Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
147/13.3JELSB.L2.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
RENOVAÇÃO DA PROVA
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
AUDIÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
FALTA
CONFERÊNCIA
DIREITO DE DEFESA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL
FALTA DE ADVOGADO
IRREGULARIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
SANAÇÃO
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 07/15/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - No caso, não só não foi admitido o recurso quanto à matéria de facto, como relativamente aos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, se considerou que estes não ocorriam, pelo que não se admitiu a renovação nos termos do art. 430.º, n.º, 1, do CPP, com a consequência de essa decisão ser definitiva (nos termos do art. 430.º, n.º 2, do CPP), pelo que não ocorreu qualquer nulidade.
II - O recurso é interposto com alegações em matéria de direito, pelo que deveria, em cumprimento do requerido, ter havido audiência para discussão da matéria de direito impugnada, uma vez que foi expressamente referido o que se pretendia discutir - o preenchimento do tipo legal de crime por que veio condenado e, em particular, o respeitante ao elemento subjetivo do tipo .
III - O recorrente que requer a audiência podendo impugnar de facto e de direito, se só impugnar de direito não haverá lugar a provas a renovar ou pessoas a serem convocadas, sem que isto permita ao Tribunal não realizar a audiência requerida, pois tal não se encontra de nenhuma forma previsto no Código de Processo Penal; pelo que, a não realização da audiência importa uma restrição das garantias de defesa do arguido sem qualquer fundamento legal e em desrespeito pelo disposto no art. 32.º, n.º 1, da CRP.
IV - Numa certa interpretação, poder-se-á considerar o acórdão nulo: porque o defensor do arguido deveria ter estado presente (devendo também ser convocado para a audiência o arguido nos termos do art. 430.º, n.º 4 , do CPP) aquando da realização da audiência e, não tendo havido audiência (sem norma bastante para fundamentar esta não realização) não esteve presente, violando-se o disposto o art. 119.º, al. c), do CPP ; porque foram violadas as regras da competência do tribunal pois, não tendo havido audiência (sem norma bastante para fundamentar esta não realização), o Tribunal foi indevidamente composto apenas pelo juiz desembargador-relator e pelo juiz desembargador-adjunto, sem que tivesse intervindo na decisão (e não apenas para desempatar) o juiz-desembargador-presidente, violando-se o disposto no art. 119.º, al. e), do CPP; e porque foram violadas as regras de composição do Tribunal, violando-se o disposto no art. 119.º, al. a), 2.ª parte, do CPP .
V - Numa outra interpretação, poderemos entender estarmos apenas perante uma irregularidade - uma irregularidade nos termos do art. 123.º, n.º 2, do CPP; para sabermos se estamos perante uma invalidade a integrar no dispositivo referido, é necessário que o Tribunal, através de um juízo de prognose póstuma, verifique se aquela invalidade foi suscetível de afetar o valor do ato praticado, se por si só influenciou (ou não) o exame ou a decisão da causa.
VI - Decidir o recurso em conferência com um juiz desembargador-relator e um juiz desembargador-adjunto, apenas com voto de desempate do juiz desembargador-presidente é diferente de julgar o recurso após realização da audiência, ainda que restrita a matéria de direito, determinando que a causa seja analisada não apenas por um coletivo de 2 magistrados judiciais, mas de 3 magistrados judiciais.
VII - A diferente composição do tribunal, por um lado, e, por outro lado, a simples audição oral decorrente da realização da audiência, constituem por si só atos que são suscetíveis de influenciar o exame da causa e a própria decisão, pelo que a não realização da audiência (requerida) afeta a validade do ato e, nos termos do art. 123.º, n.º 2, do CPP, deve ser oficiosamente ordenada a reparação do ato, ou seja, a realização da audiência, tal como requerida.
Decisão Texto Integral:


Processo n. º 147/13.3JELSB.L2.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca  ... (Juízo Central Criminal ... — Juiz 3) foi julgado e condenado, por acórdão de 25.11.2020, o arguido AA na pena de prisão de 10 (dez) anos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, nos termos do art. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01 (e alterações posteriores), por referência à tabela I-B.

2. O arguido, inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 08.04.2021, decidiu “negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente a decisão recorrida”.

3. Inconformado, o arguido interpôs agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído a motivação nos seguintes termos:

«1º - Foi requerida a realização de audiência nos termos do artº 411º-5 do CPP, não existindo razão ou justificação alguma para que a mesma não tenha acontecido, muito menos o acórdão recorrido fundamentando essa mesma omissão, à face dos preceitos legais seriados na motivação que antecede;

2º - Cumpria dar seguimento ao processo nos termos legais e nesse sentido, o que não aconteceu, antes sendo o recurso julgado em conferência;

3º - Pelo que é patente a nulidade vertida no artº 119º-a) do CPP e por via do artº 122º o aresto é nulo, devendo o processo retroagir até ao momento em que se verifica a omissão prevista no artº 421º do CPP;

4 º - Apesar de requerida a renovação da prova, a mesma não foi judicialmente avaliada em termos de exame preliminar, para que existisse reclamação nos termos do artº 417º-8 do CPP, assim se extraindo do leque de direitos do arguido precisamente o de reclamar nesse âmbito, convocando argumentos e razões que pudessem infletir esse propósito;

5º - Trata-se da supressão de diligência processual com particular acuidade e que se repercute na esfera de Defesa dos direitos mais básicos do processo penal, pelo que deve essa mesma nulidade ser reconhecida ante a ausência e inexistência do ato judicial, para que o mesmo seja praticado, inclusivamente, com a fundamentação preconizada no artº 97º-5 do CPP, para que, a ser o caso, aconteça a reclamação consignada na lei;

6º - Condenou-se um inocente ao dar por provados os factos impugnados no recurso, através do princípio da livre apreciação da prova, tendo sido feito um entendimento incorreto do mesmo, o que colide com o princípio da culpa, com um processo justo e equitativo, um processo democrático por contraposição ao processo autocrático, decidido quanto à prova por via ampla e injustificada (com preferência pela prova indireta à prova direta), com tamanha latitude que ofende, por inconstitucional, o artº 32º-1, 20º-4 da CRP e 6º da CEDH.»

O arguido requereu, ao abrigo do disposto no art. 411.º, n.º 5, do CPP, a realização de audiência.

4. O recurso foi admitido por despacho de 14.05.2021.

5. O Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso interposto tendo considerado que:

- «(...) No caso vertente, constata-se que o recorrente, propondo-se impugnar a matéria de facto, também não foi capaz de concretizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que os pontos tenham sido gravadas, deve referir-se o início e o termo da gravação de cada declaração, concretizando-se o excerto ou excertos do depoimento ou depoimentos em que se suporta essa impugnação. (...)

Assim, no que tange à impugnação alargada da matéria de facto, com base na prova gravada – porque o incumprimento do ónus de especificação é comum à motivação e às conclusões – impõe-se a sua rejeição. (...)»

- «O que tudo vale por dizer pois, em síntese conclusiva, que a conjugação de todos os elementos probatórios recolhidos, permitem inferências suficientemente seguras no sentido da matéria de facto dada como não provada, sendo que não vislumbramos, com o devido respeito pela posição do recorrente, qualquer contra-argumento suficientemente seguro que justificasse solução diferente daquela a que chegou o tribunal.

Não se alcança por isso, qualquer dúvida razoável que seja susceptível de infirmar a convicção do tribunal “a quo”, formulada em conformidade com o disposto no artigo 127.º do Código Processo Penal, ao valorar, como valorou, a prova produzida em audiência, bem como a documental e pericial constantes dos autos, e mais concretamente o depoimento das testemunhas arroladas, tanto mais que estão bem expressas as razões que conduziram a essa valoração.

E o certo é que a decisão impugnada, enunciando claramente os meios de prova que foram tidos em consideração, encontrando-se devidamente fundamentada, permitindo  o  controlo  do  processo  lógico-dedutivo  empreendido  pelo  Tribunal  “  a quo” e a razão de ser da decisão tomada, não traduzindo, cremos, qualquer violação das regras que norteiam a actividade do julgador neste particular, correspondendo e contendo-se nos exactos limites do estruturante princípio da apreciação da prova: o da livre convicção do julgador.(....)

Realce-se, por outro lado, que a transcrição da prova produzida em 1ª Instância também não permitiria a este Tribunal de Recurso, por si só, pôr em causa esse processo de formação da (livre) convicção do Tribunal “a quo”, que só a oralidade e imediação da prova verdadeiramente autorizam.(....)

Resulta bem claro do texto da decisão recorrida que o tribunal não teve quaisquer dúvidas sobre os factos dados como provados e que o recorrente impugna e explicitou, de forma perfeitamente perceptível para quem o leia, as razões dessa firme convicção.»

- « Na sequência do que vem a expor-se, o Acórdão recorrido fez um aturado exame crítico da prova e procedeu a uma correcta apreciação do material probatório coligido nos autos, dessecando os fundamentos da decisão recorrida, justificando as razões de ser da sua decisão relativa à matéria de facto num raciocínio lógico, coerente e estruturado, perfeitamente alcançável e entendível.

Foi escrupulosamente cumprido o dever de fundamentação (artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) e foram devidamente salvaguardados os direitos e as garantias de defesa do arguido (artigo 32.º n.º 1 e n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) pelo que a decisão recorrida não padece de vício relativamente às regras de valoração da prova.

Mais concretamente: Tribunal a quo não procedeu a uma aplicação ilegal e inconstitucional do artigo 127.º do Código de Processo Penal por ter decidido de forma subjectiva e intimista, não atendendo a provas concretas para formar a sua convicção quanto ao elemento subjectivo.»

- «Ora, em face dos pretensos vícios alegados pelo recorrente na sua motivação e fazendo-se uma simples incursão nos factos dados como provados e não provados no douto acórdão impugnado e conjugando-os com as regras da experiência comum, afigura-se-nos ser lícito concluir que, aqueles factos, não só são suficientes para sustentar uma decisão condenatória, como, em nosso entender, uma melhor apreciação de toda a prova e a respectiva valoração, sempre à luz do princípio da livre apreciação da prova pelo julgador e no estrito respeito das regras de direito reflectidas nas normas de experiência comum, outra não poderia ser a decisão.

Deste modo, os invocados vícios de apreciação e valoração da prova e conexos com o texto da própria decisão impugnada, e nomeadamente de erro notório na apreciação da prova, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de falta de fundamentação, não colhem suporte legal e, por conseguinte, não podem ser atendidos.»

- «Fazendo uma incursão nos autos, verifica-se que o Recorrente apenas exarou no preâmbulo da motivação de Recurso – que não no requerimento de interposição do recurso – o propósito de requerer a realização de audiência “nos termos do artigo 411.º, n.º 5 do CPP, especificando-se debater os pontos seguintes da motivação:

- o Tribunal recorrido julgou incorrectamente diversos pontos de facto, os quais serão identificados, indicando-se as provas concretas que impõem decisão diversa nesse segmento factual, como se indicarão as provas que devem ser renovadas, nos termos do art.º 412º-3 do CPP;

- o Tribunal recorrido julgou incorrectamente a matéria de direito, errando na determinação das normas aplicadas nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal”. (...)

No caso vertente, o recorrente, quer na motivação do recurso interposto, quer nas respectivas conclusões, não observou as formalidades impostas pelo artigo 412.º, nºs 3 e 4, por omissão, o que impossibilitou e inviabilizou o conhecimento do recurso da matéria de facto pela via ampla, mormente por via da requerida realização de audiência.

Deste modo, a consequência da falta de indicação, no texto da motivação, dos eventuais erros cometidos pelo Tribunal a quo, com expressa discriminação das provas que os demonstram e com referência discriminada aos segmentos dos registos magnéticos das declarações produzidas em audiência, é a não apreciação dessa matéria pelo Tribunal superior, ou seja, o não conhecimento de eventuais erros que hajam sido cometidos, conforme jurisprudência constante e uniforme do S.T.J.(...)

Em suma, fenecendo os pressupostos para ser designada validamente a audiência, o recurso foi julgado em conferência nos termos do nº 3 do artigo 419º do Código de Processo Penal.»

- e concluiu:

«Em consonância com o exposto, e tendo presente o que vem explicitado, a propósito da temática em análise, a fls 2277 a 2279, afigura-se-nos que o Acórdão impugnado não padece de alguma nulidade/irregularidade, por preterição de formalidades legais previstas nos artigos, suscitada pelo recorrente, por violação do disposto nos artigos 379º, 411.º, nº 5, 412.º nº 3, 419.º, nº 2, alínea c), 430.º e 431º, todos dos Código de Processo Penal.»

6. Uma vez subidos os autos, e pese embora o arguido tenha requerido a realização de audiência, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça proferiu parecer considerando, em súmula, que:

«(...), não tendo o recorrente AA especificado no recurso por si interposto os pontos da motivação que pretendia ver debatidos, como impõe o art. 411º, nº 5, do Cod. Proc. Penal, entende-se ter sido correcta a decisão proferida pelo acórdão recorrido ao indeferir a realização da audiência, e ao decidir o recurso em conferência.

Daí, considerar-se que o acórdão recorrido não padece de nenhuma nulidade/irregularidade, por preterição de formalidades legais.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso não merece provimento, subscrevendo, no demais, a resposta apresentada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa.»

7. Neste seguimento, o arguido foi notificado ao abrigo do art. 417.º, n.º 2, do CPP, e foi também notificado nos seguintes termos: “Determina-se ainda que, no mesmo prazo, o recorrente confirme se mantém ou não interesse na realização da audiência.

O arguido respondeu nos seguintes termos: “abster-se de responder especificamente ao Parecer emitido pelo MP, o qual, porém e salvo o devido respeito, não contém razão em circunstância alguma das que enfoca e que versa.” Para além disto, reiterou o seu interesse na realização da audiência.

8. A audiência foi realizada a 08.07.2021, nos termos do art. 423.º, do CPP.

Assim, no início da audiência, a Relatora enunciou as questões que, abordadas na motivação do recurso interposto pelo arguido e nas respetivas conclusões, considerou merecedoras de exame por parte deste Tribunal, nos termos do art. 423.º, n.º 1, do CPP.

O Excelentíssimo Mandatário do arguido, nas alegações oralmente proferidas, para além de ter reiterado a posição defendida na motivação dos recursos que interpôs para este Supremo Tribunal de Justiça, salientou que:

- a audiência pode ocorrer quando o arguido a requer, nos termos do art. 411.º, n.º 5, do CPP, ou quando haja renovação da prova, considerando que é um direito essencial, pese embora a realização da audiência tenha deixado de ser a regra, mas a exceção quando convocada pelo arguido;

- o recorrente tem direito à audiência oralizada, considerando a oralidade um direito essencial;

- o acórdão recorrido é nulo desde logo tendo em conta a composição do tribunal, que foi diversa da que teria sido caso tivesse ocorrido a audiência, e a forma de votação do aresto também foi diferente, considerando tratar-se de uma nulidade insanável; neste âmbito invocou uma anterior decisão numa providência de habeas corpus[1] que teria apresentado nestes autos e ainda um anterior acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa[2] também prolatado nestes autos;

- foi requerida a renovação da prova e não houve resposta em exame preliminar, tendo ficado impedido de reclamar do despacho (que não existiu);

- além disto, entende que a forma como foram dados como provados os factos constitui uma violação do art. 127.º, do CPP, não bastando ao Tribunal escrever que não tem dúvidas para que deixe de ser latente a existência de uma dúvida, que foi sedimentada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo de revisão; era necessário ter confrontado os 2 novos meios de prova com a prova da 1.ª instância e este confronto não foi devidamente realizado.

O Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se reiterando o exposto no parecer que juntou ao processo, e considerando em súmula que:

- o Tribunal da Relação explicou porque não foi realizada a audiência (por não ter sido cumprido o disposto no art. 411.º, n.º 5, do CPP), e salientou que o Tribunal da Relação analisou a prova nos termos alegados;

- além disto, entende que o arguido não foi prejudicado, dado que na audiência ir-se-ia repetir tudo o que tinha sido escrito.

Em seguida foi dada a palavra novamente ao Excelentíssimo Mandatário do arguido, tendo acrescentado que:

- não é apenas o direito ao recurso que está em causa, e não entende que se possa considerar a audiência como uma mera repetição do que foi escrito, pois, por ter requerido a audiência, tinha em vista completar a peça recursória apresentada com elementos que não elencou por escrito; entende que sendo requerida a audiência o arguido não tem que apresentar exaustivamente todas as matérias;

- a audiência está prevista como um direito essencial, reafirmando o anteriormente exposto.

Cumpre decidir.

II

Fundamentação

A. Matéria de facto

1. Na decisão recorrida, são dados como provados os seguintes factos:

«1. O arguido AA, conjuntamente com outros indivíduos, cujas identidades se desconhecem, no início do ano de 2013, delineou um plano e organizou-se em ordem a assegurar o transporte de cocaína, por via marítima, desde ..., no Brasil, para Portugal, com vista à sua comercialização.

2. Para tanto, e sob o pretexto de compra de móveis rústicos de madeira, a transportar em contentor marítimo, desde o Brasil até Portugal, vinham dissimuladas 286 (duzentas e oitenta e seis) placas de cocaína (cloridrato), com o peso bruto de 297 363,800 grs. (duzentos e noventa e sete mil trezentos e sessenta e três gramas vírgula oitocentos).

3. A cocaína foi introduzida nas próprias estruturas dos móveis rústicos.

4. Servindo somente tal exportação/importação, o fim único de introduzir, em território nacional, aquele produto estupefaciente.

5. De forma aparentemente legal, em ordem a iludir o controlo das autoridades alfandegárias e policiais.

6. Assim, na execução desta estratégia, foi enviado por via marítima, do Brasil, desde a cidade de ..., o contentor com o número SUDU ...787.

7. Sendo exportadora a sociedade comercial com a firma “E...”, representada pelo agente “H...”, com sede na ..., … … –…… – … – …, …, ….

8. E constando na qualidade de importador, o nome e morada do arguido – AA, residente na …, …, …, …, …..

9. No dia 08 de abril de 2013, pelas 16 horas, as Autoridades Alfandegárias Junto do Porto  …., no âmbito de habituais controlos de mercadorias, examinaram o contentor com o número SUDU ...787, e o respetivo conteúdo.

10. A sua carga consistia em 21 (vinte e um) móveis / módulos de móveis rústicos de madeira – sofás, bancos, cama e vários tipos de mesas.

11. E detetaram a cocaína dissimulada nas estruturas dos móveis.

12. No referido Porto ... estava o motorista BB para transportar o contentor marítimo no camião com a matrícula ...-...-RA e o atrelado com a matrícula L ….

13. BB era o motorista da sociedade comercial com a firma “Transportes …, L.da”, com instalações situadas em ....

14. Esta sociedade tinha sido subcontratada pela sociedade comercial com a firma “Transportadora …”, para efetuar o transporte do contentor marítimo.

15. Por seu turno, a sociedade comercial com a firma “Transportadora ...” foi contratada pela sociedade comercial com a firma “T...”, para o transporte do contentor marítimo com o número SUDU ...787, a ser levantado na “L...”, no Porto de ..., com destino ao importador, o ora arguido AA.

16. Já sob o controlo policial, pelas 18 horas, BB telefonou para a sociedade comercial com a firma “Transportadora ...”, para saber qual o local para onde deveria levar o contentor.

17. No decurso dessa conversa, foi-lhe transmitido o contacto ..., pertencente ao arguido AA, para o qual deveria telefonar e combinar a entrega do contentor.

18. Após duas tentativas de chamada para o número ..., e como não obteve resposta, BB voltou a contactar a sociedade comercial com a firma “Transportadora ...”, informando o sucedido, esperando, assim, receber instruções para que local se deveria dirigir.

19. Tendo recebido a informação de que tinha sido efetuado um novo contacto do importador, ficando a entrega do contentor marítimo agendada para o dia seguinte, o dia 09 de abril de 2013.

20. Perante essa indicação, BB transportou o contentor marítimo para as instalações da sociedade comercial para a qual trabalha - “Transportes ..., L.da.”, situadas em ..., ....

21. Tendo sido montando um dispositivo de segurança e vigilância até à saída do contentor.

22. Ao início da noite do dia 08 de abril de 2013, o arguido AA telefonou para BB, a partir do seu telefone ...,

23. e deu-lhe indicações para este último se dirigir à zona ..., parquear o camião junto das instalações da sociedade comercial de metalomecânica com a firma “D...”, pelas 09 horas, onde se iria encontrar consigo para lhe indicar o local e conduzi-lo até ao local do descarregamento.

24. Pelas 08 horas, do dia 09 de abril de 2013, o arguido AA telefonou novamente a BB, perguntando qual o tamanho do camião, a fim de poder escolher o melhor itinerário para a passagem do camião, nas imediações da sua vivenda.

25. Sempre sob controlo policial, o contentor marítimo contendo a cocaína, foi levado das instalações da sociedade comercial com a firma “Transportes ..., L.da.”

26. E conforme o combinado previamente, o arguido AA e o motorista do camião - BB - encontrando-se junto às instalações da sociedade comercial com a firma “D...”, em ....

27. Deslocando-se o arguido na carrinha de marca ..., modelo ..., de cor cinzenta, com a matrícula ...-...-OX.

28. Depois de trocarem algumas palavras o arguido AA iniciou a marcha, sendo seguido de imediato pelo camião, seguindo BB as instruções que previamente lhe tinham sido fornecidas por aquele.

29. Designadamente para no . ..., a poucos metros da vivenda do arguido AA.

30. Após chegarem ao local combinado e avaliarem a forma como o camião deveria entrar na vivenda, para se proceder ao descarregamento do contentor marítimo, o motorista iniciou as manobras, enquanto o arguido AA foi buscar o empilhador que se encontrava no logradouro da sua casa.

31. Nessa ocasião, pelas 09 horas e 45 minutos, o arguido AA foi abordado pelos inspetores da Polícia Judiciária.

32. Tendo sido apreendido o conteúdo do contentor marítimo, bem como os seguintes bens:

- em posse do arguido AA:

- um telemóvel de marca “...”, modelo “…”, preto, com o cartão n.º …;

- um telemóvel de marca “…”, modelo “…”, branco, com o cartão n.º ...;

- um computador portátil de marca “…”, o modelo “…”;

- dentro do seu veículo automóvel:

- um telemóvel de marca “…”, modelo “…”, com o cartão SIM da operadora “…”, com o número ……..… e cartão da operadoa “…”, com o número …….…, contendo ainda um cartão micro SD, de 2 Gb;

- um computador de marca “…”, modelo “…”.

33. No total, foram apreendidas 286 (duzentas e oitenta e seis euros) placas de cocaína (cloridrato), com o peso bruto de 297 363,800 grs. (duzentos e noventa e sete mil trezentos e sessenta e três gramas vírgula oitocentos), tendo amostra cofre o peso líquido de 12 763,900 grs. (doze mil setecentos e sessenta e três gramas vírgula novecentos) e o remanescente o peso bruto de 293 359 grs. (duzentos e noventa e três mil trezentos e cinquenta e nove gramas).

34. A cocaína apreendida destinava-se a ser comercializada por elevada quantia monetária, atenta a elevada quantidade e preços de mercado, que rondam cerca de € 50 000 (cinquenta mil euros) o quilograma.

35. O arguido AA tinha conhecimento da natureza e características estupefacientes da cocaína.

36. Alguns dos objetos e documentos que o arguido trazia consigo estavam associados à atividade de tráfico de estupefacientes, designadamente o telemóvel de marca “...”, modelo “…”, branco, com o cartão n.º ... e o computador de marca “…”, modelo “…”.

37. O telemóvel referido em 36. destinava-se a contactar e a ser contactado pelos ulteriores destinatários da cocaína.

38. O arguido agiu com o único intuito de auferir proventos pecuniários.

39. Atuou deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por Lei.

*

Mais resultou provado que:

40. Do certificado do registo criminal do arguido AA nada consta, além da condenação cuja revisão ora se opera.

*

41. O arguido é natural de ... do Ribatejo, sendo o mais novo de dois irmãos, tendo o seu processo de socialização se desenvolvido num contexto familiar tradicional, constituindo os seus progenitores modelos de referência, incutindo valores relacionados com hábitos de trabalho.

42. Desta forma, desde cedo, o arguido participou no trabalho de campo e a cuidar dos animais, aos fins-de-semana e férias.

43. Beneficiou de um quadro económico estável, sustentado no trabalho desenvolvido pelo progenitor, enquanto encarregado de caldeiraria, numa sociedade de metalomecânica e da progenitora, costureira.

44. Frequentou a escola em idade regular, tendo concluído, em regime noturno, dois anos do curso geral de mecânica, estando habilitado com o 9º ano de escolaridade.

45. Ao atingir a maioridade, o arguido optou por trabalhar, inicialmente junto do progenitor, como serralheiro tubista.

46. Mais tarde, com o irmão, constituiu duas empresas ligadas à construção e reparação de centrais elétricas, barragens e pontes.

47. Por razões económico-financeiras encerraram as empresas, tendo o arguido decidido iniciar negócio próprio, na mesma área.

48. Paralelamente, investiu na exploração de bares/discotecas, acabando por ceder a sua exploração, em troca de uma renda, que lhe facultava uma fonte de rendimentos alternativa.

49. Esta situação veio a ser interrompida em 2013, com a sua prisão.

50. A sua passagem pelo sistema prisional é recordada como uma experiência extremamente penosa.

51. Em liberdade, regressou para junto da sua família alargada, tendo procurado reorganizar a sua vida de forma assertiva.

52. Em termos pessoais, o arguido foi casado, tendo deste relacionamento nascido uma filha, atualmente com 18 (dezoito) anos.

53. O relacionamento terminou por divórcio, após o arguido ter estabelecido uma série de relações extraconjugais.

54. O arguido tem mais uma filha, com cerca de 10 (dez) anos, que se encontra na Roménia, com a avó materna.

55. O arguido, presentemente, reside com a ex-cônjuge e a filha, numa relação descrita como satisfatória, beneficiando de apoio.

56. A família vive numa moradia, com boas condições de habitabilidade, inserida numa propriedade com piscina e anexos, pertencente ao progenitor da ex-cônjuge.

57. O arguido trabalha, com regularidade, numa empresa de montagem de estruturas metálicas e a ex-cônjuge presta alguns trabalhos para uma empresa de contabilidade, o que permite um nível económico estável.

58. O arguido denota possuir competências pessoais e sociais, ao nível da comunicação interpessoal, da descentração e do pensamento consequencial.»

2. Foi dada como não provada a seguinte matéria de facto:

«1. A cocaína apreendida era pertença do arguido.

2. Todos os objetos e documentos que o arguido trazia consigo eram fruto da atividade de tráfico de estupefacientes.»

B. Matéria de direito

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, pelo que são as seguintes as questões a debater:

- nulidade do acórdão recorrido por não ter sido realizada a audiência requerida nos termos do art. 411.º, n.º 5, do CPP;

- nulidade do acórdão recorrido decorrente de não ter sido realizada a renovação de prova pedida, e não ter sido esta decidida no despacho de exame preliminar, de acordo com o previsto no art. 417.º, n.º 7, al. b), do CPP (despacho passível de reclamação nos termos do art. 417.º, n.º 8, do CPP);

- violação do disposto no art. 127.º, do CPP (e entendimento inconstitucional do preceito em violação dos arts. 9.º, al. b), 16.º, n.º 2, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, da CRP e do art. 6.º, da CEDH) porque “não foi devidamente valorada a prova que foi determinante na procedência do recurso de revisão, onde foi reconhecido pelo STJ poder existir uma injustiça da condenação” (cf. motivação agora apresentada), e considerando que tendo em conta  as provas existentes no processo “não é possível dar por provados os factos que foram impugnados no recurso interposto para o TRL” (cf. motivação agora apresentada).

Apreciemos.

Não sem antes referir que as duas primeiras questões colocadas pelo recorrente não puderam ser objeto de reclamação para a conferência, dado que não foi prolatado despacho preliminar sobre elas[3], em desrespeito pelo disposto no art. 417.º, do CPP. Todavia, no acórdão sob recurso decidiu-se expressamente o seguinte:

«indefere-se quer a renovação da prova quer a realização do julgamento do recurso em audiência oral neste tribunal da Relação.» (cf. ac. recorrido, fls. 2279).

2.1. O arguido foi condenado por acórdão da 1.ª instância prolatado a 25.01.2020. Deste, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Não tendo sido o recurso interposto por declaração na ata (nos termos do art. 411.º, n.º 2, do CPP), o recurso deve ser interposto através de requerimento motivado (art. 411.º, n.º 3, do CPP), e neste requerimento o recorrente pode requerer a realização de audiência, devendo especificar os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos (nos termos do art. 411.º, n.º 5, do CPP). Em sede de recurso, a audiência decorre do princípio do contraditório ao qual se pretendeu submeter os recursos[4], e para esta “[s]ão sempre convocados (...) o Ministério Público, o defensor e os representantes do assistente e das partes civis”, nos termos do art. 421.º, n.º 2, do CPP.

Vejamos como foi o recurso interposto.

O recorrente iniciou o requerimento nos seguintes termos:

«AA, arguido no vertente processo, totalmente inconformado com o Acordão contra si proferido, vem do mesmo interpor RECURSO para o TRIBUNAL da RELAÇÃO de LISBOA, com subida nos próprios autos, subida imediata e com efeito suspensivo, tudo nos termos dos artºs 399º, 400º, 406º-1, 407º-1 e 2-a) e 408º-1-a) todos do CPP.

Existe legitimidade e interesse em agir, nos termos do artº401º-1-b) e o Recurso é tempestivo nos termos do artº411º-1-a) e 107º-A, alínea b) do CPP.

Pelo que deve ser judicialmente admitido nos termos do artº 414º-1 do CPP.

Logo de seguida apresenta a motivação enunciando primeiramente que:

«Visa-se a realização de Audiência nos termos do artº411º-5 do CPP, especificando-se debater os pontos seguintes da Motivação:

- o Tribunal recorrido julgou incorrectamente diversos pontos de facto, os quais serão identificados, indicando-se as provas concretas que impõem decisão diversa nesse segmento factual, como se indicarão as provas que devem ser renovadas, nos termos do artº412º-3 do CPP;

- o Tribunal recorrido julgou incorrectamente a matéria de direito, errando na determinação das normas aplicadas nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal».

Sabendo que, nos termos do art. 411.º, n.ºs 3 e 5, do CPP, se refere que o requerimento de interposição de recurso deve ser motivado e que deve neste requerimento ser requerida a audiência quando o recorrente o pretende, devendo especificar os pontos da motivação que pretende ver debatidos, poderíamos considerar que, embora tenha elencado os pontos que deviam ver discutidos de forma muito genérica, ainda assim aquela especificação, ou o ato de mencionar o que pretendia ver debatido, ocorreu.

Na verdade, e a partir dos pontos especificados, percebemos que o arguido pretendia recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa quer de facto quer de direito. Sendo assim, e uma vez que se impõe que o recorrente especifique os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos, esta especificação deverá cumprir os ditames legais.

No que respeita à matéria de direito o recorrente foi claro, mas conciso — alegou que o Tribunal «julgou incorrectamente a matéria de direito, errando na determinação das normas aplicadas».

E logo depois esclarece: «Mais concreta e sinteticamente, o Tribunal julgou e decidiu condenar o recorrente na prática do crime previsto e punido pelo artº 21º do dl. 15/93 de 22-1, por ter dado por provados os factos atinentes ao elemento subjectivo do tipo legal, o que fez de forma incorrecta. Porque o arguido recorrente desconhecia totalmente a existência de produtos estupefacientes inseridos por terceiros nos móveis provindos do Brasil deverá ser absolvido.»

Ora, daqui se percebe qual o ponto que pretende ver discutido quanto à matéria de direito — o preenchimento do tipo legal de crime por que veio condenado e, em particular, o respeitante ao elemento subjetivo do tipo.

Quanto à matéria de facto, a partir da motivação percebe-se quais os factos provados que pretende discutir – «Os factos dados por provados e de forma incorrecta são os constantes dos números 1, 2, 4, 5, 6, 35, 36, 37, 38, 39 do aresto recorrido.»

Ora, se quanto à matéria de direito ainda pode ser admissível o que o recorrente mais à frente refere na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa — por exemplo: «Uma vez que foi requerida Audiência no âmbito do vertente Recurso, evidentemente que em sede de debates se pormenorizará quais foram concretamente os elementos que levaram o aresto recorrido a fazer as prelucidações que entendeu fazer...» ­— já o mesmo não podemos concluir no respeitante à matéria de facto.

Na verdade, pretendendo-se impugnar a matéria de facto, nos termos do art. 412.º, n.º 3, do CPP, “o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”, e “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” (n.º 4 do mesmo normativo).

O ónus de impugnação especificada (imposto quando se pretende recorrer da matéria de facto), determina a necessidade de o recorrente indicar expressamente a matéria de facto que pretende que seja alterada, qual o sentido em que o recorrente pretende ver provados os factos que alega, bem como o(s) depoimento(s) em que baseia o seu entendimento, assim como a referência expressa ao momento em que se encontra o(s) depoimento(s) na gravação e transcrição das partes do depoimento que entende como relevantes.

Ora, se, por um lado, são claros quais os factos que o recorrente pretende impugnar — os factos dados como provados e referidos supra e que o recorrente entende como estando incorretamente provados – já as questões que pretende ver discutidas (quanto a estes) não aparecem elencadas de forma explícita e articuladas com as partes da prova que entende como sendo demonstrativas do contrário do que ficou provado.

É certo que o recorrente refere[5] quais as concretas provas que, segundo o recorrente, impõem uma decisão diversa. Mas não o faz nos termos em que a jurisprudência e a doutrina entendem como devendo ser cumprido este ónus de impugnação.

O recorrente refere as cartas rogatórias que incluirão diversos registos áudio (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2019 que autorizou a revisão), sem que, todavia, refira qual o conteúdo ou parte do conteúdo desses registos áudio que serve de fundamento para dar como não provados os factos que elencou.

E refere ainda uma “carta recebida”, sem que especifique qual o conteúdo desta carta que permite concluir de forma diferente quanto à prova dos factos que impugna.

Na verdade, para cumprir o ónus de impugnação a jurisprudência tem considerado que não basta, por exemplo, remeter para o depoimento de uma ou várias testemunhas, sendo necessário que o recorrente indique expressamente qual a parte do depoimento que contraria o que foi provado. Todavia, o recorrente não o faz relativamente aos registos áudio que resultam daquelas cartas rogatórias (fazendo apenas uma remissão genérica para estas), nem mesmo relativamente à outra carta que refere. Pelo que, não se pode concluir pelo cumprimento do ónus de impugnação.

E foi o que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou:

«por outro lado, como mais adiante igualmente se verá (in II-5., primeira parte), o recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, nem nas conclusões, nem na motivação do recurso, termos em que improcederá “a “pretensa” impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por esta ampla via e, em consequência, este segmento do recurso interposto por este arguido. (...)

Na verdade, não é demais sublinhá-lo, afigura-se a este tribunal ad quem, que embora não o diga expressamente, o recorrente AA, face à norma processual penal que invoca, quer aí quer na sua conclusão décima primeira – o art. 412.º, n.º 3, do CPP –, está inequivocamente aqui a pretender impugnar matéria de facto provada na decisão recorrida com base em erro de julgamento e face ao mais que alega no seu recurso está a fazê-lo especificamente no que concerne aos factos assentes como provados sob os nºs 1, 2, 4, 5, 6, 35, 36, 37, 38 e 39 que entende deverem ser dados como factos não provados.(...)

Verifica-se, porém, que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, nem nas conclusões, nem na motivação do recurso.(...)

Ora, o recorrente, pese embora indique os pontos de facto que pretende impugnar, ao longo das suas quinze páginas do recurso tece as mais variadas considerações gerais quer sobre o acórdão recorrido quer sobre o princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 127.º do CPP, que considera tratar-se, “na realidade, da maior calamidade existente na tramitação do processo penal, abrindo caminho a condenações erráticas, injustas e em diversas vezes inimagináveis (...) que subverte totalmente os princípios basilares nucleares do moderno processo penal democrático e atinente ao Estado de Direito democrático, o princípio da legalidade, de um processo justo e equitativo, de um processo contemplando garantias de Defesa. Ao invés, dessa forma, tratar-se-ia de um processo iníquo, injusto e até temerário, motivador de forma de condenar as pessoas ao arrepio do princípio da culpa; seria, por assim dizer, um processo autocrático, contemplando uma ditadura na aplicação da Lei, no que alguns chamam “República de Juízes” … (...). Ao fim ao cabo o que radica nesse perigo eminente é a radicalização na compreensão do princípio da livre apreciação da prova contido no artº127º do CPP, a qual viola o teor do artº6º da CEDH e, naturalmente, o artº32º-1 da CRP”, alude genericamente a provas produzidas durante o julgamento, mas sem nunca fazer quaisquer transcrições de declarações e depoimentos (aliás nem nunca se detém seja nas suas próprias declarações em juízo seja na imensa prova testemunhal produzida em julgamento), bem como também sem nunca escalpelizar o conteúdo da “carta recebida pelo arguido” ou das “cartas rogatórias” a que igualmente alude, mas sempre sem, contudo, fazer qualquer referência aos concretos pontos de facto que está a impugnar.

Ou seja, o recorrente impugna de forma genérica a matéria de facto, não especificando em relação a cada ponto de facto as razões da sua discordância.

Refere o recorrente que “tais factos devem ser alterados e serem dados por não provados nos sobreditos termos e que se densificarão em sede de Audiência estribada no artº411º-5 do CPP”.

Ora, “nos sobreditos termos” não vislumbramos, como já mencionámos, que tenha sido cabalmente respeitado o preceituado no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, ao que acresce que é no recurso e não “em sede de Audiência estribada no artº411º-5 do CPP” que o estabelecido no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP tem de ser integralmente satisfeito. (...)

Termos em que, improcede a “pretensa” impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por esta ampla via e, em consequência, este segmento do recurso interposto por este arguido.» (cf. ac. recorrido, fls. 2279, 2290/verso, 2291, 2291/verso e 2292).

Ora, não estando cumprido este ónus de impugnação fica inviabilizado o recurso da matéria de facto, nesta parte. E se, ao abrigo da interposição do recurso da matéria de facto o recorrente tivesse indicado quais as provas a renovar ou as pessoas que deviam ser convocadas, devia o relator, em decisão ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 7, al. b), do CPP, notificar o recorrente do teor do despacho assim prolatado. E quanto ao qual o recorrente poderia reclamar em conferência, nos termos do art. 417.º, n.º 8, do CPP. Todavia, nada foi indicado pelo arguido, pelo que não houve necessidade de prolatar tal despacho.

Acresce referir que o aqui exposto vai na linha do defendido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 163/2011 (de 24.03.20211), onde se considerou que a não realização de audiência porque o arguido não cumpriu o disposto no art. 411.º, n.º 5, do CPP, nomeadamente o ónus processual de identificação dos pontos da motivação do recurso que pretende discutir, não constitui uma violação do direito ao recurso, consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP[6].

2.2. O recurso é ainda interposto invocando a existência de vícios, nos termos do art. 410.º, n.º 2, do CPP, podendo haver lugar a renovação de prova nos termos do art. 430.º, do CPP.

O arguido, motivando o recurso para o Tribunal da Relação com a existência dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, solicitou a renovação da prova. Porém, nos termos do art. 430.º, n.º 1, do CPP, “a relação admite a renovação a prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo”.

Havendo recurso com alegação da existência dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, o Tribunal decide se há ou não renovação da prova, sendo esta decisão definitiva (cf. art. 430.º, n.º 2, do CPP). E neste âmbito a doutrina já considerou que “não há nunca renovação da prova quando tenha lugar a documentação da prova produzida em audiência, pois nesse caso a renovação é inútil”[7]. Sabendo que só há lugar a renovação da prova quando ocorram os vícios referidos (cf. art. 430.º, n.º 1, do CPP) e que houve documentação da prova, o Tribunal decidiu de acordo com o disposto no art. 430.º, n.º 2, do CPP, não ocorrendo qualquer nulidade.

Na verdade, a possibilidade de reclamação para a conferência da decisão que não admite a renovação de certas provas, aquelas que o arguido aquando da impugnação da matéria de facto elencou nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. c), do CPP, apenas ocorre relativamente às provas que não são admitidas, pese embora se proceda à audiência para discussão, por exemplo, da matéria de direito impugnada.

Ora, no caso, não só não foi admitido o recurso quanto à matéria de facto, como relativamente aos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, se considerou que estes não ocorriam, pelo que não se admitiu a renovação nos termos do art. 430.º, n.º, 1, do CPP, com a consequência de essa decisão ser definitiva (nos termos do art. 430.º, n.º 2, do CPP), pelo que não ocorreu qualquer nulidade.

3. Mas, para além disto, o recurso é interposto com alegações em matéria de direito, pelo que deveria, em cumprimento do requerido, ter havido audiência para discussão da matéria de direito impugnada, uma vez que foi expressamente referido o que se pretendia discutir ­— o preenchimento do tipo legal de crime por que veio condenado e, em particular, o respeitante ao elemento subjetivo do tipo[8].

Nada se encontra nas normas do Código de Processo Penal que permita ao Tribunal não realizar a audiência requerida, pelo menos, neste caso, no que respeita à discussão da matéria de direito.

O recorrente que requer a audiência podendo impugnar de facto e de direito, se só impugnar de direito não haverá lugar a provas a renovar ou pessoas a serem convocadas, sem que isto permita ao Tribunal não realizar a audiência requerida, pois tal não se encontra de nenhuma forma previsto no Código de Processo Penal.

Dirão que as audiências para discussão da matéria de direito se limitarão, na prática, a uma apresentação de alegações orais (com explicitação dos pontos que se quer ver discutidos, mas sem que se possa alterar o âmbito do recurso já fixado na motivação — cf. art. 417.º, n.º 4, do CPP que assim o estabelece quando permite aperfeiçoamento previsto no n.º 3 do mesmo dispositivo). Porém, tal como afirma Germano Marques da Silva até mesmo essa repetição pode ser útil.

Diz-nos este Autor[9]:

«A audiência de julgamento do recurso tem sido muito criticada por magistrados e advogados, considerando-a inútil, mas trata-se de incompreensão do sistema, agravada pela frequente má prática. Frequentemente se confunde a função da motivação com a das alegações, mas são diferentes.

A audiência não se destina a repetir o conteúdo da motivação; esse já foi analisado pelo tribunal. Também não se destina a alterar o âmbito do recurso, já fixado pelas conclusões da motivação do recurso, mas essencialmente a analisar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial.

Frequentemente sucede que da análise da motivação e da resposta não se suscitam questões a merecerem exame especial e, por isso, é natural que o relator elabore desde logo o respectivo projecto de acórdão. Será mesmo o caso mais frequente, pois a motivação do recurso e a resposta à motivação devem escalpelizar todas as questões que constituem o seu objecto.

Com dizer-se que as alegações se destinam essencialmente a analisar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial não se significa a sua limitação; as alegações podem abarcar todas as questões suscitadas no recurso e que constituem o seu objecto. Questão é apenas a da sua utilidade, quando se limitam a repetir o que já foi escrito na motivação ou na resposta à motivação, mas mesmo a repetição pode ser útil, dependendo muito da forma como se repete.»

Ora, sabendo que o arguido requer a audiência, indicando expressamente o que pretende ver debatido, e afirmando que melhor explicitará este ponto aquando da audiência, a não realização da audiência importa uma restrição das garantias de defesa do arguido sem qualquer fundamento legal e em desrespeito pelo disposto no art. 32.º, n.º 1, da CRP.

A não realização da audiência, nomeadamente impedindo o recorrente de alegar oralmente as suas razões quanto ao julgamento de direito, constitui uma limitação ao exercício de um direito que a lei lhe concedeu e que não previu a sua limitação nestas situações.

Assim, ainda que consideremos que o recurso da matéria de facto não era admissível, certo é que a audiência não é apenas para os casos de impugnação da matéria de facto cumprindo o ónus de impugnação (ou para os casos de renovação de prova verificados os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP).

Quando a lei permite que o recorrente requeira a audiência esta limitação não é feita, apenas se impondo que esclareça quais os pontos da motivação que pretende ver discutidos, podendo estes ser apenas questões em matéria de direito. Aliás, a possibilidade de requerer a audiência ocorre igualmente em recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que é por lei limitado ao conhecimento da matéria de direito (art. 434.º, do CPP). Ora, a seguir o raciocínio de que não havendo lugar ao recurso da matéria de facto (por incumprimento do ónus de impugnação), também não se realiza a audiência ainda que haja pontos da matéria de direito a discutir, então perguntamos nós porque terá o legislador admitido a possibilidade de realização de audiência quando o recurso é interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. Tal como nos diz a doutrina, porque a audiência ainda assim pode ser útil.

Poder-se-á dizer que o Código de Processo Penal foi alvo de diversas alterações em matéria de recursos, e a manutenção da audiência em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é um resquício de uma outra estrutura de recursos onde se previa apenas um grau de recurso para os casos dos recursos de decisões prolatadas em tribunal coletivo ou de júri e que eram interpostos diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça — eram os casos de revista alargada onde a discussão da matéria de facto a partir da alegação dos erros-vício, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, justificava a realização daquela audiência.

Ainda que o raciocínio tenha sentido, o certo é que o legislador não aboliu a audiência, e não pode o julgador deixar de a realizar quando não tenha suporte legal para tal decisão. Na verdade, pese embora as diversas modificações que foram feitas ao CPP em matéria de recursos, e sabendo que a oralidade ficou para um segundo plano, o certo é que, tendo o recorrente requerido a audiência, e tendo especificado também o ponto a debater em matéria de direito, apenas na falta de requerimento poderia o Tribunal decidir em conferência, nos termos do art. 419.º, n.º 3, al. c), do CPP[10].

Ora, tendo sido requerida a audiência e não havendo norma legal que permita que esta não seja realizada quando requerida, ainda que se tivesse que restringir à discussão da matéria de direito, estamos perante uma decisão que violou o disposto no art. 32.º, da CRP, limitando as garantias de defesa do arguido.

Além disto, o direito a requerer a realização da audiência é um direito discricionário do recorrente: nem o recorrido se pode opor ao pedido, nem o tribunal de recurso pode negar a pretensão do recorrente”[11]. O que significa que, não só o recorrente não tem que pedir necessariamente a renovação da prova para que se possa considerar que deva ser realizada a audiência, uma vez que a audiência pode apenas ser requerida para debater certos pontos da motivação de recurso (que podem até ser exclusivamente referentes a matéria de direito), como também o Tribunal, seja qual for a razão subjacente ao pedido de realização de audiência, não pode negar esta pretensão do recorrente. E, sendo requerida a audiência, o direito a um processo equitativo determina a necessidade da sua realização para apreciação das questões de facto e de direito alegadas pelos recorrentes[12]; e a total falta de justificação para a sua não realização constituiu uma violação do art. 6.º, da CEDH[13]. Para além disto, sendo requerida a audiência, a composição do tribunal deverá integrar o presidente da secção, o relator e o juiz-adjunto, nos termos do art. 429.º, n.º 1, do CPP (cuja epígrafe é “composição do tribunal em audiência” integrando-se no Capítulo III — do recurso perante as relações — do título I — dos recursos ordinários — do livro ix, do CPP). Existe regra clara de composição do Tribunal.

Assim sendo, numa certa interpretação, poder-se-á considerar o acórdão nulo:

- porque o defensor do arguido deveria ter estado presente (devendo também ser convocado para a audiência o arguido nos termos do art.  430.º, n.º 4 , do CPP) aquando da realização da audiência e, não tendo havido audiência (sem norma bastante para fundamentar esta não realização) não esteve  presente, violando-se o disposto o art. 119.º, al. c), do CPP[14];

- porque foram violadas as regras da competência do tribunal pois, não tendo havido audiência (sem norma bastante para fundamentar esta não realização), o Tribunal foi indevidamente composto apenas pelo juiz desembargador-relator e pelo juiz desembargador- adjunto, sem que tivesse intervindo na decisão (e não apenas para desempatar) o juiz-desembargador-presidente, violando-se o disposto no art. 119.º, al. e), do CPP;

- e porque foram violadas as regras de composição do Tribunal, violando-se o disposto no art. 119.º, al. a), 2.ª parte, do CPP[15].

Numa outra interpretação, poderemos entender estarmos apenas perante uma irregularidade[16].

Ora, tal como afirma Paulo Pinto de Albuquerque “a irregularidade cometida na sentença também pode ser arguida até à interposição do recurso e no próprio recurso; e é conhecida pelo tribunal de recurso, nos termos do art. 380.º, n.º 2 “[17].

Mas, no presente caso, não estamos perante uma irregularidade prevista no art. 123.º, n.º 1, do CPP, mas perante uma dos casos abarcados pelo disposto no art. 123.º, n.º 2, do CPP. Na verdade, “algumas «irregularidades» determinam a invalidade do acto a que se referem e dos termos subsequentes que aquele possa afectar produzindo os mesmos efeitos das nulidades.”[18] Ora, para sabermos se estamos perante uma invalidade a integrar no âmbito do art. 123.º, n.º 2, do CPP, é necessário que o Tribunal, através de um juízo de prognose póstuma, verifique se aquela invalidade foi suscetível de afetar o valor do ato praticado, se por si só influenciou (ou não) o exame ou a decisão da causa.

Ora, na verdade, decidir o recurso em conferência com um juiz desembargador-relator e um juiz desembargador-adjunto, apenas com voto de desempate do juiz desembargador-presidente é diferente de julgar o recurso após realização da audiência, ainda que restrita a matéria de direito, determinando que a causa seja analisada não apenas por um coletivo de 2 magistrados judiciais, mas de 3 magistrados judiciais.

Na verdade, a não satisfação das garantias de defesa do arguido na parte em que não foram cumpridas as regras de julgamento do recurso, tal como se encontram previstas no Código de Processo Penal, constitui uma violação do disposto no art. 32.º, da CRP.

Ora, tal como afirma Conde Correia, “(...) a Constituição da República estabelece diversos princípios gerais relativos ao processo penal, de modo que, quando a legislação ordinária contrariar estes princípios pode suscitar-se a questão da sua constitucionalidade e obter-se junto do Tribunal Constitucional uma decisão que declare a sua inconstitucionalidade privando-a de qualquer relevância jurídica. Ora, se o ordenamento jurídico prevê mecanismos para eliminar as disposições legais que contrastam com as normas constitucionais, por maioria de razão deve admitir-se a existência de qualquer outro meio destinado a retirar relevância aos actos processuais violadores das disposições legais que tutelem um princípio constitucional mesmo quando esse preceito não prevê a nulidade como consequência dessa violação. A ordem jurídica não pode estabelecer a eliminação das disposições legais contrárias às regras constitucionais e deixar incólume os actos processuais violadores das disposições legais que acolhem ou concretizam preceitos constitucionais. (...) A violação dos preceitos constitucionais não está incluída no art. 118.º, n.º 1, do C.P.P. que apenas refere as «disposições da lei do processo penal».”[19]. Todavia, irregularidades como as que afetam o valor do ato devem ser de conhecimento oficioso.

Concluímos, pois, que a diferente composição do tribunal, por um lado, e, por outro lado, a simples audição oral decorrente da realização da audiência, constituem por si só atos que são suscetíveis de influenciar o exame da causa e a própria decisão, pelo que a não realização da audiência (requerida[20]) afeta a validade do ato e, nos termos do art. 123.º, n.º 2, do CPP, deve ser oficiosamente ordenada a reparação do ato, ou seja, a realização da audiência, tal como requerida.

Tendo em conta a conclusão a que se chegou, decorrente da não realização da audiência, que afeta o valor do ato no que concerne ao acórdão recorrido, e sem que a decisão de não realização da audiência (ainda que restrita ao recurso em matéria de direito) tenha fundamento legal, fica prejudicado o conhecimento da outra questão levantada na motivação do recurso.

III

Conclusão

Nos termos expostos, acordam na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso e, em consequência, determinar a realização da audiência requerida aquando da interposição do recurso e, posteriormente, a prolação de novo acórdão.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de julho de 2021

As Juízas Conselheiras,

Helena Moniz (Relatora)

Margarida Blasco

António Clemente Lima, com voto de vencido que junta

_______________________


Processo n. º 147/13.3JELSB.L2.S1

Recurso penal

Voto vencido, pelas seguintes (sintetizadas) razões:

1. A motivação do recurso interposto pelo arguido assenta, na parcela que aqui releva, no argumento de que, tendo o TR, sem pronúncia, a respeito, no exame preliminar, indeferido, na decisão revidenda, por razões de que dissente, a realização da audiência requerida ao abrigo do artigo 411/5 do CPP, o sequente acórdão, de que recorre, é nulo.

2.  Afigura-se que sem razão.

3. Mesmo concedendo que, no TR, o despacho de exame preliminar deveria ter-se pronunciado sobre a requerida realização de audiência, não se vê impedimento a que a decisão sobre tal matéria seja proferida – como foi – em sede de questão prévia, no acórdão subsequente.

4.  A decisão do TR levada, em sede de questão prévia, no acórdão recorrido, não merece reparo.

5. Por um lado, na medida em que, não se admitido o recurso na parcela atinente ao julgamento sobre a matéria de facto nem se tendo por verificado qualquer vício de procedimento (artigo 410/2, do CPP), não podia consentir-se na pretendida realização de audiência para renovação da prova.

6. Por outro lado, no segmento em que a realização da audiência se dirigia também à discussão da matéria de direito, e o TR entendeu (com fundamentos que não suscitam dissenso) que os pontos da motivação do recurso que o recorrente pretendia ver debatidos não vinham especificados (artigo 411/5 do CPP), também a realização da audiência não podia ser concedida.

7. Neste contexto processual, o arguido não viu comprimidos quaisquer direitos ou garantias de defesa, tal como prevenidos, designadamente, no artigo 32 da CRP.

8. Importa sublinhar que toda a dissensão manifestada pelo recorrente relativamente ao julgado em 1.ª instância, se dirigiu à comutação da matéria de facto – questão que o acórdão do TR, inibido embora pela verificada impossibilidade de renovação da prova, não deixou de apreciar – e à consequente (pretendida) absolvição, sustentada em matéria que o STJ (artigo 434 do CPC) não pode apreciar.

9. Não pode conceder-se que, naquele contexto, a não realização da audiência no TR para alegação sobre a matéria de direito, uma vez que tal matéria está já expressa, pela forma escrita, na motivação do recurso (ademais com deferência pela mitigação da oralidade nos recursos trazida pela reforma de 1998), cause insuportável lesão dos direitos de defesa do arguido ao ponto de, designadamente pela via do disposto no artigo 123/2 do CPP, se prefigurar uma invalidade de longo alcance, a ferir de nulidade o acórdão recorrido.

10. Importará também ter presente a alternativa estabelecida no artigo 419/3 c) do CPP, de onde decorre que há dois casos em que (de forma teleologicamente fundada) a realização da audiência tem plena justificação: (i) quando haja necessidade de o arguido estar presente para prestar declarações ou simplesmente (por via destas) exercer o seu direito de defesa, ou (ii) quando tiver sido (ou dever ser) produzida prova no TR.

11. Tanto ocorreu, p. ex., no caso Moreira Ferreira contra Portugal (acórdão do TEDH de 5 de Junho de 2011, publicado, para além de na página HUDOC do TEDH, também no «TEDH – Jurisprudência seleccionada», PGR e INCM, 2012, pp. 95-194). Já no caso Constatinescu v. Romenia (decisão de 27 de Junho de 2000, consultável na dita página), o TEDH assinala, significativamente (§ 53) que, quando o tribunal de recurso é chamado a conhecer de facto e de direito e tem de emitir um juízo sobre a culpa ou inocência do acusado, não o pode fazer em sede de fair trial sem a prova «dada em pessoa», pelo acusado, caso este negue a prática dos factos imputados.

12. Um outro possível caso de audiência necessariamente levada no TR pode resultar da circunstância de o arguido, absolvido em 1.ª instância, vir a ser condenado no TR, contexto em que a jurisprudência fixada no AUJ nº 4/2016 e a (eventual) inviabilidade de um recurso para o STJ podem condicionar a possibilidade de defesa do arguido quanto à culpabilidade e quanto à escolha e medida da pena – figura-se que é o próprio STJ, naquele AUJ, que consente ponderar a produção de prova nos TR, apelando (implicitamente) à necessidade de audição do arguido, em audiência, antes que seja proferida uma decisão condenatória.

13. Daí que a audiência não possa ser arredada do regime de recursos no CPP, à semelhança do que ocorreu no CPC (artigo 662/2, redacção da Lei 41/2013): porque pode ter um conteúdo útil no âmbito da produção de prova no tribunal de recurso.

14. Mas não é o caso.

15. No caso, em que o TR, inelutavelmente, afasta a produção de prova, sobrando o pretexto de realização de audiência no TR apenas para discussão da matéria de direito, ademais quando, como se refere no acórdão revidendo, é o próprio recorrente que, neste âmbito, deixa de respeitar o princípio do pedido e deixa de cumprir o  dever de lealdade que lhe incumbe observar para com o Tribunal na preparação da audiência no ponto em que observar o ónus de especificação cominado no artigo 411/5 do CPP, não fará sentido (processual), que se entenda a omissão da oralidade daí decorrente como uma infracção aos direitos de defesa do arguido, que antes exprimiu, na minuta da motivação do recurso, as razões do seu dissentimento relativamente à decisão de 1.ª instância, recorrida.

16. Acresce salientar (como já antes ponderado) que a não pronúncia, em exame preliminar, sobre o requerimento formulado pelo arguido para a realização de audiência na Relação, não está a definir a composição do tribunal (designadamente pela excussão do reforço de colegialidade decorrente da intervenção do presidente da secção), mas tão-apenas a omitir pronúncia sobre um dado requerimento, omissão essa que constituirá uma irregularidade que (no caso, a não se entender suprida desde logo pela decisão levada, adrede, no acórdão recorrido), por não ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar da notificação do acórdão, se terá sanado – artigo 118/1 e 2 do CPP.

17. Importaria ainda ponderar uma razão sobreveniente: neste momento processual, pouco sentido fará (se algum, até à luz do disposto no artigo 130º do CPC) anular o acórdão do TR, recorrido, ordenando-se a realização da requerida audiência pelo TR, quando esta se viabiliza tão-apenas para debater matéria de direito (com o insuprido piáculo de dispersão apontado no acórdão revidendo) e quando o arguido teve ampla oportunidade para, na pretérita audiência levada no STJ, exprimir (reiterando-o), de forma oral, o sentido da sua defesa.

18. Que justo concreto justifica e advém do decidido?

19. Nestes termos e com tais (sintetizados) fundamentos, divergindo da decisão que precede, julgaria (nesta parcela) o recurso improcedente.

Lisboa, 15 de Julho de 2021

António Clemente Lima

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[1] A decisão referida é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, prolatado a 15.04.2015, no apenso aos autos, com o n.º 147/13. 3JELSB-C.S1, onde partindo do facto de que “4. Por acórdão de 16/08/2014, a requerimento do arguido, a Relação de Lisboa, considerou que, não tendo havido audiência e não tendo o tribunais a composição correspondente, o acórdão de 11/08/2014, enfermava da nulidade prevista no art° 119°, alínea a), do CPP e, em consequência, declarou nula essa decisão.”, entendeu‑se que: “invalidado o acórdão da Relação de 11/08/2014, deixou de haver decisão confirmatória do acórdão condenatório proferido em 1a instância. Sobre o recurso interposto da condenação pronunciada em 1a instância há-de ser proferida nova decisão, com a participação de uma diferente formação de juízes, decisão essa que pode ser ou não confirmatória daquela, devendo ainda notar-se que a confirmação pode sê-lo em medida (in melius) que nem determine a elevação do prazo máximo de prisão preventiva prevista no n° 6 do art° 215°. (...)não havendo lugar a outra elevação do prazo máximo de prisão preventiva para alem da prevista no n° 2 do art° 215°, com referência à alínea d) do n° 1, esse prazo e de 2 anos, mostrando-se nesta data excedido. O pedido de habeas corpus e, pois, fundado, à luz do art° 222°, n° 2, alínea c).” Em consequência foram passados mandados de imediata libertação do arguido.
[2] Refere-se o recorrente ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, prolatado nestes autos a 16.08.2014, segundo o qual “Conhecida agora a real intenção do recorrente, que não estava expressa de forma clara nas suas alegações, temos que reconhecer que a decisão do recurso deveria ser precedida de audiência, com a intenção do Presidente da Secção, e não tomada apenas em conferencia, como foi.
A omissão da audiência neste caso constitui nulidade insanável, que deve ser declarada em qualquer fase do processo, nos termos do artigo 119°, alínea a),do CPP
Há, assim, que declarar a nulidade do acórdão de 11-08-2014 e remeter os autos ao Presidente da Secção para os efeitos do artigo 421° do CPP.
[3] Despacho de exame preliminar de 30.03.2021 (ref. 16752386): “Nenhuma circunstância obsta ao conhecimento do recurso, sendo de manter o efeito que lhe foi atribuído.
Não existe causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso.
Continuem-se os autos aos Vistos dos Ex.mos Juízes Desembargadores, Presidente da 9ª Secção e Adjunto, consignando-se que já lhes fiz entrega do projeto de acórdão.
Depois, à Conferência.”
[4] Assim, Simas Santos/Leal Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., Lisboa: Rei dos Livros, 2020, p. 133.
[5] Na motivação do recurso apresentado o recorrente refere expressamente:
-“Os factos referidos e impugnados, como se disse, são factos falsos, não acontecidos.
E os meios de prova que os infirmam são exactamente o teor das rogatórias e a carta recebida e junta ao processo, que sem margem de dúvidas fazem concluir que o arguido recorrente não delineou plano absolutamente nenhum isolada ou conjuntamente para assegurar o transporte de cocaína com vista à sua comercialização” (p. 8 da motivação)
- “os factos impugnados não devem ser dados por provados por via do que resulta da conjugação da prova produzida e concretamente pelo teor das cartas rogatórias e pela carta junta ao processo” (p. 10 da motivação)
- “Oiça-se o que consta das rogatórias...
E leia-se a dita carta...” (p. 11 da motivação)
- “Afinal foi essa porta que foi aberta por ser a correcta pelo STJ e pela própria Mtaª Juiza da 1.ª Instância na fase preliminar do Recurso de Revisão.” (p. 13 da motivação).
[6] Cf. acórdão n.º 163/2011, de 24.03.2011 (in www.tribunalconstitucional.pt); também no sentido da não realização da audiência quando não foi cumprido o ónus processual de identificação dos pontos da motivação do recurso que pretende discutir cf. ac. do STJ, de 01.07.2020, Relator: Cons. Nuno Gonçalves, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:301.19.4T8LSB.L1.S1/#integral-text.
[7] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª ed., 2000, Lisboa: Editorial Verbo, p. 368.
[8] Na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação o recorrente refere-o expressamente nas seguintes passagens: “Mais concreta e sinteticamente, o Tribunal julgou e decidiu condenar o recorrente na prática do crime previsto e punido pelo arto21o do dl. 15/93 de 22-1, por ter dado por provados os factos atinentes ao elemento subjectivo do tipo legal, o que fez de forma incorrecta.” (p. 2 da motivação) E acrescentado mais tarde “Uma vez que foi requerida Audiência no âmbito do vertente Recurso, evidentemente que em sede de debates se pormenorizará quais foram concretamente os elementos que levaram o aresto recorrido a fazer as prelucidações que entendeu fazer.” (p. 6 da motivação).
[9] Direito Processual Penal Português. Do Procedimento (Marcha do Processo), vol. III, Lisboa: UC Editora, 2014, p. 348.
[10] Além disto, mesmo não sendo requerida poderá haver audiência se o Tribunal considerar necessária a renovação da prova, nos termos do art. 430.º, do CPP (neste sentido, Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, 3.ª ed., 2021, Coimbra: Almedina, p. 1339).
[11] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP; 2011, art. 411.º, nm. 22, p. 1141.
[12] Sobre a jurisprudência do TEDH quanto a esta matéria cf. Sandra Oliveira e Silva As alterações em matéria de recursos, em especial a restrição de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça — garantias de defesa em perigo?, As alterações de 2013 aos Códigos Penal e de Processo Penal: uma reforma «cirúrgica»?, Org.: André Lamas Leite, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 257 e ss e da mesma Autora, Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal, Comentário da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos Protocolos Adicionais, Org.: Paulo Pinto de Albuquerque, vol. III, Lisboa: UCP, 2020, p. 2372 e ss.
[13] Cf. CASE OF EKBATANI v. SWEDEN, (Application no. 10563/83), de 26.05.1988, em particular, n. º 33,  in http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-57477 e AFFAIRE DONDARINI c. SAINT-MARIN, (Requête no 50545/99), de 06.07.2044, em particular n.ºs 22 e ss, in http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-66424
[14] Em sendito similar cf. ac. do STJ, de 08.06.2012, proc. n.º 2239/11.4JAPRT.P2.S2 (Relator: Cons. Santos Cabral): “O acórdão da relação recorrido assenta em duas patologias que a afectam de forma irremediável: por um lado a renovação da prova não foi efectivamente uma renovação, mas tão-somente o repristinar da argumentação lógica que informou a decisão anterior do tribunal da relação oriunda de um outro colectivo e, também, se omitiu a realização de audiência cujo imperativo consta do art. 430.º, do CPP. Verifica-se, assim, uma nulidade contemplada no art. 119.º, al. c), do CPP, pelo que se determina a anulação da decisão recorrida, nos termos do art. 122.º, do CPP e, consequentemente, procedendo-se a renovação da prova, a mesma deverá consumar-se com a realização de audiência de julgamento.” (in  www.dgsi.pt).
[15] Em sentido próximo cf. ac. do STJ, de 23.12.2015, proc. n.º 130/12.6JELSB-E.S1, Relator: Cons. Francisco Caetano: “I  -    A eventual existência de indevida composição do tribunal da Relação que prolatou o acórdão poderia configurar uma nulidade insanável do art. 119.º, al. a), do CPP, mas jamais uma inexistência jurídica.
II -    Tendo o acórdão condenatório tirado em conferência, que não em audiência como o requerente havia requerido, há muito transitado em julgado e sabendo-se que uma decisão final transitada em julgado cobre todas as nulidades e irregularidades de todos os actos processuais até então praticados, entendimento este que vitoriosamente passou já pela fileira do TC, não poderá a aludida nulidade constituir fundamento da providência de habeas corpus.” (in www.dgsi.pt).
Também no sentido da nulidade cf. ac. do STJ, de 23.01.2088, proc. n.º 3326/07: “II -     Num caso em que, por lapso, foram os autos remetidos à conferência, e proferido acórdão, houve violação das regras de competência do tribunal, integrante de nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, nos termos dos arts. 118.º, n.º 1, e 119.º, al. d), do CPP, aplicável ex vi art. 41.º, n.º 1, daquele DL 433/82.” (Sumários do STJ, 2008, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/criminal2008.pdf).
No mesmo sentido despacho de 22.04.2010, no proc. n.º 451/08.2PVLSB.L1.S1, Relator: Cons. Souto Moura: “O arguido veio requerer a declaração de nulidade a decisão de 15.4.2010, proferida a fls. (...) destes autos, bem como suscitar o incidente de recusa os subscritores do acórdão proferido. A nulidade invocada é a da al. a) do art. 119, conjugado com o art. 435 do C.P.P., e a recusa é feita ao abrigo do art.º 43.º n.º 2 do C.P.P.
Tem razão o arguido quanto à invocação daquela nulidade, porquanto, por mero lapso, não se atentou, como cumpria, no requerimento de realização de audiência de julgamento que se pode ver a fls. (...). Assim, declaro nulo o julgamento efetuado em conferência, realizado apenas por dois juízes, e ao abrigo do art.º 119 a) do C.P.P.. De acordo com o art. 122.º n.º 1 é nulo também o acórdão proferido.
A recusa de juízes intervenientes é feita ao abrigo do n.º 2 do art. 43.º, sempre do C.P.P.. No entanto, tal fundamento exige que não seja o caso de impedimento, à luz do art.º 40.º do C.P.P., e é exactamente essa a stuação configurada, por força  da al. c) do art.º 40.º do C.p.P.. Assim sendo, declaro-me impedido de intervir em futuro julgamento do caso destes autos, por já ter participado em julgamento anterior, pese embora ter sido declarado nulo, nos termos do citado art. 40.º al. c) e do art. 41.º, ambos do C.P.P. (...)”
[16] Assim, ac. do STJ de 18.05.2011, proc. n.º 191/08.2JELSB.E1.S1, Relator: Cons. Oliveira Mendes: “Conquanto a lei adjectiva penal atribua ao relator competência para rejeição do recurso, através de decisão sumária, competência prevista na al. b) do n.º 6 do art. 417.° do CPP, a verdade é que a prolação de decisão de rejeição do recurso em conferência, mediante acórdão, não consubstancia nulidade. Com efeito, o acto só é nulo quando a sua nulidade for expressamente cominada na lei, conforme dispõe o n.º l do art. 118.° do CPP, sendo certo que a lei adjectiva penal não comina qualquer sanção para a inobservância do disposto na al. b) do n.º 6 do art. 417.°, pelo que a prolação de decisão de rejeição do recurso em conferência, mediante acórdão, constituirá, quando muito, mera irregularidade – n.º 2 do art. 118.°. “ (in  www.dgsi.pt).
[17] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., 20211, Lisboa: UCE, art. 381.º, nm. 6, p. 988.
[18] Conde Correia, Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais, BFDUC - Stvdia Ivridica, n.º 44, Universidade de Coimbra/Coimbra Editora, 1999, p. 145.
[19] Conde Correia, ob. cit. supra, p. 143-144, nota 317.
[20] Tendo sido requerida aquando da motivação, e sabendo que a motivação é parte integrante do requerimento de interposição do recurso, nos termos do art. 411.º, n.º 3, do CPP, aquela foi requerida nos termos do art. 411.º, n.º 5, do CPP.