Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1965/13.8TBCLD-A.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
LIVRANÇA
PRAZO PRESCRICIONAL
CITAÇÃO FICTA
INTERRUPÇÃO
Data do Acordão: 07/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ACTOS ESPECIAIS / CITAÇÃO E NOTIFICAÇÕES / CITAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO COMERCIAL – LETRAS / AVAL / PRESCRIÇÃO - LIVRANÇA.
Doutrina:
-Júlio Gomes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, p. 772 e 773.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL: - ARTIGOS 323.º, N.ºS 1 E 2, 326.º, N.ºS 1 E 2 E 327.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 234.º, 578.º, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 635.º, N.ºS 2, 3 E 4, 636.º E 665.º, N.º 2.
LEI UNIFORME SOBRE LETRAS E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS 32.º, 70.º, 77.º E 78.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-11-1992, RELATOR DIAS SIMÃO, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-05-2002, RELATOR FARIA ANTUNES;
- DE 03-10-2010, RELATOR SOUSA GRANDÃO;
- DE 20-06-2012, RELATOR SAMPAIO GOMES, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃOS N.º 339/2003, DE 07-07-2003, RELATOR TAVARES DA COSTA, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Nos termos nos artigos 77.º, 32.º, 1.º parágrafo, 78.º, 1.º parágrafo e 70.º, 1.º parágrafo, todos da LULL o prazo prescricional referente ao título de crédito – livrança –é de três anos, a contar do respectivo vencimento.

II O prazo de prescrição interrompe-se pela citação, mas se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias de harmonia com o disposto no artigo 323º, nº2 do CCivil.

III A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – contida naquele citado normativo, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, quando a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto de citação.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Por apenso aos autos de acção executiva que BANCO SANTANDER TOTTA, SA, move a D, veio a Executada deduzir oposição, mediante embargos de executado, alegando, em síntese, ocorrer a prescrição da livrança dada à execução e a falsidade do titulo, para além do mesmo ter sido assinado mediante coação física e moral, concluindo pela sua absolvição da instância ou do pedido executivos.

A exequente, apresentou contestação, pugnando pela improcedência das excepções invocadas.

Foi proferido despacho saneador sentença na qual foi julgada verificada a excepção de prescrição arguida pela Executada, com a consequente procedência da oposição por embargos e a extinção da execução.

Inconformado, o Exequente/Embargado recorreu de Apelação tendo a mesma sido julgada procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida, por não verificada a exceção da prescrição, tendo sido ordenado o prosseguimento dos autos de embargos se a tal nada mais obstar.

Irresignada com tal desfecho, recorre gora a Opoente, de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- O Acórdão é nulo quando padeça do vício previsto na alínea d) do n. 1 do art. 615° do CPC, aplicável por força do art. 666°, uma vez que o julgador deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação (608° do CPC).

- A ora rte. suscitou a excepção da litispendência na fase dos articulados, já que havia identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir, devendo a litispendência ser deduzida na execução proposta em segundo lugar (cfr. arts. 581° e 582° do CPC).

- Tal excepção é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 578° do CPC, mas o tribunal de Ia instância não se pronunciou sobre tal excepção dilatória, prejudicada pelo conhecimento prévio da excepção peremptória da prescrição e que no caso prevalecia e prevalece.

- O Acórdão agora sob censura, ao não atender à prescrição, deveria então pronunciar-se acerca daquela excepção, tanto mais que, a final, a decisão manda prosseguir os legais trâmites dos embargos,”... se a tal nada mais obstar...”.

- Daqui resulta que o tribunal recorrido estava ciente da existência de um obstáculo processual mas sobre o qual não se pronunciou e nem sequer identifica.

- Desenha-se por isso a situação prevista no art. 615°/1, d) do CPC, que tinge de nulidade a decisão proferida - o que expressamente se argui.

- A ora rte. louva-se no teor da sentença proferida pelo tribunal de 1a instância – que aqui dá por integralmente reproduzida, “brevitatis causa” - e na sua inegável qualidade jurídica, cujo sentido deve ser mantido por ser o que melhor se conforma com a letra e o espírito da lei e por estar em linha com a esmagadora corrente jurisprudencial.

- Ambas as instâncias convergem quanto à aplicabilidade do art. 327°/2 do C.C., ou seja, perante a verificação de uma absolvição da instância por razões reconhecidamente imputáveis ao exequente, o novo prazo prescricional começou a correr logo após o acto interruptivo, afastando assim a aplicabilidade do n. 3 da mesma disposição legal.

- A divergência introduzida pelo Acórdão recorrido prende-se com a interpretação e aplicação do art. 323° do C.C..

- Segundo o tribunal recorrido - e, s.m.o., erradamente - não se verifica a excepção peremptória da prescrição porque o acto interruptivo em resultado da citação na primeira execução teria ocorrido, não no 5º dia posterior à respectiva propositura (em 18.08.2010) mas na data da efectiva citação da ora rte., ocorrida em 08.11.2011 e, como tal, nessa data ainda não havia decorrido o prazo prescricional.

- Só que tal interpretação não só contraria a letra e o espírito da lei como vai ao arrepio da corrente doutrinária e jurisprudencial que se debruçou sobre a matéria.

- O princípio consignado no art. 323°, n. 1 do C.C. é o de que a contagem do prazo da prescrição se interrompa com a citação do beneficiário. Mas, se a citação não se fizer dentro de cinco dias após ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (citação ficta) - ressalva o n. 2 do mesmo artigo.

- Porque se houver responsabilidade do requerente, então sim, a prescrição só se interrompe com a citação efectiva do beneficiário da prescrição. Mas, no caso, nenhuma responsabilidade é imputada ao exequente, pelo que vale a regra do n. 2 do art. 323°.

- O Acórdão recorrido defende - s.m.o., erradamente - a tese de que a ficção do art. 323°/2 “... visa beneficiar o titular do direito e não prejudicá-lo...” e que por isso só seria aplicável no caso de se estar na iminência do decurso do prazo prescricional. Não sendo essa a situação e para não prejudicar o credor, havia que atender à data da efectiva citação. Isto é o n. 2 do art. 323° funcionaria apenas em caso de emergência.

- É consabido que a consagração daquele n° 2 do art. 323° veio dar resposta às dificuldades encontradas na vigência do Código de Seabra de 1867 (art. 552°), justamente pela demora que se verificava nas citações e na dificuldade em apurar e imputar objectivamente a razão dessa demora (vide Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, BMJ, n. 106, Maio de 1961, pp. 185-209).

- E daí que o legislador do CC de 1966 tivesse estabelecido um prazo de 5 dias para a citação. Se a citação estiver realizada dentro desse prazo, é essa a data da efectiva citação e do acto interruptivo. Não sendo possível a citação dentro desse prazo, e desde que isso não seja imputável ao requerente, o legislador estabeleceu, imperativamente, que se tem por interrompida a prescrição logo que decorram os cinco dias. Isto parece pacífico na doutrina e na jurisprudência (dando-se aqui por reproduzidos os Acórdãos citados supra a título de exemplo).

- Além disso, a interpretação do tribunal recorrido não se compatibiliza com a possibilidade de conhecimento da incompetência do tribunal, de outras excepções dilatórias ou mesmo de indeferimento liminar, sendo certo que há vícios que não impedem o efeito interruptivo antes mesmo de o requerido estar citado efectivamente.

- A prescrição é um instituto de interesse e ordem pública destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico, estabelecido expressamente a favor dos devedores (art. 301° do C.C.) - ao contrário do gue pretende o Acórdão sob censura.

- Aliás, na factualidade em apreço nada justifica este conforto dado pelo tribunal “a quo” à posição do exequente, quando é certo que a situação existente ao mesmo se deve, pois apenas a si é imputável a circunstância de a primeira execução ter sido declarada extinta, e pela própria demora na execução de uma livrança emitida 6 anos antes do respectivo vencimento.

- O tribunal recorrido, com a sua interpretação do art. 323° do C.C, compromete a segurança e a certeza jurídicas pressupostas no nosso ordenamento jurídico. Na verdade, subjacente a tal interpretação reside uma intolerável lógica de arbitrariedade, na medida em que deferiria ao credor o direito de escolher a data da interrupção: ou (i) no momento da citação efectiva previsto no n° 1, ou (ii) no momento previsto no n° 2 (decorridos 5 dias).

- Estando iminente o fim do prazo da prescrição, optaria pelo n. 2 do art. 323° (a citação ficta). Fora dessa circunstância, o requerente poderia optar pela citação efectiva.

- A vingar, esta interpretação redundaria sempre num prémio à negligência no uso ou ao não exercício tempestivo de direitos, que é a razão de ser da figura jurídica da prescrição, ou seja, constitui justamente a conduta contra a qual se ergue esse instituto.

- Os n. 1 e n. 2 do art. 323° do C.C, quando interpretados no sentido e com o alcance fixado pelo tribunal "a quo", com uma tal margem de arbitrariedade, devem ser julgados inconstitucionais, por ofenderem os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, ínsitos no art. 2o da CRepP, porque indissociáveis da existência de um Estado de direito democrático.

- Deve considerar-se que a ora rte. foi citada para a 1ª execução no dia 18.08.2010, interrompendo-se nessa data o prazo prescricional, e que à luz do art. 327°/2 do CPC e por força da absolvição dessa instância executiva, se iniciou naquele dia 18.08.2010 novo prazo prescricional. Ou seja, o prazo de prescrição previsto nos arts. 70° e 77° da LULL, reiniciou o seu curso em 18.08.2010, pelo que em 18.08.2013 ocorreu a prescrição da obrigação cambiária reclamada.

Nas contra alegações o exequente pugna pela manutenção do decidido.

II Põem-se como questões a resolver no âmbito do presente recurso as de saber: i) se o Acórdão impugnado enferma de alguma nulidade; ii) se ocorreu a invocada prescrição do título dado à execução.

As instâncias declararam como assente a seguinte factualidade:

1. Nos autos de execução apensos foi apresentado como título executivo um documento onde se inscreve a expressão “no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao Banco Totta & Açores…”, com “importância” de 39.523,08 €, data de “emissão” a 12/11/2004 e de “vencimento” a 21/01/2010, assinada pela executada/opoente no verso após a expressão “Dou o meu aval à firma subscritora”, sendo “subscritor” a sociedade P, Lda.

2. Consta no requerimento executivo, entre o mais, o seguinte:

O exequente é dono e legítimo portador de uma livrança emitida em 2004-11-12, de € 39.523,00,subscrita pela sociedade P, LDA., e avalizada pelos primeiro e segundo executados, que se junta sob o Doc. nº 1 e dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.

Tal livrança foi entregue ao exequente em caucão e garantia do pagamento das responsabilidades emergentes de um contrato de mútuo denominado "Conta Corrente Negócios" e respetivos aditamentos, celebrado com os executados em 12 de Novembro de 2004, pelos prazos, taxas de juros e demais condições deles constantes, os quais se juntam sob os Docs. nºs 2 a 4 e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

Na sequência do incumprimento das responsabilidades do referido contrato, o exequente procedeu à sua resolução nos termos clausulados e preencheu a livrança nos termos da autorização de preenchimento constante da cláusula 8ª do mencionado contrato, pelo montante que se encontrava em dívida, à data do preenchimento.

4.º

A Sociedade P, Lda., foi declarada insolvente por sentença proferida em 23-11-2010 no âmbito do processo de insolvência nº …, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, não tendo o ora exequente logrado aí receber qualquer quantia atenta a insuficiência do património apreendido para a massa insolvente.

3. O requerimento executivo tem data de 30/08/2013.

4. A executada/opoente foi citada para a execução em 26/09/2013.

5. A ora exequente instaurou contra a ora executada e outros, em 13/08/2010, uma execução para pagamento de quantia certa que correu termos sob o n.º… no extinto Tribunal Judicial de Setúbal, e na qual foi apresentado como título executivo, entre o mais, o documento referido em 1.º.

6. A executada/opoente foi citada para a execução referida em 5.º em 08/11/2011.

7. No âmbito da execução referida em 5.º e em sede de oposição à execução deduzida pela ora executada/opoente, foi proferida sentença, transitada em julgado em 02/09/2013, na qual se decidiu:

«Pelo exposto declaro procedente a excepção dilatória de cumulação ilegal de títulos executivos, absolvendo-se os executados da instância executiva e consequentemente julgo extinta a execução.».

1.Da nulidade de omissão de pronúncia.

Pretende a Opoente que seja declarada a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 615° do CPCivil, já que tendo a mesma suscitado a excepção da litispendência na fase dos articulados, já que havia identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir, devendo a litispendência ser deduzida na execução proposta em segundo lugar e sendo de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 578° do CPCivil, impendia sobre aquele Tribunal tomar conhecimento de  tal excepção e não tê-la declarado prejudicada pelo conhecimento prévio da excepção peremptória da prescrição e que no caso prevalecia e prevalece.

Vejamos.

Dispõe o normativo inserto no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPCivil que a sentença (Acórdão) enferma de nulidade quando não toma conhecimento de questão ou questões que devesse apreciar.

In casu, postula a Recorrente pelo conhecimento da excepção de litispendência, arguida em sede de articulados, mas sempre se conhecimento oficioso, que incumbia ao Tribunal da Relação sobre ela emitir pronuncia e não tê-la declarado prejudicada por via da decisão emitida sobre a excepção peremptória de prescrição, tida por improcedente e assim determinando o prosseguimento da oposição para conhecimento das demais questões suscitadas (entre elas a aludida litispendência).

Todavia, insurge-se sem qualquer razão.

Se não.

O recurso de Apelação havido nos autos, em que foi Recorrente o Exequente, aqui Recorrido, tinha por escopo a decisão de primeiro grau que se pronunciou, única e exclusivamente, sobre a procedência da excepção de prescrição arguida pela Opoente, aqui Recorrente.

Como decorre do artigo 635º, nºs 2 a 4 do CPCivil, as conclusões definem o âmbito do recurso, tendo em atenção a parte dispositiva da decisão recorrida, que na especie se limitou à análise da excepção de prescrição, de onde o objecto da Apelação se encontrar circunscrito a tal questão, sem embargo da possibilidade de conhecimento de outras questões que tenham ficado prejudicadas, se tiver elementos necessários para o efeito, nos termos do artigo 665º, nº2 do mesmo diploma.

Contudo, veja-se que em sede de recurso de Apelação, a aqui Recorrente, ali Recorrida, nem sequer contra alegou, o que poderia ter feito nos termos do disposto no artigo 636º do CPCivil, suscitando, quiçá, em sede de contra alegações a ampliação do objecto do recurso como forma de prevenir a hipótese de procedência das problemáticas suscitadas, aliás como aconteceu e, se o não fez apenas se poderá queixar dessa sua omissão.

A Apelação conheceu do que havia para conhecer, com os elementos decorrentes dos autos, da decisão proferida e das conclusões do Recorrente, soçobrando assim o epílogo recursório neste conspectu.

2.Da prescrição.

Insurge-se ainda a Recorrente contra a decisão constante do Aresto impugnado, porquanto na sua tese deve considerar-se que foi citada para a primeira execução no dia 18 de Agosto de 2010, interrompendo-se nessa data o prazo prescricional, e que à luz do artigo 327°, nº2 do CCivil e por força da absolvição dessa instância executiva, se iniciou naquele dia 18 de Agosto de 2010 novo prazo prescricional, ou seja, o prazo de prescrição previsto nos artigos 70° e 77° da LULL, reiniciou o seu curso nessa data, pelo que em 18 de Agosto de 2013 ocorreu a prescrição da obrigação cambiária reclamada.

Nos termos nos artigos 77.º, 32.º, 1.º parágrafo, 78.º, 1.º parágrafo e 70.º, 1.º parágrafo, todos da LULL o prazo prescricional referente ao título de crédito – livrança – aqui questionada é de três anos, a contar do vencimento do título cambiário, sendo que o mesmo, como dele consta, ocorreu a 21 de Janeiro de 2010.

O Exequente, aqui Recorrente, como consta da materialidade assente nos autos (factos 5. e 6.), anteriormente a este procedimento executivo, instaurou um outro em 13 de Agosto de 2010, com base na mesma livrança, contra a aqui Recorrente, ali igualmente Executada juntamente com outros, sendo que nessa acção executiva aquela veio a ser citada em 8 de Novembro de 2011.

Só que, essa acção executiva veio a ser julgada extinta, por se ter entendido que existia uma cumulação ilegal de títulos executivos, tendo sido os Executados, em consequência, entre eles a aqui Recorrente, absolvidos da instância (ponto 7. da factualidade assente).

O Exequente, aqui Recorrido, instaurou nova acção executiva contra a Recorrente exibindo para o efeito a mesma livrança, sendo que o requerimento inicial deu entrada em 30 de Agosto de 2013 e a Executada, Recorrente, foi citada em 26 de Setembro de 2013 (pontos de facto 3. e 4.).

Dispõe o artigo 323º, nº1 do CCivil que a prescrição se interrompe «[p]ela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.».

Só que, em qualquer caso, vale o regime da «citação ficta consagrado no nº2 de tal normativo, de onde, se a citação não tiver lugar nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos que estejam esses cinco dias (o requerimento com vista à citação do réu carece actualmente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento pela lei de processo de um regime de oficiosidade da citação, na generalidade dos casos cometida directamente à secretaria, situação esta que não afasta a aplicabilidade daquele normativo, o qual terá de ser compaginado, mutatis mutandis, com o preceituado no artigo 234º do CPCivil).

 

O efeito interruptivo a que aí se refere tem como pressupostos as seguintes circunstâncias: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor (entendendo-se aqui que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto, cfr Ac STJ de 14 de Maio de 2002 (Relator Faria Antunes); 3 de Outubro de 2010 (Relator Sousa Grandão); 20 de Junho de 2012 (Relator Sampaio Gomes), in www.dgsi.pt; Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, 772/773.

O que se mostra relevante para a (des)aplicação do apontado regime legal é que tenha havido por banda do requerente uma manifesta e objectiva infracção das regras processuais aplicáveis, cfr Ac STJ de 4 de Novembro de 1992 (Relator Dias Simão), in www.dgsi.pt.

Tecidas estas considerações acerca do regime legal aplicável e tendo em atenção a materialidade assente nos autos, dúvidas parecem não existir que a citação para a primeira execução apesar de ter ocorrido efectivamente em 8 de Novembro de 2011, os efeitos interruptivos da mesma terão de se ter como operantes no terceiro dia subsequente à data de entrada da acção executiva em juízo, isto é, em 18 de Agosto de 2010 e assim sendo, porque esta acção executiva veio a ter o seu terminus com a absolvição da instância da aqui Recorrente e dos co-executados, fazendo apelo ao normativo inserto no artigo 327º, nº2 do CCivil, o novo prazo prescricional começou a contar desde esta última data em que, para todos os efeitos se teve como citada a Recorrente, em termos fictos.

Assim sendo, a segunda acção executiva de onde emana a presente oposição, tendo sido instaurada em 30 de Agosto de 2013, nessa data já se encontrava excutido o prazo prescricional, respristinado pela citação ficta ocorrida no âmbito da anterior execução, artigo 326º, nºs 1 e 2 e 327º, nº2 do CCivil, entendimento este na esteira da interpretação feita pelo Tribunal Constitucional dos segmentos normativos insertos nos nºs 1 e 2 do artigo 323º do CCivil.

Na verdade, atenta a natureza e razão de ser do instituto da prescrição, com­preende-se que a sua interrupção ocorra quando chega ao conhecimento do devedor, pela citação ou notificação judicial, a intenção do credor de exercer o direito, como prescreve o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil «[a] lei, acautelando os prejuízos que poderiam decorrer para o credor do atraso na concretização da citação, estabelece uma exceção no n.º2 deste artigo, consagrando uma situação de “citação ficta”: se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo de decorram os cinco dias», apud Ac TC 339/2003 de 7 de Julho de 2003 (Relator Tavares da Costa), in www.dgsi.pt.

Procedem assim as conclusões da Recorrente quanto a este particular.

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se em consequência a decisão ínsita no Acórdão recorrido, mantendo-se o que decidido foi em primeiro grau.

Custas pelo Exequente, aqui Recorrido.

Lisboa, 5 de Julho de 2018

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho