embora deste “contexto” nada resulte que possa ser atendido a seu favor –, não deixa de sobressair, de forma exuberante, pela frequência da reiteração das condutas, pela idade da vítima e pela gravidade da violação dos deveres cuja observância se impunha ao arguido, que este, ao praticar os factos, pela forma e nas circunstâncias em que o fez, neles projectou características de personalidade altamente censuráveis, reveladoras de particular necessidade de socialização por manifesta falta de preparação para, face aos deveres a que particularmente estava obrigado, manter uma conduta respeitadora dos valores que, no seio da família, se impõem em vista da protecção e do desenvolvimento salutar da criança.

Pelo que, tendo em conta os factos considerados na sua globalidade, a sua íntima conexão pessoal, espacial e sequencial e as qualidades de personalidade do arguido manifestada na prática dos factos, não se encontra fundamento para considerar que a pena única aplicada não se mostra adequada e proporcional à gravidade dos factos, no seu conjunto, e às necessidades de prevenção e socialização que a sua aplicação visa realizar. Devendo, pois, ser confirmada.

25. Em conformidade com tudo o que vem de se expor deve, pois, o recurso ser julgado totalmente improcedente.

Quanto a custas

26. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso, devendo esta ser fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

27. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a decisão recorrida.

b) Condenar a recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 6 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Março de 2019

Lopes da Mota (Relator)

Vinício Ribeiro