Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
210/12.8TBGMR-D.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: PRÉDIO URBANO
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
REGISTO PREDIAL
INSCRIÇÃO
ARRENDATÁRIO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO URBANO / DIREITO DE PREFERÊNCIA.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL.
Doutrina:
- AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, O Exercício do Direito de Preferência, Publicações Universidade Católica, Porto, 2006, p. 185.
- J. DE SEABRA LOPES, Direito dos Registos e do Notariado, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, (pp. 366-367).
- J. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Preferência do Arrendatário, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, III Volume, Direito do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 249 e seguintes., p. 254,
- JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Arrendamentos Comerciais, 2ª Ed., Almedina, Coimbra, 1991, p. 204,
- JORGE DE SEABRA MAGALHÃES, A Identidade Registral do Prédio in Estudos de Registo Predial, Almedina, Coimbra, 1986, pp. 61 e ss., pp. 64-65,
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1091.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2/4/1981, COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DE 1981, TOMO II, PÁGS. 103 E SEGUINTES; DE 04/07/1995; DE 04/02/2014.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 16/9/1991; DE 19/03/2002.
Sumário :
I - Na falta de definição legal do conceito de “prédio urbano”, deve dar-se prevalência à verdade material sobre a registral, sobretudo no domínio da identidade e composição do mesmo, que não está sequer abrangido pela presunção – ilidível – que resulta do registo.

II - A circunstância de determinada moradia – o locado – se encontrar inscrita, no registo predial, sob o mesmo número e conjuntamente com outras, não obsta a que seja considerada “prédio urbano” – nomeadamente, para efeitos de exercício do direito de preferência do arrendatário -, se for dotada de autonomia física, social e económica.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º210/12.8TBGMR-D.G1

1. Relatório

AA, requerente nos autos de Insolvência n.º210/12.8TBGMR, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, em que é requerida Massa Insolvente de BB, veio interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 10/11/2013, relativa ao requerimento de 24/10/2013, apresentado pelo recorrente, na qualidade de arrendatário habitacional e que indeferiu o mesmo, tratando-se de requerimento em que AA, na qualidade de arrendatário do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 451 da freguesia de …, concelho …, descrito na conservatória do registo predial competente sob o nº …, solicitou ao Tribunal determinasse a autonomização deste prédio dos restantes três que compõem a verba nº 2 do auto de apreensão de bens, justificando o pedido no eventual exercício do direito de preferência na compra de tal prédio.

- A fls. 183 dos autos pronunciou-se o Sr. Administrador da Insolvência sobre a razão da formação de uma verba composta por quatro artigos, tendo esclarecido que o factor determinante foi a descrição unitária feita na conservatória do registo predial tendo por objecto os quatro prédios e a operação de loteamento que a separação jurídica dos prédios importava, com os custos inerentes, ditou a venda conjunta.

- Compulsados os autos [fls.3, apenso A)] verifica-se que a verba nº 2 do auto de apreensão é composta por quatro prédios (arts. 451, 452, 557 e 548) descritos sob o mesmo número (nº …) na conservatória do registo predial competente.

- No apenso de liquidação, apenso c), verifica-se que quatro prédios (arts. 451, 452, 557 e 548) descritos sob o mesmo número (nº …) na conservatória do registo predial competente, formaram o lote 1), sendo objeto de venda por meio de negociação particular, mediante a apresentação de propostas em carta fechada

O recurso veio a ser admitido como recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentou, o apelante formulou as seguintes conclusões:

1 - O ora recorrente requereu - depois de infrutiferamente ter feito o mesmo ante o Administrador da Insolvência - que, com vista a permitir-lhe o eventual exercício do seu direito de preferência na venda judicial do prédio urbano de que é arrendatário há mais de 10 anos, fosse determinado ao referido Administrador da Insolvência que procedesse à discriminação e autonomização em 4 verbas separadas e distintas dos quatro prédios urbanos que fora decidido agrupar numa mesma e única verba, o "lote 1" no valor global de 22.150,OO€, anunciado para venda por 18.827,50€.

2 - O requerimento foi indeferido através de douto despacho, de que ora se recorre, no qual, coonestando-se a anterior decisão do Administrador da Insolvência, se argumenta que a formação de um único lote com os 4 prédios urbanos, apesar de distintos e autónomos, é a única correcta e conveniente por os 4 prédios corresponderem a uma "descrição unitária feita na Conservatória do Registo Predial" e porque a separação e autonomização dos 4 prédios destintos exigir uma prévia operação de loteamento com os custos inerentes, que a Massa Insolvente não quer suportar, pelo que o recorrente, querendo, só poderá exercer o seu direito de preferência na venda conjunta dos 4 prédios, e não, apenas em relação àquele de que é arrendatário.

3 - O despacho recorrido não pode, porém, manter-se na ordem jurídica porque, para além de ser nulo, não tem qualquer suporte legal, nem razão de ser, sequer por razões económicas ou de conveniência da massa insolvente.

4 - Tal despacho é nulo porque o Tribunal o fundamenta no facto de pretensamente a divisão em 4 prédios distintos não ser possível por existir uma única descrição na Conservatória e por implicar uma prévia operação de loteamento - razão esta ultima invocada pelo Administrador da Insolvência, sem qualquer razão, e, ainda assim contrariada expressamente pelo recorrente pelo que não poderá ter-se, como teve, como assente, para além de o proferido despacho não ter curado de justificar legalmente a exigência de loteamento - cfr. art. 615° n.l , alínea b) e 615° n.1, alínea d) do Código de Processo Civil (ausência de fundamento de direito e pronuncia sobre questão que, por não assente, o tribunal não podia conhecer).

5 - Por outro lado, nenhuma das razões invocadas para impedir a formação de 4 vendas distintas, como se requereu, tem o mínimo de subsistência ou fundamento já que:

a) Tendo o arrendatário direito de preferência na compra e venda "do local arrendado há mais de três anos" (art.1 091 ° n. ° 1, alínea a) do Código Civil) nem tem o direito de preferir em mais do que esse local, nem o dever de o fazer, a menos que se desse o caso, não invocado, nem invocável, (há 4 arrendatários distintos, um de cada prédio, e da divisão só pode resultar beneficio para a Massa Insolvente) previsto pelo art. 417° n. °1 do Código Civil;

b) O senhorio - agora a Massa Insolvente - tem o dever de transmitir ao arrendatário o projecto de venda daquele "local arrendado", pois, se não o fizer, o arrendatário pode, e tem o direito de exercer a preferência depois da venda, nos termos do art.1410° do Código Civil, direito que existe ainda que os vários prédios tivessem um único artigo matricial, o que não é sequer o caso, e uma "mesma descrição predial", contra o que foi, embora sem justificação alguma, decidido (cfr. os Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/1998, in CoI. Jurisp. XXIII, V, pág.131, e os aí citados, da mesma Relação de 30/04/1996 in CoI. Jurisp. XXI, II, pág.132 e do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/1997 in BMJH 464, 525).

c) Por último, tendo o conjunto dos 4 prédios cuja autonomização se requereu - e concretamente o prédio arrendado ao recorrente - sido construídos e inscritos na matriz no ano de 1945,ou seja, antes da publicação do Decreto-Lei n.º 289/73 de 6 de Junho, que estabeleceu pela primeira vez no nosso ordenamento, o regime jurídico dos loteamentos urbanos, a exigência de loteamento para a divisão dos prédios, não lhes é aplicável, podendo o prédio ser vendido sem dependência de qualquer processo de loteamento, como se tem entendido unanimemente quer pela jurisprudência (acórdãos citados atrás) quer pelos serviços de registo e notariado (cfr. quanto a estes os pareceres homologados pela Director Geral dos Serviços de Registos e Notariado - de 10/04/1992 e 27/04/2007 citados no texto supra).

O Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação e manteve a decisão recorrida, afirmando que “no caso em apreço, os quatro prédios em referência, têm autonomia registral (arts. 451, 452, 557 e 548), mas já não predial, encontrando-se descritos sob um mesmo número (nº …) na Conservatória do Registo Predial competente, formando uma só unidade jurídica”.

Inconformado, o Autor veio recorrer, sustentando que as distintas moradias eram prédios com autonomia predial, mas não registral e que nem sequer era necessário o loteamento por os prédios existirem autonomamente antes da publicação do Decreto-Lei n.º 289/73, concluindo com o pedido da revogação do Acórdão recorrido, e sua substituição por decisão que defira o inicialmente requerido pelo Autor e ordene ao Administrador da Insolvência a discriminação e autonomização dos 4 prédios como acto prévio à venda.
1. Fundamentação
a) De facto

AA, arrendatário do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. … da freguesia de S. …, concelho de …, descrito na conservatória do registo predial competente sob o nº …, solicitou ao Tribunal determinasse a autonomização deste prédio dos restantes três que compõem a verba nº 2 do auto de apreensão de bens, justificando o pedido no eventual exercício do direito de preferência na compra de tal prédio.

O Sr. Administrador da Insolvência pronunciou-se sobre a razão da formação de uma verba composta por quatro artigos, tendo esclarecido que o factor determinante foi a descrição unitária feita na conservatória do registo predial tendo por objecto os quatro prédios e a operação de loteamento que a separação jurídica dos prédios importava, com os custos inerentes, ditou a venda conjunta.

A verba nº 2 do auto de apreensão é composta por quatro prédios (arts. 451, 452, 557 e 548) descritos sob o mesmo número (nº …) na conservatória do registo predial competente (fls.3, apenso A)).

No apenso de liquidação (apenso c), verifica-se que quatro prédios (arts. 451, 452, 557 e 548) descritos sob o mesmo número (nº …) na conservatória do registo predial competente, formaram o lote 1), sendo objecto de venda por meio de negociação particular, mediante a apresentação de propostas em carta fechada.

b) De direito

O presente litígio versa sobre o direito de preferência do arrendatário, previsto no artigo 1091.º do Código Civil, e, mais precisamente, sobre o objecto sobre o qual incide esse direito de preferência (que, nas palavras da lei é o local arrendado). O Acórdão recorrido aderiu ao entendimento, dominante na jurisprudência e sustentado por uma parte da doutrina[1], de que, tratando-se de prédio indiviso, o direito de preferência do arrendatário poderá ser exercido sobre a totalidade do prédio ou, melhor, “terá” mesmo que ser exercido sobre a totalidade do prédio, porquanto não poderia exercer-se relativamente a parte não juridicamente autonomizada do prédio.

Simplesmente, existe uma questão prévia, a saber, se estamos no caso vertente perante um único prédio indiviso ou se não poderemos e deveremos já falar de quatro prédios, todos incluídos no mesmo lote pelo administrador de insolvência, sendo que um deles é, precisamente, a moradia tomada de arrendamento pelo Autor.

Com efeito, embora o “prédio” venha registado sob um mesmo número, a sua descrição refere a existência de “quatro moradas de casas, com terrenos de logradouro e quintal, duas de rés-do-chão e área coberta de 70m2 cada uma e duas com a área coberta de 70m2, a dependência – 16m2 e o quintal 212m2, norte, nascente, sul e poente propriedade do …”, sendo que cada moradia tem o seu próprio número matricial. No número matricial respeitante à morada tomada de arrendamento pelo Autor, o número 451.º, faz-se, aliás, expressa menção de que se trata de um prédio “Susc. de Utiliz. Independente” e não deixa de ser pertinente observar que a sua autonomia física foi expressamente reconhecida pelo Administrador da Insolvência no fax enviado ao ora Autor a 23 de outubro de 2013, em que se pode ler que “os lotes 1 e 2 possuem, no mesmo prédio, fracções que, não obstante se encontrarem fisicamente autónomas, em termos registrais não o são”.

Em suma, o argumento esgrimido, tanto pelo Administrador da Insolvência, como pelas Instâncias recorridas, para concluir que a morada tomada de arrendamento pelo Autor não é um prédio, nomeadamente para efeitos do exercício do seu direito de preferência é a circunstância de estar incluída com outras moradias no mesmo número no registo predial.

Entendemos, contudo, que este argumento não é determinante.

Aliás, não só há quem sustente que o conceito de prédio na lei civil substantiva e na lei registral não coincidem[2], e quem atribua grande relevo à existência de números matriciais distintos[3], como nos parece, sobretudo, que deve dar-se prevalência à verdade material sobre a registral, mormente num domínio (o da identidade e composição do prédio) que não parece sequer ser abrangido pela presunção, de resto ilidível, que resulta do registo.

Afigura-se-nos, pois, que permanecem inteiramente atuais[4] as palavras do Tribunal da Relação do Porto no seu douto Acórdão de 16 de Setembro de 1991[5] [6], em cujo sumário se pode ler que “como a lei não fornece a definição de prédio urbano, os seus limites hão-de ser fixados por um critério económico, físico e natural, que terá de preferir a outros de efeitos mais restritivos”, acrescentando-se que “tratando-se de duas moradias, de construção geminada, que são independentes, autónomas e distintas é lícito concluir que cada uma dessas casas forma uma unidade económica e física, constituindo prédios distintos”. Ainda nas palavras do mesmo Acórdão “há que atender ao critério físico (natural) da coisa e à função que o dono lhe atribui, e ainda às correspondentes utilidades que ela produz; a descrição predial tem por finalidade a identificação física, económica e fiscal dos prédios, mas a presunção que resulta do registo é ilidível por prova em contrário; com base no registo predial, não se pode, assim, afirmar que determinado prédio tem esta ou aquela constituição, mas apenas que, em relação a ele ocorre certa situação jurídica”.

Tendo não apenas autonomia física, como também autonomia social e económica, por destinação do dono, a moradia tomada de arrendamento pelo Autor, e por ele habitada há anos, poderá ser objecto do exercício do seu direito de preferência, solução, de resto, mais conforme com uma interpretação teleológica do direito de preferência do arrendatário, o qual visa facilitar a aquisição da propriedade do arrendado pelos inquilinos[7] [8].

Decisão:

Procede o recurso, revoga-se o Acórdão recorrido e, à luz do pedido apresentado pelo Autor, defere-se o seu requerimento, devendo notificar-se o Administrador da Insolvência para proceder à discriminação e autonomização doa quatro prédios, (verbas 1 a 4 do “Lote 1”), como acto prévio à venda.

Custas por conta do Réu. 

Lisboa, 3 de Março de 2015

Júlio Gomes (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira

 

___________________
[1] Cfr., por todos, AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, O Exercício do Direito de Preferência, Publicações Universidade Católica, Porto, 2006, p. 185, defendendo que na hipótese de prédio indiviso, o locatário terá o direito de preferir pela totalidade do prédio. Em sentido oposto pronunciaram-se, no passado, J. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Preferência do Arrendatário, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, III Volume, Direito do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 249 e seguintes., p. 254, para quem “ou o direito de preferência se pode exercer apenas em relação ao local arrendado – o que supõe a possibilidade de autonomização jurídica deste – ou não se pode exercer” e JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Arrendamentos Comerciais, 2ª Ed., Almedina, Coimbra, 1991, p. 204, que afirma igualmente que “o inquilino de uma fracção de um prédio não constituído em propriedade horizontal, não tem direito de preferência no caso de o senhorio pretender vender o prédio todo”.
[2] J. DE SEABRA LOPES, Direito dos Registos e do Notariado, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, depois de referir que “o conceito de prédio está longe de ser harmónico entre a doutrina e até o próprio legislador o considera diversamente” (p.363), acrescenta que “para efeitos de registo predial, o conceito de prédio é, não o da lei civil, mas sim similar ao da lei fiscal e ao da regulamentação cadastral” (pp. 366-367).
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/07/1995 (SAMPAIO DA NÓVOA): “O facto de vários prédios se encontrarem registados na Conservatória do Registo Predial sob um único número não lhes retira a sua total independência, que resulta do facto de estarem inscritos em distintos artigos matriciais. E mantendo-se distintos, nada impede que o direito de preferência se exerça em relação a um só deles”.
[4] Importa ainda ter em conta a antiguidade deste registo. Com efeito, e como destaca JORGE DE SEABRA MAGALHÃES, A Identidade Registral do Prédio in Estudos de Registo Predial, Almedina, Coimbra, 1986, pp. 61 e ss., pp. 64-65, há-de reconhecer-se (…) que o sistema tradicional da descrição dos imoveis não se adequa à exigência de rigor na respectiva identificação, o que se reflecte negativamente na observância do dever de verificação da identidade registral”.
[5] Acórdão da Relação do Porto de 16 de Setembro de 1991 (AZEVEDO RAMOS).
[6]Cfr., igualmente, o sumário do Acórdão de 2 de Abril de 1981, (JÚLIO SANTOS), Colectânea de Jurisprudência de 1981, tomo II, págs. 103 e seguintes, em que se afirma que “1. Em face de uma edificação que se estende na horizontal e está dividida em 3 moradias como um correr de casas, cada uma das quais tem incorporação própria no solo, sendo todas independentes distintas e isoladas entre si, com saídas próprias para a via pública e tendo sido construídas em épocas diferentes, cada uma delas com o seu arrendatário, é de concluir que, por determinação do dono, cada moradia forma uma unidade, económica e física, representa uma unidade jurídica e constitui, por isso, um prédio distinto”. 2. Não obsta a essa conclusão a presunção do registo, visto os limites prediais constantes da descrição não serem por esta abrangidos, nem se imporem à realidade substantiva. 3. Qualquer dos arrendatários das moradias terá direito de preferência em relação à que habita na venda do conjunto da edificação”. Nesse mesmo Acórdão, o Tribunal afirma (pp. 195-106) que “depois de nos dizer o que é qualitativamente um prédio urbano [art.º 204, n.º 2 do Código Civil] a lei civil deixou, de certo modo, ao dono, o poder de o determinar quantitativamente através da sua função que no caso é de natureza económica e até física, autonomizando juridicamente o que tem utilidade económica específica e própria, na medida em que as coisas surgem no direito pelas suas utilidades (…) o dono define o prédio através da função que lhe atribui e das correspondentes utilidades que produz e, por isso, enquanto a função não se modifica, a identificação mantém-se”. Sublinhe-se que nesta situação concreta as várias moradias constavam de uma única descrição predial e também, inclusive, de um só artigo matricial, o que não impediu o Tribunal de afirmar a existência de prédios distintos. Também não diverge do critério aqui adoptado, em rigor, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/03/2002 (EMÍDIO COSTA), em cujo sumário se pode ler que “não constituindo as “casas” que integram um prédio urbano – vulgarmente designado por “ilha” – fracções autónomas e distintas, nem estando tal prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal, os arrendatários de tais “casas” gozam do direito de preferência na venda do prédio, mas a preferência tem sempre de ser exercida sobre todo o prédio e não apenas em relação à parte objecto da locação”. É que neste caso concreto, se tratava de “casas” que não tinham todas números matriciais distintos e que tinham “retretes comuns”, bem como “a mesma entrada e logradouro”. Foi aliás provado no processo que “a eventual separação das “casas” do edifício obrigaria os alienantes a realizar obras de valor aproximado àquele porque venderam o prédio, sem garantias de que a propriedade horizontal viria a ser aprovada e tendo de esperar largo tempo para que as fracções ficassem em condições de poder ser alienadas autonomamente”.
[7] Como se pode ler no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/02/2014 (MARTINS DE SOUSA), “a justificação que preside à atribuição do direito de preferência a favor do locatário é a de facilitar a aquisição do prédio, proporcionando a aquisição de propriedade a favor de quem beneficia já de direito de gozo mais ou menos prolongado sobre esse bem, desta forma dando realização á pretensão constitucional nesse sentido, ao mesmo tempo que se solidifica a paz social, ao eliminar potenciais conflitos entre locador e locatário”.
[8] Tenha-se, também, presente que, como referido pelo Autor, o P.º R. P. 146/2006 DJS-CT (Divisão de prédio urbano. Titulação e qualificação do correspondente pedido de registo. Eventual violação do regime jurídico dos loteamentos urbanos) vai no sentido de que se a divisão fundiária tem por base uma realidade material anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 289/73 de 6 de Junho, não é aplicável a disciplina legal do loteamento.