Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1965/04.9TBSTB.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: PODERES DO TRIBUNAL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 09/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS - PROCESSOS ESPECIAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 668.º, N.º1, AL. D), 690.º-A, 712.º, N.ºS 1, AL. A), E 2, 716, Nº1, 1017, Nº5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-10-2004, COL. AC. S.T.J., XII, 3º, 72;
-DE 20-9-2007, COL. AC. S.T.J., XV, 3º, 58;
-DE 3-11-2009, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
-DE 22-2-2011, COL. AC. S.T.J., XIX, 1º, 76.
Sumário :
I - Ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.

II - A reapreciação da prova pela Relação, nos termos do art. 712.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC, tem a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância.

III - A Relação não pode remeter para o juízo de valoração da prova feito na 1.ª instância, pois tem de fazer, com autonomia, o seu próprio juízo de valoração que pode ser igual ao primeiro ou diferente dele.

IV - A reapreciação das provas não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto.

V - Se o aresto impugnado se limitou a aderir à decisão sobre a matéria de facto proferida em 1.ª instância, sem proceder à indispensável análise crítica e respectiva fundamentação das respostas, de modo a justificar a sua própria e autónoma convicção, foi violado o art. 712.º, n.º 2, do CPC, impondo-se a anulação do acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

         Em 26-9-2002, AA e BB intentaram a presente acção de prestação de contas contra a ré CC.

As autoras alegam, em síntese, que são filhas de DD, já falecido, e que a R. é cabeça de casal da herança daquele, por ser cônjuge sobrevivo.

As AA venderam a um dos irmãos o quinhão que a cada uma delas pertencia na referida herança, no entanto não prescindiram dos rendimentos que cada uma delas tinha direito na herança de seu pai, desde a data da abertura da mesma até à data de celebração do contrato acima mencionado.

Pedem, pois, que a R. preste contas da administração da referida herança e com referência ao período aludido.

                                               *

A R. efectuou a prestação de contas nos termos constantes de fls. 60 a 63, tendo as mesmas sido contestadas pelas AA.

                                               *

Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença onde se decidiu:

- não haver qualquer saldo a partilhar relativo à herança de DD;

- condenar as AA., como litigantes de má fé, no pagamento da multa de três UCS.

                                               *

         Apelaram as autoras, mas sem êxito, pois a Relação de Évora, através do seu Acórdão de 17-1-2013, negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida.

                                                        *

         Continuando inconformadas, as autoras pedem revista, onde concluem: 

         1 – O Acórdão recorrido limitou-se a aderir genericamente à decisão proferida em 1ª instância, não tendo cumprido o dever de se pronunciar e decidir sobre todos e cada um dos factos concretos, cuja decisão foi impugnada pelas recorrentes, no seu recurso de apelação. 

         2 – Este dever de fundamentação decorre do disposto nos arts 158, nº1, 653, nº2, 659, nºs 2 e 3, 668, nº1, al. b) e 712 , nº1, al. a) e nº2, do C.P.C.

         3 – O Acórdão recorrido é, por isso, nulo, por falta de fundamentação e omissão de pronúncia - art. 668, nº1, al. b) e d) ex vi do disposto no art. 716, nº1, ambos do C.P.C.

         4 – O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão da violação do disposto nos arts 1016, nº2 e 1017, nº5, do C.P.C., suscitada pelas recorrentes no que se refere às respostas dadas à matéria dos quesitos 14º, 15º, 16º, 17º e 18º da base instrutória, onde foram dadas como provadas despesas que não tinham a suportá-las qualquer documento, sendo que, quanto a elas, não existe qualquer costume que dispense a sua apresentação,  pelo que também por isso, é nulo, por omissão de pronúncia – art. 668, nº1, al. b) e d) ex vi do disposto no art. 716, nº1, ambos do C.P.C. 

         5 – Se assim for entendido que houve pronúncia sobre tal questão,  sempre se deverá considerar que o Acórdão recorrido, ao manter a decisão da 1ª instância em relação aos quesitos 14º, 15º, 16º,17º e 18º da base instrutória, viola frontalmente os artigos 1016, nº2 e 1017, nº5 do C.P.C.

         6 – Existe uma contradição insanável entre os factos dados como provados nos pontos a seguir indicados como 3 e) e 4 e os factos dados como provados nos pontos 23, 24 e 25 do Acórdão recorrido, já que os primeiros pressupõem e declaram que a recorrida nunca prestou contas à recorrente e os últimos pressupõem que tais contas foram prestadas e que até existiu um saldo que foi dividido pelos interessados.

         7 – Nos termos do disposto no art. 729, nº3, do C.P.C., sempre que ocorram contradições insanáveis na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, o Supremo deve reenviar o processo para que tais contradições sejam sanadas, o que desde já se requer.

         8 – A decisão de manter a condenação das recorrentes como litigantes de má fé não tem fundamento, assentando em alguns factos que não foram alegados e, muito menos, provados, e sendo, além do mais, contrária à verdade e lealdade repetidamente assumidas pelas autoras ao longo do processo.

         9 – Terminam por pedir :

         -    a anulação do Acórdão recorrido e o reenvio do processo para o Tribunal da Relação de Évora, a fim de serem sanados os apontados vícios,

         - em alternativa, deve o Supremo Tribunal de Justiça alterar as respostas que foram dadas aos quesitos 14º, 15º, 16º, 17º e 18º da base instrutória, no sentido de, delas, serem eliminadas as despesas não documentadas;

         - a revogação da condenação das recorrentes como litigantes de má fé.   

                                                        *

         A recorrida contra-alegou em defesa do julgado.

                                                        *

         Por Acórdão da conferência da Relação de Évora de 7-6-2013, foi entendido que o referido Acórdão de 17-1-2013 não padece de nulidade.

 

                                                        *

         Corridos os vistos, cumpre decidir.

                                                        *

         A Relação considerou provados os factos seguintes:

1 – As AA. são filhas de DD.

2 - DD faleceu, em …, em … de … de 19....

3 - O falecido DD deixou como herdeiros:

- a) - o cônjuge sobrevivo – CC;

- b) - cinco filhos de um anterior casamento: as aqui AA. e seus irmãos EE, FF e GG. (Doc. nº 1).

3 c)- Em 26 de Abril de 2001, foi celebrado um contrato denominado por contrato-promessa, tendo as AA. declarado prometer vender a EE, o quinhão que a cada uma delas cabia na herança aberta por morte de seu pai e que ainda estava indivisa e por partilhar. (Doc. 2)

 3 d)- O referido contrato-promessa foi integral e pontualmente cumprido, tendo o promitente comprador pago o preço e tendo-lhe as aqui AA. entregue a procuração prevista na sua cláusula quarta.

 3 e) Nos termos da sua cláusula 2ª, ficou estabelecido que:

      - “a sua celebração não prejudicaria o legítimo direito das promitentes cedentes (as aqui AA.) aos rendimentos gerados pelos bens da herança desde a data da sua abertura (29/4/1998) até à data da celebração do contrato-promessa  (26/4/2001)”. (Doc.2)

4 - A Ré, não ofereceu, nem prestou até à data da propositura da acção quaisquer contas.

5 - Da Exploração da herdade de ..., em 1998, resultaram as seguintes Receitas:

- 03/01/98 - Venda de 19 Bezerros .......... 1.330.000$00

- 20/03/98 - Venda de 19 Vacas ............. 1.000.000$00

- 18/12/98 - Venda de 30 Bezerros .......... 2.400.000$00

(respeitando as primeiras duas referidas receitas a data anterior à abertura da sucessão de DD)

6 – E, em 1999, as seguintes Receitas:

- 27/07/99 - Venda de 20 Bezerros .......... 1.600.000$00

- 28/10/99 - Venda de 20 Cabeças de Gado Bovino ....1.600.000$00

- 30/12/99 - Outros proveitos da exploração ...1.850.000$00

7 – E, em 2000, as seguintes Receitas

- 23/03/2000 - Venda de Gado Bovino ........ 1.130.000$00

- 26/09/2000 - Venda de Vitelos ............. 935.000$00

- 26/09/2000 - Venda de Vitelos ............ 1.950.000$00

- 16/11/2000 - Venda de Bezerros ........... 1.610.000$00

- 27/11/2000 - Venda de Cortiça....(pelo menos)10.277.500$00

- 27/12/2000 - Venda de Cortiça....(pelo menos)10.277.500$00

8 - E no tocante a Rendas de prédios urbanos:

O Prédio urbano sito na Rua … nº… – …, Rendas de Junho de 1998 a Abril de 2001, 35 meses x 4.547$00 =159.145$00

9 - Prédio urbano sito na Rua … nº… – …, Rendas de Junho de 1998 a Abril de 2001, 35 meses x 9.955$00 =348.425$00

10 - Prédio urbano sito na Rua … … – …

Rendas de Abril de 1998 a Abril de 2001 37 meses x 5.908$00 =218.596$00

11 - Prédio urbano sito na Rua … nº. .. - …, Rendas de Junho de 1998 a Abril 2001, 35meses x 4.000$00 = 140.000$00.

12 - Prédio urbano sito na …  nº…  - …, Rendas de Abril de 1998 a Abril de 2001, 37 meses x2.647$00 = 97.939$00.

13 - Prédio urbano sito na Rua … nº… – …, Rendas de Abril de 1998 a Abril de 2001, 37 meses x 50.000$00 =1.850.000$00.

14 - E do Prédio sito na …  nº… …, Rendas de Junho de 1998 a Abril de 2001, 35 meses x 5.190$00 =181.650$00.

15 - Prédio urbano sito no Bairro … nº…, Rendas de Junho 1998 a Abril de 2001, 35 meses x 2.095$00 =71.230$00.

16 - Prédio sito na Rua … nº… - …, Rendas de Abril 1998 a Abril de 2001 37 meses x 4.547$00 = 168.239$00.

17 - As despesas foram no valor total de 1.235.047$00 (59.431$00 – alimentos para animais (doc. 31 a 40); prestação de serviços – 5.616$00 (doc. 46); produtos veterinários 24.580$00 (docs. 48 e 49) e despesas com tratador de gado e guarda da herdade – 1.170.000$00)

18 - E em 1999, ocorreram ainda as seguintes Despesas:

a) Alimentos animais ......................... 233.743$00

b) Serviços de Tipografia ..................... 28.080$00

c) Compra de Vacas e Vitelos ................. 250.000$00

d) Compra de Cereais ......................... 349.347$00

e) Compra de Adubo ........................... 117.600$00

f) Despesas com reparação do tractor ........ 268.032$00

g) Prestação de Serviços ..................... 20.107$00

h) Compra utensílios agrícolas ................ 40.073$00

i) Despesas com tratador do gado e guarda da herdade 12 meses x 140.000$00 ............................. 1.680.000$00

19 - E em 2000 verificaram-se também as Despesas:

a) Alimentos para animais .................... 375.689$00

b) Compra de bovinos ....................... 1.050.000$00

c) Compra de cereais ........................ 318.098$00

d) Pagamento de serviços ..................... 242.928$00

e) Combustíveis .............................. 107.200$00

f) Compra de peças e acessórios ............... 33.028$00

g) Produtos Veterinários ....................... 5.187$00

h) Despesas com tratador de gado e guarda da herdade 12 meses x 140.000$00 .............................. 1.680.000$00

i) Despesas c/ tiragem e pesagem de cortiça ..7.611.000$00

20 - E em 2001 - (Janeiro a Abril) ocorreram ainda as seguintes despesas:

a) Alimentos para animais .................... 278.269$00

b) Combustíveis .............................. 14.400$00

c) Despesas c/ vacina de rebanho .............. 46.620$00

d) Despesas c/ tratador do gado e guarda da herdade 4 meses x 140.000$00

21 - Foi pago de contribuição autárquica, em Abril de 2000, relativa a prédios sitos em … e pertencentes à herança de DD, a quantia de 55.462$00 (276,64€), sendo o valor anual de 110.924$00.

22 - As rendas dos prédios urbanos, não sofreram qualquer aumento entre Janeiro de 1998 a 30 de Abril de 2001.

23 - O saldo relativo ao período desde a abertura da herança até 14/5/01 foi dividido entre todos interessados da herança, com excepção da parte relativa a rendas dos prédios que, embora tenha sido dividida em cinco partes iguais (uma para cada filho do falecido), a parte que caberia às autoras não foi recebida por estas, tendo ficado depositada numa conta do irmão destas EE, mas à disposição daquelas.

24 - Os valores das rendas dos prédios, acima descriminadas, incluem os juros gerados pelos depósitos das mesmas feitos pelos inquilinos.

25 - A Ré não incluiu, nas contas apresentadas, os juros gerados pelos valores que recebeu da venda a cortiça extraída na Herdade de ..., não tendo a quantia em causa rendido quaisquer juros pois, logo após o seu recebimento e, deduzidas as despesas respeitantes à sua extracção, foi dividida em partes iguais pelos cinco filhos do falecido DD.

                                                        *

         Vejamos agora o mérito da revista:

         1.

         As recorrentes começam por suscitar a nulidade do Acórdão recorrido, por falta de reapreciação da prova em que assentou a matéria de facto impugnada.

         No corpo e nas conclusões do seu recurso de apelação, as ora recorrentes impugnaram as respostas aos quesitos 2 a 18, 20, 26 e 27 da base instrutória.

Dando cumprimento ao disposto no art. 690-A do C.P.C., as mesmas recorrentes indicaram os concretos meios de prova que, no seu entender, impunham uma resposta diferente.

A maior parte dos meios de prova que, na opinião das recorrentes impunham decisão diferente sobre a matéria de facto impugnada, é constituída por documentos.

Quando recorreram a depoimentos gravados, as recorrentes, para além de indicarem os lugares da gravação, transcreveram os textos das respectivas gravações.

Ora, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação “se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida” – art. 712, nº1, al. a), do C.P.C.

E dispõe o art. 712, nº2, do mesmo diploma, que, “ no caso a que se refere  a segunda parte da alínea a), do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.         

         Dando cumprimento ao preceituado no art. 690-A. nº5, do C.P.C., incumbe à Relação proceder à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes, excepto se o Juiz Relator considerar necessária a sua transcrição.   

         Ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (Ac. S.T.J. de 19-10-2004, Col. Ac. S.T.J., XII, 3º, 72; Ac. S.T.J. de 22-2-2011, Col. Ac. S.T.J., XIX, 1º, 76). 

         A reapreciação da prova pela Relação, nos termos do art. 712, nº1, al. a) e 712, nº2, do C.P.C., tem a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância.

         A Relação não pode remeter para o juízo de valoração da prova feito na 1ª instância, pois tem de fazer, com autonomia, o seu próprio juízo de valoração, que pode ser igual ao primeiro ou diferente dele.

         No nosso caso, o Acórdão recorrido teve diferente entendimento, que se encontra plasmado na síntese das seguintes passagens, que se transcrevem:

         - A valoração de um depoimento pelo julgador tem sempre um certo conteúdo subjectivo, mas a percepção dos factos só é perfeitamente conseguida com o imediatismo das provas” (fls 618);

         - “O tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedado exactamente pela falta desses elementos traduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si” (pág. 618, nota 7 de rodapé);

         - “A admissibilidade da alteração da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará apenas nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade, face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (fls 619).

         Na sequência desse entendimento, o aresto impugnado não analisou criticamente cada um dos meios de prova indicados como fundamento da impugnação, nem cumpriu o dever de fundamentação sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnada e que as recorrentes entendem terem sido mal julgados.

         Com efeito, o Acórdão recorrido limitou-se a afirmar:

         “ No caso concreto, analisada toda a prova produzida na 1ª instância, nada indicia a existência de um erro no julgamento de facto.  

         Na fundamentação da matéria de facto, o M.mo Juiz explanou, de forma absolutamente clara, as razões porque ficou convencido do conteúdo das respostas dadas aos quesitos em causa.

         Ouvidos os registos da prova, não se vislumbrou qualquer erro de apreciação que justifique qualquer alteração das ditas respostas.

         Assim e pelo exposto, impõe-se concluir que não há razões plausíveis para que seja alterada a matéria de facto, tal como foi julgada na 1ª instância”(fls 619).

         Pois bem.

         A reapreciação das provas não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto ( Ac. S.T.J. de 20-9-2007, Col. Ac. S.T.J., XV, 3º, 58).

         Impõe-se antes que a Relação “ analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada “ (Ac. S.T.J. de 3-11-2009, disponível em www.dgsi.pt).

         No caso concreto, já vimos que a Relação, apesar de ter ouvido os registos da prova, não analisou criticamente cada um dos meios de prova indicados como fundamento da impugnação, nem cumpriu o dever de fundamentação sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnada e que as recorrentes consideram terem sido mal julgados.   

         Pelo contrário, o aresto impugnado limitou-se a meras considerações genéricas e a aderir à decisão sobre a matéria de facto proferida em 1ª instância, sem proceder à indispensável análise crítica e respectiva fundamentação das respostas, de modo a justificar a sua própria e autónoma convicção.     

          Assim sendo, foi violado o art. 712, nº2, do C.P.C., impondo-se a anulação do Acórdão recorrido, para que se proceda à reapreciação de cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, de acordo com os princípios que se deixaram expostos.        

         2.

         Nas conclusões da apelação, as recorrentes também suscitaram a questão de que nas respostas aos quesitos 14º, 15º, 16º, 17º e 18º, da base instrutória foram dadas como provadas despesas que não tinham a suportá-las qualquer documento, alegando que, quanto a elas, não existe qualquer costume que dispense a sua apresentação, nos termos do art. 1017, nº5, do C.P.C.

         A Relação não se pronunciou expressamente sobre essa questão, pelo que o Acórdão é nulo, por omissão de pronúncia sobre essa matéria, nulidade que aqui se declara nos termos das disposições conjugadas dos arts 668, nº1, al. d) e 716, nº1, do C.P.C.

         Esta nulidade está directamente relacionada com o dispositivo do art. 660, nº2, do C.P.C, segundo o qual o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

         De sublinhar que a lei ao falar em questões quer reportar-se aos assuntos juridicamente relevantes, ou seja, aos pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes fundamentam as suas pretensões.        

         3.

         A anulação do julgamento prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas na revista – art. 660, nº2, do C.P.C.

 

                                                        *

         Termos em que, concedendo a revista, decidem:

1 - Anular o Acórdão recorrido e determinar que o processo baixe à Relação de Évora, para que aí, se possível pelos mesmos Ex.mos Desembargadores, se proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada, nos termos sobreditos, e se conheça da questão de, nas respostas aos quesitos 14º, 15º, 16º, 17º e 18º da base instrutória, terem sido dadas como provadas despesas que não tinham a suportá-las qualquer documento, sendo que, quanto a elas, vem invocado que não existe qualquer costume que dispense a sua apresentação;

2 – Considerar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na revista.    

3 – Condenar nas custas a parte vencida a final.

                                               *

         Lisboa, 24-9-2013

Azevedo Ramos (Relator)

Silva Salazar

Nuno Cameira