Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
146/11.0GCGMR-A.G1-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CONDUÇÃO DE VEÍCULO SOB A INFLUÊNCIA DE ESTUPEFACIENTES
PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
DESOBEDIÊNCIA
JUIZ
Data do Acordão: 11/21/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, Nº 5, 08.01.2013, P. 77
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática: DIREITO CONTRA ORDENACIONAL - CONTRA ORDENAÇÕES RODOVIÁRIAS / APREENSÕES
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA / COMPETÊNCIA.
DIREITO PENAL - LEI CRIMINAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS ACESSÓRIAS E EFEITOS DAS PENAS - CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE / CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DAS COMUNICAÇÕES - CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A AUTORIDADE PÚBLICA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA - EXECUÇÃO DAS PENAS NÃO PRIVATIVAS DE LIBERDADE / PENAS ACESSÓRIAS.
Doutrina: - Castanheira Neves, “O Princípio da Legalidade Criminal. O seu Problema Jurídico e o seu Critério Dogmático”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia I, Universidade de Coimbra, Boletim da Faculdade de Direito, Número Especial, 1984, p. 307 e segs., mais concretamente p. 362 e segs. e 368 e segs..
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- Sousa e Brito, Estudos sobre a Constituição, 2.º Volume, Livraria Petrony, 1978, pp. 203 e 206
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º3.
CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGOS 160.º, N.ºS 1, 3, 4.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 374.º, 500.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 1.º, N.º3, 69.º, N.º1, ALÍNEA A), N.º2 E N.º3, 292.º, 348.º, N.º 1, AL. B),E N.º3, 386.º, N.º 1, AL. C).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): ARTIGOS 2.º, 13.º, 18.º, N.º2, 29.º, N.º1, 165.º, N.º1, AL. C).
Referências Internacionais: CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (1950): - ARTIGO 7.º, N.º1.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (1948): - ARTIGO 11.º, N.º2.
PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS DA ONU (1966): - ARTIGO 15.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28/9/2005, PROCESSO N.º 1831/05, 3ª SECÇÃO.
-DE 18/2/2009, PROCESSO N.º 09P0102, DA 3ª SECÇÃO, WWW.DGSI.PT.
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ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, DE 10/7/1992 (DR 157/92, SÉRIE I-A).
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 5/2009, DE 18/2/2009 (DR 55/2009, SÉRIE I-A).
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 93/2001, DE 13/3/2001, PROCESSO N.º 318/00;
-N.º 187/2009, DE 22/4/2009, PROCESSO N.º 760/08.
Sumário : «Em caso de condenação, pelo crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, do art. 292.º do CP, e aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada na lei (art. 69.º, n.º 3, do CP, e art. 500.º, n.º 2, do CPP), deverá ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP.»
Decisão Texto Integral:

O Ministério Público (M.ºP.º) junto do Tribunal da Relação de Guimarães veio, ao abrigo do art. 437.° n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com o fundamento que muito sinteticamente se passa a referir:

No P.º 146/11.OGCGMR-A do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença de 28/2/2011, o aí arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguês, do art. 292.º n.º 1 do Código Penal (CP), em pena de multa, e bem assim na pena acessória de proibição temporária de conduzir veículos com motor, ao abrigo do art. 69.º, n.º 1 al. a) do CP. Com a cobertura do n.º 3 do preceito, o arguido foi notificado “para entregar a sua carta de condução na secretaria deste tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência”.

O M.º P.º recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por acórdão de 17/10/2011 da sua Secção Penal, que viria a transitar em julgado a 10/11/2011, entendeu que na fase do procedimento que ali estava em causa, prevista tanto no art. 69.º n.º 3 do CP, como no art. 500.º n.º 2 e 3 do CPP, não deveria haver lugar à cominação da prática de um crime de desobediência, na sentença condenatória, já que, da falta de entrega da carta, no prazo prescrito na sentença, não derivaria a prática desse crime. E assim, no dispositivo do acórdão decidiu-se “Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, declarar-se ineficaz o teor da advertência – na parte em que refere: “(…) sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência (…)”– que consta da parte final do dispositivo da decisão recorrida, com as legais consequências, revogando-se apenas quanto a tal, a decisão.” (acórdão recorrido).  

Mas no Acórdão de 26/9/2011, proferido no P.º 140/11.0GDGMR-B.G1, também da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado a 10/10/2011, assumiu-se a posição oposta. Na sequência de recurso do M.º P.º, da sentença do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, que condenou o arguido também pelo crime do art. 292.º n.º 1 do CP, a Relação entendeu que a falta de entrega da carta de condução, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, fez o condenado incorrer num crime de desobediência. Assim, negou provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida, e decidiu que “assiste ao tribunal que condenou o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por determinado período, legitimidade substancial para, na sentença condenatória, adverti-lo de que, se não proceder à entrega do seu título de condução, no prazo e termo fixados, incorrerá na prática do crime de desobediência” (acórdão fundamento).

A  -  O RECURSO

O M.º P.º junto do Tribunal da Relação de Guimarães considerou haver oposição de julgados quanto à mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação. Sendo o recurso obrigatório para o M.º P.º, à luz do art. 437.º n.º 5 do CPP, daí tê-lo interposto.

Embora com dúvidas, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Guimarães tomou posição no sentido do acórdão fundamento, ou seja, a favor da ocorrência do crime de desobediência no condicionalismo apontado. Portanto, contra a tese perfilhada pelo acórdão recorrido, que recusou a prática desse crime na fase em questão, e considerou, como consequência, “ineficaz” e “inoperante” a cominação constante da sentença, que acompanhou a injunção para entrega do título de condução.

As conclusões do recurso foram:

“1. O acórdão recorrido entende que a cominação de prática de crime de desobediência em caso de não entrega da licença de condução no prazo de 10 dias efetuada na sentença recorrida, deve ter-se por ineficaz ou inoperante.

2. Discorda-se desta decisão, embora a questão não seja isenta de dúvidas (por isso mesmo há que fixar com clareza o caminho a seguir), porquanto, em nosso entender, a razão encontra-se do lado dos que defendem a posição expressa no aresto fundamento.

3. Foram violadas, por isso, pelo menos, as disposições do art. 69.°, n.° 3 do CP e 160.° do C. Estrada.

4. Deve, atento o exposto, ser revogado o acórdão recorrido e, porque é manifesto o antagonismo entre ele e o que serve de fundamento a este recurso, tratando a mesma questão jurídica de forma diametralmente oposta, surgir decisão fixadora de jurisprudência no sentido propugnado no aresto fundamento.”

Juntaram-se as certidões do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, ambos transitados em julgado, e este primeiro do que aquele.

O M.º P.º junto do STJ teve vista no processo conforme se prevê no art. 440.º n.º 1 do CPP.

Por acórdão de 29/3/2012, transitado em julgado a 19/4/2012, em conferência da 5ª Secção do mesmo Supremo Tribunal, foi deliberado “existir oposição de julgados quanto a uma mesma questão de direito, entre o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/10/2011 proferido nestes autos (acórdão recorrido), e o decidido a 26/9/2011, no acórdão proferido no P.° 140/11.0GDGMR-B.G1, também do Tribunal da Relação de Guimarães (o acórdão fundamento), nos termos do n° 1 do art° 437.° do CPP. Razão pela qual se concede provimento ao recurso, devendo os autos prosseguir os seus termos à luz do art. 44.2° do CPP.”

Foram notificados os sujeitos processuais interessados, nos termos e para os efeitos do art. 442.º n.º 1 do CPP, tendo o M.º P.º apresentado alegações, que terminaram com as conclusões que se seguem:

“A    Questão prévia

1.ª - É questão de natureza processual saber se existe dispositivo legal que imponha que na sentença se determine a notificação do condenado (pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário) em pena acessória de proibição temporária de condução para que entregue o título de condução à entidade competente (sob pena de desobediência).

2.ª - A solução de tal questão exige, necessária e previamente, que se defina (i) se a não entrega da "carta" pelo condenado integra um tipo legal de crime; (ii) se a consumação do crime de desobediência (ou outro) depende desta cominação (ou de nova notificação), (iii) se a mesma cominação é elemento do tipo ou condição de punibilidade, e, consequentemente, (iiii) qual o momento de consumação do crime.

3.ª - Estas questões não mereceram qualquer pronúncia por parte do acórdão recorrido, sendo que os acórdãos  alegadamente em  confronto, sem  especial fundamentação, partem do princípio (não apreciado, nem demonstrado) que a falta de entrega do título em caso de aplicação da pena acessória constitui crime de desobediência.

4.ª - Não se impondo, no caso, a sua resolução, por não terem sido objeto de pronúncia expressa pelo acórdão recorrido (nem constituíam objeto do recurso que lhe deu origem), decidindo o pleno do STJ em qualquer que seja o sentido, tal decisão não vinculará o juiz no futuro procedimento que vier a julgar o agente (por desobediência ou outro crime) que não entregou a "carta" de condução, após condenação na sanção acessória, ou seja, não reveste qualquer efeito útil para a pretensão enunciada.

B    Sem prejuízo, na hipótese (discutível, embora convergente) de que a não entrega da carta integra o crime de desobediência.

1.ª- O regime jurídico aplicável à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor encontra-se previsto no artigo 69.° do Código Penal e no artigo 500.° do Código  de Processo Penal: No primeiro, consagra-se essa pena acessória  e regulam-se os aspetos relativos ao seu conteúdo e efeitos; no segundo, preveem-se os aspetos relativos ao modo de execução da pena.

2.ª - Sendo o art. 500° CPP uma norma relativa à execução da pena a apreensão aí prevista visa alcançar o cumprimento da pena (a que o arguido se furtou).

3.ª - Porém, é o CE, no Título VII - Procedimentos de Fiscalização, Capítulo II, ("apreensões")  que  estabelece  os  fundamentos  da  apreensão  dos  títulos  de condução e correspondente procedimento.

4.ª - Ora um dos fundamentos da apreensão é, precisamente, haver lugar ao cumprimento da proibição de conduzir.

5.ª - Na verdade, estabelece o art. 160° n° 1 do CE que os títulos de condução «devem ser apreendidos para cumprimento da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir».

6.ª - E o n.° 3 do mesmo preceito determina expressamente que, nas situações em que haja lugar à apreensão, o condutor é notificado para entregar o título de condução à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, bem como que, nos casos do n° 1, tal notificação é efetuada com a notificação da decisão.

7.ª - A denominação "inibição de conduzir" corresponde à sanção acessória aplicada no âmbito do direito contraordenacional, prevista no art. 147.° do CE, ao passo que, no direito penal (art. 69.° do CP), a pena acessória é designada por "proibição de conduzir".

8.ª - Sendo estas duas designações perfeitamente diferenciadas e delimitadas na lei, ter-se-á que concluir que, quando o legislador as enumerou nos n° s 1 e 3 do art. 160.° do CE, o fez intencionalmente.

9.ª - Aliás, resulta do art. 3.°, alínea c), da Lei n° 97/97, de 23.08 que foi intenção do legislador que a alteração ao Código da Estrada previsse a «punição como crime de desobediência da não entrega da carta ou licença de condução à entidade competente pelo condutor proibido ou inibido de conduzir ou a quem tenha sido decretada a cassação daquele título, num inequívoco propósito de abranger a situação de pena acessória.

10.ª - De resto, seria incompreensível que no âmbito do direito penal, em que a relevância dos  bens  jurídicos  tutelados  é  superior,  impondo-se  um  rápido cumprimento da pena de molde a que sejam satisfeitas as necessidades de prevenção, se exigisse que o arguido fosse notificado por duas vezes para proceder à entrega da carta, protelando e retardando de uma forma injustificada e não expressa o momento do início do cumprimento da pena.

11.ª - Não constituindo a apreensão tutela suficientemente eficaz para garantir a manutenção dos valores e bens considerados vitais ou fundamentais da pessoa ou da sociedade, entendeu o legislador ser de ordenar ao arguido, logo na sentença, a entrega do título de condução, sob pena de desobediência, como o único meio suficientemente eficaz e proporcional para garantia da manutenção dos mesmos, o que não afronta o princípio da intervenção mínima do direito penal.

Posto isto, tendo em conta o que referimos no ponto I) e caso se considere que o recurso deve prosseguir, entendemos que (partindo da hipótese, cujo acerto defendemos, que a não entrega voluntária de carta de condução no prazo de 10 dias integra o crime de desobediência) deve fixar-se jurisprudência nos seguintes termos:

 «O dispositivo da sentença que condenar o arguido pelo crime do artigo 291.º (sic) do Código Penal (condução perigosa de veículo rodoviário), aplicando a pena acessória do artigo 69.º n.º 1 do mesmo diploma (proibição temporária de condução de veículos com motor), deve determinar a notificação do arguido para, no prazo de 10 dias, entregar o título de condução à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 500.º n.º 3, do Código de Processo Penal e 160..º n.º 3 do Código da Estrada.»

Colhidos os vistos, o processo foi apresentado à conferência do pleno das secções criminais, cumprindo decidir.

B  -  APRECIAÇÃO

1. A oposição de julgados

A decisão da conferência que afirmou a oposição de julgados não vincula o plenário das secções criminais, pelo que importa reexaminar a questão.

1.1. Já se viu que o acórdão recorrido, foi tirado em recurso de sentença proferida no P.º 146/11.OGCGMR-A, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, o qual condenou o arguido pela prática do crime do art. 292.º n.º 1 do CP, em pena de multa, e bem assim na pena acessória de proibição temporária de conduzir veículos com motor, ao abrigo do art. 69.º, n.º 1 al. a) do CP, no caso, pelo tempo de 5 meses. No dispositivo da sentença pode ler-se a seguinte passagem: “Notifique, sendo o arguido para entregar a sua carta de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.".

Foi desta parte da decisão, e só dela, que o M.º P.º na 1ª instância resolveu recorrer, e o acórdão da Relação (o aqui acórdão recorrido) deu-lhe razão, decidindo a final, e como também já se viu, “Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, declarar-se ineficaz o teor da advertência – na parte em que refere: “(…) sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência (…)”– efetuada na parte final do dispositivo da decisão recorrida, com as legais consequências, revogando-se apenas quanto a tal, a decisão.”

A fundamentação do decidido é clara, no sentido de que a “ineficácia” da advertência deriva da ilegalidade da cominação, pelo facto de que, na fase a que se reporta o art. 500.º n.º 2 do CPP, a consequência da falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução é a sua apreensão, e não a prática do crime de desobediência do art. 348.º n.º 1 do CP. Adiante-se, já, que aquele n.º 2 do art. 500.º refere a obrigação de entrega por parte do condenado, no prazo de dez dias a contar do trânsito da sentença condenatória, da licença de condução, e o n.º 3 do preceito prevê para a falta de entrega da licença que o tribunal ordene a sua apreensão. 

Louvando-se no que consta do acórdão de 3/10/2011 proferido no P.º 55/11.2GF BRG, da mesma Relação, na linha aliás de outros arestos da Relação de Coimbra que são citados, o acórdão recorrido começa por analisar o crime de desobediência do art. 348.º n.º 1 do CP, dizendo-se a seguir:

“Acontece porém que no caso dos autos, o preceito que regula a execução da proibição de conduzir, não sanciona com o crime de desobediência a falta de entrega da carta de condução. 

Com efeito estabelece-se no n° 2 do art° 500° CPP, que:

"No prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo"

E acrescenta o n° 3 do mesmo preceito que " Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução".

O regime de execução desta sanção consta igualmente do art° 69° n° 3 CP.

Resulta assim claramente de tal norma que o legislador previu expressamente para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução, a sua apreensão.

Como escreve Cristina Líbano Monteiro[1] " Em definitivo: a al. b) [do n.º 1 do art. 348.º do CP] existe tão só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza (i. é, mesmo um preceito não criminal) prevê aquele comportamento desobediente. Só então será justificável que o legislador se tenha preocupado com um vazio de punibilidade, decidindo-se embora por uma solução, como já foi dito, incorreta e desrespeitadora do princípio da legalidade criminal".

Ora se o legislador prevê que a não entrega voluntária da carta de condução, tem como consequência a sua apreensão, parece-nos que a cominação da prática de um crime de desobediência para a conduta da sua não entrega, contraria manifestamente o sentido da norma.

Digamos que a notificação que é feita ao arguido para no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, entregar o título de condução, tem apenas um caráter informativo, ou se se quiser, não integra uma ordem, já que da sua não entrega decorre, como vimos, apenas a apreensão da mesma por parte das autoridades policiais.

Não há pois qualquer cominação da prática de crime de desobediência.

Por outro lado como é sabido, o intérprete deve presumir na determinação do sentido e alcance da lei, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagrou as soluções mais acertadas, (art. 9.° C. Civil).

Significa isto claramente que no caso em análise se fosse intenção do legislador, cominar o crime de desobediência para a não entrega da carta de condução, tê-lo-ia dito expressamente.

Estando pois na disponibilidade do arguido a entrega voluntária da carta, não podia o Mm° juiz, substituir-se ao legislador, fazendo a referida cominação.

Daí que se conclua que a cominação feita carece de suporte legal e, como tal não pode ter-se como operante e eficaz a notificação efetuada ao arguido nos exatos termos consignados na decisão impugnada (...)".

E mais adiante: “Já numa fase posterior, havendo lugar á mencionada apreensão do título de condução, aí, sim, nos termos do disposto no art. 160°, n.° 3, do C. da Estrada o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias úteis, o entregar à entidade competente, sob pena de crime de desobediência.”

1.2. O acórdão fundamento deriva do recurso interposto da sentença proferida em primeira instância no P.º 140/11.0GDGMR, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Guimarães, em que igualmente se condenou o arguido em pena de multa, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.°, n.° 1 do CP. O aí arguido também foi condenado na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, do art. 69.°, n.° 1, al. a) do CP, concretamente pelo período de 7 meses.

E daí que da parte decisória da sentença conste o seguinte:

«Notifique, sendo o arguido com a expressa advertência de que deverá proceder à entrega da respetiva carta de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias, após trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência - cfr. 500.°, n.° 2 do Cod. de Proc. Penal -, advertindo-se ainda o arguido de que não vai receber qualquer outra notificação, nomeadamente via postal, para o efeito.»

 O M.º P.º interpôs recurso para a Relação de Guimarães, também aqui restrito à parte da sentença em que é feita a cominação do crime de desobediência. Considera-a ilegítima, na fase processual a que se reporta art. 69.°, n.° 2 do CP e 500.°, n.° 2 e 3 do CPP, e, segundo o recorrente, só no âmbito do procedimento coercivo da apreensão, sendo aplicável o estatuído no artigo 160.°, n.° 1 e 3 do Código da Estrada (CE), poderá ser, então, cominada a prática do crime de desobediência.

No entanto, o acórdão fundamento negou provimento ao recurso e confirmou a decisão de primeira instância.

Refere que “Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente (iv), a questão a decidir consiste em saber se é ilegal a ordem cominatória determinada no dispositivo da sentença proferida nos autos supra referenciados.” Achou que não, e quanto às razões invocadas para a improcedência do recurso constam basicamente do seguinte passo:

“Encurtando razões - atenta a urgência que os novos tempos impõem -, dir-se-á que acompanhamos a jurisprudência que defende que a falta de cumprimento do dever de entrega da carta de condução previsto no n.° 3 do artigo 69.° do Código Penal e no n.° 2 do artigo 500.° do Código de Processo Penal integra um crime de desobediência previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 348.°, n.° 1, a) do Código Penal e 160.°, n°s 1 e 3 do Código da Estrada(v).

Ainda que esta posição se possa defrontar com a problemática colocada quanto à referência, no citado artigo 160.°, n°s 1 e 3, à proibição de conduzir e, assim, como se de sanção administrativa se tratasse, tal preceito deve ser interpretado dentro da unidade do sistema jurídico, sem restrição substancial que inquine a sua inteira aplicação à situação em apreciação - artigo 9.°, n.° 1 do Código Civil.

Como se salienta no citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/3/2010, a proibição de conduzir a que se refere o artigo 160.° do Código da Estrada não pode deixar de ser a pena acessória de natureza penal que se encontra prevista no artigo 69.° do Código Penal e que foi imposta ao arguido no caso em apreço.

A legitimidade da ordem tem de ser aferida enquanto elemento integrado na ordem jurídica no seu todo, só podendo ser reconhecida quando não a contrarie, sendo que a ordem do tribunal foi, inevitavelmente, dada por referência aos artigos 69.°, n.° 2 do Código Penal e 500.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, sem que, neste âmbito, se possa dizer que se tratou, tão-só, de uma comunicação com caráter informativo, atento o próprio conteúdo que lhe foi atribuído, ao dela ter-se feito constar uma específica cominação pelo seu incumprimento.

A finalidade de execução da pena acessória de proibição de conduzir é alcançada, quando o título de condução não esteja já apreendido nos autos ou não seja voluntariamente entregue pelo condenado, através da apreensão do mesmo, a qual, naturalmente, será determinada pela falta de entrega e posteriormente a esta, não se confundindo, pois, a decisão da pena e o efeito imediatamente atribuído mediante aquela ordem com a diligência que assegurará a execução dessa mesma pena.

A apreensão prevista no n.° 3 do artigo 500.° do Código de Processo Penal mais não é do que uma forma coerciva de fazer cumprir um dever que não foi voluntariamente cumprido, o que não impede, nem afasta, que o Juiz, na leitura da sentença, reforce a necessidade de o arguido proceder à entrega da licença de condução dentro do prazo fixado, cominando a omissão do comportamento devido com a prática do crime de desobediência.

Aliás, como se extraí da parte final do n.° 3 do artigo 160.°, quando esteja em causa a apreensão do título de condução para cumprimento da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir, a notificação do condutor para entregar o título de condução deve ser efetuada com a notificação da decisão(VII).

Por outro lado, se o condutor não proceder à entrega do título de condução, a entidade competente pode determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização e seus agentes, sem prejuízo da punição por crime de desobediência, como resulta do n.° 4 do artigo 160.°.

Destarte, assiste ao Tribunal que condenou o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por determinado período legitimidade substancial para, na sentença condenatória, adverti-lo de que, se não proceder à entrega do seu título de condução, no prazo e termos fixados, incorrerá na prática do crime de desobediência.”

1.3. Face ao exposto, parece claro que os acórdãos em confronto decidiram de maneira oposta a mesma questão de direito. Essa questão de direito consiste em saber se, constando da sentença condenatória a notificação do arguido para entrega do título de condução em 10 dias, tal como prescreve o art. 69.º n.º 3 do CP, ou o n.º 2 do art. 500.º do CPP (ipsis verbis), na falta dessa entrega, em tal prazo, o arguido incorre no crime de desobediência do art. 348.º n.º 1 do CP.

O acórdão recorrido entendeu que não, dando razão ao recorrente M.º P.º, e por isso achou que a dita cominação seria ilegal, mostrando-se consequentemente “inoperante” e “ineficaz”.

O acórdão fundamento considerou, ao invés, que o crime de desobediência era praticado (logo nessa fase), negou provimento ao recurso do M.º P.º, e manteve a decisão de que se recorria, na única parte que fora objeto de recurso, ou seja, quanto à inclusão na sentença da cominação.

No acórdão recorrido houve pronúncia expressa no sentido de que resulta claramente do art. 69.º n.º 3 do CP, que o legislador previu especificamente, como consequência para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução, unicamente a sua apreensão, e mais nada. No acórdão fundamento ficou também expressamente dito que se acompanha a jurisprudência que defende que a falta de cumprimento do dever de entrega da carta de condução previsto no n.° 3 do artigo 69.° do Código Penal e no n.° 2 do artigo 500.° do Código de Processo Penal integra um crime de desobediência, p. e p. nos art.s 348.°, n.° 1, al. a) do CP e 160.°, n°s 1 e 3 do CE. Daí que não possamos acompanhar a posição do M.º P.º no STJ (discrepante da do seu colega junto da Relação de Guimarães, o ora recorrente), no sentido de que, em nenhum dos acórdãos, recorrido ou fundamento, houve pronúncia expressa sobre a verificação do crime de desobediência, com as consequências que daí tira.

2. A argumentação dos acórdãos em confronto

Com as transcrições que antecedem dos acórdãos em oposição já se ficou ao corrente do fundamental da argumentação usada em cada um deles. Sintetizá-la-emos do seguinte modo:

Quanto ao acórdão recorrido, e em síntese:

I- A aplicação do art. 348.º n.º 1 do CP não pode ignorar, no caso, o facto de o art.º 500.º n.º 1 do CPP prever, para a falta de entrega voluntária da licença de condução a sua apreensão. A ponto da cominação do crime de desobediência contrariar manifestamente o sentido desta norma.

II- A notificação de entrega do título em 10 dias “tem apenas um caráter informativo, ou se se quiser não integra uma ordem”.

III- Se o legislador tivesse querido “cominar o crime de desobediência para a não entrega da carta de condução, tê-lo-ia dito expressamente.”

IV- É numa fase posterior, em que se está já perante a apreensão do título, que de acordo com o art. 160.º n.º 3 do CE se estabelece na lei a possibilidade de cometimento do crime de desobediência.

Em relação ao acórdão fundamento, também em síntese:

I- Sem embargo de o art. 160.º n.º 1 e 3 do CE falar em “proibição de conduzir” como se de sanção administrativa se tratasse, o preceito deve ser interpretado dentro da unidade do sistema jurídico (cf. art. 9.º n.º 1 do Código Civil) e é aplicável à situação em apreço.

II- Essa “proibição de conduzir” é a sanção acessória do art. 69.º do CP.

III- A ordem de entrega do título de condução sob cominação é legítima porque integrada na ordem jurídica no seu todo, e não a contraria, sendo de rejeitar que tenha um mero caráter informativo.

IV- Há que distinguir entre a execução da pena acessória de proibição de conduzir através da apreensão do título, e a decisão da pena, a ordem de entrega e o efeito que lhe é imediatamente atribuído, de tal modo que o juiz pode [deve] reforçar a necessidade de o arguido entregar a licença com a cominação do crime de desobediência.

V- Se a apreensão derivar da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir, a notificação do n.º 3 do art. 160.º do CE para entrega do título, é acompanhada da notificação da decisão, e de acordo com o n.º 4 do preceito, a não entrega pode dar origem à apreensão respetiva pela autoridade de fiscalização e seus agentes, sem prejuízo da punição pelo crime de desobediência. 

3. Os preceitos invocados

O art. 69.º do CP reporta-se à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, e no seu n.º 3 refere, entre o mais, a obrigação de entrega por parte do condenado do título de condução. 

Em sede processual, e no âmbito da execução das penas, o art. 500.º do CPP reporta-se exatamente à execução da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, e reproduz, no seu n.º 2, aquele n.º 3 do art. 69.º do CP.

Ora, como já se viu, o diferendo em apreço reporta-se à questão de saber, se a falta daquela entrega do título de condução, pode integrar um crime de desobediência, do art. 348.º do CP.

Mas o CE, no seu Título VII, referente aos “Procedimentos de Fiscalização”, integra um Capítulo, o II, epigrafado “Apreensões”, onde pode ver-se o art. 160.º, referente a “Outros casos de apreensão de títulos de condução” (distinguindo-se do preceito anterior, que trata da apreensão preventiva de títulos de condução).

Começaremos, pois, por abordar estas previsões legais (os realces nos preceitos são nossos).

3.1. Quanto ao art. 69.º do CP, tem ele a seguinte redação:

1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crime previsto nos artigos 291.° ou 292.°;

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou

c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito do álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.

2 – A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.

3 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo. 

4 – A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direção-Geral de Viação [2] no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.

5 – Tratando-se de título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional, a apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, pela Direção-Geral de Viação, da proibição decretada. Se não for viável a anotação, a secretaria, por intermédio da Direção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título.

6 – Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força da medida de coação processual, pena ou medida de segurança.

7 – Cessa o disposto no n.º 1 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação da cassação ou da interdição da concessão do título de condução, nos termos dos artigos 101.º e 102.º” 

Ao contrário das penas ditas principais, que estando expressamente previstas no tipo legal de crime podem ser fixadas pelo juiz, na sentença, independentemente de quaisquer outras, as penas acessórias cumulam-se sempre com as penas principais. Distinguem-se, pois, tanto das penas de substituição (relativamente às penas de prisão ou multa), como dos meros efeitos penais da condenação, aos quais faltam “o sentido, a justificação, as finalidades e os limites próprios daquelas [penas acessórias]” [3].  E, por certo que a sua natureza de verdadeiras penas as torna instrumentos que não podem prescindir de “um específico conteúdo de censura do facto, por aqui se estabelecendo a sua necessária ligação à culpa[4]

A pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art. 69.º do CP, só foi introduzida pelo DL 48/95 de 15 de março [5], derivando o texto atual da Lei 77/2001, de 13 de julho. Resulta da necessidade que a doutrina mais autorizada vinha fazendo sentir, “de que o sistema sancionatório português passe a dispor – em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária – de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados” [6]. Seguindo o caminho do Código Penal Alemão (depois da revisão de 1975), que no seu § 44 consagra como única pena acessória, exatamente a “Proibição de conduzir” [7], pareceria ter-se posto termo à controvérsia da doutrina (e jurisprudência) sobre a caracterização da medida [8].

A mesma Lei 77/2001, de 13 de julho, deu nova redação ao art. 101.º do CP, o qual classifica a cassação do título de condução e a interdição da concessão do mesmo, como medidas de segurança.

Ainda aqui se introduzia um regime que seguia a lição de Figueiredo Dias. Este, porém, não deixara, a seu tempo, de advertir:

“Ponto é que, uma vez inscrito no CP, uma reforma do CE não venha, como é de (infeliz) tradição entre nós, modificar atrabiliariamente um tal regime – na base de que a competência para a regulamentação pertence, segundo a matéria ao “direito estradal”, com sacrifício insuportável dos princípios e da racionalidade do sistema jurídico-penal.” [9]

3.2. O art.º 500.º do CPP tem a redação que se segue:

“1. A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direção-Geral de Viação.

2. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.

3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.

4. A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Se não for viável a apreensão, a secretaria, por intermédio da Direção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido a licença.

5. O disposto nos n..ºs 2 e 3 é aplicável à licença de condução emitida em país estrangeiro.

6. No caso previsto no número anterior, a secretaria do tribunal envia a licença à Direção-Geral de Viação, a fim de ser anotada a proibição. Se não for viável a apreensão, a secretaria, por intermédio da Direção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido a licença."

Trata-se de um preceito epigrafado “Proibição de condução” integrado no “Capítulo IV”,  “Da execução das penas acessórias”, do “TÍTULO III”, “Da execução das penas não privativas de liberdade”, do “LIVRO X”, “Das execuções”, do CPP. Matéria processual, portanto, reportada à execução da concreta pena acessória aqui em foco. A norma em questão, ausente da versão originária do CPP de 1987, foi introduzido pelo DL 317/95, de 28 de novembro, e previa no seu n.º 2 um prazo que era de 5 dias, aumentado depois para 10 dias, pela Lei 59/98, de 25 de agosto.

3. 3. O crime de desobediência está previsto no art. 348.º do CP com a redação seguinte:

“1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.

2. A pena é de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada".

Trata-se de preceito que tem por antecedentes, para além do art. 188.º do CP de 1886, o art. 388.º da versão originária do CP de 1982 [10], não ignorou o art. 292.º do CP suíço [11], e recebeu a atual redação com o DL 48/95, de 15 de março.

A ele nos referiremos mais circunstanciadamente a seguir.

3.4. Quanto ao art. 160.º do CE apresenta hoje a seguinte redação:

1 - Os títulos de condução devem ser apreendidos para cumprimento da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir.

2 - A entidade competente deve ainda determinar a apreensão dos títulos de condução quando:

a) Qualquer dos exames realizados nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 129.º revelar incapacidade técnica ou inaptidão física, mental ou psicológica do examinado para conduzir com segurança;

b) O condutor não se apresentar a qualquer dos exames referidos na alínea anterior ou no n..º 3 do artigo 129..º, salvo se justificar a falta no prazo de cinco dias;

c) Tenha caducado nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 130.º  

3 - Quando haja lugar à apreensão do título de condução, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias úteis, o entregar à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, devendo, nos casos previstos no n.º 1, esta notificação ser efetuada com a notificação da decisão.

4 - Sem prejuízo da punição por crime de desobediência, se o condutor não proceder à entrega do título de condução nos termos do número anterior, pode a entidade competente determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização e seus agentes." 

Referimos atrás o enquadramento sistemático deste art. 160.º do CE, mas será útil rever as disposições relacionadas que o antecederam.

3.4.1. O atual CE foi aprovado pelo DL 114/94 de 3 de maio, verificando-se que o último título do Código, o Título VI, trata “Da responsabilidade”. O Capítulo I debruça-se sobre a “Garantia da responsabilidade civil”, sobre matéria de seguros, portanto, o Capítulo II, epigrafado “Da responsabilidade por violação das prescrições do código”, respeita a matéria substantiva relativa à responsabilidade contraordenacional, no âmbito do direito rodoviário. Para o Capítulo III ficaram reservadas as “Disposições processuais”.

Ora, por um lado, o art. 141.º da versão original do CE dispunha que as contraordenações graves e muito graves são punidas com coima e com a sanção acessória de inibição de conduzir, com a duração de 1 a 6 meses quanto àquelas, e de 2 meses a 1 ano quanto a estas. Por outro lado, o art. 150.º do CE previa a cassação da carta ou licença de condução, pelo tribunal, em face da gravidade da contraordenação e da personalidade do condutor.

E o art. 161.º epigrafado “Outros casos de apreensão de carta e licença de condução” referia que:

“1. As cartas e licenças de condução devem ser apreendidas para cumprimento da inibição de conduzir ou cassação da carta ou licença. 

2 - A entidade competente deve ainda determinar a apreensão das cartas e licenças de condução nos seguintes casos:

a) Quando qualquer dos exames realizados nos termos dos n..ºs 2 e 3 do artigo 129..º revelar incapacidade técnica, física, ou psíquica do examinado para conduzir com segurança;

b) Quando o condutor não se apresentar a qualquer dos exames referidos na alínea anterior salvo se justificar a falta no prazo de cinco dias.

3 – Nos casos previstos nos números anteriores, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias, entregar a carta ou licença de condução à entidade competente, sob pena de desobediência.”

3.4.2. A Lei 97/97 de 23 de agosto autorizou o Governo a alterar o CE, referindo o seu art. 2.º, al. c), que tal alteração contemplará, entre o mais, “A punição como crime de desobediência da não entrega da carta ou licença de condução à entidade competente pelo condutor proibido ou inibido de conduzir ou a quem tenha sido decretada a cassação daquele título”.

O DL 2/98, de 3 de janeiro, reviu o CE, ficando a matéria da inibição de conduzir a constar do art. 139.º, o qual retomou em parte a disciplina do anterior art. 141.º, e acrescentou, no que ora releva, um n.º 4, com a redação seguinte: “Quem conduzir veículo a motor estando inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva é punido por desobediência qualificada.” 

A cassação da carta ou licença passou a constar do art. 148.º e a matéria do anterior art. 160.º, atrás transcrito, relativa aos “Outros casos de apreensão”, passou a constar do art. 167.º, nos seguintes termos:

“1. As cartas e licenças de condução devem ser apreendidas para cumprimento da cassação da carta ou licença, proibição ou inibição de conduzir. 

2 - A entidade competente deve ainda determinar a apreensão das cartas e licenças de condução quando:

a) Qualquer dos exames realizados nos termos dos n..ºs 1 a 3 do artigo 129..º revelar incapacidade técnica, ou inaptidão física, mental ou psicológica do examinado para conduzir com segurança;

b) O condutor não se apresentar a qualquer dos exames referidos na alínea anterior salvo se justificar a falta no prazo de cinco dias.

c) A carta de condução tenha caducado nos termos do n.º 1 do artigo 130º.

3 – Nos casos previstos nos números anteriores, o condutor é notificado para, no prazo de 20 dias, entregar a carta ou licença de condução à entidade competente, sob pena de desobediência.

4 – Sem prejuízo da punição por desobediência, se o condutor não proceder à entrega da carta ou licença de condução nos termos do número anterior, pode a entidade competente determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização do trânsito e seus agentes.”

Mas para além das alterações que fez ao articulado do CE, vê-se que o DL 2/98, de 3 de janeiro, estabeleceu no art. 5.º do próprio diploma que:

“1 – Quando o tribunal condenar em proibição de conduzir veículo a motor ou em qualquer sanção por contraordenação grave ou muito grave, determinar a cassação da carta ou licença de condução ou a interdição da obtenção dos referidos títulos, comunica a decisão à Direção-Geral de Viação, para efeitos de registo e controle da execução da pena, medida de segurança ou sanção aplicada.

2 – Para os mesmos efeitos e quando a condenação for em proibição ou inibição de conduzir efetivas ou for determinada a cassação do título de condução, o tribunal ordena ao condenado que, no prazo que lhe fixar, não superior a 20 dias, proceda à entrega daquele título no serviço regional da Direção-Geral de Viação da área da sua residência.

3 – A Direção-Geral de Viação deve informar o tribunal da data de entrega da carta ou licença de condução.

4 – Na falta de entrega da carta ou licença de condução nos termos do n.º 2, e sem prejuízo da punição por desobediência, a Direção-Geral de Viação deve proceder à apreensão daquele título, recorrendo, se necessário e para o efeito, às autoridades policiais e comunicando o facto ao tribunal.

5 – A carta ou licença de condução mantém-se apreendida na Direção-Geral de Viação pelo tempo que durar a proibição ou inibição de conduzir, após o que é devolvida ao seu titular.”

3.4.3. O DL 265-A/2001, de 28 de setembro, pelo seu art. 3.º, deu uma nova redação ao art. 5.º que acaba de se transcrever, e reduziria o prazo do n.º 2 do preceito para 10 dias.

Além disso, a matéria das apreensões, antes prevista no art. 167.º, passou agora para o art. 166.º, e adquiriu a redação atual, se excetuarmos os ajustamentos derivados das referências para outros artigos do Código.

A alteração seguinte do CE foi operada pelo DL 44/2005, de 23 de fevereiro, que revogou, através do seu art. 22.º, al. b), entre outros, o art. 5.º do DL 2/98, de 3 de janeiro, a que nos vimos a referir.

A matéria das apreensões, antes prevista no art. 167.º, e depois no art. 166.º, ficou a constar do art. 160.º, que está em vigor.

4. Posição perfilhada

A estrutura do art.º 374.º do CPP, que se reporta aos requisitos da sentença, permite, como se sabe, dividi-la em três partes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo.

O dispositivo deve conter, entre o mais, a decisão condenatória ou absolutória. No caso da decisão ser condenatória, a sentença deve especificar “os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social”.

Nos acórdãos recorrido e fundamento estava em causa a condenação pelo mesmo crime do art..º 292.º do CP (condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas), consistindo a condenação na aplicação, em ambos, de uma pena principal de multa, e de uma pena acessória de proibição temporária de conduzir, pelo tempo de 5 (acórdão recorrido) e 7 meses (acórdão fundamento).

A pena acessória analisa-se, no caso, num comportamento negativo, num “non facere”, numa proibição, e tem um início que se faz coincidir, segundo o n.º 2 do art. 69.º do CP, com o trânsito em julgado da sentença.

O n.º 3 do preceito diz-nos que o condenado, em 10 dias a partir do trânsito em julgado da sentença  “entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”. O mesmo refere o n.º 2 do art. 500.º do CPP.

A entrega do título, em rigor, não se confunde com a pena acessória, porque o condenado pode estar sujeito ao cumprimento desta pena, a partir do trânsito em julgado da sentença, e dispor ainda de 10 dias para efetuar a entrega.

 Esta constitui, no entanto, um meio ou um instrumento, de utilidade evidente, ao serviço do controle do cumprimento da pena, de tal modo que o legislador consignou a obrigatoriedade da entrega, no próprio artigo do CP que prevê a sanção acessória, não a remetendo para o art. 500.º do CPP.[12]

Por certo que a entrega do título de condução, não sendo em si uma pena, não constitui uma imposição “determinada (…) a título de sanção acessória”, como exige o art. 353.º do CP, a que nos iremos referir (infra 4.2.).

Também não se pode encarar como um dever, com duração, imposto ao condenado, e que como tal devesse constar necessariamente da sentença, por força do art. 375.º n.º 1 do CPP. Constitui portanto uma obrigação que decorre diretamente da lei, e a que o condenado está vinculado, mesmo que o juiz a não mencione no dispositivo.   

 

Isto dito, se o juiz emitir uma ordem de entrega, com cominação do crime de desobediência, como ocorreu nas decisões condenatórias de primeira instância que subjazem aos acórdãos recorrido e fundamento, surgirá necessariamente a questão da prática desse crime. 

O juiz pode avisar, apenas, o arguido condenado, da sua obrigação legal de entrega do título de condução (que não esteja apreendido). Pode ordenar a entrega do mesmo título sem ou com a cominação, certo que só neste último caso se colocará a questão da prática do crime de desobediência, concretamente da al. b) do n.º 1 do art. 348.º do CP.

 

Debrucemo-nos então sobre o art.º 348.º do CP mais detalhadamente.

4.1. Já se viu que a atual redação do art.º 348.º do CP resulta da redação dada pelo DL 48/95 de 15 de março (supra 3.3), sendo claro que na Comissão de Revisão surgiram dúvidas quanto à melhor formulação do preceito. Mencionou-se a necessidade de restringir o âmbito de aplicação do artigo na redação anterior [13], por ser “excessivo proteger desta forma toda a ordem” (Sousa e Brito).

Acabou por se acordar na redação atual, sendo patente que a al. b) do n.º 1 do preceito ao incluir a obrigatoriedade da cominação, surgiu com preocupações clarificadoras e de segurança para o cidadão, concretamente estando em causa ordens emanadas da Administração Pública.

E também foi para se não “desarmar a Administração Pública” (Costa Andrade) que o crime de desobediência se alargou aos casos em que a prática do crime não resultava de uma cominação prevista na lei, como se prevê na al. a) do n.º 1 do artigo[14].

Este um contributo referente ao elemento histórico de interpretação do preceito.

Três notas se adiantarão a seguir.

O conceito de Administração Pública utilizado pelo legislador penal é mais amplo que o conceito elaborado pelo direito administrativo.

Já se tem afirmado que “Costuma excecionar-se pelas suas características próprias, a função da administração da justiça, autonomizando-se as condutas que obstaculizam o correto desenrolar dos atos processuais”[15]. Acontece, no entanto, que os termos em que a al. b) do n.º 1 do art. 348.º do CP está redigido, não permitem excluir a possibilidade de ser uma autoridade judiciária o autor da ordem. A lei fala em “autoridade”, como tal se devendo entender todo o detentor de um poder público autónomo de ordenar e decidir, como é apanágio dos magistrados, dentro das competências que lhes são próprias.

Acresce que o conceito de “funcionário” que nos é fornecido pelo art. 386.º, n.º 1, al. c), do CP abrange, entre o mais, o “desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional”.

Em segundo lugar, não passará despercebido que, ao nível do direito comparado, se nota bastante relutância em consagrar o crime de “desobediência pura” na legislação penal [16], entendendo-se o crime de “desobediência pura” como aquele em que o bem jurídico protegido é apenas a “autonomia funcional do Estado”, ou, como propõe P. P. de Albuquerque, a “autonomia intencional do funcionário” [17].

São vários os sistemas penais que nos são próximos a entenderem, que a criminalização da conduta deve integrar algo mais, para além do simples desrespeito de uma ordem, designadamente uma componente de violência ou de resistência contra funcionário, que perturbe ou inviabilize o normal exercício dos poderes de autoridade.

Assim a legislação francesa, belga, alemã, austríaca ou italiana [18]

Por último, o crime de desobediência tem sido encarado tradicionalmente com uma nota de subsidiariedade, a qual aflorava explicitamente no art. 188.º do CP de 1886, mas acabou por se suprimir da previsão legal, na medida em que a suficiência dos mecanismos próprios do concurso aparente de crimes a revelou inútil.

Esta nota de subsidiariedade justificar-se-á num outro sentido completamente diferente, atinente ao caráter de “ultima ratio” da intervenção penal, o que coloca a questão da compatibilização, especialmente da al. b) do nº 1 do art. 348.º, com o princípio da legalidade penal [19].

4.1.1. Como nos diz Sousa e Brito, “O princípio da legalidade em matéria penal não nasce com o direito penal mas com o constitucionalismo. A sua história acompanha a par e passo a do principio da rule of law no mundo jurídico anglo-americano e a do princípio da constitucionalidade do Estado no continente europeu (…) A fórmula fundamental, que influenciou toda a evolução posterior é aqui a do artigo 8.º da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “La loi ne doit établir que des peines strictement et évidemment nécessaires, et nul ne peut être puni qu’en vertu d’une loi établie et promulguée antérieurement au délit et légalement appliquée.” [20] O princípio seria consagrado no art. 11.º n.º 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, no art. 7.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950, no art. 15.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU de 1966, para só nos referirmos aos instrumentos internacionais mais relevantes para nós.

Feuerbach viria a concentrar a ideia de legalidade penal na fórmula latina nulla poena sine lege que se manteria sob a expressão mais completa nullum crimen nulla poena sine lege, scripta, praevia, stricta, et certa. 

Quanto aos fundamentos do princípio, apontam-se os de índole política, ou externos, e os de caráter dogmático-jurídico, ou internos[21].

Entre os primeiros, o princípio liberal, no sentido de princípio do Estado de direito, desde logo proclamado no art. 2.º da Constituição da República (CR), serve a “garantia da efetivação do princípio material da necessidade da pena” [22].

 É dizer, a garantia da intervenção mínima do direito penal como ultima ratio, a qual se faz derivar, entre nós, do art. 18.º n.º 2 da CR :

 “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”

Em complemento, o n.º 2 do artigo refere que “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”

O Estado de direito é, além disso, entre nós, um Estado de direito democrático. Daí que a soberania popular, no tema que nos ocupa, implique a atribuição exclusiva do jus punendi aos diretos representantes do povo, ou seja ao Parlamento. Fala-se a este propósito de legalidade formal, consagrada no art. 165.º, n.º 1, al. c) da CR [23], com um efeito evidente ao nível do princípio da separação de poderes: se só o Parlamento (ou o Governo mediante autorização), podem definir os crimes, tal definição não pode depender da vontade de outros órgãos de soberania.

Poderia ainda chamar-se à colação o princípio da igualdade do art. 13.º da CR [24], no sentido de que a igualdade das pessoas, enquanto igualmente sujeitas ao jus punendi reclama “um controlo objetivo sobre a aplicação do direito criminal, formalizado numa lei geral e abstrata”, obviamente prévia [25].

Quanto aos fundamentos internos, importará atentar no princípio da culpa, porque a censura a título de dolo ou negligência do agente, implica que este possa saber antecipadamente o que lhe é permitido e proibido, e ainda a salvaguarda das finalidades de prevenção geral e especial da pena. A intimidação de potenciais criminosos, a satisfação das expectativas comunitárias de punição, ou a avaliação da perigosidade do delinquente, reclamam uma fronteira clara, estabelecida de antemão, sobre o que seja ou não lícito fazer.  

4.1.2. De todas as implicações do princípio da legalidade penal, em sentido material, ressalta para o tema que nos ocupa o corolário nullum crimen sine lege certa, o qual pode extrair-se do n.º 1 do art. 29.º da CR: “1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou omissão (…)”.

Ora, a declaração da punibilidade da ação ou omissão, na lei, não constituiria qualquer garantia (e é isso que se pretende, falando-se mesmo de tipo de garantia), sem uma descrição, o mais clara possível, da conduta com relevância criminal. “Em sentido positivo, a função de garante significa que se deve ser muito exigente com a determinação da lei penal (…) A razão do mandato de determinação radica desde logo em que a reserva de lei unicamente pode ter eficácia completa se a vontade jurídica da representação popular se expressou no texto com claridade tal, que se evite qualquer decisão subjetiva e arbitrária do juiz.” [26].

A determinabilidade do tipo legal visa subtrair à opção do julgador a verificação do preenchimento dos elementos do tipo, numa medida incompatível com a garantia que o princípio da legalidade encerra.

Que ao fim de contas se trata de uma questão de grau, isso mesmo resulta impressivamente da passagem de Castanheira Neves que, pese a sua extensão, se passa a transcrever:

“Não se pode decerto pretender uma estrita e formal pré-determinação – uma determinação lógico-linguística, lógico-conceitual ou lógico-prescritiva autossuficiente ao nível do enunciado legal. Mantêm-se todavia as exigências, e em referência aos valores já invocados, de um direito criminal objetivo que adequadamente cumpra a repartição de competências entre a legislação e a jurisdição – imposta pelo princípio de separação dos poderes – que atue como fundamento normativo das decisões jurídicas concretas – imposta, por sua vez, pelo princípio da vinculação jurídica das mesmas decisões – e ofereça a prática possibilidade de controle ainda dessas decisões – como impõe o princípio da objetividade jurídica ou da exclusão do arbítrio.

Nesta base, desde logo se podem apontar os limites negativos de uma determinação atualmente pensável do direito criminal objetivo. Um primeiro, é de certo o que temos vindo a acentuar: essa determinação não exige, nem é suscetível de traduzir-se numa legalidade criminal de absoluta pré-determinação formal. Um segundo situa-se num outro extremo e para excluir a renúncia do legislador à definição da incriminação positiva ou dos seus pressupostos e critérios jurídico-normativos através, p. ex., de uma total delegação, direta ou indireta, no julgador – será direta essa delegação no caso de concessão de um poder discricionário incriminador, será indireta nas hipóteses de fórmulas e conceitos puramente formais ou totalmente abertos e insuscetíveis como tais de enunciarem um normativo fundamento vinculante, ainda que indeterminado e necessitado de um desenvolvimento ou determinação complementar.” [27] [28]

É pois no espaço que medeia entre uma rígida pré-determinação e uma total ausência de determinação que se situarão as chamadas “normas penais em branco” ou as “cláusulas gerais” com um sentido normativo próprio, e que importa pois aceitar.

No caso das “cláusulas gerais” estaremos perante conceitos indeterminados que reclamam apenas uma concretização do julgador. Tratando-se de “normas penais em branco” somos confrontados com “a norma penal que carece de integração por outra proposição de dever”[29].

No tocante ao art. 348.º do CP, essa “proposição de dever” pode estar contida noutras normas para que se remetem parte dos pressupostos da punição (al. a) do n.º 1), ou num ato jurídico ad hoc praticado, consistente numa ordem com cominação (al. b) do n.º 1) [30].

É esta a hipótese que agora mais nos interessa.

4.1.3. O respeito pelo princípio da legalidade, na vertente nullum crimen sine lege certa, ou uma razoável determinação da conduta ao nível da tipicidade, ou ainda o “tipo de garantia”, reclamam um conjunto de exigências que a doutrina e jurisprudência têm feito, para que, no fundo, e como diz Figueiredo Dias, “a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos.” [31]

Acresce que o princípio de intervenção mínima do direito penal, ou da necessidade da pena, que se extrai do n.º 2 do art. 18.º da CR (supra 4.1.1.), e portanto da proporcionalidade entre a danosidade social da conduta e a reação, tudo isto aponta, no caso do art. 348.º, para uma tarefa interpretativa em que se tenha muito presente a conformidade à CR.

A aferição do respeito pelo princípio da necessidade da pena parece ficar transferida, com a existência de uma cominação consagrada numa outra disposição legal, por razões de política criminal, para essa outra disposição legal (al. a) do n.º 1 do art, 348.º). É portanto em face da norma cominadora, que se deverá aferir da conformidade constitucional da previsão, em matéria de necessidade da pena e de legalidade[32].

No caso de uma cominação ad hoc, nos termos da al. b), do n.º 1 do preceito em foco, a subsidiariedade de que atrás se falou (supra 4.1.) resulta explicitamente da lei, no sentido de que se exige a “ausência de disposição legal”, acrescentaremos nós, cominadora [33].

A cominação resulta de um ato de vontade individual e não normativo, pelo que só a análise de todo o circunstancialismo que rodeou a emanação da ordem poderá assegurar a conformidade com a CR da necessidade de criminalização da conduta. [34]

Ora, o único critério prestável para aferir dessa conformidade acaba por ser um critério fundamentalmente negativo: sempre que o legislador tenha previsto em termos normativos as consequências daquela mesma conduta, designadamente ao nível sancionatório (contraordenacional, disciplinar ou processual), deverá presumir-se, numa primeira abordagem, que rejeitou a criminalização do comportamento, e não deverá ser, pois, a autoridade ou o funcionário a substituir-se ao legislador.  

No entanto, não está vedado que seja feita a cominação ad hoc do crime de desobediência, se a autoridade donde emana a ordem considerar, que a consequência prevista na lei pelo legislador, se mostra manifestamente ineficaz, face às circunstâncias do caso.

“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos mais adequados” (art. 9.º n.º 3 do Código Civil).

Entendemos, pois, que só a ausência completa de qualquer expediente compulsivo previsto numa disposição legal, destinado a evitar as consequências perniciosas do comportamento desobediente [35], ou a previsão na lei de uma consequência, que se mostre na prática claramente insuficiente, autorizará a cominação ad hoc.

Resta acrescentar que, nesses casos, tais consequências terão que ter uma gravidade compatível com a criminalização, em homenagem ao princípio da proporcionalidade.

No fundo, terá sido o próprio legislador que reconheceu a eventualidade de se detetarem vazios legislativos perniciosos e introduziu, com a cominação ad hoc, uma válvula de segurança a esse nível. [36]

Avancemos pois, tendo em conta as considerações que acabam de se tecer.

 

 4.2. Tanto o n.º 3 do art. 69.º do CP, como o n.º 2 do art. 500.º do CPP, na sua literalidade, referem que em dez dias contados do trânsito em julgado da sentença “o condenado entrega” o título de condução na secretaria do tribunal ou num posto policial que o remete àquela. Já atrás se viu (supra 4.) que se trata de uma obrigação do condenado derivada diretamente da lei. Esta, não prevê explicitamente a intervenção nessa altura do juiz. Já no n.º 3 daquele art. 500.º se diz que, na falta da dita entrega, “o tribunal ordena a apreensão da licença de condução”. A consequência da falta de entrega voluntária do título, que a lei previu, foi pois a apreensão do mesmo.

Será legítimo considerar que o sistema legislativo comporta a possibilidade de, para além disso, o condenado incorrer na prática do crime do art. 348.º do CP?  

O elemento histórico de interpretação, já se viu (supra 4.1.), se algum contributo nos dá é o de a cominação ad hoc ter sido acolhida, sobretudo, como instrumento ao serviço da Administração. Mas, como se procurou mostrar, os juízes não estão impedidos de recorrer à cominação ad hoc (supra 4.1.). 

Há que convir em que, numa perspetiva teleológica, a apreensão do título foi eleita como meio para se alcançar (ou procurar alcançar) o efetivo cumprimento da pena acessória, e não se previu no art. 69.º do CP ou 500.º do CPP a ameaça de crime de desobediência. Porém, essa apreensão está ao serviço, como já se viu, da proibição de condução a que o condenado ficou sujeito.

O que o legislador não quer é que o condenado conduza, tendo em mente os malefícios da condução sob o efeito do álcool e a sinistralidade rodoviária daí resultante.

Dir-se-á que o mesmo legislador não deixou de prever o efeito da falta da entrega atempada do título, elegeu como efeito a apreensão, e não lançou mão do crime de desobediência, estando facilmente ao seu alcance fazê-lo [37].

Não parece, porém, que daí se possa retirar um argumento decisivo, podendo sempre aduzir-se que o dito legislador assim dispôs, porque teve em mente exatamente a previsão do art. 348.º n.º 1, al. b), do CP.

Também há que ter em conta, numa perspetiva não só histórica como sistemática, que a nossa lei processual penal foi largamente revista em 2007 (pela Lei 48/2007 de 29 de agosto), e o art. 500.º manteve-se intocado, certo que, ao nível substantivo, se produziu, na mesma altura, uma alteração legislativa quanto ao crime do art. 353.º do CP.

Este preceito havia sido introduzido pela revisão do CP, operada pelo DL 48/95, de 15 de março, e sofreu nova redação com a Lei 59/2007, de 4 de setembro. 

Sob a epígrafe “Violação de imposições, proibições ou interdições”, refere o artigo:

“Quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa de liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.”

Estão em causa “imposições, proibições ou interdições”, estabelecidas em sentença criminal e impostas, por exemplo, a título de pena acessória [38].

A fonte do preceito é o art. 294.º do CP suíço [39] e o §145-c do CP alemão [40], e segundo P. P. de Albuquerque, o bem protegido na norma é “a autoridade pública do sistema estadual de justiça, quando profere sentenças criminais que imponham imposições, proibições ou interdições.” [41]  Quanto à revisão de 2007, visou ela introduzir a previsão de “imposições”, ao lado de “proibições ou interdições”, “determinadas” em vez de “impostas” em sentença, e “a título de pena aplicada em processo sumaríssimo”, para além da “pena acessória” ou “medida de segurança não privativa de liberdade” que já estavam previstas antes.

4.2.1.  Confrontados com os elementos que acabam de se aduzir, cumpre tomar posição sobre se se revela suficientemente eficaz, um sistema que conta apenas com a consequência da apreensão do título, face à falta da sua entrega voluntária, e com a possibilidade de o condenado ficar incurso no crime do art. 353.º, do CP, se for encontrado a conduzir.

A resposta terá que ser negativa.

Subjaz a esta tomada de posição uma consideração de fundo, que se prende com a situação vivida no nosso país em matéria de sinistralidade rodoviária. Os números são conhecidos, e vamos limitar-nos a apontar que a condução sob o efeito do álcool responde por muitos dos acidentes ocorridos, com especial incidência em noites de festa ou fim de semana, acidentes protagonizados por indivíduos jovens.

Estamos perante uma realidade frequente, de consequências graves, e que reclama portanto um combate eficaz.

No tocante à previsão do art. 353.º, do CP, o preenchimento do tipo de crime em questão pressupõe uma efetiva condução por parte do condenado, pois só ela viola a proibição imposta a título de pena acessória.

Ora, a verificação daquela efetiva condução só poderá resultar, na esmagadora maioria dos casos, de as entidades fiscalizadoras do trânsito toparem com o condenado proibido de conduzir em flagrante delito. Não é fácil dizer-se que tal constitua uma probabilidade forte. 

Acresce que essas entidades terão que dispor de uma rede de informação interna que lhes permita saber, na ocasião, que aquele condutor, acompanhado até de título válido de condução, está afinal proibido de conduzir na via pública por sentença judicial.

A respeito da obrigatoriedade de entrega do título de condução, a lei apela à colaboração do condenado, dando-lhe 10 dias para efetivar voluntariamente essa entrega. Se o arguido não quiser colaborar, a única consequência para si, prevista na lei, é a apreensão. Portanto, em vez de ficar privado do título no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, poderá só ficar privado do mesmo título mais tarde, o que em princípio até será de sua conveniência. A motivação para a entrega residirá apenas num sentido de civismo que infelizmente não abunda.

Acresce que se não poderão escamotear as dificuldades práticas com que se depararão as autoridades (por regra policiais), para efetivarem as apreensões, tendo em conta o número de casos em que elas são pedidas. A ponto de não serem de mera ficção, situações em que o condenado só é encontrado e o título de condução apreendido, já depois de passado o tempo da proibição de conduzir.

Serve para dizer que se está perante um conjunto de circunstâncias que reclamam bem mais do que aquilo que a lei especificamente prevê no art. 500.º n.º 3 do CPP e 353.º do CP.

Impõe-se um reforço de meios ao serviço do juiz, para que, de facto, o condenado fique privado do título de condução. Porque essa privação é essencial para que o arguido deixe de conduzir, e porque se pretende que a proibição incida, em termos de prevenção, sobre o condenado e sobre a comunidade. Tudo em nome da segurança rodoviária.

Assim, no caso de condenação pelo crime de condução sob influência de álcool do art. 292.º do CP, com a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada da lei (art. 69.º, n.º 3 do CP e art. 500.º, n.º 2 do CPP), deverá ser complementada com a ordem de entrega do mesmo no prazo legal previsto, por parte do juiz e na sentença, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP.[42]

4.3.  Se é este o regime que o nosso sistema penal e processual penal permite adotar, não deveremos recorrer ao sistema contraordenacional, previsto no direito rodoviário, para daí retirarmos outro fundamento de criminalização da conduta desobediente do condenado.

A não ser, evidentemente, que tal se imponha com toda a clareza.

E uma nota prévia se impõe desde já aduzir: ao lado do nullum crimen sine lege certa, é  igualmente corolário do princípio da legalidade o nullum crimen sine lege stricta. Ou seja, a proibição do “recurso à analogia para qualificar um facto como crime” como estabelece o art. 1.º n.º 3 do CP, na linha do art. 29.º n.º 1 da CR [43].

4.3.1. Já se viu antes (ponto 3.4.) que o art. 160.º do CE nos diz, no seu n.º 1, que os títulos de condução devem ser apreendidos “para cumprimento da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir ”. E segundo os n.ºs 3 e 4 do artigo, havendo lugar à apreensão, antes do mais, “o condutor” (o art. 69.º, nº 3, do CP e o art. 500.º, nº 2 do CPP falam em “condenado”), é notificado para entregar o título em 15 dias, sob pena de praticar o crime de desobediência. Mas se não efetuar a entrega, para além de ficar incurso no dito crime, “a entidade competente” simplesmente pode “determinar a sua apreensão”. 

Daqui resultam diferenças de regime evidentes, quanto ao que nos ocupa, entre o ilícito criminal de justiça (nas vertentes substantiva e adjetiva), e o direito rodoviário, previsto no CE, que dificultam muito a sua articulação.

No art. 69.º n.º 3 do CP e 500.º n.º 2 do CPP confere-se o prazo de 10 dias ao condenado para entregar o título. Apela-se portanto à colaboração deste, e só no caso dela não existir é que se ordena a apreensão. A apreensão é um ato material coercivo da autoridade, praticado portanto contra ou sem a vontade do condenado, que visa privá-lo do título, como consequência da sua falta de colaboração.

Mas no art. 160.º n.º 3 por um lado, começa por dizer-se “quando haja lugar à apreensão do título de condução”, mas por outro convida-se o condutor à entrega do título, desta feita num prazo de 15 dias, e úteis. E a consequência da não entrega é forçosamente ficar incurso no crime de desobediência, mas não forçosamente ser-lhe apreendido o título.

O art. 500.º do CPP diz, no seu nº 3, que face à falta de entrega “o tribunal ordena a apreensão da licença de condução”, e ao art. 160º nº 4 do CE refere no seu nº 4 que, perante a falta de entrega, “pode a entidade competente determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização e seus agentes”.

O que tudo nos leva a pensar que o termo “apreensão” está empregue no art. 160.º do CE com um sentido de “previsão legal de apreensão”, ou de “processo que pode dar origem à apreensão”, mas que, manifestamente não coincide com o sentido do art. 500.º n.º 2 do CPP.

Se se sobrepusessem, no caso de condenação por crime, em pena acessória de proibição de conduzir ditada em sentença, os dois regimes, chegar-se-ia a esta situação absurda: a lei penal determina e o juiz deve advertir o condenado de que tem 10 dias para entregar o título. Se tal não ocorrer é ordenada a apreensão.

Mas por força do n.º 3, do art.º. 160.º, do CE, não haveria apreensão nenhuma, antes o condenado teria ainda mais 15 dias úteis para entregar o título. No fundo haveria um prazo de mais de 25 dias para entregar o título de condução, resultado de uma colagem dos dois regimes, e só então é que a entidade competente (aqui, forçosamente o juiz), o poderia apreender ou, pelos vistos, não o apreender (n.º 4 do art. 160.º referido). Sendo certo, no entanto, que face à lei processual penal já teria que ter ordenado a apreensão do dito título, ao fim dos 10 dias concedidos ao condenado para a entrega [44].

Finalmente, não se retira especial utilidade da necessidade de notificação da decisão, aquando da notificação para entrega do título prevista no nº 3 do art. 160º do CE, se essa decisão é a sentença condenatória, a qual já terá sido notificada ao arguido.

Em resumo, a execução de pena acessória de proibição de conduzir imposta em sentença condenatória obedece a uma disciplina que o legislador quis regular no art. 500.º do CPP, não fazendo sentido que também se vá buscar ao CE a disciplina dessa execução, tentando conjugar ambas, numa articulação que se mostra muito difícil.  

 

 4.3.2.  Já se viu (supra, 3. 4. 1.) que o CE, na versão originária, previa a inibição de conduzir como sanção acessória, bem como a cassação do título, reservando-se a apreensão prevista naquele Código apenas para estas duas medidas. Tratava-se de uma inibição e de uma cassação derivada de condenações por contraordenações.

Com o DL 2/98 de 3 de janeiro, o então art. 167.º do CE passou a prever a apreensão para os casos de cumprimento da medida de cassação, de inibição de conduzir e ainda da proibição de conduzir. Foi a partir da introdução desta expressão “proibição”, no que é hoje o art. 160.º do CE, que se defendeu a aplicação do regime deste CE, sobre apreensões, à pena acessória do art. 69.º n.º 1 do CE.

Ora, passou a falar-se de “proibição”, pela primeira vez, no então art. 167.º do CE, ao mesmo tempo que, pelo art. 5.º do dito DL 2/98 de 3 de janeiro, se regulava, entre o mais, o procedimento para se efetivar a sanção acessória criminal da proibição de conduzir, no pressuposto de ser o tribunal a condenar quer por crime quer por contraordenação. Aliás, o nº 4, do art. 5.º em referência, dizia que, na falta de entrega voluntária do título, “a Direção-Geral de Viação deve proceder à apreensão daquele título”, enquanto que o nº 4 do art. 167.º falava em “pode a entidade competente determinar a sua apreensão”. O DL 2/98 de 3 de janeiro, ao mesmo tempo que regulava as apreensões previstas no CE, no então art. 167.º, estabeleceu um regime próprio no art. 5.º para apreensões derivadas de decisões do tribunal.

Acontece é que esse art. 5.º, como se viu, foi revogado pelo DL 44/2005, de 23 de fevereiro (supra 3.4.3.), sem que se tenha feito nenhum ajustamento no preceito do CE que se reportava aos “Outros casos de apreensão”, hoje, o seu art. 160.º.

O qual, por tudo o que se vem dizendo, não pode ser usado estando em causa condenações por crime, dos tribunais.

E daí que tenha que se retirar ao termo “proibição” de conduzir, do art. 160.º n.º 1 do CE, o sentido técnico e específico de sanção acessória do art. 69.º n.º 1 do CP, vendo-se nele o mesmo significado de “inibição” de conduzir, resultante da prática de contraordenações graves ou muito graves [45].

A coerência do sistema reclama pois que, se a letra do nº 1, do art. 160.º, do CE, não autorizar uma interpretação restritiva do mesmo, haverá que lançar mão de uma verdadeira redução teleológica do preceito.

 Na verdade, para se usarem as palavras do Acórdão do STJ  de 18/2/2009 [46], também aqui “não parece possível determinar se a formulação final e votada da norma constitui um “acidente” na metodologia da formação normativa, ou uma expressão concreta, firme e pensada da vontade do legislador.”

Sabe-se é que a colisão dos regimes em confronto, sobre a apreensão dos títulos de condução, implica que o nº 1, do art. 160.º, do CE se considere concebido “demasiado amplamente segundo o seu teor literal”, e deva ser reduzido “ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão de sentido da lei” [47].

 

 

  C  -  DECISÃO

Termos em que se acorda no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça em fixar jurisprudência nos seguintes termos:

Em caso de condenação, pelo crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, do art. 292.º do CP, e aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, nº 1, al. a), do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada da lei (art. 69.º, nº 3 do CP e art. 500.º, nº 2 do CPP), deverá ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo legal previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art. 348.º, nº 1, al. b), do CP.

Consequentemente, ordena-se que, oportunamente, o processo seja remetido ao Tribunal da Relação de Guimarães, Secção Criminal, para que seja proferida nova decisão em conformidade com a jurisprudência fixada (art. 445.º, nº 1, do CPP).

Lisboa, 21 de Novembro de 2012 - Souto de Moura (relator)- Maia Costa (vencido, conforme declaração junta) - Pires da Graça (com declaração de voto) - Raul Borges - Isabel Pais Martins (voto a decisão mas com a fundamentação constante da declaração de voto apresentada pelo Ex.mo Conselheiro Manuel Braz) - Manuel Braz (com declaração de voto) - Carmona da Mota (vencido, de acordo com a minha declaração de voto e com a do Cons. Santos Carvalho) - Pereira Madeira - Santos Carvalho (vencido, nos termos da declaração que junto) - Henriques Gaspar - Rodrigues da Costa (com a declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Manuel Braz) - Armindo Monteiro - Arménio Sottomayor (votei a decisão com os fundamentos constantes da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Manuel Braz) - Santos Cabral - Oliveira Mendes - Noronha Nascimento


Voto de vencido

Discordei da posição que fez vencimento, pelas seguintes razões:

A condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69° do Código Penal (CP), impõe automaticamente ao condenado a obrigação de entrega do título de condução, no prazo de 10 dias a partir do trânsito da decisão (n° 3 do citado artigo).
A violação desta obrigação constitui a prática do crime do art. 353° do CP, na modalidade de violação de imposições determinadas por sentença que condena em pena acessória. Para este crime se consumar não é necessária a emissão de qualquer ordem cominatória de entrega do título. A consumação resulta do decurso do prazo aludido sem essa entrega.

A prática do crime do art. 353° do CP não impede o tribunal de, subsequente­mente, constatando a não entrega do título de condução, ordenar a apreensão do mesmo, nos termos do n° 3 do art. 500° do Código de Processo Penal (CPP).
A tese vencedora, prescrevendo a emissão de ordem de entrega com a comina­ção da prática do crime de desobediência, viola o princípio da legalidade penal, pois a al. b) do n° 1 do art. 348° do CP pressupõe necessariamente que nenhuma norma jurídi­ca preveja sanção para o comportamento desobediente, ou que não exista qualquer pro­cedimento que lhe possa pôr termo (ver, a propósito, Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. III, p. 354).

O que não sucede no caso em análise, pois o comportamento é sancionado penalmente (art. 353° do CP), havendo também um meio processual para efetivar a imposição de entrega do título (art. 500°, n° 3, do CPP).

Eduardo Maia Costa


          Declaração de voto


Subscrevo a tese defendida no presente acórdão de fixação de jurisprudência, e, por isso, votei a favor, sem prejuízo do seguinte:


I

A eficácia da decisão depende da sua exequibilidade.

A decisão jurídico-criminal não se confunde com a decisão jurídico-contraordenacional.

Enquanto o direito criminal se orienta por valores de defesa e protecção de bens jurídicos fundamentais, de salvaguarda da convivência comunitária e de reintegração do delinquente na sociedade, já o direito de contraordenação social, não assume gravidade primária que justifique uma função punitiva, pela atribuição de pena, “antes se trata de bens jurídico-administrativos, que, como tal, para efeitos sancionatórios são constituídos através da proibição e por força dela” – Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 56 – e, por isso, o direito rodoviário como direito de mera ordenação social, apenas se destina a disciplinar o trânsito, ou melhor, a determinar as regras estradais que os utentes das vias públicas devem utilizar, nomeadamente os condutores, e não a incutir quaisquer valores de natureza criminal.

Enquanto o direito criminal se limita pela culpa na violação de bens fundamentais da comunidade, em que a pena não pode prescindir da personalidade do delinquente e da sua motivação ao delinquir, o direito estradal encontra sua baliza na segurança rodoviária, em que a função da culpa não está no porquê da conduta infractora, mas no mero desrespeito da proibição ou imposição legal.

Em ambos esses ramos de direito, existe a sanção da proibição de conduzir veículos motorizados.

Embora na prática a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, contemplada no artº 69º do Código Penal (CP), pareça confluir com o regime da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no artº 160º do Código da Estrada (CE), ambas as sanções são diferentes, quer na sua natureza, quer nas suas finalidades.

Enquanto que em direito penal essa sanção constitui pena, ainda que acessória, e “à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa” e “deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 165,- no direito estradal, essa sanção não é - nem pode ser - assumida como pena; outrossim, é a natureza administrativa do direito em que se insere, que lhe confere um estatuto de efeito contraordenacional, como mera sanção administrativa, decorrente da prática de determinado ilícito contraordenacional, por a conduta assumida desrespeitar a imposição ou proibição legal imposta.


II

À autonomia do ilícito corresponde a autonomia da sanção, e, por conseguinte, há diferença de regimes jurídicos, ainda que pareçam similares ou metodologicamente quase simétricos.

Assim, o regime de apreensão dos títulos de condução contemplado no artº 160º do CE, não é o mesmo, do previsto no artº 69º do CP, embora pareçam confluir, em vias paralelas, para o mesmo resultado: a apreensão do título de condução.

Daí que, o disposto no artº 160º do CE, não supre eventuais lacunas do artº 69º do CP, nem o artº 69º do CP se complementa com o artº 160º do CE.

O direito de contraordenação social, - direito rodoviário, ou estradal, direito de  circulação rodoviária ou direito de segurança rodoviária – e o direito criminal, não se identificam entre si, não se influenciam reciprocamente, nem se completam. Ambos são diferentes nos pressupostos, fundamentos e finalidades, com axiologia normativa autónoma e independente.

O facto de, objectivamente, haver uma identidade de objecto na apreensão dos títulos de condução, com a imediata finalidade de cumprir determinada proibição de conduzir veículos com motor, poderá, eventualmente, tentar validar a argumentação de consonância funcional entre aquelas disposições legais, o artº 69º do CP e o artº 160º do CE., e, consequentemente, a extrair a conclusão de que o artº 160º do CE traduz uma actualização do regime da apreensão dos títulos de condução, nomeadamente para efeitos de cumprimento da decretada proibição de conduzir veículos motorizados, derrogando, em consequência, de forma tácita, o artº 69º do C.P.

Na verdade, a Lei n.º 77/2001 de 13 de Julho (DIÁRIO DA REPÚBLICA— I SÉRIE-A, Nº 161, de 13 de Julho de 2001) que procedeu, em artigo único, à Sexta alteração ao Código Penal, incidiu sobre os artigos 69.º, 101.º, 291.º, 292.º e 294.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, pelos Decretos-Leis n.ºs 132/93, de 23 de Abril, e 48/95, de 15 de Março, e pelas Leis n.ºs 65/98, de 2 de Setembro, e 7/2000, de 27 de Maio, alterando-lhes a redacção.

O artigo 69.º - Proibição de conduzir veículos com motor -  na parte relevante para o objecto da presente fixação de jurisprudência, refere:

«2 — A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.

3 — No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.»

Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 44/2005 de 23 de Fevereiro (DIÁRIO DA REPÚBLICA—I SÉRIE-A Nº 38—23 de Fevereiro de 2005)  no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição, veio revogar, pelo artº 22º:

a) Os artigos 2.º a 7.º do Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio;

b) Os artigos 1.º e 4.º a 20.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro;

c) Os n.ºs 1 e 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.

E republicou em anexo, o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 2/98, de 3 de Janeiro, 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, e pelo presente diploma.

O artº 160º do CE, passou então a dispor nos seus números:

«3 - Quando haja lugar à apreensão do título de condução, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias úteis, o entregar à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, devendo, nos casos previstos no nº 1, esta notificação ser efetuada com a notificação da decisão.

4 - Sem prejuízo da punição por crime de desobediência, se o condutor não proceder à entrega do título de condução nos termos do número anterior, pode a entidade competente determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização e seus agentes.» 

Porém, o artº 160.º do CE não determinou que as suas disposições alteravam o estatuído no artº 69.º do CP sobre o regime da apreensão dos títulos de condução, nem o artº 69.º do CP tinha previsto que pudesse vir a ser alterado por outros diplomas, nomeadamente pelo C.E.

            Também posteriormente à publicação e vigência do Decreto-Lei n.º 44/2005 de 23 de Fevereiro, as leis penais - Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, e Lei n.º 32/2010, de 2 de Setembro -, que alteraram pontualmente o Código Penal, em nada alteraram o regime jurídico da pena acessória, e mantiveram o statu quo ante, nomeadamente a nível do regime de apreensão do título de condução e da sua exequibilidade.

            A notificação do condutor para, no prazo de 15 dias úteis, entregar o título de condução quando haja lugar à sua apreensão, à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, devendo, nos casos previstos no n.º 1 do art.º 160º do CE, esta notificação ser efectuada com a notificação da decisão, é, pois, privativa do CE, não existindo norma expressa idêntica no regime do artº 69º do C.P, sendo certo por outro lado, que o art.º 500.º do Código de Processo Penal (CPP) sobre a execução da pena acessória prevista no artº 69º do CP, apenas refere:

“1. A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral de Viação.

2. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.

3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.”


III

Todavia, da omissão no regime jurídico-penal da pena acessória, de norma de conteúdo incriminatório similar ao do nº 3 do artº 160º do CE, não significa necessariamente que haja exclusão da protecção penal da norma do artº 69.º do C.P.

Quer dizer, enquanto que no diploma legal rodoviário, por incidir sobre ilicitudes com a natureza de contra ordenação, a tipificação de ilicitude criminal teria de constar de disposição legal expressa sobre a matéria, já a nível do diploma legal criminal substantivo, há apenas que indagar se existem normas típicas que consagrem esse ilícito de desobediência, de forma expressa ou específica, aplicáveis na unidade e harmonia do sistema jurídico, obviamente com respeito pelo princípio da legalidade, limite intransponível da tipicidade criminal, como resulta do artº 1º do CP.

            Ora acontece que, no capítulo VI, do título II, do Livro II, do Código Penal, encontram-se tipificados os crimes contra a autoridade pública, entre os quais os da secção I “Da resistência e desobediência à autoridade pública”, que entre outros contempla o do crime de desobediência, p. e p. no artº 358º do C.P., e o do artº 353º do CP sobre violação de imposições, proibições ou interdições, inserido na secção II “do não cumprimento de obrigações impostas por sentença criminal”, constantes da secção II daquele capítulo.

Conforme artº. 348.º do mesmo diploma legal substantivo:

“1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.

2. A pena é de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada"

            Por outro lado, dispõe o artº 353.º do CP, que:

            “Quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.”

           

            O disposto no n.º 3 do art.º 60º do CP não constitui pena acessória, mas sim procedimento prévio de exequibilidade da pena acessória, pelo que não beneficia do disposto no art.º 353.º do CP.

            Já o artº 348º, nº 1 alínea b), do C.P., de harmonia com o princípio da legalidade, confere legitimidade formal e substancial à autoridade judiciária, para esta fazer a correspondente cominação da prática do crime de desobediência ao arguido condutor que, notificado para entregar o título de condução à entidade competente, não o faça no prazo que lhe foi designado para efeito.

            Aliás, mal se compreenderia que em direito contraordenacional fosse possível - na esfera administrativa - implementar expressamente um ilícito penal típico, de desobediência, a quem não entregasse à entidade legítima, em certo prazo, o título de condução, após notificação da competente autoridade, para o efeito, e, que em direito penal, o incumprimento do procedimento do dever legal de entrega voluntária do título de condução, em prazo fixado, não pudesse desencadear censura penal da conduta omissiva, quando a finalidade se destinava a possibilitar o cumprimento de uma pena, ainda que acessória.   


IV

            Porém, aqui chegados coloca-se a questão de saber se tal cominação típica de relevância jurídico-criminal, tem carácter obrigatório ou é de natureza facultativa.

            Se tivesse carácter obrigatório, resultaria expressamente do regime definido ipsis verbis pelo artº 69º do C.Penal.

            Ao não constar, na norma desse artigo, uma cominação legal expressa, nos termos do artº 348º nº 1 al. a), do CP, significa que inexiste obrigatoriedade legal de o juiz determinar a aludida cominação. 

            Mas, se o juiz entender que a cominação se revela útil, para o condenado cumprir a entrega do título de condução no prazo legalmente fixado, com vista a garantir a eficácia da decisão, na exequibilidade da pena acessória, poderá fazer, ao abrigo do citado artº 348º nº 1 al. b) do CP, a correspondente cominação, e, o momento oportuno para usar de tal faculdade, é, necessariamente, na decisão condenatória.

É que a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria (nº2 do artº 69º do C.Penal) e há apenas um prazo - prazo de 10 dias - a contar do trânsito em julgado da sentença, para o condenado entregar na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo - nº 3 do artº 69º do C.Penal e, nº 2 do artº 500º do CPP, sendo que, segundo o nº3 deste último preceito, “se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.”

            Assim, pelo exposto, na parte dispositiva do presente acórdão apenas substituíria «deverá», por “poderá».

                                               António Pires Henriques da Graça





            Declaração de voto:

            Votei a decisão, mas não os seus fundamentos, pelas razões que seguem:

O acórdão recusa a aplicação do regime do artigo 160º do Código da Estrada a casos como o presente, de condenação na pena de proibição de conduzir prevista no artigo 69º, nº 1, do Código Penal, dizendo que a expressão «proibição de conduzir» além referida deve ser retirada, por significar o mesmo que «inibição de conduzir».

Não se vê como é que os conceitos «proibição de conduzir» e «inibição de conduzir» podem ter o mesmo significado se cada um deles tem o seu específico âmbito de aplicação e o legislador, que o sabe, por ser único, os colocou lado a lado, logo, como categorias diversas.

Que é assim resulta ainda do facto de o Código da Estrada, ao regular o processo de entrega e apreensão dos títulos de condução em resultado de aplicação de uma sanção ou de uma medida de segurança, só referir a proibição de conduzir nas versões posteriores à introdução dessa pena acessória no nosso ordenamento jurídico, ou seja, para além da actual, nas versões de 1998 (artigo 167º) e de 2001 (artigo 166º), visto a proibição de conduzir haver sido uma novidade da reforma do Código Penal operada pelo DL nº 48/95. No Código da Estrada de 1994 só se previa a apreensão das cartas e licenças de condução «para cumprimento da inibição de conduzir e da cassação da carta ou licença» (artigo 161º).

Deve por isso entender-se que o artigo 160º do Código da Estrada contém normas de regulação do processo de entrega e apreensão do título de condução em resultado de qualquer decisão que determine a interdição do direito de conduzir, seja como consequência da prática de um crime ou de uma contra-ordenação. E não há nisso motivo para qualquer perplexidade, visto que tanto num caso como no outro está em causa uma infracção associada à condução rodoviária. 

            Assente que o artigo 160º do Código da Estrada se aplica também aos casos de condenação na pena de proibição de conduzir prevista no artigo 69º do Código Penal, impõe-se fazer a sua compatibilização com o artigo 500º do Código de Processo Penal, visto ambos conterem normas que regulam a entrega e a apreensão do título de condução em tais casos.

Essa compatibilização é conseguida com a aplicação do artigo 160º do Código da Estrada em tudo o que não esteja regulado no artigo 500º do Código de Processo Penal.

O artigo 160º prevê no seu nº 3: «Quando haja lugar à apreensão do título de condução, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias úteis, o entregar à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, devendo, nos casos do nº 1, esta notificação ser efectuada com a notificação da decisão», sendo que os casos do nº 1 são precisamente os de apreensão «para cumprimento da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir».

Nada dispondo o artigo 500º do Código de Processo Penal sobre a matéria, deve entender-se que, por aplicação do nº 3 do artigo 160º do Código da Estrada, a notificação da sentença que condena na pena de proibição de conduzir, a qual em regra ocorre com a sua leitura, deve ser acompanhada da notificação do condenado para, sob pena de crime de desobediência, entregar o título de condução. Já o prazo para o fazer, não será o previsto no nº 3 do artigo 160º, de 15 dias úteis a contar da notificação (só aplicável em caso de contra-ordenação), mas de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, conforme prevê o nº 2 do artigo 500º, não havendo neste ponto lacuna no processo penal.

            A apreensão do título de condução, em caso de condenação por crime, tem lugar, sem prejuízo da punição por crime de desobediência, se a entrega não ocorrer nesse prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória, nos termos do nº 3 do artigo 500º, enquanto que, em caso de contra-ordenação, a apreensão pode ser determinada se a entrega não se verificar naquele período de 15 dias úteis, como estabelece o nº 4 do referido artigo 160º.

            O fundamento legal da solução a que se chegou reside, assim, no artigo 160º do Código da Estrada, cuja aplicação ao caso o acórdão recusou.

Manuel Joaquim Braz


DECLARAÇÃO DE VOTO

Eis, muito sucintamente, a minha posição sobre o dissídio.

Antes de mais, há que distinguir entre:

a) A decisão condenatória na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos (art. 69.1 do CP e 160.1 do CE),

b) A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (que, nos termos do art. 69.2 do CP, «produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão»), e

c) A ordem do tribunal - se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número 2 do art. 500.º do CPP – de apreensão da licença de condução.

A decisão condenatória, se o arguido a deixar transitar, implica para ele, já como condenado, o imperativo cívico de «no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, entregar na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo (art. 69.3 do CP e 500.2 CPP).

Sem embargo de, nos termos do art. 69.2 do CP, «a proibição produzir efeito a partir do trânsito em julgado da decisão».

Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados - mesmo que a partir do trânsito da condenação entre em cumprimento da pena acessória - não cumprir aquela sua obrigação cívica de colaboração voluntária com a justiça, o processo entra numa outra fase (a da apreensão da licença): o tribunal ordena a apreensão da licença de condução (art. 500.3 do CPP):

Quando haja lugar à apreensão do título de condução, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias úteis, o entregar à entidade competente, sob pena de crime de desobediência (…) e, sem prejuízo da punição por este crime, pode a entidade competente determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização e seus agentes, se o condutor se esquivar à entrega do título de condução (n.ºs 3 e 4 do art. 160.º do Código da Estrada).

Em suma, só nesta fase (a da apreensão do título de condução), haverá lugar – eventualmente – a crime de desobediência.

Por tudo isto, teria preferido, para o assento, a seguinte redação:

Se o condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do nº 1 do art. 69º do Código Penal, for eventualmente advertido, na publicação da sentença, do disposto nos n.ºs 3 do art. 69.º CP e 2 do art. 500º do Código de Processo Penal («No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, a licença de condução»), não o poderá ser sob a forma de ordem com a cominação de a não entrega nesta fase implicar a prática do crime de desobediência p. art. 348º, nº 1 e al. b), do Código Penal»

Ou:

«I - Em caso de condenação pelo crime de condução sob influência de álcool do artigo 292.º do Código Penal e para a execução da sanção acessória de proibição de conduzir, prevista no artigo 69.º, nº 1, al. a), do mesmo Código e que, nos termos do art. 69.2 do CP, «produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão», o condenado devolverá à autoridade, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o seu título de condução, se este não se encontrar já apreendido no processo (n.ºs 3 do art. 69.º CP e 2 do art. 500º do Código de Processo Penal).

II – Se o não fizer espontaneamente, o condenado é notificado, nos termos do art.º 160.º, n.º 3, do Código da Estrada, para o entregar, no prazo de 15 dias, «sob pena de cometer o crime de desobediência» (art. 348.º, n.º 1 e al. b), do Código Penal);

III – Será ineficaz, para este efeito, a cominação de «desobediência» que eventualmente se lhe faça quando e se advertido, na publicação da sentença, do disposto nos n.ºs 3 do art. 69.º CP e 2 do art. 500º do Código de Processo Penal»


J. Carmona da Mota


DECLARAÇÃO DE VOTO

1. A solução encontrada peca, essencialmente, por três ordens de razões.

A primeira é a de que o crime de desobediência previsto n al. b) do n.º 1 do art.º 348.º do C. Penal só se verifica quando «na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação». Ora, no caso, não há ausência de disposição legal, mas presença de disposição legal (o n.º 3 do art.º 69.º do mesmo código) que não prevê qualquer cominação. Há, portanto, uma violação do princípio da legalidade, ao introduzir-se a cominação.

A segunda é a de que, mesmo que se entenda que não há uma violação do princípio da legalidade, a cominação apresenta-se como ineficaz. Na verdade, a notificação da sentença condenatória nem sempre é feita pessoalmente ao arguido, pois há casos em que, no processo sumário, na sua ausência ao julgamento, a notificação se faz na pessoa do defensor. O mesmo sucede quando a decisão final provém da Relação. Nada garante, portanto, que nesses casos o arguido fique ciente da cominação de que pode incorrer no crime de desobediência se não entregar o título de condução num determinado prazo, o que torna incerta a aplicação do direito em matéria de incriminação penal, muitas das vezes para aqueles indivíduos que se furtam aos deveres processuais que lhe estão impostos.

Por outro lado, contando o prazo para entrega do título de condução a partir do trânsito em julgado da condenação, o destinatário não tem meios de saber quando ocorre esse trânsito, pois não lhe é comunicado e, portanto, trata-se de um prazo com um “terminus a quo” incerto, o que também inviabiliza a eficácia incriminatória da cominação.

A terceira razão é a de que na solução adotada se afastaram as regras do Código da Estrada, o que se afigura um contrassenso, pois o crime do art.º 292.º do C. Penal é cometido com grave infração das regras estradais. Sobre isso, no entanto, será oportuno dizer mais qualquer coisa.  

2. O crime de condução sob o efeito do álcool foi introduzido no nosso sistema jurídico pelo Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de abril, onde à pena aí cominada (art.º 2.º) acrescia a “sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir” (art.º 4.º).

Em 1 de outubro de 1994, entrou em vigor uma nova versão do Código da Estrada (Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio), mas como aí só se regulou a matéria contraordenacional na condução de veículo sob o efeito do álcool, houve o entendimento generalizado de que se mantinham em vigor os art.ºs 2º e 4º do Decreto-Lei n.º 124/90.

Assim, à época, quer para as contraordenações quer para o crime no domínio da condução sob o efeito do álcool, à sanção principal aplicável a cada caso, acrescia a “inibição da faculdade de conduzir”.

Com o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, efetuou-se a revisão do Código Penal de 1982 e aí se revogaram as normas ainda em vigor do Decreto-Lei n.º 124/90 e se introduziu o crime de “condução de veículo em estado de embriaguez” (art.º 292.º) e a pena acessória de “proibição de conduzir veículos motorizados” (art.º 69.º).

Apesar disso, uma parte da jurisprudência continuou a entender que à pena do crime de condução sob o efeito do álcool do art.º 292.º do C. Penal acrescia a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir, prevista no C. da Estrada para as contraordenações, pois não se aplicava a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no C. Penal. Diziam os defensores dessa tese que, não prevendo o C. da Estrada um limite superior para a condução com uma TAS a partir de 0,8 g/l, a condução com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l constituía, em concurso aparente, um crime e uma contraordenação muito grave.

Pelo contrário, outra parte da jurisprudência entendia que ao crime do art.º 292.º do C. Penal acrescia a pena acessória previsto no art.º 69.º desse diploma.

Este dissenso jurisprudencial veio a ser resolvido através da fixação de jurisprudência n.º 5/99, publicado no DR, I série, de 20 de Julho, onde se decidiu que «O agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal

Esta pequena resenha histórica e jurisprudencial demonstra, a meu ver, que, quando o DL 2/98, de 3 de janeiro, introduziu no texto do então art.º 167.º do C. da Estrada a medida de “proibição de conduzir”, juntamente com as de cassação e de inibição de conduzir, para o efeito dos procedimentos de apreensão do título de condução, fê-lo intencionalmente, pois não ignorava que tal medida de “proibição de conduzir” era “a novidade legislativa”, em vigor apenas desde 1 de Outubro de 1995, e que tanta polémica jurisprudencial ainda estava a causar. O legislador terá querido demonstrar que no domínio estradal as medidas coexistiam e que, na fase de execução, até tinham procedimentos iguais.

Acresce que a proibição de conduzir (art.º 69.º do CP) é uma pena acessória para certos crimes cometidos no exercício da condução, que pressupõe, portanto, a observância ou a inobservância de certas regras gerais previstas no CE, pois só com elas se apreende como deve o agente comportar-se no “exercício da condução”.

Por exemplo, a aplicação do art.º 69.º ao crime de condução sob o efeito do álcool (art.º 292.º do CP), obriga a que estejam reunidas as regras gerais definidas no C. da Estrada, designadamente, o que é “via pública”, o que é um “veículo com motor” e com que condicionalismos legais se faz a “pesquisa de álcool no sangue”.

Daí que não se concorde com a afirmação, contida no acórdão, de que se tem de “retirar ao termo “proibição” de conduzir, do art.º 160.º n.º 1 do CE, o sentido técnico e específico de sanção acessória do art.º 69.º n.º 1 do CP, vendo-se nele o mesmo significado de “inibição” de conduzir, resultante da prática de contraordenações graves ou muito graves”.  

Pelo contrário, o disposto no art.º 160.º do C. da Estrada aplica-se à “cassação do título, proibição ou inibição de conduzir”, estando utilizado aí o termo “proibição” no seu sentido técnico, como pena acessória para alguns crimes cometidos na condução de veículos motorizados, previstos no C. Penal.

Por isso, como a proibição de conduzir implica a perda temporária da licença respetiva (para quem a possuir), está sujeita ao regime geral de procedimento quanto à apreensão da licença, que se encontra nos art.ºs 159.º e segs. do C. da Estrada, sem prejuízo das regras específicas que se encontram nos n.ºs 2 e 3 do art.º 69.º do CP e 500.º, n.ºs 2 e 3 do CPP.

3. Como concatenar, então, as regras do Código Penal e do Código da Estrada para funcionarem harmoniosamente, em conjunto?

De acordo com o n.º 3 do art.º 69.º do CP, “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”.

Estamos aqui, ainda, numa fase de cumprimento voluntário, reafirmado no n.º 2 do art.º 500.º do CPP (“No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo”).

Porém, “se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução” – n.º 3 do art.º 500.º do CPP.

Entramos, então, na fase coerciva para o condenado, não da pena acessória, pois a proibição de conduzir produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão (cf. n.º 2 do art.º 69 do CP), mas de se submeter à fiscalização que as autoridades competentes exercem sobre o efetivo cumprimento de tal pena.

E como se executa essa fase coerciva?

Nada impede que o juiz da condenação proceda à apreensão do título de condução, mas, sendo essencialmente um problema de fiscalização e não de cumprimento da pena acessória decretada, será mais ajustado que a peça à entidade policial. Em qualquer caso, deverá proceder-se nos termos do art.º 160.º e seguintes do C. da Estrada, pois é nessas normas legais que está previsto um efeito cominatório.

De acordo com o art.º 160.º do C. da Estrada, n.ºs 1, 3 e 4, a apreensão processa-se em dois tempos:

1º - O condutor é notificado para entregar o título de condução, no prazo de 15 dias, sob pena de cometer o crime de desobediência (n.º 3);

2º- Se não o fizer, a entidade competente pode determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização e seus agentes (n.º 4).

4. Assim, fixaria jurisprudência nos seguintes termos:

“Em caso de condenação pelo crime de condução sob influência de álcool do artigo 292.º do Código Penal e para a execução da pena acessória de proibição de conduzir, prevista nos artigos 69.º, nº 1, al. a), do mesmo Código, o condenado devolverá à autoridade, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o seu título de condução, se este não se encontrar já apreendido no processo. Se o não fizer espontaneamente, o condenado é notificado, nos termos do art.º 160.º, n.º 3, do Código da Estrada, para o entregar, no prazo de 15 dias, «sob pena de cometer o crime de desobediência» (art.º 348.º, n.º 1 e al. b), do Código Penal), sendo que tais notificação e cominação não podem ser determinadas – porque a lei não o prevê - na sentença condenatória.”


a) Santos Carvalho

__________________________
[1] Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pag.354.
[2] A Direção-Geral de Viação foi extinta, devendo a referência considerar-se feita para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, de acordo com o DL 77/2007 de 29 de março.

[3] Cf. FIGUEIREDO DIAS in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pag. 93.

[4] Autor e op. cit. na nota anterior, pag. 96

[5] Tinha a seguinte redação:
“1. É condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido:
a) Por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário; ou
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.
2. A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria o de uma categoria determinada.
3. A proibição de conduzir é comunicada aos serviços competentes e implica, para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela. Tratando-se de licença emitida em pais estrangeiro, com valor internacional, a entrega é substituída por anotação, naquela licença, da proibição decretada.
4. (texto do atual n.º 6 do preceito).
5. (texto do atual n.º 7 do preceito).”


[6] Autor e op. cit. na nota 3, pag. 164

[7] O texto do preceito do CP alemão é o seguinte:
“I. Quando, em virtude de crime cometido mediante a condução de um veículo automóvel, ou violando obrigações inerentes à licença de condução, alguém for condenado numa pena privativa de liberdade ou multa, o tribunal poderá proibi-lo de conduzir na via pública todo o tipo, ou só alguma espécie de veículos automóveis, [pelo período de] entre um a três meses.
(…)
III. A proibição de conduzir efetivar-se-á com o trânsito em julgado da sentença.
Durante a sua duração, a licença de condução que tenha sido emitida por uma autoridade alemã será fiscalizada administrativamente. Nos casos de licenças de condução estrangeiras a proibição de conduzir será anotada.
IV. Quando se deva fiscalizar administrativamente uma licença de condução ou a proibição deva ser indicada numa licença de condução estrangeira, contar-se-á o prazo da proibição a partir do dia em que esta tenha lugar. No prazo da proibição não se computará o tempo em que o agente tenha estado sob custódia num estabelecimento por decisão da autoridade.

[8] Falava-se então de pena acessória, medida de segurança ou efeito penal da condenação, tendo o STJ, através do Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 10/7/1992 (DR 157/92 Série I-A) classificado as medidas previstas no art. 61.º do CE da altura, de “medidas de segurança”.

[9] Op. cit. pag. 502 e 503.
[10] O qual dispunha: “1 – Quem faltar a obediência devida a ordem ou mandado legítimo que tenham sido regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente será punido com prisão até 1 ano e multa até 30 dias.
2 – A mesma pena será aplicada se uma outra disposição legal cominar a pena de desobediência simples.
3 – A pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias se uma outra disposição legal cominar a pena de desobediência qualificada.”

[11] Com a redação seguinte:
“Quem se não conformar com uma determinação que lhe seja dirigida, por uma autoridade ou funcionário competentes, sob ameaça de aplicação da pena prevista no presente artigo, será punido com prisão [arrêt] ou multa”. O “arrêt” constitui a pena privativa de liberdade mais leve, e tem uma duração de um dia a três meses. 
[12] E daí a participação ao M.º Pª prevista no n.º 4 do art. 69.º do CP, se o condenado não efetuar a entrega voluntariamente, face à obrigação que a este incumbe de “Promover a execução das penas” (art. 53.º, n.º 2 al. e) do CPP).

[13] O art. 388.º, nº 1, do CP, previa antes, o crime, do seguinte modo:
“Quem faltar a obediência devida a ordem ou mandado legítimo que tenham sido regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente será punido com prisão até um ano e multa  até 30 dias”. Referia o nº 2 do artigo que “A mesma pena será aplicada se uma outra disposição legal cominar a pena de desobediência simples”.

[14] Cf. sobre os trabalhos da Comissão Revisora, Ministério da Justiça, “Código Penal – Atas e Projeto da Comissão de Revisão”, Rei dos Livros, 1993, pág. 408 e 409.

[15] Cf. Cristina Líbano Monteiro, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pag. 350.

[16] Cf. sobre o ponto, Lopes da Mota, in “Crimes contra a Autoridade Pública - Jornadas de Direito Criminal – CEJ”, II vol , 1998, pág. 426”.

[17] Para atender v. g. à situação dos gestores públicos, ou trabalhadores das empresas privadas concessionárias de serviços públicos. Cf. “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2ª edição, 2010, pág. 912.

[18] Esta última remete para o campo das contraordenações o que entre nós constituirá crime de “desobediência pura”.

[19] E, em última instância, remete-nos para a ideia assim expressa por Fernanda Palma:

“O Direito Penal, devido às sanções que historicamente o caracterizam (e, hoje, a pena de prisão acima de tudo) não se apresenta como um simples fator de organização da vida em sociedade em torno de fins ou valores específicos (tais como um projeto concreto de sociedade ou a realização de quaisquer objetivos políticos). No seu cerne, o Direito Penal tem o papel de juridicizar o próprio poder do Estado de direito democrático quanto à punição de sujeitos concebidos como pessoas, aos quais é reconhecida dignidade e garantido o direito a um desenvolvimento pleno. Entendendo-se que a punição é historicamente restritiva de direitos, liberdades e garantias fundamentais, o Direito Penal tem de ser justificado pela proteção de valores essenciais da sociedade e constitutivos da essência do poder do Estado.

Neste sentido, o Direito Penal tem como objeto específico o âmago do Direito e a proteção dos valores da liberdade essenciais em Sociedade” (In “Direito Constitucional Penal”, Almedina, 2006, pág. 47).

[20] In “Estudos sobre a Constituição”, 2.º Volume, Livraria Petrony, 1978, pág. 203 e 206.
Sobre a evolução histórica do princípio da legalidade penal pode ver-se, também com proveito, v.g. Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal”, Comares Editorial, Granada, 1993, pág. 117 e segs.

[21] Sobre o tema, entre outros, Castanheira Neves, “O Princípio da Legalidade Criminal. O seu Problema Jurídico e o seu Critério Dogmático, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia I”, Universidade de Coimbra, Boletim da Faculdade de Direito, Número Especial, 1984, pág. 307 e segs. mais concretamente pág. 362 e segs. e 368 e segs.,  Figueiredo Dias in “Direito Penal - Parte Geral”, Tomo I, Coimbra Editora, 2007, pág. 179 e segs., Jorge Miranda/Rui Medeiros in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2ª edição, 2010, pág. 669 e segs., Francisco Borges in “O Crime de Desobediência à Luz da Constituição”, Almedina, 2011, pág. 17 e segs.
 
[22] Expressão de Francisco Borges,op. cit., pág. 18.

[23] “1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
(…)
c) Definição de crimes, penas, medidas de segurança, e respetivos pressupostos, bem como processo criminal;
(…). ”

[24] “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. (…)”.

[25] Cf.  Francisco Borges, op. cit., pág. 23.

[26] Cf. Jescheck, in op. cit. pág. 122.
[27] In op. cit. pág. 346 e 347.

[28] Sobre o tema, e ao nível da jurisprudência, pode ver-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 93/01 de 13/3/2001, P.º 318/00, 3ª Secção (Rel. Tavares da Costa), ou o Acórdão do STJ de 28/9/2005, P.º 1831/05, 3ª Secção (Rel. Henriques Gaspar).

[29] Cf. Francisco Borgesop. cit. pág. 30.

[30] A cominação ad hoc nunca poderia ser, evidentemente, uma condição objetiva de punibilidade, por se não tratar de uma simples circunstância de que depende a aplicação da pena, exterior ao facto, antes integra o tipo, e tem pois que estar abrangida pelo dolo do agente.

[31] In  op. cit. na nota 18, pág. 186.

[32] Numa perspetiva de legalidade formal, já se defendeu, também, que a norma cominadora deverá respeitar, também ela, o princípio da reserva de lei. “Uma disposição legal ” da al. a) do n.º 1 do art. 348.º será pois uma norma incriminadora, com tudo o que tal acarreta. Assim, Francisco Borges inop. cit. pág. 75, ou C. Líbano Monteiro inop. cit. pág. 353 e 354.

[33] Não assim C. Líbano Monteiro, para quem esta expressão tem o sentido de “qualquer disposição legal”, diferente portanto do sentido que lhe cabe na al. a), do n.º 1, do art. 348.º do CP. Cf. op. cit. pág. 354.
A nosso ver, não se justificará atribuir dois sentidos diferentes à mesma expressão, usada no mesmo artigo, pelas razões que adiante se verá.

[34] C. Líbano Monteiro e Francisco Borges apontam no entanto para a inconstitucionalidade do preceito. Cf.,op. cit. respetivamente a pág. 351, e 79 e 80.
[35] Cf. o Acórdão para Fixação de Jurisprudência do STJ nº 5/2009, de 18/2/2009, em que se estabelece a necessidade de incriminação pelo crime do nº 1 al. b) do art. 348.º do CP, do depositário que faça transitar na via pública veículo apreendido por falta de seguro obrigatório. Cf. Diário da República, 1ª Série, nº 55, de 19 de março de 2009.
 
[36] O CP brasileiro prevê no seu art. 330.º um crime de desobediência pura, punindo com a pena de 15 dias a 6 meses e multa quem “desobedecer a ordem legal de funcionário público”. A jurisprudência brasileira tem já defendido que “havendo sanção administrativa ou processual sem qualquer ressalva à possibilidade de punir pelo crime de desobediência, não se configura este”.
Paralelamente, regista-se jurisprudência, segundo a qual, pode ter lugar o crime de desobediência face ao “descumprimento de ordem judicial que determinou apreensão e entrega de veículo sob expressa cominação das penas da desobediência”. Cf. G. Sousa Nucci, in “Código Penal Comentado”, 7ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 1038

[37] A título de exemplo, e só no âmbito processual, poderão referir-se vários preceitos em que se prevê expressamente a prática do crime (v. g. o art. 88.º n.º 3 - a propósito da publicidade de atos processuais e comunicação social, o art. 223.º n.º 4 al. c) - apresentação de preso no procedimento de habeas corpus, o art. 342.º n.º 2 - recusa do arguido a fornecer elementos de identificação, todos do CPP, ou o art. 391.º do Código de Processo Civil - infração de providência cautelar decretada, ou ainda o art. 16.º n.º 1 do DL 387-A/87 de 29 de dezembro - recusa a desempenhar a função de jurado).

[38] Abrangendo pois a pena acessória do art. 69.º do CP. Assim, explicitamente, Cristina Líbano Monteiro, inop. cit. Tomo III, pág. 402.
 
[39] Com o seguinte texto: “Quem, desprezando a proibição contra si estabelecida, exercer uma profissão, indústria ou comércio, será punido com prisão [arrêts] ou multa”

[40] Cuja redação é: “Quem exercer uma profissão, especialização profissional, um ofício ou um ofício especializado, por sua conta ou por conta de outrem, ou permitir que outrem o exerça por sua conta, apesar de tal lhe ter sido proibido a si ou a outrem, será punido com pena privativa de liberdade até um ano ou com multa”

[41] In “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 834. Para este autor, “Na sentença condenatória proferida em processo penal, o juiz deve ordenar a entrega do título de condução com a advertência do crime do art. 353.º do CP se a mesma não se encontrar já apreendida. Com efeito, a incriminação prevista neste artigo foi alargada com o propósito de incluir precisamente estes casos de incumprimento de imposições resultantes de penas acessórias”. Prossegue depois o seu comentário, defendendo, não só que a não entrega implica a prática do crime do art.º 353.º em questão, como ainda a possibilidade de cometimento do crime de desobediência em concurso efetivo. A efetiva condução de veículo implicaria a prática do crime do art. 348.º n.º 2 do CP, e a desobediência qualificada derivaria do disposto no n.º 2 do art. 138.º do CE.

Entretanto, o Tribunal Constitucional virá a declarar com força obrigatória geral esta solução (Ac. 187/2009 de 22/4/2009, P.º 760/08).    

[42] O juiz poderá ordenar, na sentença, que, uma vez transitada esta em julgado, o arguido seja notificado de que dispõe de 10 dias para entregar voluntariamente o título de condução, com a cominação de que, caso o não faça, cometerá o crime de desobediência, para além do título lhe ser apreendido.
[43] Sobre a distinção entre a analogia e a interpretação extensiva pode ver-se por exemplo o comentário de Leal Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado” Rei dos Livros, 3ª Ed., 2002, 1.º Vol., pág.95 e segs. 
[44] Foi a Lei 59/98, de 25 de agosto, que elevou para 10 o prazo anterior de 5 dias.

[45] Aliás, também em relação à “cassação do título de condução”, os pressupostos são uns estando em causa a medida de segurança do art. 101.º do CP (contemplando-se aí, ainda, a interdição da concessão do título), e outros, se se estiver perante a medida do art. 148.º do CE. E as consequências das duas espécies de cassação terão que ser tratadas separadamente, e basta pensar, para tanto, numa cassação ditada, em casos de absolvição só por inimputabilidade, nos termos do art. 101.º n.º 1 do CP, e a cominação legal da desobediência, que o art. 160.º n.º 3 do CE estabelece, sem distinguir.  

[46] Pº 09P0102 da 3ª Secção, www.dgsi.pt, relatado pelo Cons. Henriques Gaspar.
 
[47] Cf. Karl Larenz in “Metodologia da Ciência do Direito”, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 556.