Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
712/17.0T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: MORA DO CREDOR
CULPA
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
RECUSA DE COOPERAÇÃO
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / MORA DO CREDOR.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotada, Vol. V, p. 141;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª ed., p. 124 e 125;
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1.ª ed., p. 671;
- Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, p. 118;
- José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 1986, p. 42;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 6.ª ed., p. 243 e 244.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 813.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-01-2014, PROCESSO N.º 511/11.2TBPVL.G1.S1, IN WWWDGSI.PT;
- DE 02-06-2016, PROCESSO N.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1.
Sumário :
I. Contrariamente ao que acontece quanto à mora do devedor, a mora do credor, a que alude o artigo 813º do Código Civil, não depende de existência de culpa, ou seja, não se exige que a sua não aceitação da prestação ou a omissão da sua colaboração sejam censuráveis.

II. São pressupostos da mora do credor a recusa deste ou não realização pelo mesmo da colaboração necessária para o cumprimento da prestação e a ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão.

III. Todavia, para haver mora do credor, não basta uma qualquer recusa ou omissão, sendo, antes, de exigir que os atos não praticados pelo credor, ou por ele voluntariamente omitidos, sejam atos de cooperação essenciais.

IV. Tendo os réus alegado a mora dos autores/credores, sobre os mesmos recai o ónus de provar que diligenciaram pela realização das prestações a que estavam obrigados e que o seu cumprimento só não foi possível por omissão de cooperação por parte dos autores.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório


1. AA e BB, intentaram ação declarativa comum contra CC; DD Investimentos, S.A.; EE e FF - Propriedades, Lda, pedindo que sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhes a quantia de:

1 - €170.000,00, a título de valor vencido, até 11-10-2016, da cláusula penal, prevista no número 1) da "cláusula quinta" do "acordo complementar à escritura pública de compra e venda de 27 de outubro de 2009 ";

2. - € 30.000,00, a título de valor vencido, até 11-10-2016, da cláusula penal prevista no número 1) da "cláusula terceira" do documento denominado "acordo complementar à escritura pública de compra e venda de 27 de outubro de 2009";

3 - € 300,00, por cada dia de mora, a partir de 12-10-2016, até à conclusão efetiva - e sua receção definitiva pelos autores - das obras estipuladas na "cláusula primeira", números 1) e 2), e "cláusula segunda", número 1), do "acordo complementar à escritura pública de compra e venda de 27 de outubro de 2009";

4 - € 100,00, por cada dia de mora, a partir de 12-10-2016, até à conclusão efetiva dos trabalhos discriminados na cláusula terceira, número 1), do "acordo complementar à escritura pública de compra e venda de 27 de outubro de 2009";

5 - A realizarem os trabalhos e obras em falta, a saber:

a) Ligação do prédio ao ramal dos SMAS;

b) Ligação do Prédio ao ramal da EDP, incluindo a instalação de um posto de transformação que fornece o prédio com potência elétrica suficiente para servir 55 (cinquenta e cinco) pessoas;

c) Construção de um arruamento em tapete betuminoso, para servir os seguintes prédios: através da Rua do … (nome proposto), após a ligação desta à Rua da …., um arruamento pelos artigos n.°s 38 e 36, que servirá, nomeadamente, os artigos n.°s 36, 40, 45, 32, 53, 57, 56, 9, 19, 20, 10, 52 e 6, todos nos limites Norte e Noroeste de … e pertencentes à Secção A da freguesia de …;

d) Conclusão da construção do arruamento em tapete betuminoso na Rua da …, abrangendo os artigos prediais n°s 8, 48, 39, 38, 37, 24 e 23, todos nos limites Norte de … e pertencentes à Secção A da freguesia de …, faltando a esta data estender o arruamento em tapete betuminoso aos artigos 24 e 23, construir passeios nas margens com a medida regulamentar de 1,5 m, instalar um sistema adequado ao escoamento das águas e realizar quaisquer outros trabalhos, que venham a ser exigidos pelas entidades administrativas, responsáveis pelo licenciamento deste arruamento, a fim de assegurar a sua legalidade, e que se mostrem adequados de acordo com as regras da arte;

e) Conclusão dos trabalhos de levantamento e/ou remoção referidos na cláusula terceira do Acordo Complementar, faltando, a esta data, proceder ao levantamento do pavimento de cimento dos ditos currais e palheiros e à limpeza do terreno, que esconde, por debaixo da vegetação espontânea, entretanto crescida, uma quantidade substancial e anormal de pedras, lixo e detritos, e ainda à remoção de vários pedregulhos de grande volume, com cerca de 1/2 a 1 metro cúbico cada; e

f) Observância, na realização dos trabalhos discriminados nas alíneas a) a d) precedentes, das normas legais em vigor e padrões de razoabilidade e as melhores regras da arte, tendo em conta o fim a que as mesmas se destinam - construção de residência para idosos.

6 - A obterem, a expensas suas, os projetos, licenças e autorizações administrativas que sejam exigíveis por lei para a execução das infraestruturas mencionadas.


Alegaram, para tanto e em síntese, que, em 27 de Outubro de 2009, adquiriram à ré FF -propriedades, Lda o prédio rústico sito na Várzea …, nos limites de …, inscrito na matriz predial sob o artigo n.° 38, no concelho de …, sendo que, aquando da escritura, todos os réus subscreveram com os autores, um escrito denominado de "Acordo Complementar à Escritura Pública de Compra e Venda de 27 de Outubro de 2009".

No referido acordo, assumiram os réus as obrigações enunciadas nas respetivas cláusulas primeira, segunda e terceira, bem sabendo que tais obras e trabalhos de beneficiação do terreno eram condições essenciais no negócio para os autores, porque o fim por eles visado era o de afetar o terreno à construção de uma residência para idosos.

Não obstante o acordado, os réus não cumpriram todas as obrigações assumidas no referido acordo, pois apenas retiraram os animais domésticos e a cobertura dos currais que ocupavam o terreno.

Esgotados os prazos contratados e não obstante os autores terem interpelado os réus para tanto, estes ainda não procederam ao levantamento do pavimento de cimento dos ditos currais e palheiros, à limpeza do terreno e à remoção de vários pedregulhos de grande volume, pelo que assiste aos autores o direito de acionarem as cláusulas penais acordadas/fixadas no acordo complementar à escritura pública e aplicáveis em caso de mora.


2. Citados, contestaram os réus, sustentando terem cumprido tudo aquilo a que estavam obrigados e cuja execução foi possível. E, pugnando pela improcedência da ação, peticionaram a condenação dos autores como litigantes de má-fé.


3. Após resposta dos autores, foi proferido despacho de aperfeiçoamento da petição inicial e realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.


4. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 20.06.2018, sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência:

a) condenou os réus, solidariamente, a pagarem aos autores, o valor global de (€73.920,00 + € 5.100,00) € 79.020.00 (setenta e nove mil e vinte euros) correspondente à soma dos valores vencidos à data da propositura da ação (11-01-2017) e dos entretanto vencidos, até à data da presente sentença, em conformidade com a redução equitativa da cláusula penal prevista na "Cláusula Quinta" do documento denominado "Acordo Complementar à Escritura Pública de Compra e Venda de 27 de Outubro de 2009", atento o constatado incumprimento na realização das infraestruturas e na concretização das instalações referidas na citada "Cláusula  Primeira" - 1 a), b), e c) -(ii) - 2) - e "Cláusula Segunda", do documento denominado "Acordo Complementar à Escritura Pública de Compra e Venda de 27 de Outubro de 2009 ";

b) Condenou os réus, solidariamente, a pagarem aos autores a quantia de € 300,00 por cada mês de mora, a partir da presente data, até à conclusão efetiva - e sua receção definitiva pelos autores - das obras e instalações estipuladas na "Cláusula Primeira" - 1 a), b), e c) - (ii) - 2) - e "Cláusula Segunda", do documento denominado " Acordo Complementar à Escritura Pública de Compra e Venda de 27 de Outubro de 2009 ";

c) Absolveu os réus do mais peticionado;

d) Absolveu os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.


5. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores e os réus para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 20.12.2018, concedendo parcial provimento ao recurso de apelação apresentado pelos autores e negando total provimento ao interposto pelos réus decidiu:

1 - Introduzir alterações na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo;

2 - Condenar os RR a realizarem os trabalhos e obras mencionadas em falta, e conducentes à:

a) Ligação do prédio dos AA ao ramal dos SMAS;

b) Construção de um arruamento em tapete betuminoso, para servir os seguintes prédios: através da Rua do … (nome proposto), após a ligação desta à Rua da …, um arruamento pelos artigos n.°s 38 e 36, que servirá, nomeadamente, os artigos n.°s 36, 40, 45, 32, 53, 57, 56, 9, 19, 20, 10, 52 e 6, todos nos limites Norte e Noroeste de … e pertencentes à Secção A da freguesia de …;

3 - Condenar os RR a obterem, a expensas suas, os projetos, licenças e autorizações administrativas que sejam exigíveis por lei para a execução das infraestruturas indicadas em I, alíneas a) e b).


6. Inconformados com esta decisão, os réus CC, DD Investimentos, S.A., EE e FF - Propriedades, Ldª, dela interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações cm as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«A) O prédio em questão encontra-se, deste modo, fora do perímetro urbano, tal como definido no Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de março, que estabelece o Regime Jurídico dos Planos Municipais de Ordenamento do Território.

B) Mais concretamente, no âmbito do PDM de …, o prédio inseria-se na categoria de espaços agrícolas, conforme documento 7 junto com a contestação, definidos como os espaços que, incluídos na classe de espaços agrícolas, se classificam em quatro níveis de uso - de nível 1, de nível 2, de nível 3 e de nível 4 -, correspondendo a graus de proteção e valorização diversos face ao Instituto da Reserva Agrícola Nacional, às determinações do Plano de Ordenamento do Parque Natural de … e à decorrência do processo de planeamento municipal.

C) No caso vertente, é manifesto que a realização das infraestruturas a que os Réus se obrigaram no referido acordo complementar consubstanciam obras de urbanização, tal como definidas no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro – artigo 2.º, alínea h). Obras estas que não podem ser realizadas fora do perímetro urbano tal como definido nas disposições acima mencionadas.

D) Pelo exposto, a apresentação, pelos AA., de um pedido de licenciamento relativo a obra de construção/edificação a realizar no prédio em questão consiste, na verdade, em condição sine qua non da execução da prestação a que os Réus se obrigaram no dito Acordo Complementar. E isto independentemente de estar escrita ou não. Até porque, como resulta do contexto os Réus assinaram o referido Acordo no pressuposto de que os AA. apresentariam o seu projeto de construção.

E) Foi assim que sucedeu com a testemunha GG, cujo acordo com o Réus foi por estes integralmente cumprido já que este apresentou junto da Câmara Municipal o projeto de construção, que foi aprovado.

F) Como resulta do ponto 2.39C da matéria de facto dada como provada, os Autores nunca deram entrada de um pedido de licenciamento para a obra de construção a realizar no prédio em questão.

G) Porque, como resulta do depoimento dos próprios, em sede de julgamento, muito embora tivessem ficado encarregues de o fazer, desistiram de avançar com o projetado lar.

H) Assim, é por demais evidente, que é impossível o cumprimento das obrigações por parte dos recorrentes, sendo extremamente iníqua a condenação ad aeternum pelo incumprimento de uma obrigação que não está na sua disponibilidade cumprir.

I) A sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por oposição entre os fundamentos e a decisão.

J) Os autores apresentaram-se em juízo como pessoas que estavam numa posição de fragilidade e ignorância na qual, na verdade, nunca estiveram, nem objetiva nem subjetivamente, o que veio a ser exposto em sede de audiência de discussão e julgamento. Assim, dois profissionais altamente qualificados, uma advogada estagiária e um arquiteto adquirem um terreno rústico, numa zona agrícola, com vista a aí construir um lar, vinculando o vendedor à realização de infraestruturas que, sabem, só podem ser aprovadas no âmbito do seu projeto de construção individualmente considerado, pois não se tratava, nem podia ser uma urbanização.

K) Porque na realidade a envolvente, anos volvidos, não veio a ser o que esperavam nem lhes foi prometido, desistem do projeto e tentam reaver o custo da aquisição à custa dos autores.

L) A classificação da obrigação assumida pelos réus como uma obrigação de resultado não permite, salvo melhor entendimento e sem mais, concluir pela culpa dos recorrentes na não realização das obras previstas na “Cláusula Primeira” - 1 a), b), e c) - (ii) - 2) - e “Cláusula Segunda” do “Acordo Complementar à Escritura Pública de Compra e Venda de 27 de Outubro de 2009 ".

M) Isto porque, como resulta das disposições legais aplicáveis, a realização das obras em questão depende de licença aprovada pela Câmara Municipal, no âmbito do projeto de construção do imóvel a construir, cuja apresentação era responsabilidade dos autores. Reitera-se que, como resultou da prova produzida em audiência, autores e réus foram unânimes ao afirmar que o autor AA ficou de apresentar à Câmara Municipal de … o projeto de construção, coisa que não fez.

N) Com efeito, ambos os autores admitiram esse facto nas suas declarações de parte: na verdade nunca submeteram a aprovação de um projeto de construção, porque efetivamente desistiram.

O) Não obstante, pretendem obter dos réus, o ressarcimento de quantia equivalente à da aquisição e também a realização de obras, que está bom de ver, seriam absolutamente inúteis – pois, está de bom de ver, nada pretendem edificar no terreno.

P) Até porque a verdade é que nada obstaria a que edificassem uma construção naquele terreno, já que o proprietário do terreno confinante o fez, com sucesso.

Q) Se era responsabilidade dos recorrentes custear e obter as licenças referentes às infraestruturas, estas apenas eram possíveis no âmbito do projeto de construção do imóvel em concreto. Foi, assim, aliás, que sucedeu, no caso das duas moradias unifamiliares da Rua do … (nome proposto).

R) Assim, na opinião dos recorrentes, não se pode deste modo sequer considerar que tenha havido incumprimento de tais obrigações. Face à inércia dos próprios autores em relação ao assunto (alegadamente) de seu interesse, a realização das obras em questão nunca se tornou possível, acrescentando-se, até, que nunca será possível, sendo por demais evidente que não caberá aos recorrentes dar entrada de um projeto de construção em substituição dos autores, para o que carecem, desde logo, de legitimidade.

S) Dispõe o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que estão sujeitas a licença administrativa as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor.

T) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma, o requerente deve indicar a qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística. É precisamente neste ponto que reside o busílis da questão: é que nunca foi incumbência dos recorrentes apresentar o projeto de construção do prédio dos autores. Nem tal obrigação resulta do contrato em análise.

U) As obras a realizar no tocante ao ramal do SMAS e à construção do arruamento inserem-se no conceito previsto no artigo 2 º alínea h) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação “Obras de urbanização», as obras de criação e remodelação de infraestruturas destinadas a servir diretamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, eletricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva;

V) Nos termos do disposto no artigo 4.º n.º 2 alínea b) do referido diploma legal estão sujeitos a licenciamento as obras de urbanização em área não abrangida por operação de loteamento. Ora, o licenciamento é da exclusiva competência do proprietário conforme espelhado no artigo 9.º do referido diploma.

W) Nos termos do referido regime de licenciamento, têm de ser respeitadas duas fases: uma respeitante à avaliação e aprovação do projeto de construção, e outra respeitante à apreciação dos projetos de especialidade. Ora, dado que, como ficou provado, os proprietários não deram entrada de qualquer projeto de construção, não é possível, designadamente ao SMAS nos termos nos artigos 16.º e 34.º do Regulamento do SMAS de …, autorizar a ligação à rede.

X) Também por este motivo a sentença recorrida conduz a uma solução profundamente injusta uma vez que obriga os recorrentes ao pagamento do montante de €300,00 (trezentos euros), a título de cláusula penal, por cada mês de atraso no cumprimento de uma obrigação que não estão em posição de cumprir.

Y) Os recorrentes apenas acederam a vincular-se a tais obrigações porque presumiram que, de acordo com a normalidade destas situações, os autores iriam dar entrada de um projeto de construção, o que não sucedeu.

Z) Pelas razões acima expostas, ainda que se considere que houve incumprimento por parte dos recorrentes, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se deverá considerar ilidida a presunção de culpa, nos termos do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.

AA) Com efeito, o que se verificou nos presentes autos foi, conforme alegado na contestação pelos recorrentes e que resultou da prova produzida em julgamento, por admissão dos próprios autores, foi mora dos credores, que, não praticaram os atos necessários ao cumprimento da obrigação – ou seja, não apresentaram o competente projeto de construção.

BB) Com a sua conduta os autores tornaram impossível, na prática, o cumprimento da prestação por parte dos recorrentes. Forçoso se torna, deste modo, concluir, que a prestação se tornou impossível em virtude de causa imputável ao credor – ou seja, resultou de uma conduta voluntária dos credores, que decidiram não avançar, ou desistir, da construção de um imóvel no prédio rústico adquirido.

CC) No caso, é evidente que estamos perante uma impossibilidade superveniente, objetiva e absoluta, derivada da inexistência de uma licença de construção emitida nos termos do n.º 1 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

DD) Tal impossibilidade não pode ser imputável aos devedores recorrentes, visto que eles não contribuíram minimamente para a verificação da impossibilidade, que aparece como uma realidade exterior, que eles não dominam.

EE) Com efeito, conforme ficou provado nos autos, no caso das duas moradas unifamiliares a Norte do conglomerado urbano de …, mais concretamente da Rua do … (nome proposto), os recorrentes diligenciaram no sentido de apresentar, nos processos de construção das moradias unifamiliares, os projetos das infraestruturas (ver Documento n.º 5 junto com a contestação).

FF) Para além de todo o acima exposto acerca do ramal de ligação ao SMAS, não devem ser também olvidadas as comunicações da EDP a este respeito. Conforme resulta da carta da EDP Distribuição, de 20 de agosto de 2010 – junta com a contestação como Documento n.º 1 - a ligação ao ramal e instalação de dois postos de transformação teria de ser efetuada no âmbito do projeto de licenciamento do edifício a construir pelos autores.

GG) Desta carta resulta que a instalação teria necessariamente que ser efetuada no âmbito do projeto de licenciamento do edifício a construir pelos autores.

HH) Acresce que, não obstante o exposto, deu-se por provado que os recorrentes encetaram as diligências necessárias para que a zona fosse infraestruturada pela EDP. Na sequência de conversações iniciadas entre a EDP e a Câmara Municipal de …, a edilidade exigiu a alteração nos projetos de iluminação pública e alimentação da zona. A EDP efetuou e alterou os projetos em conformidade com o solicitado pela Câmara Municipal de … (Documentos n.º 2 e 3 juntos com a contestação). Os projetos referidos no número anterior foram submetidos à Câmara Municipal de … para aprovação.

II) A imputabilidade a título de culpa pressupõe sempre a existência de um nexo psicológico entre a conduta do infrator, isto é, entre o facto e a vontade do lesante, exprimindo a culpa um juízo de censurabilidade pessoal da conduta do agente, o qual, face às circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de outro modo. Assim, para que a impossibilidade do cumprimento pudesse ser imputável aos recorrentes, tornava-se necessário que o referido nexo psicológico fosse estabelecido entre a conduta dos recorrentes e o facto gerador da impossibilidade de cumprimento do programa contratual convencionado, coisa que não ocorre no caso concreto, visto que, mesmo que os recorrentes se encontrassem em situação de mora, não foi essa situação que de algum modo concorreu para a não aprovação de um projeto de construção, que, como é evidente, foi o facto que determinou a impossibilidade superveniente do cumprimento do contrato em causa.

JJ) Estivessem ou não os recorrentes em mora, a impossibilidade de cumprimento sempre surgiria por força da desistência dos autores do processo de licenciamento.

KK) Consequentemente, tornando-se impossível a prestação principal, e por arrastamento necessário, a própria prestação principal típica, por facto não imputável aos recorrentes, a obrigação, pura e simplesmente extingue-se nos termos do disposto no artigo 790.º n.º 1 do Código Civil, não assistindo aos autores o direito de exigir a prestação.

LL) Entendem os réus que o acórdão recorrido contém manifesto lapso na parte decisória.

MM) Com efeito, a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelos réus no recurso da sentença de primeira instância foi julgada parcialmente procedente, com o aditamos dos factos 2.39 A a C acima transcritos. Pelo exposto, entendem os réus, salvo melhor entendimento, que ao seu recurso não foi negado total provimento, como é referido na parte decisória do acórdão recorrido, padecendo, o acórdão recorrido de vício formal gerador de nulidade, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.

NN) Caso assim não se entenda, enferma o Douto Acórdão recorrido, de errada interpretação e aplicação do direito, incorrendo assim em notória violação da lei substantiva.

OO) Com efeito, as obrigações de realização da ligação ao ramal do SMAS e do arruamento em tapete betuminoso foram fixadas no pressuposto de entrada do projeto de licenciamento por parte dos AA, conforme obrigam os artigos 2.º alínea h), 4.º n.º 2 alínea b) e 9.º do RJUE, pelo que o douto Acórdão viola as referidas normas instando os RR. a realizarem atos que não têm legitimidade para levar a cabo.

PP) No que diz respeito à ligação do ramal do SMAS, é por demais evidente que não é legalmente possível aos RR. realizar a referida ligação pelo que o douto Acórdão viola igualmente o disposto nos artigos 16.º e 34.º do Regulamento do SMAS de … .

QQ) Assim, deve o presente Acórdão ser revogado e substituído por outro que determine a extinção da obrigação atendendo à falta de culpa dos RR. decorrente da impossibilidade de cumprimento das obrigações de ligação ao ramal do SMAS e de construção dos arruamentos aí mencionados por falta de apresentação do projecto de licenciamento por parte dos AA.


Termos em que requer seja dado provimento ao recurso.


7. Os autores responderam, pugnando pela improcedência do recurso.


8. Por acórdão proferido em 28.03.2019 e ao abrigo do disposto no art. 641º do CPC, o Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedentes os invocados erro/inexatidão e nulidade do acórdão recorrido.  


9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em saber se:


1ª- o incumprimento das obrigações assumidas pelos réus ocorreu devido à mora dos autores;


2ª- o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. c) do CPC.  



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


As instâncias deram como provados os seguintes Factos:


1 - (a) Por escritura pública denominada de "COMPRA E VENDA" celebrada em 27 de Outubro de 2009, no Cartório Notarial de …, situado na Avenida …, número trinta e oito, …, perante a Notária Dra. HH, Notária, os ora autores, na qualidade de "SEGUNDO" outorgante, adquiriram à 4.a ré -FF -PROPRIEDADES, LDA - o prédio rústico sito na Várzea de …, nos limites de …, inscrito na matriz predial sob o artigo n.° 38, pertencente à Secção A da freguesia de …, no concelho de … e descrito sob o n.° 3094, na 2.a Conservatória do Registo Predial de … ;

2 - (b) O prédio rústico, com a denominação "II", situado na Várzea de … inscrito na matriz predial sob o artigo n.° 38, pertencente à Secção A, descrito como "Terreno de cultura arvense, mato e pastagem", confrontando do Norte com JJ e KK, do Sul com LL e MM, Nascente com caminho e Poente com baldio, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° 3094 da Freguesia de …, mostra-se inscrito em nome de BB, casada com AA no regime de comunhão de adquiridos, por compra, através da AP. 4150 de 27-10-2009;

3 - (c) Na escritura aludida em 2.1., o ora réu EE, outorgando na qualidade de gerente em representação da sociedade comercial por quotas com a firma "FF - PROPRIEDADES LIMITADA", ali "PRIMEIRO" outorgante, declarou, além do mais, O seguinte: " Que a sua representada vende à segunda outorgante, pelo preço de duzentos e cinquenta mil euros, já recebido o prédio rústico denominado "II", situado na Várzea de …, freguesia de …, concelho de …, descrito na Segunda Conservatória do registo Predial de … sob o número três mil e noventa e quatro, da dita freguesia, achando-se o prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo 38 da secção A, com o valor patrimonial de 45,75€, tendo a sociedade adquirido o referido prédio hoje, por escritura lavrada a folhas imediatamente anteriores a estas ";

4 - (d) Na escritura aludida em 2.1, a ora autora BB, na qualidade de "SEGUNDO" outorgante, declarou, além do mais, o seguinte: "Que Aceita e presente venda. Que para efectuar o pagamento do preço utilizou dinheiro próprio que já possuía antes do casamento”;

5 - (e) Na escritura aludida em 2.1, o ora autor AA, na qualidade de "SEGUNDO" outorgante, declarou, além do mais, o seguinte: "Que, para efeitos do previsto no artigo mil setecentos e vinte e três do Código Civil, confirma ser dinheiro próprio do seu cônjuge o montante acima mencionado ";

6 - (f) Em 27 de Outubro de 2009, CC, em seu nome e em representação da sociedade de que é accionista e administrador, DD INVESTIMENTOS, S.A., EE, em seu nome e em representação da sociedade de que é gerente, FF -PROPRIEDADES,LDA, todos designados por "PRIMEIROS CONTRATANTES", e AA e BB, estes dois designados por "SEGUNDOS CONTRATANTES", todos em conjunto por "PARTES", assinaram, com reconhecimento presencial das assinaturas, documento escrito datado de 27 de Outubro de 2009, denominado "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", nos termos do qual declararam, além do mais, o seguinte "CONSIDERANDO QUE: "§ Único - Hoje, dia 27 de Outubro de 2009, em acto continuo à assinatura deste acordo, os Segundos Contratantes e a sociedade Primeira Contratante "FF -Propriedades, Lda." irão outorgar escritura pública de compra e venda, no Cartório Notarial da Dra. HH, pela qual os Segundos Contratantes adquirirão àquela sociedade, a propriedade, livre de ónus e encargos, do prédio rústico, com a área total de 19,880 m2, com a denominação "II", sito na Várzea de …, nos limites Norte de …, inscrito na matriz predial sob o artigo n" 38, pertencente à Secção A da freguesia de …, no concelho de … e descrito sob o n° 3094, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra";

7 - (g) Nos termos do "CONSIDERANDO QUE:" do documento aludido em 2.6., consta ainda o seguinte: " É celebrado o presente acordo, como condição prévia à celebração da referida escritura pública de compra e venda, a outorgar hoje, entre, de um lado, a sociedade "FF -Propriedades, Lda. ", ora Primeira Contratante e, do outro, os Segundos Contratantes, o qual se regerá nos termos e condições das cláusulas seguintes";

8 - (h) Consta da "CLÁUSULA PRIMEIRA" do documento denominado "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", aludido em f), o seguinte:

1) Tendo em vista beneficiar o prédio rústico melhor identificado no Considerando (adiante designado apenas por Prédio ou Terreno), a adquirir pelos Segundos à sociedade Primeira Contratante "FF - Propriedades, Lda.", todos os Primeiros Contratantes obrigam-se, solidariamente, a executar, a expensas suas, as seguintes infra-estruturas:

a)  Ligação do Prédio ao ramal do SMAS;

b)  Ligação do Prédio ao ramal da EDP, designadamente instalação de um posto de transformação que forneça o prédio com potência eléctrica suficiente para servir 55 (cinquenta e cinco) pessoas;

c)  Realização de arruamentos em tapete betuminoso, para servir os seguintes prédios:

 (i) Através da Rua da …, os artigos n°s 8, 48, 39, 38, 37, 24 e 23, todos nos limites Norte de … e pertencentes à Secção A da freguesia de …;

(ii) Através da Rua do … (nome proposto), após a ligação da Rua da … à Rua do …, através de um arruamento pelos artigos n°s 38 e 36, servirá, nomeadamente os artigos n°s 36, 40, 45, 32, 53, 57, 56, 9, 19, 20, 10, 52 e 6, todos nos limites Norte e Noroeste de … e pertencentes à Secção A da freguesia de … .

2) As características de construção das sobreditas infra-estruturas deverão obedecer às normas legais em vigor e, ainda, a padrões de razoabilidade, tendo em conta o fim a que as mesmas se destinam, as melhores regras de arte e as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de celebrar a compra e venda mencionada neste acordo”,

9 - (1) Consta da "CLÁUSULA SEGUNDA" do documento denominado "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", aludido em f), o seguinte:

"1) Os Primeiros Contratantes assumem a responsabilidade de concluir as infra-estruturas referidas na cláusula anterior no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data da assinatura deste contrato.

2) Todas as despesas inerentes à execução das referidas infra-estruturas, designadamente custos com obras, projectos, licenças e autorizações administrativas - cuja obtenção também é da responsabilidade dos Primeiros Contratantes - correrão por conta dos Primeiros Contratantes";

10 - (j) Na "CLÁUSULA TERCEIRA" do documento denominado "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", foi exarado o seguinte:

" l) Sem prejuízo de os Segundos Contratantes tomarem posse imediata do Prédio, os Primeiros Contratantes obrigam-se a retirar do mesmo todos os entulhos, detritos, animais domésticos, palheiros, currais e outros bens e objectos, que nesta data o ocupam e que os Segundos Contratantes reconhecem não lhes pertencer, no prazo máximo de 9 (nove) meses, contados da data da assinatura deste contrato.

2) Para efeitos do disposto no número anterior, os Segundos Contratantes autorizam os Primeiros, ou outrem a mando deles, a aceder livremente ao Prédio, para tanto ficando aqueles, Primeiros Contratantes; com uma cópia das chaves do portão principal.

3) Se findo o referido prazo de 9 (nove) meses, os Primeiros Contratantes não tiverem cumprido a obrigação prevista no número um desta cláusula, os Segundos Contratantes poderão, eles próprios e sem necessidade de comunicação aos Primeiros Contratantes, ou do seu consentimento, proceder às operações necessárias para limpeza e desocupação do terreno: (í) quanto aos entulhos e detritos, os Segundos Contratantes poderão removê-los para o lixo; (ii) quanto aos animais domésticos, palheiros, currais e outros bens e objectos, os Segundos Contratantes poderão movimentá-los livremente e entregá-los ao seu dono ou, em alternativa, deixá-los depositados ao ar livre, por conta e risco dos Primeiros Contratantes, numa parte do Prédio.

4) No caso previsto no número antecedente, os Primeiros Contratantes incorrerão na obrigação de reembolsar os Segundos Contratantes de todas as despesas que estes tenham efectuado para limpar e desocupar o terreno e, ainda, especificamente no caso referido na parte final do mesmo número, ou seja, se os Segundos Contratantes optarem por deixar os aludidos bens e objectos depositados numa parte do Terreno, de lhes (aos Segundos Contratantes) pagar, a título de indemnização pela ocupação indevida do Terreno, a quantia diária de € 100,00 (cem euros), por cada dia decorrido desde o termo do prazo de 9 (nove) meses antes referido, até ao dia em que os Primeiros Contratantes procedam ao levantamento daqueles bens e objectos;

5) Ainda que o incumprimento das obrigações dos Primeiros Contratantes estabelecidas nesta cláusula, não proceda de culpa deles, mas sim de terceiro, os Segundos Contratantes poderão accionar, contra aqueles mesmos, os direitos previstos nos números três e quatro antecedentes; os Primeiros Contratantes declaram-se conscientes de que sem esta cláusula os Segundos Contratantes não teriam aceite celebrar a compra e venda a que este acordo se reporta";

11 - (k) Consta da "CLÁUSULA QUARTA" do documento denominado "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", aludido em f), o seguinte:

"Os Segundos Contratantes, na qualidade de proprietários do Terreno, obrigam-se a ceder ao domínio público, para a execução dos máxima de 6 (seis) metros, localizada no extremo Sul respectivo, com a orientação Nascente - Poente e com a área estimada de +- 600 m2";

12 - (1) Na "CLÁUSULA QUINTA" do documento denominado "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", foi exarado o seguinte:

No caso de os Primeiros Contratantes não concluírem, nas condições previstas na cláusula primeira, todas as infra-estruturas aí discriminadas, dentro do prazo estabelecido na cláusula segunda, incorrerão os mesmos na obrigação de pagar aos Segundos Contratantes, a título de indemnização pela mora, uma quantia diária, por cada dia que decorra desde o termo daquele prazo até a boa conclusão das ditas infra-estruturas, a qual se fixa progressivamente como segue: € 100,00 (cem euros) /dia nos primeiros seis meses, €200,00 (duzentos euros)/dia a partir do início do sétimo mês, e € 300,00 (trezentos euros)/dia a partir do início do décimo terceiro mês.

2) Se, no mesmo caso da alínea anterior, a mora dos Primeiros Contratantes se prolongar para além de 1 (um) ano, os Segundos Contratantes poderão, a qualquer momento, executar os trabalhos e infra-estruturas em falta, eles próprios ou outrem a seu mando, em substituição dos Primeiros Contratantes e a expensas destes; neste caso, o reembolso das despesas efectuadas pelos segundos Contratantes será efectuado pelos Primeiros mediante a apresentação das respectivas facturas, sendo que, ao valor das mesmas acrescerão juros à taxa legal em vigor, desde a data da sua reclamação aos Primeiros Contratantes, até à data da do seu pagamento efectivo e integral.

3) O exercício dos direitos previstos no número anterior pelos Segundos Contratantes, não prejudica o direito destes ao recebimento da indemnização por mora nos termos do número um desta cláusula, consequentemente, contando-se todos os dias de mora decorridos até à conclusão das infra-estruturas pelos Segundos Contratantes.

4) Os Segundos Contratantes deverão comunicar previamente aos Primeiros Contratantes, por carta registada com aviso de recepção, que pretendem exercer os direitos previstos no número dois desta cláusula, sendo que a partir da recepção dessa comunicação, os Primeiros Contratantes ficam impedidos de, consoante o caso, dar inicio ou continuidade à execução das infra-estruturas, ou, por qualquer forma, obstar à sua execução pelos Segundos Contratantes, sob pena de responderem pelos prejuízos daí advenientes ";

13 - (m) Na "CLÁUSULA SEXTA" do documento denominado "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", foi exarado o seguinte:

" l) Os Primeiros Contratantes responsabilizam-se solidariamente pelo cumprimento de todas as obrigações que para eles decorram deste contrato"",

14 - (n) Consta da "CLÁUSULA SÉTIMA" do documento denominado "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", aludido em f), o seguinte:

"1) Este acordo complementar é parte integrante do contrato de compra e venda a que se reporta a escritura pública que será outorgada em acto contínuo à sua assinatura, pelo que, todas as suas cláusulas se manterão em vigor mesmo após a outorga dessa escritura e só deixarão de subsistir depois de cumpridas todas as obrigações nelas previstas.

2) As Partes reconhecem que a subscrição deste acordo foi determinada pelos Segundos Contratantes como condição prévia à outorga da referida escritura pública de compra e venda; mais, reconhecem que sem os direitos prevenidos neste acordo, os Segundos Contratantes não teriam aceite os termos negociais expressos nessa escritura pública, designadamente o preço de € 250,000,00 (duzentos e cinquenta mil euros)”.

15 - (o) O réu CC é filho do 3.° réu EE e administrador único da sociedade - ré - sociedade DD INVESTIMENTOS, S.A.;

16 - (p) Os réus sabem que as obras e trabalhos de beneficiação do terreno, que eles se obrigaram a executar, nos termos do "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", eram condições essenciais no negócio, e que o fim visado pelos autores era o de afectar o terreno à construção de uma residência para idosos;

17 - (q) Os réus colocaram um tapete betuminoso na Rua da …, o qual abrange os prédios a que correspondem os artigos matriciais 8.°, 37.°, 38.°, 39.°, e 48.°;

18 - (r) Os réus não construíram passeios nas margens nem instalaram nenhum sistema de escoamento das águas na Rua da …;

19 - (s) Os réus retiraram os animais domésticos, as construções e as coberturas dos currais que ocupavam o terreno adquirido pelos autores;

20 - (t) Os réus não procederam à remoção de algumas partes em cimento que constituíam o pavimento dos currais e palheiros, nos locais onde estes existiam, no terreno adquirido pelos autores;

21 - (u) Os réus não procederam à remoção de diversas pedras que existiam no terreno adquirido pelos autores;

22 - (v) Os réus não procederam à remoção de vários pedregulhos de grande volume, com cerca de 1 metro cúbico cada, que existiam no terreno adquirido pelos autores;

23 - (x) Em 22-09-2011, os autores, por intermédio do seu mandatário, enviaram à ora ré -DD INVESTIMENTOS, S.A. - uma carta datada de 22-09-2011, registada com aviso de recepção, a qual foi entregue ao destinatário, com o "Assunto: II - Acordo Complementar à escritura pública de compra e venda de 27/10/2009. Interpelação para cumprimento. Aplicação de penalidades por atraso, tal como contratado", na qual lhes comunica, designadamente, o seguinte:

" (...) solicitam-nos os nossos clientes para instar V. Exas. a procederem ao pagamento das penalidades acordadas, que se computam conforme mapa que se envia igualmente em anexo. Com efeito, volvidos todos estes meses desde a assinatura do Acordo - 22 meses! — verificamos que V. Exas não procederam nem à realização das infra-estruturas constantes da cláusula primeira do acordo, no prazo de 12 meses, nem à remoção do entulho/limpeza da propriedade dos meus clientes, que constituía a contrapartida das vossas obrigações (cfr. Cláusula quarta). O facto é que os serviços camarários não aprovam qualquer projecto aos meus clientes enquanto as referidas infra-estruturas não estiverem finalizadas, o que vos pode dar a ideia do prejuízo e incómodo que os meus clientes se encontram a experienciar devido à Vossa inércia.

Ora, assim sendo, e tendo em conta as indemnizações por atraso previstas no Acordo, nas cláusulas Terceira, n.º 4, referente à limpeza da propriedade - €100,00 dia a partir do 9." mês desde a assinatura do acordo — e na cláusula Quinta, n.° 1), referente à realização das infra-estruturas - €100,00/dia nos primeiros 6 meses de atraso, €200,00/dia nos 6 meses seguintes, €300,00/'dia posteriormente - o valor que presentemente V. Exas. Têm em dívida para com os nossos clientes ascende a €92.400,00, sem prejuízo de continuarem obrigados quer à realização das infra-estruturas quer à limpeza da propriedade, tudo nos termos do Acordo, situações estas para as quais ficam devidamente notificados.

Por fim, informamos que é concedido a V. Exas. Um prazo razoável de 30 dias para realizarem as obrigações a que se comprometeram nos termos do Acordo, findo o qual intentaremos, sem qualquer outro aviso, as devidas acções judiciais com vista ao cumprimento e aplicação integral do Acordo, procurando as máximas penalidades legalmente admitidas. (...)".

24 - (z) Em 22-03-2013, os réus enviaram aos autores uma carta datada de 22-03-2013, registada com aviso de recepção, a qual foi entregue aos destinatários, da qual consta, além do mais, o seguinte:

" (..) "ASSUNTO: Acordo Complementar à escritura pública de compra e venda de 2009-10-27

Exmos Senhores

Relativamente às cartas dirigidas, primeiramente a nós — 2011-09-22- e recentemente para os nossos advogados — 2013-02-27 — temos a comunicar-vos o seguinte:

Não existe qualquer incumprimento da N/parte, pois tudo o que nos comprometemos no citado Acordo, que dependia de nós, foi cumprido;

Estranhamos, pois, o conteúdo das V. cartas.

E estranhamos, tanto mais, quanto, até ao momento, V. Exas. Não cumpriram nada daquilo a que se comprometeram, nomeadamente na Cláusula 4.ª do Acordo;

De facto, na cláusula 4.ª do Acordo, V. Exas (e passando a transcrever): "...obrigam-se a ceder para o domínio público para execução dos arruamentos previstos na cláusula primeira uma faixa... "

Ainda na V. carta (dos V. Advogados) datada de 2011-10-22 e quanto à cedência do terreno estabelecida na cláusula 4.ª do Acordo, pode ler-se:

"...constituirá a contrapartida das vossas obrigações... "

Ora, a verdade é que, tudo o que dependia de nós foi cumprido, nos termos do Acordo. E V. Exas. Cumpriram a cláusula 4. "do Acordo? A tal contrapartida das nossas obrigações?

(...) ";

25 - (aa) Em 26-04-2013, os autores enviaram aos réus uma carta datada de 26-04-2013, registada com aviso de recepção, a qual foi entregue aos destinatários em 29-04-2013, da qual consta, além do mais, o seguinte:

" (...) Em resposta à vossa carta, datada de 22-03-2013, cumpre-nos precisar alguns aspectos.

Desde logo, não corresponde à verdade o teor contido no ponto primeiro da mesma, isto porque V. Exas. Ainda não cumpriram aquilo a que se encontram obrigados, por força do Acordo complementar à escritura pública de compra e venda de 27-10-2009.

Em segundo lugar, e no que tange ao alegado incumprimento da nossa parte das obrigações contidas no sobredito acordo, mormente na sua cláusula 4.ª uma vez mais V. Exas, deturpam a realizada dos factos, com o intuito de se eximirem ao cumprimento das obrigações a que estão adstritos.

Se não, vejamos: desde a data da celebração daquele acordo, V. Exas., de imediato, retiraram a faixa de terreno, com a largura de seis metros, localizada no extremo Sul respectivo, com a orientação Nascente-Poente, com a área estimada de mais ou menos 600 (seiscentos) metros quadrados. Para o efeito, numa primeira fase, fizeram recuar a cerca que circundava o terreno, nessa exacta medida, e após isso retiraram a aludida cerca e destacaram a parcela do terreno. O que, aliás, nem é de difícil comprovação através da visualização que se faz no Google earth.

Dúvidas não restam que o comportamento de total permissão, da nossa parte, de destacamento e utilização da aludida faixa preenche o conceito de "ceder ", em cumprimento do preceituado na cláusula 4. "a do Acordo e atentando na vontade real das partes no momento da celebração do contrato.

Em rigor, o que foi expressamente pretendido, através da consagração da sobredita cláusula foi, apenas e só, facultar-vos, para efeitos de construção de uma estrada, a livre utilização daquela parcela de terreno, o que efectivamente sucedeu, desde a assinatura do Acordo.

Assim, é com manifesta estupefacção que recebemos e ficamos cientes do teor da vossa última carta.

Mas ainda mais estranheza nos acarretou o facto de resultar do teor da carta de V. Exas. Que nós, alegadamente, de acordo com a tese apresentada por vós - a qual reitere-se e saliente-se não acompanhamos - incumprimos uma obrigação a que nos vincámos em 27 de Outubro de 2009, sem que, até à data da vossa última carta (a saber 30-03-2013), nos tenham interpelado para cumprir o que quer que fosse, ou sequer nos tenham dirigido qualquer comunicação a que título fosse, e só agora, após a nossa última carta de interpelação, tal questão tenha sido suscitada.

A verdade dos factos é pois que V. Exas. Estão em mora relativamente às vossas obrigações contratuais e a vossa carta indicia que pretendem permanecer nessa situação, fazendo-nos presumir que não pretendem resolver a questão deforma extrajudicial.

Ora, em face do que fica exposto, mais não resta do que reiterar a V. Exas. Que iremos mandatar um Advogado, com vista a intentar a acção judicial, a fim de exigir o cumprimento, acrescido do pagamento da cláusula penal moratória, que nos é devido.

26 - (ab) Em 06-05-2013, os réus enviaram aos autores uma carta datada de 06-05-2013, registada com aviso de recepção, a qual foi entregue aos destinatários em 09-05-2013, da qual consta, além do mais, o seguinte:

(...)

Exmos Senhores Acusando a recepção das V. cartas, datadas de 26 de Abril passado e na sequência do que desde a primeira hora afirmámos, inicialmente através do n/advogado e posteriormente por nós próprios, só temos a reafirmar, por ora, o seguinte:

Tudo o que foi por nós acordado c/ V. Exas. E de nós dependente, foi cumprido na totalidade, pelo que nada nos poderá ser apontado como não cumprido.

Quanto ao grau de cumprimento por V. Exas., da citada da citada cláusula 4." do Acordo, é por demais evidente que está por cumprir na sua totalidade. E não vale a pena tentar iludir a questão com o "Google earth", "a não interpelação", a "retirada da cerca" ou qualquer outra, porque consultada a Conservatória do Registo Predial de …, constata-se que a área do vosso terreno não foi corrigida com qualquer cedência para o domínio público, nem os 600m2 nem qualquer outra. Como é bem de ver, só após o registo da cedência para o domínio público nos termos da cláusula 4." do Acordo que se poderá falar em cumprimento desta cláusula. O resto serão formas de tentar iludir a questão.

Ainda que sendo uma questão marginal, queremos que fique bem claro, que nós não retirámos, nem mandámos retirar cerca nenhuma o que, aliás, para nós é absolutamente indiferente. Assim, deverão apresentar queixa às autoridades competentes para apuramento de responsabilidades, antes de nos acusarem de algo a que somos completamente alheios.

27 - (ac) Após a data da escritura aludida em a), os réus terraplanaram com uma retroescavadora uma faixa de terreno do prédio adquirido pelos autores na referida escritura a todo o comprimento de uma das estremas, com a largura aproximada de seis metros, com uma área estimada de 600 metros quadrados:

28 - (ad) Para o efeito aludido em 2.34, os réus recuaram, para o interior do terreno, a cerca que o Circundava

29 - (ae) As acções aludidas em 2.34 e 2.35, foram efectuadas sem qualquer oposição dos autores.

30 - (af) Que delas tornaram conhecimento.

31 - (ag) Os autores não se opuseram às acções aludidas em 2.34 e 2.35 atento o consignado na 'CLÁUSULA QUARTA" do "ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA PÚBLLCA DE COMPRA E VENDA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009", para permitir que os réus executassem o arruamento, em tapete betuminoso de ligação da Rua do … à Rua da ….

32 - (ah) A faixa de terreno aludida em 2.34 passou a servir de via de passagem para quem vai da Rua da … em direcção à Rua do … (nome proposto)

33 - (ai) O tapete betuminoso colocado na Rua da … abrange ainda o prédio a que corresponde o artigo matricial 24.° e parte do prédio a que corresponde o artigo matricial 23.°, não abrangendo toda a extensão deste prédio mas garantindo o acesso ao referido artigo 23.°;

34 - (aj) Na Rua da … foram instalados um ramal de abastecimento de água para consumo doméstico (ramal dos SMAS) e um ramal de abastecimento de electricidade (EDP);

35 - (ak) O ramal dos SMAS, para fornecimento de água para consumo doméstico, foi instalado, desinfectado e ligado à rede, estando a fornecer, desde há vários anos, o prédio que confina a norte com o prédio dos autores;

36 - (al) Não foi efectuada a ligação do prédio adquirido pelos autores ao ramal dos SMAS;

37 - (am) No prédio adquirido pelos autores não foi efectuada a instalação de um posto de transformação que forneça o prédio com potência eléctrica suficiente para servir 55 pessoas;

38 - (an) A ré - DD INVESTIMENTOS, S.A.. - reuniu, várias vezes, com a EDP -Distribuição, na pessoa da Engenheira NN, tendo resultado das reuniões havidas, além do mais, que por não estar em causa um loteamento ou condomínio, mas apenas diversos processos de particulares, a EDP instalaria a rede eléctrica na Rua da … para todos os consumidores e os proprietários, por sua vez, garantiriam espaços para a colocação de dois postos de transformação e duas estruturas dos postos de transformação;

39 - (ao) A EDP Distribuição informou a ré - DD INVESTIMENTOS, S.A. - que a potência eléctrica solicitada para o prédio adquirido pelos autores não poderá ser fornecida pela rede de baixa tensão, pelo que, nas condições atuais, será necessário um posto de transformação, solicitando que a respectiva afectação permanente e definitiva à rede pública de distribuição de energia eléctrica conste no projecto do edifício, nas suas alterações da memória descritiva e justificativa, nas telas finais e nos títulos de licenciamento do edifício, como ónus ou condição da sua aprovação, e que a EDP iniciará a instalação do equipamento eléctrico, após certificação da instalação e após abertura de um pedido de fornecimento de energia em baixa tensão, numa das lojas da EDP;

39 - A = "A EDP efectuou e alterou projectos de iluminação pública e alimentação da zona em conformidade com o solicitado pela Câmara Municipal de … "; (aditado pelo Tribunal da Relação)

39 - B = Os projectos identificados em 2.39-A foram pela DD Investimentos, S.A., apresentados à Câmara Municipal de … para apreciação. (aditado pelo Tribunal da Relação)

40 - (ap) A Rua da …, tal como existe actualmente e existia à data da escritura de compra e venda, aludida em 2.1., tem uma largura média de cerca de 3 metros;

41 - (aq) O tapete betuminoso foi colocado pelos réus em toda a largura da via que ali existia previamente em terra batida, correspondente à Rua da …;

42 - (ar) Não foi efectuada a cedência ao domínio público de uma faixa do terreno, com a largura máxima de 6 metros, localizada no extremo Sul do prédio dos autores, com a orientação Nascente-Poente e com a área estimada de + - 600 m2 .

42-A) = " Os AA , tendo apresentado junto da CM… um pedido de informação prévia sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística no prédio adquirido, não vieram porém, posteriormente, a apresentar junto da mesma CM… um qualquer pedido de licenciamento relativo a obra de construção/edificação a realizar no mesmo prédio ". (aditado pelo Tribunal da Relação)


B) Factos não provados:


43 - (a) Os réus não procederam à limpeza do terreno adquirido pelos autores;

44 - (b) Os réus não procederam à remoção de detritos vários que existiam no terreno adquirido pelos autores;

45 - (c) Que a Rua da … deva ter passeios nas margens com a medida de 1,5 m;

46 - (d) Que a Rua da … deva ter sistema de escoamento de águas;

47 - (e) Que não foi efectuada nenhuma puxada de água para consumo doméstico para dentro do terreno dos autores porque estes não quiseram;

48 - (f) Que não foi efectuada nenhuma puxada de água para consumo doméstico para dentro do terreno dos autores por não existir no terreno qualquer construção;

49 - (g) Na sequência de conversações iniciadas entre a EDP e a Câmara Municipal de …, a edilidade exigiu a alteração nos projectos de iluminação pública e alimentação da zona;

50 - (h) A EDP efectuou e alterou os projectos de iluminação pública e alimentação da zona em conformidade com o solicitado pela Câmara Municipal de …;

51 - (i) Os projectos de iluminação pública e alimentação da zona foram submetidos à Câmara Municipal de … para aprovação;

52 - (j) Os réus desconhecem o resultado do processo de aprovação projectos de iluminação pública e alimentação da zona;

53 - (k) Pelo facto de tal terreno estar integrado em área agrícola, a água é drenada naturalmente pelas bermas para os terrenos confinantes;

54 - (1) Para ligação da Rua da … à Rua do … (nome proposto), os autores teriam que ceder previamente uma faixa de terreno com 100 m de comprimento (dos 300 m necessários a essa ligação), como parte do processo de licenciamento dos autores;

55 - (m) Tais trabalhos não prosseguiram por ser necessária a cedência ao domínio público;

56 - (n) A ligação da Rua da … à Rua do … apenas será possível mediante a cedência pelos autores ao domínio público de uma faixa do terreno, com a largura máxima de 6 (seis) metros, localizada no extremo Sul respectivo, com a orientação Nascente-Poente e com a área estimada de +- 600m2;

57 - (o) Relativamente à Rua do …, após a Câmara Municipal de … ter exigido a realização de determinadas infra-estruturas, os réus mandaram fazer os projectos relativos a essas infra-estruturas que foram entregues na Câmara Municipal em representação da ré - DD INVESTIMENTOS, S.A. - relativos a arruamento betuminoso com uma largura de 6 metros com passeios de metro e meio de cada lado, rede de esgotos, ramal para abastecimento de água de consumo público, dito ramal dos SMAS;

58 - (p) Não existindo, até à data, e não obstante as diligências dos réus e dos demais proprietários envolvidos, decisão da Câmara Municipal de …;

59 - (q) Pelas suas dimensões, os pedregulhos de grande volume, aludidos em v), de 1.1. têm a virtualidade de ser integrados em arranjos exteriores a realizar no âmbito de intervenções urbanísticas e têm, por essa razão, um determinado valor económico que os réus estimam que se cifrará entre € 2.000,00 a €4.000,00;

60 - (r) Apenas não foram executados os trabalhos de ligação do prédio ao ramal da EDP e a colocação das infra-estruturas na Rua do … (nome proposto) por se encontrarem dependentes de aprovação da Câmara Municipal de …;

61 - (s) Para poder ser colocado um tapete betuminoso com uma largura superior e a construção de passeios de 1,5 m de cada lado, na Rua da …, os proprietários dos prédios da rua teriam todos que ceder algum espaço ao domínio público, o que ainda não foi feito.



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3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se com as questões de saber se o incumprimento das obrigações assumidas pelos réus ocorreu devido à mora dos autores e se o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. c) do CPC.


3.2.1. Quanto à primeira das supra mencionadas questões, sustentam os réus que, tendo as infraestruturas que os mesmos obrigaram-se a realizar no âmbito do referido acordo complementar a natureza de obras de urbanização, nos termos do disposto no art. 2º, al. h) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, a apresentação pelos autores de um pedido de licenciamento relativo à obra de construção/edificação a realizar no prédio em causa é condição sine qua non da execução da prestação a que os réus se obrigaram através do Acordo Complementar que celebraram com os autores e que assinaram no pressuposto de que os autores apresentariam o seu projeto de construção.  

Assim sendo e porque resulta do ponto 39 provado da matéria de facto dada como provada que os autores nunca deram entrada de um pedido de licenciamento para a obra de construção a realizar no prédio em causa porquanto, conforme resulta dos depoimentos dos próprios em sede de julgamento, desistiram de avançar com o projetado lar, impossível se torna o cumprimento das obrigações em causa por parte dos recorrentes.


Vejamos.


Enquadrando estes argumentos à luz do regime jurídico da mora do credor, “ mora credendi ou accipiendi”,  importa referir que, de acordo com o estabelecido no art. 813º do C. Civil, « o credor incorre em ora quando, sem motivo justificado, não aceita  a prestação  que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação».   

Daqui decorre, por um lado, que, contrariamente ao que acontece quanto à mora do devedor, em que a lei exige que haja culpa sua (art. 804º, nº 2 do C. Civil), a mora do credor não depende de existência de culpa[2], ou seja, não se exige que a sua não aceitação da prestação ou a omissão da sua colaboração sejam censuráveis.

E, por outro lado, que são dois os pressupostos da mora do credor:

a) a recusa ou não realização pelo credor da colaboração necessária para o cumprimento, e

b) a ausência de motivo justificado para essa recusa  ou omissão.

Sobre as situações em que é devida a colaboração do credor, afirma Menezes Leitão[3] tratarem-se de situações em que o cumprimento da obrigação pressupõe a colaboração do credor, pelo que a não realização dessa colaboração por parte do credor importa a sua constituição em mora, uma vez que a não realização da prestação pelo devedor nessas circunstâncias não lhe pode ser imputada.  

Sublinha, no entanto, que a mora do credor pressupõe que a recusa da colaboração devida ocorra sem motivo justificado, pois casos há em que o credor pode ter motivo justificado para recusar a prestação, como sucede quando esta não coincida plenamente com a obrigação a que o devedor se vinculou.

De salientar ainda que a exigência de cooperação por parte do credor exprime a existência de deveres acessórios de conduta que, no dizer de José João Abrantes [4], « são os que, não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização  da prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos  em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa fé nas suas relações recíprocas».

No mesmo sentido, refere Antunes Varela[5] que, além dos deveres principais ou típicos da prestação nos contratos nominados, existem outros a que se pode chamar deveres secundários ou acidentais e que define como sendo os deveres de conduta que «não interessando directamente à prestação principal, nem dando origem a qualquer acção autónoma de cumprimento (cfr. art. 817º e sgs) são todavia essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra». 

Tratam-se, no dizer do Acórdão do STJ, e 14.01.2014 (processo nº 511/11.2TBPVL.G1.S1)[6], de «deveres acessórios de conduta indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma actuação de boa-fé – art. 762º, nº 2, do Código Civil -, entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos deveres correspondentes, devem agir com honestidade, e consideração pelos interesses da outra parte», salientando, porém, que «não obstante se considerar que a mora do credor, ao invés da do devedor, não pressupõe a culpa daquele, é requisito da mora credendi que os actos não praticados pelo credor, ou por ele voluntariamente omitidos, sejam actos de cooperação essenciais», pois «de outro modo, cair-se-ia num campo movediço pela falta de um critério objectivo pelo qual se aferisse se o seu comportamento era essencial para o cumprimento pelo devedor».


Ora, decidida que ficou, em termos definitivos, a questão da ligação do prédio ao ramal da EDP, no caso em apreço, importa apenas saber se sem a apresentação pelos autores do pedido de licenciamento relativo à obra a edificar no prédio em causa era impossível aos réus realizar a ligação do prédio ao ramal SMAS e os arruamentos em tapete betuminoso.

E a este respeito diremos, desde logo, que nenhum relevo assumem os argumentos usados pelos réus no sentido de que aceitaram executar estas infraestruturas “no pressuposto de que os AA. apresentariam o seu projeto de construção” e que estes  desistiram de avançar com o projetado lar, pois estamos perante factos novos que não só carecem de demonstração como não foram oportunamente alegados na contestação.

Com efeito, para justificarem a não realização da ligação do prédio ao ramal SMAS e dos arruamentos em tapete betuminoso, apenas alegaram os réus, na sua contestação, que:

« 5. Não foi efectuada  nenhuma puxada para dentro do terreno dos AA. por não existir no terreno qualquer construção e porque os AA. não quiseram».

(…)

« ( i ) através da Rua da …, os artigos 8, 48, 39, 38, 37, 24 r 23, todos  nos limites Norte de … e pertencentes à Secção A da freguesia de … .

(…)

22. Bem sabem os AA. que, para poder ser colocado um tapete betuminoso com uma largura superior, os proprietários dos prédios da rua teriam todos que ceder algum espaço ao domínio público, o que não foi feito.

23. Com uma largura média de 4 metros também é evidente que não poderiam ser construídos passeios de 1,5 m de cada lado e, do mesmo modo, permitir a circulação de viaturas.

(…)

28. Assim, a construção de passeios e consequente alargamento da rua apenas será possível após as cedências para o domínio público a serem efetuadas pelos proprietários dos prédios confinantes à Rua da …, nos quais se incluem os AA. »      

(…)

(ii) Através da Rua do … (nome proposto), após a ligação da Rua da … à Rua do …, através de um arruamento pelos artigos nºs 38 e 36, servirá, nomeadamente, os artigos nº 36, 40, 45, 32,53, 57,56,9,19,20, 10,52 e 6, todos os limites Norte e Noroeste da … e pertencentes à Secção A da … .

29. A ligação da Rua da … à Rua do … apenas é possível após o cumprimento da cláusula 4ª do acordo de 27 de outubro de 2009, a saber, da cedência de uma faixa do terreno, com a largura  máxima de 6 (seis) metros, localizada no extremo Sul respetivo, com a orientação Nascente-Poente e com a área estimada de +-600 m2.

30. Assim, os AA. teriam que ceder previamente uma faixa de terreno com 100 m de comprimento (dos 300 m necessários a essa ligação), como parte do processo de licenciamento dos AA.

(…)

35. Relativamente ainda à Rua do …, após a Câmara Municipal ter exigido a realização de determinadas infraestruturas, os RR mandaram fazer os projetos relativos a essas infraestruturas – Documentos nº 4 a 8 - que foram entregues na Câmara Municipal em representação da R. DD -Investimentos, S.A, não existindo, até à data e não obstante as diligências dos RR e dos demais proprietários envolvidos decisão da Câmara ».


A verdade, porém, é que nada disto se provou conforme resulta dos factos supra descritos sob os nºs 45 ( c ); 47 ( e ); 48 ( f ); 54 ( l ); 55 ( m ); 56 ( n ); 57 ( o ) e 58 ( p ) da factualidade dada como não provada.  

Assim, provado que ficou que na Rua da … foi instalado um ramal de abastecimento de água para consumo doméstico (ramal dos SMAS) [ cfr. factos descritos no nº 34 - (aj) ]; que o ramal dos SMAS, para fornecimento de água para consumo doméstico, foi instalado, desinfetado e ligado à rede, estando a fornecer, desde há vários anos, o prédio que confina a norte com o prédio dos autores; [cfr. factos descritos no nº 35 - (ak) ] e que não foi efetuada a ligação do prédio adquirido pelos autores ao ramal dos SMAS; [cfr. factos descritos no na 36 - (al) ] e, não tendo os réus logrado provar que não foi efetuada nenhuma puxada de água para consumo doméstico para dentro do terreno dos autores porque os autores não quiseram  ou por não existir no terreno qualquer construção (cfr. factos supra descritos sob o nºs 47 e 48), contrariamente ao defendido pelos réus, não se vê que se possa concluir que foi a falta de apresentação, por parte dos autores, de um pedido de licenciamento relativo à obra de construção/edificação a realizar no prédio em causa que tornou impossível a realização, pelos réus, da ligação deste prédio ao ramal SMAS.

De resto sempre se dirá que, mesmo no caso de, ante o disposto no art. 2º, al. h) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL nº 555/99, de 16 de Dezembro e tal como alegam os réus, ser necessária para a mera realização da ligação do prédio dos autores ao ramal do SMAS, uma licença ou autorização administrativa, não nos podemos esquecer que a obtenção dessa licença ou autorização administrativa constituiria, nos termos acordados entre as partes, um encargo dos réus, pelo que sobre eles sempre recairia o ónus de alegar e provar que requereram essa licença e que a mesma só não foi concedida porque os autores não formularam o pedido de licenciamento relativo à obra de construção/edificação a realizar no prédio em causa, o que os mesmos não lograram fazer no caso dos autos.

E o mesmo vale dizer relativamente à não realização dos arruamentos em tapete betuminoso, pois se é certo, estar a mesma sujeita à obtenção de licença administrativa nos termos do art. 4º, nº 2 do RJUE, não menos certo é que, tendo os réus se obrigado a obter essa licença, sobre eles impendia o ónus de demonstrar que requereram essa licença e que a mesma só não foi concedida  porque os autores não apresentaram pedido de licenciamento da obra a edificar  no respetivo  prédio.

É que, tendo os réus alegado a mora dos autores/credores, competia aos mesmos fazer a prova de que diligenciaram pela realização das prestações a que estavam obrigados e que o seu cumprimento só não foi possível por omissão de cooperação por parte dos autores.

E porque não lograram fazer tal prova, nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao concluir que os réus não só incorreram no incumprimento do acordo complementar à escritura pública de compra e venda de 27 de outubro de 2009 como também não ilidiram a presunção de culpa a que alude o art. 799º, nº1 do C. Civil.



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3.2.2. Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão.


Sustentam os recorrentes padecer o acórdão recorrido da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC por contradição entre os fundamentos e a decisão, pois, resultando demonstrada, em face da factualidade provada, a impossibilidade de cumprimento pelos réus das prestações a que os mesmos estavam obrigados, inexiste fundamento para a sua condenação.

 

No que concerne à causa de nulidade prevista na c) do nº 1 do citado art. 615º, vem a doutrina e a jurisprudência entendendo, sem controvérsia, que a oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura da decisão.

No dizer de Alberto dos Reis[7] e de Antunes Varela[8], trata-se de um vício que ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença.

Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de 02.06.2016 (proc nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1), «radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso».

Ou seja, refere-se a um vício lógico na construção da sentença: o juiz raciocina de modo a dar a entender que vai atingir certa conclusão lógica (fundamentos), mas depois emite uma conclusão (decisão) diversa da esperada.

Ora, nada disto acontece no caso dos autos e nem é a esta realidade que a recorrente pretende aludir.

Na verdade, entendem os recorrentes, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, inexistir fundamento para condenação dos mesmos por incumprimento das obrigações a que estavam vinculados.

Mas, se assim é, evidente se torna que não estão a por em causa a regularidade intrínseca do acórdão recorrido, antes o seu mérito.

Daí concluir-se não terem os recorrentes caracterizado qualquer situação evidenciadora da invocada contradição entre os fundamentos e a decisão insertos no acórdão recorrido, carecendo, por isso, de qualquer fundamento a apontada nulidade.

Termos em que, por todo o exposto, improcedem todas as razões invocadas pelos recorrentes.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas da revista ficam a cargo dos recorrentes.



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Supremo Tribunal de Justiça, 12 de setembro de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Neste sentido, Calvão da Silva, n “ Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”, pág. 118.
[3] In, “ Direito das Obrigações”, Vol. II, 6ª ed., págs. 243 e 244.
[4] In, “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, 1986, pág. 42, nota 8.
[5] In, “Das Obrigações em Geral”, 7ª ed., págs. 124 e 125.
[6] Acessível in wwwdgsi.pt/stj.
[7] In, “Código de Processo Civil, Anotada”, vol. V, pág. 141.
[8] In, “Manual de Processo Civil”, 1ª ed. ,pág. 671.