Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6014/09.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: UNIÃO DE FACTO
MORTE
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
ALIMENTOS
REQUISITOS
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário : I - As pensões de sobrevivência surgem na sua actual configuração com o DL n.º 322/90 de 18-10.

II - Pretende-se, como vem referido no preâmbulo do mencionado Decreto-Lei, compensar, mediante a concessão de prestações continuadas, o desequilíbrio provocado pela morte de um dos membros do casal.

III - Este desiderato legal tem ínsita a ideia que o casamento e também uma união de facto consistente denotam uma comunhão de vida em que cada um dos seus membros contribuía com parte substancial dos seus proventos para a comunidade familiar. Essa situação criou expectativas e serviu de base a encargos que o casal assumiu.

IV - A Lei n.º 23/2010 de 30-08 veio entre outras alterações à Lei n.º 7/2001 dispensar a prova da necessidade de alimentos para ter direito a uma pensão como membro sobrevivo de uma união de facto e impossibilidade da sua prestação por parte dos familiares do requerente e por parte da herança do falecido.

V - As alterações em causa aplicam-se às uniões dissolvidas antes da entrada em vigor da nova lei já que aquelas configuram verdadeiros “estados de facto” que se prolongam no tempo independentemente da sua origem, sendo que esta solução se impõe até por força do “princípio da igualdade” consagrado no art. 13.º da CRP.

VI - A atribuição da pensão de sobrevivência, de harmonia com o art. 11.º da lei supra-referida que alterou a Lei n.º 7/2001, tem efeito a partir da Lei do Orçamento de Estado posterior à sua entrada em vigor.
Decisão Texto Integral:     

     1. RELATÓRIO.

     Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.  

AA, divorciada, intentou acção declarativa, com a forma de processo comum, contra o Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões, alegando que, no dia 19/2/09, faleceu BB, no estado de divorciado, sendo que a Autora viveu com o falecido, em união de facto, desde Junho de 2004 até à data da morte daquele.

     Mais alega que os seus rendimentos são insuficientes face às despesas para acudir à sua subsistência, não tendo familiares que estejam em condições de lhe poderem prestar alimentos, pelo que, carece que estes lhe sejam prestados pela herança do falecido.

     Conclui, assim, que deve:

     1 - Ser declarada e reconhecida a existência de situação de união de facto em condições análogas às dos cônjuges, entre A. e o seu companheiro BB, por período superior a dois anos, e em consequência, ser reconhecida à A. a qualidade de titular do direito às prestações da segurança social por morte do seu companheiro, o beneficiário BB, beneficiário da segurança social número --------------------, falecido em 19 de Fevereiro de 2009, assim como, ser declarado e reconhecido que a A. não tem ascendentes, descendentes ou colaterais em condições de lhe prestar alimentos e que a herança aberta por óbito de BB não dispõe de bens suficientes para lhe prestar alimentos ou subsidiariamente,

     2 - Ser declarada e reconhecida a existência de situação de união de facto em condições análogas às dos cônjuges, entre A. e o seu companheiro BB, por período superior a dois anos, e em consequência, ser reconhecida à A. a qualidade de titular do direito às prestações da segurança social por morte do seu companheiro, BB, beneficiário da segurança social número --------------------, falecido em 19 de Fevereiro de 2009.

     A Ré contestou, por excepção, referindo que há insuficiência de causa de pedir, por a Autora não ter alegado factos conclusivos de que o seu ex-cônjuge não lhe presta ou não lhe pode prestar alimentos, de que os seus irmãos, filhos e pai não têm capacidade financeira para a auxiliar, e, ainda, de que os bens da herança são insuficientes.

     Contestou, também, por impugnação e, a final, concluiu que deve o pedido de reconhecimento da qualidade de titular de prestações por morte da Segurança Social ser julgado de acordo com a prova que vier a ser produzida.

     A Autora replicou, invocando factos no sentido de que nem o seu ex-cônjuge, nem o seu pai, nem os seus dois filhos, nem os seus dois irmãos, nem a herança do falecido, têm possibilidades de lhe prestar alimentos, concluindo como na petição inicial.

     Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.

     Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão de facto, proferida sentença julgando a acção totalmente procedente e reconhecendo a Autora como titular do direito a prestações por morte de BB.

     Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo a Relação, na procedência do mesmo, revogado a sentença em análise e julgando a acção procedente.

     A Autora, por seu turno, inconformada com o segundo aresto, recorre, agora de revista, para este Supremo Tribunal, pedindo a revogação do aresto do Tribunal da Relação de molde a que o seu pedido possa obter provimento.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) À data do óbito de BB, 19/02/2009, encontrava-se, em vigor o Decreto-Lei 322/90 de 18 de Outubro que "define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral da segurança social", constando do artº 8º do identificado Diploma, que o direito a prestações por morte é reconhecido também às pessoas que vivam em situação análoga à dos cônjuges, há mais de dois anos – artº 2020º nº 1 do Código Civil.

     2) Ficou provado em sede de 1ª instância - alíneas A), C), R), S), T), U) e V) da fundamentação de facto - que a ora Recorrente e BB viviam em união de facto há mais de 2 anos aquando da morte do beneficiário.

     3) Nos termos do artº 2º do Decreto Regulamentar 1/94 de 18 de Janeiro tem direito às prestações por morte "a pessoa que, no momento da morte do beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.", ou seja, a situação da ora Recorrente.

     4) O artº 4º do Decreto Regulamentar 1/94, consagra que as pessoas que vivem em união de facto são equiparadas aos cônjuges.

     5) A Lei 7/2001 de 11 de Maio, estabelece um conjunto de direitos atribuídos às pessoas que vivam em união de facto protegida, nomeadamente, a protecção social no caso de morte de um dos membros da união de facto, prevista na alínea e) do nº 3 da Lei 7/2001, referindo, no seu artº 6º, que apenas beneficia de tal protecção quem reunir as condições previstas no artº 2020º do CC.

     6) A redacção do nº 1 do artº 2020º do CC, anterior à data da entrada em vigor da Lei 23/2010, de 30 de Agosto, referia que "aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se o não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º", ou seja, o cônjuge, o ex-cônjuge, os descendentes, os ascendentes e os irmãos.

     7) O nº 1 do artº 2020º do CC, emergente da Lei 23/2010, de 30 de Agosto, veio consignar que "O membro sobrevivo da união de facto, tem o direito a exigir alimentos da herança do falecido", sendo que, com tal alteração de redacção, o legislador, pretendeu clarificar aquela disposição por forma, a não subsistirem dúvidas de que, para a obtenção de prestações por morte através da segurança social, o membro sobrevivo da união de facto não necessita de fazer qualquer prova sobre a impossibilidade dos seus parentes mais próximos lhe prestarem alimentos.

     8) Nem de outra forma poderíamos interpretar tal preceito antes da alteração legislativa, já que, salvo o devido respeito, se seguíssemos o entendimento do Tribunal a quo estaríamos a afirmar que para a obtenção do mesmo efeito, antes da entrada em vigor da Lei 23/2010 de 30 de Agosto, seria necessária a prova de variadíssimos factos, e após a entrada em vigor daquela lei, bastaria a prova da existência de uma união de facto protegida pela lei, de que resultaria uma clara e preocupante, falta de estabilidade jurídica e de harmonia legislativa, com a frustração de muitas e legítimas expectativas jurídicas.

     9) Nos casos análogos ao dos presentes autos e anteriores à entrada em vigor da Lei 23/2010, não é exigível a prova que o Tribunal da Relação defende como imprescindível para sustentar a causa de pedir da ora Recorrente, porque esse não era, nem é, o sentido que o legislador quis dar à norma em apreço, até porque, nos termos do nº 1 do artº 9º do Código Civil, a interpretação da lei não pode ser feita estritamente na sua letra, devendo ter-se sempre em atenção o espírito da mesma, tal como mostram os Professores Pires de Lima, Antunes Varela e Oliveira Ascenção nas suas obras, supra-citadas.

     10) Pelo que, atento o nº 1 do artº 6º da Lei 7/2001 e nº 1 do artº 8º do DL 322/90, bastaria apenas a prova da existência da união de facto há mais de dois anos, à data da morte de BB, para que fossem atribuídas à Recorrente, as prestações por morte daquele.

     11) A alteração da redacção do nº 1 do artº 6º da Lei 7/2010 e do nº l do artº 8º do DL 322/90, protagonizada pela Lei 23/2010, comporta nada mais do que uma clarificação da posição do legislador, não podendo a Recorrente admitir, como hipótese, que não tivesse sido sempre esta a interpretação a dar a estes dispositivos legais, tendo em conta o referido supra relativamente ao nº 1 do artº 2020º do CC.

     12) Acresce que vasta jurisprudência já se pronunciou pela desnecessidade da prova que o Tribunal a quo e a ora Recorrida entendem como sendo fundamental, nomeadamente: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc. nº 0433723; de 08/07/2004, em que foi relator Fernando Baptista; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. nº 5138/2007-1, de 09/10/2007, em que foi relator Rijo Ferreira; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/12/2005, proc. 778/ 05-2; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 648/06 de 09/05/2006 em que foi relator Regina Rosa; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. n.s 986/09. 0TBAVR.Cl, de 08/02/2011, em que foi relator Manuel Capelo, todos disponíveis em www.dgsi.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/04/2004, CJSTJ, II, pág. 30 e ss., de resto, tal como também salientado na sentença proferida pelo Tribunal da lª Instância dos presentes autos.

     13)  O Tribunal a quo confunde o direito às prestações da segurança social com o direito a alimentos, quando todavia são situações de natureza diferente, tal como sindica o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. nº 986/ G9.0TBAVR.C1, de 08/02/2011, em que foi relator Manuel Capelo, disponível em www.dgsi.pt.

     14) Entende a Recorrente que o "afloramento de um princípio geral" de equiparação de cônjuges a unidos de facto, que o Venerando Tribunal a quo entende, no seu acórdão, ser inexistente, já existe e há muito que se encontra consagrado no nº 1 do artº 13º da Constituição da República Portuguesa, na vertente da proibição de detrimento na privação de direitos ou imposição de deveres, como podemos retirar dos ensinamentos dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira.

     15) Não pode ser olvidada a equiparação que a lei consagrou expressamente, para situações como a dos presentes autos, entre cônjuges e membros de uma união de facto, não se encontrando assim a Recorrente a extrapolar qualquer âmbito de aplicação da lei, no entendimento e interpretação legislativa por si sufragada.

     16) Equiparação aquela que não pode ser vista como uma questão deslocada ou desprovida de sentido, no âmbito dos presentes autos, e que se encontra prevista no artº 8º do DL 322/90 e no artº 4º do Decreto Regulamentar 1/94, conforme o referido.

     17) Analisando o sistema de atribuição de prestações por morte não se encontra idêntica exigência probatória ao cônjuge sobrevivo, e neste sentido, não pode ser efectuada uma interpretação da lei que permita que, o mesmo objectivo seja alcançado nas uniões de facto, através de um conjunto de provas totalmente desproporcionadas, em comparação com igual situação no âmbito do casamento.

     18) A entender-se como necessária a prova que o Tribunal a quo reputa de essencial, estaríamos perante uma violação do direito de igualdade de tratamento entre casados e unidos de facto em convivência como se de casados se tratasse, vertido nos artº 13º e 36º da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que o direito a constituir família e a protecção conferida aos membros da família, consagrados em tal lei fundamental, não podem ser vistos apenas como uma decorrência do casamento mas, de igual forma, da união de facto, como ensinam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua obra supra citada.

     19) Encontrando-se assim também aquela exigência probatória, a violar o princípio da proporcionalidade, enquanto limite às restrições admissíveis em sede de direitos, liberdades e garantias, de acordo com nº 2 do artº 182º da CRP.

     20) Não colhe no caso sub iudice, a velha máxima de "tratamento igual para situações iguais e tratamento diferente para situações diferentes", porquanto a lei equipara, nesta matéria, o casamento à união de facto, não havendo assim justificação para a existência de um tratamento diferenciado.

     21) A jurisprudência tem entendido, tal como a Recorrente, que interpretar a lei no sentido de exigir a prova da necessidade alimentos ao unido de facto há mais de dois anos, a mesma é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade como resulta das disposições conjugadas dos artsº 2º, nº 2 do 18º, nº 1, do 36º, nsº 1 e 3 do 63º da CRP, de resto como se decidiu no Tribunal Constitucional em 10/02/2004 (DR, II, 16/04/2004), em questão idêntica à dos autos.

     22) Relativamente à matéria do caso dos presentes autos, havia, e ainda há, duas correntes de interpretação da lei, uma que exige, para a atribuição das prestações por morte, a prova da existência de uma união de facto com a duração de mais de 2 anos, e outra que, para o mesmo efeito, exige não só a prova da existência daquela união de facto mas também a prova da necessidade de alimentos e da impossibilidade de os obter da herança do falecido, do cônjuge ou ex-cônjuge, dos descendentes, dos ascendentes e dos irmãos.

     23) Não se podendo afirmar assim, que seja claro que a Lei 23/2010 não seja interpretativa, atenta a vasta jurisprudência que afirma que tal lei é sim interpretativa, nomeadamente: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. nº 1884/09.2T2AVRX1, de 04/05/2011, em que foi relator Artur Dias; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. n.º 986/09.0TBAVR.C1, de 08/02/2011, em que foi relator Manuel Capela e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. n.º 646/10.9T2AVR.C1, de 15-02-2011, em que foi relator Jorge Arcanjo, disponíveis em www.dgsi.pt.

     24) Mostrando-se assim, com a recentíssima jurisprudência proferida, que a Lei 23/2010 apresenta-se sim como uma lei interpretativa do artº 6º da Lei 7/2001, não pretendendo alargar a protecção dada às uniões de facto, mas sim optar, de forma clara, pela desnecessidade da prova da necessidade de alimentos e da impossibilidade de os obter através das pessoas obrigadas a tal nos termos do CC, dando assim notoriedade à corrente interpretativa em que a Recorrente apoia a sua pretensão.

     25) Como lei interpretativa que é, a Lei 23/2010 de 30 de Agosto, deve integrar-se na lei interpretada, nos termos do disposto no nº 1 do art. 13º do Código Civil, importando a sua aplicação imediata ao caso dos presentes autos.

     26) À cautela e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, ainda que se entendesse ser necessária a prova que o Tribunal a quo exige, ou seja, a prova da necessidade de alimentos/carência económica da ora Recorrente e bem assim, que as pessoas mencionadas no artº 2009º do CC não se encontram em condições de prestar alimentos à ora Recorrente, tal prova já se encontra feita em sede de 1ª Instância, conforme se apura das alíneas D) a SS) da fundamentação de facto vertida naquela sentença.

     27) Atentos os motivos acima invocados, o Acórdão recorrido, incorreu em violação da Lei substantiva, bem como em erros de interpretação da Lei, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 e nº 2, do art. 722º do CPC, fundamento do presente recurso.

     28) Fazendo igualmente uma errada apreciação da matéria de facto provada, já que os factos provados atestam a necessidade de alimentos da Recorrente e a impossibilidade de outrem, legalmente a tal obrigado, de os prestar, a entender-se ser tal prova necessária e sem conceder.

     Contra-alegou o apelado pugnando pela confirmação do aresto em crise.

     Cumpre decidir.

                            *

     2. FUNDAMENTOS.

    

     O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes,

     2.1. Factos.

    

2.1.1. No dia 19.02.09 faleceu BB no estado de divorciado.

2.1.2. O falecido era sócio gerente da sociedade CC, Lda. empresa que se dedicava ao comércio de peixe fresco e marisco.

2.1.3. A Autora é divorciada desde 23.05.03.

2.1.4. A Autora é trabalhadora dependente de uma seguradora, auferindo em Agosto de 2009 um vencimento base mensal de 1.131.75 euros, acrescido de prémio de antiguidade no valor mensal de 337.54 euros e de suplemento de turno no valor de 226.35 euros.

2.1.5. A Autora pagava mensalmente em Abril de 2009 à entidade bancária BBVA a quantia de 615.30 euros emergente de contrato de mútuo para aquisição de casa de habitação.

2.1.6. A Autora contraiu um empréstimo junto do BBVA no valor de 27.433.88 euros para amortização do qual pagava em Maio de 2009 205.71 euros e em Agosto de 2009 204.32 euros.

2.1.7. A Autora possui uma incapacidade permanente global de 60% desde Julho de 1997.

2.1.8. A Autora paga de prémio de seguro automóvel 481.67 euros anualmente.

2.1.9. A Autora paga de prémio de seguro de vida trimestralmente 214.90 euros.

2.1.10. A Autora paga de prémio de seguro multirriscos habitação a quantia anual de 131.19 euros.

2.1.11. A Autora paga anualmente 29.88 euros de seguro de vida a funcionários contraído junto da AXA.

2.1.12. A Autora padece desde 02.12.06 de lúpus eritmatoso sistémico com envolvimento renal, hematológico, pulmonar, vascular e cutâneo mucoso.

2.1.13. No ano de 2009, entre os meses de Março e Julho de 2009, teve despesas em consultas médicas no hospital da CUF Infante Santo, British Hospital, Clínica do Lambert, P. Cortes, Lda articular - clínica de reumatologia, Ida e Dr. Joaquim Chaves no montante de 265.22 euros.

2.1.14. A Autora gastou em farmácia 50.43 euros.

2.1.15. A Autora gastou no ano de 2009 o valor de 820 euros relativo a despesas nas partes comuns do prédio onde habita.

2.1.16. No ano de 2009 a Autora pagou de Janeiro a Abril a quantia de 120 euros de condomínio e fundo de reserva.

2.1.17. A Autora viveu com o falecido desde o ano de 2004 até à data da sua morte (1).

2.1.18. Período durante o qual a Autora e o falecido partilharam o mesmo leito e habitação, tomando refeições em conjunto e cada um contribuindo com o seu esforço para as despesas do lar e auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia (2).

2.1.19. Fazendo férias juntos, tendo o mesmo círculo de amigos e vivendo como se fossem marido e mulher e assim sendo reconhecidos e tratados por amigos, familiares e vizinhos (3).

2.1.20. Para prover ao sustento da vida em comum, havia participação do autor e do falecido (4).

2.1.21. A Autora acompanhou sempre o falecido nos vários tratamentos de saúde a que este foi submetido no British Hospital em Lisboa, desde 2007 até à altura do óbito, bem como durante o tempo em que recebeu acompanhamento na unidade de quimioterapia e oncologia no mesmo hospital em virtude da doença de que padecia e em consequência sujeita a internamento e operações dando toda a assistência e apoio necessários ao falecido, o que fez até à morte (5).

2.1.22. A Autora continua a ser trabalhadora de uma empresa seguradora e a auferir o mesmo ordenado que em Agosto de 2009 (6).

2.1.23. A Autora no ano de 2010 paga cerca de 600 euros ao BBVA por força do contrato de mútuo celebrado para aquisição de habitação (7).

2.1.24. A Autora despende mensalmente com água, electricidade, gás e telemóvel quantia não inferior a 119.12 euros, a que acresce a tarifa de conservação de esgotos no montante anual de 49.18 euros (8).

2.1.25. A Autora despende em média quantia não inferior a 400 euros mensais em compras de supermercado - alimentação e consumíveis (9).

2.1.26. O pai da Autora é reformado e apenas tem para o seu sustento.

2.1.27. A filha da Autora aufere um vencimento líquido mensal de 846.52 euros.

2.1.28. Gasta mensalmente em média 48.45 euros de electricidade, 14.14 euros de água e ainda paga dois empréstimos que contraiu junto do Banco Santander Totta no valor de 179.58 euros e 214.31 euros, restando-lhe 383.63 euros que gasta em transportes, alimentação, vestuário e despesas médicas e medicamentosas.

2.1.29. O seu filho DD aufere em média a quantia de 1029.20 euros mensais.

2.1.30. Suporta mensalmente o montante médio de 75.42 euros em TV cabo, 43.60 euros em electricidade e água, 68.67 euros com o seguro de automóvel, 41.43 euros de condomínio, 22.93 euros de IMI e ainda 329.50 euros de prestação mensal de um empréstimo contraído junto do Montepio Geral e 352.72 euros de um empréstimo contraído junto do BPN.

2.1.31. Paga uma pensão de alimentos ao filho valor de 150 euros mensais e ainda paga o colégio frequentado pelo menor no valor de 140 euros.

2.1.32. Despende em média 300 euros em alimentação e 150 euros em combustível.

2.1.33. O irmão EE aufere 1431.40 euros.

2.1.34. Despende, em média, mensalmente a quantia de 31.74 euros com o serviço da Clix, 8,65 euros em tarifa de conservação de esgotos, 15.66 em água, 46.51 euros de IMI, 27.35 euros em electricidade, 14.56 euros em gás e 74.66 euros em seguro de dois veículos automóveis.

2.1.35. Gasta em média, mensalmente, 600 euros em alimentação e outros consumíveis necessários, 84,56 anualmente com um prémio de seguro de vida, 200 euros em combustível e 50 euros com despesas escolares com um seu filho.

2.1.36. Auxilia uma sua filha em princípio de vida.

2.1.37. O irmão FF aufere mensalmente 1894.22 euros.

2.1.38. Despende mensalmente 19,93 em água, 94,87 euros em electricidade e pagou no ano de 2008 em seguros os montantes de 31,51 € ,49,69 €, 712,92 e 389,22 € .

2.1.39. O irmão da Autora pagou no ano de 2008 o montante de 7382,01€ a título de amortizações e juros no âmbito de empréstimo destinado a aquisição de habitação.

2.1.40. Gasta em média 400 euros mensais em alimentação.

                        +

     2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos: 

- A Pensão de Sobrevivência e a sua razão de ser.

- O caso concreto à luz da nova lei reguladora da problemática em causa e nomeadamente a sua aplicação ao caso em análise.

                        +

2.2.1. A Pensão de Sobrevivência e a sua razão de ser.

     As pensões de sobrevivência surgem na sua actual configuração com o DL 322/90 de 18 de Outubro.

     Pretende-se, como vem referido no preâmbulo do mencionado Decreto-Lei, compensar, mediante a concessão de prestações continuadas, o desequilíbrio provocado pela morte de um dos membros do casal.

     Este desiderato legal tem ínsita a ideia que o casamento e também uma união de facto consistente denotam uma comunhão de vida em que cada um dos seus membros contribuía com parte substancial dos seus proventos para a comunidade familiar. Essa situação criou expectativas e serviu de base a encargos que o casal assumiu. Compreende-se assim que o decesso de um dos membros crie naturalmente perturbação que deva ser atenuada mediante uma equilibrada compensação ao sobrevivo. É o que o artigo 4º do citado Diploma Legal pretende quando no seu nº 1 estatui que "as pensões de sobrevivência são prestações pecuniárias que têm por objectivo compensar os familiares do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste. E esclarecendo melhor, refere-se no nº 2 que "o subsídio por morte destina-se a compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do beneficiário, tendo em vista facilitar a reorganização da vida familiar". Mesmo a este nível, a vocação das prestações sociais não é necessariamente vitalícia, o que é alertado logo no preâmbulo do Diploma e na alínea a) do artigo 41º onde se refere expressamente que "para além das causas gerais de cessação das pensões, o direito às mesmas cessa com o casamento dos pensionistas cônjuges ou ex-cônjuges dos beneficiários".

                            +   

     2.2.2. O caso concreto à luz da nova lei reguladora da problemática em causa e nomeadamente a sua aplicação ao caso em análise.

     Este regime que acima tratámos em termos gerais terá necessariamente de ser tomado em linha de conta com as necessárias adaptações na decisão do caso sub iudice conjugando-o com outros normativos aplicáveis e à luz dos pertinentes conceitos hermenêuticos e interpretativos.

     O decesso do falecido membro da união de facto, BB, ocorreu a 19-2-2009 no estado de solteiro, tendo a presente acção dado entrada em Juízo a 8/10/2009.

     Entretanto foi publicada a Lei 23/2010 de 30 de Agosto de cariz inovador[1], que veio entre outras alterações à Lei 7/2001, dispensar a prova da necessidade de alimentos para ter direito a uma pensão como membro sobrevivo de uma união de facto e impossibilidade da sua prestação por parte dos familiares do requerente e por parte da herança do falecido.

     O direito às prestações sociais a favor de quem viveu em união de facto com beneficiário de qualquer regime público de segurança social depende agora única e exclusivamente da qualidade de beneficiário e da prova de ter vivido como o falecido em condições análogas às dos cônjuges por mais de 2 anos.

     A sentença de 1ª instância, tudo ponderado, entendeu que a impetrante se encontrava em situação de auferir a pensão de sobrevivência da parte da Segurança Social. No entanto a Relação de Évora revogou o decidido, fundamentalmente porque entendeu que “as alterações ao Regime de União de Facto introduzidas pela Lei nº 23/2010 não se aplicam aos casos em que o membro de uma união de facto que faleceu em momento anterior à data da sua entrada em vigor, atendendo a que lhe não foram atribuídos efeitos retroactivos”, embora tivesse perdurado por mais de dois anos.

     Pelo nosso lado não podemos sufragar o entendimento da Relação.

     Estamos perante um caso de aplicação da lei no tempo. Em sede geral rege esta problemática o artigo 12º do Código Civil que “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

     2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

     Importa à partida qualificar a união de facto perante o normativo em análise, o que terá lugar à face do estatuído no artigo 1º nº 1 da Lei 23/2010 de 30 de Agosto. Na verdade ao referir que “A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”. Resulta da lei que estamos perante um estado de facto tendente a prolongar-se no tempo, a que a lei atribui efeitos jurídicos em determinados casos, verificados que sejam determinados condicionalismos. Por outro lado não nos restam dúvidas que a dissolução da união por morte de um dos seus membros cria por seu turno e de igual forma um estado de facto que com idêntica vocação temporal.

     Nestas situações abstrai-se do facto que lhes deu origem regulando-se as mesmas ao longo do tempo pelos normativos que se vão sucedendo[2].

     Antes da entrada em vigor da Lei 23/2010, tinha o impetrante sobrevivo de preencher determinados requisitos, nomeadamente os do artigo 2020º do Código Civil, desde logo a impossibilidade de obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º. A lei em causa veio atribuir uma pensão de alimentos ao membro sobrevivo da união de facto independentemente de ele ter ou não necessidade dos mesmos.

     A pergunta que surge, face ao exposto, é se a redacção ao artigo 6º da citada Lei é de aplicação imediata terá que ser positiva.

     Lê-se no Ac. deste Supremo Tribunal de “(…) quando é publicada uma lei nova, esta dispõe, por via de regra, para o futuro, a menos que o legislador tenha atribuído efeitos retroactivos à nova regulamentação, sendo certo que o princípio da não retroactividade não tem força de preceito constitucional, com excepção do âmbito restrito das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido, atento o preceituado pelo artigo 29º, nºs 1, 2, 3 e 4, da CRP.

     Assim sendo, a lei não deve aplicar-se, em princípio, a factos passados, nem aos seus efeitos, sendo certo que a definição do que são ou não são os factos passados e os respectivos efeitos dos factos pretéritos, deve encontrar-se, no artigo 12º, nº 2, do CC, que desenvolve o princípio da não retroactividade, nos termos da teoria do facto passado, na formulação doutrinária defendida por Enneccerus.

     Ora, este nº 2, do artigo 12º citado, preceitua que “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. (…) Sempre que a nova lei se prenda, directamente, com qualquer facto que tenha servido de fonte ou sirva de causa extintiva ou modificativa do direito [constituição], só podem servir de pressuposto à aplicação da nova lei os factos posteriores à sua entrada em vigor, enquanto que, pelo contrário, se a nova lei se refere, imediatamente, ao direito, sem qualquer conexão directa com o facto que lhe serviu de fonte ou de termo [conteúdo], aplica-se, imediatamente, a todas as situações ou direitos existentes, constituídos ou a constituir, que se mantenham no futuro”.

     Daqui resulta a aplicação imediata dos preceitos da Lei nº 23/100. Para tanto militam as razões que apontámos a que acrescerão outras entre as quais se poderá referir estoutra que resulta do artigo 9º nº 3 do Código Civil ao estatuir que “na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Ora perante este normativo impõe-se desde logo esta conclusão; é de supor que na base da alteração de uma lei por parte de um legislador, que se tem de presumir sensato, esteve o facto de entender que a anterior solução legislativa conferida a determinado tipo de situação já não se adequa à realidade que visava regular. Nesta conformidade deverá a nova lei aplicar-se às situações que perduram no tempo à data da sua entrada em vigor[3]. Concretamente e volvendo ao caso em análise, a nova redacção introduzida ao artigo 6º da Lei 7/2001 pela Lei 23/2010 de 30 de Agosto aplica-se a todos os casos em que a dissolução da união de facto tenha ocorrido independentemente da data em que o óbito do cônjuge tenha ocorrido, nomeadamente antes da entrada em vigor da lei imediata e anteriormente citada[4]. Aliás imperativos constitucionais o impõem, desde logo adrede o “princípio da igualdade”, com sede no artigo 13º da Constituição. Outra interpretação da lei oneraria inexplicavelmente os candidatos a pensões de sobrevivência cuja união tivesse sido dissolvida anteriormente à nova lei que regula estes casos, os quais sendo idênticos seriam portadores de condicionalismos que o próprio legislador considerou dispensáveis. Independentemente da Lei 23/2010 não ter feito menção ao seu efeito retroactivo, o mesmo impõe-se pelos considerandos expendidos.

     Assim sendo a impetrante terá o direito a que lhe seja atribuída pensão de sobrevivência a partir do momento do início da vigência da Lei 23/2010 de 30 de Agosto, ou seja de harmonia com o artigo 11º da lei supra-referida que alterou a Lei 7/2001, a partir da Lei do Orçamento de Estado posterior à sua entrada em vigor.

     Haverá pois que conceder a revista, nos termos a que aludimos.

     Em síntese diremos que:

     1) As pensões de sobrevivência surgem na sua actual configuração com o DL 322/90 de 18 de Outubro.

     2) Pretende-se, como vem referido no preâmbulo do mencionado Decreto-Lei, compensar, mediante a concessão de prestações continuadas, o desequilíbrio provocado pela morte de um dos membros do casal.

     3) Este desiderato legal tem ínsita a ideia que o casamento e também uma união de facto consistente denotam uma comunhão de vida em que cada um dos seus membros contribuía com parte substancial dos seus proventos para a comunidade familiar. Essa situação criou expectativas e serviu de base a encargos que o casal assumiu.

     4) A Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto veio entre outras alterações à Lei 7/2001 dispensar a prova da necessidade de alimentos para ter direito a uma pensão como membro sobrevivo de uma união de facto e impossibilidade da sua prestação por parte dos familiares do requerente e por parte da herança do falecido.

     5) As alterações em causa aplicam-se às uniões dissolvidas antes da entrada em vigor da nova lei já que aquelas configuram verdadeiros “estados de facto” que se prolongam no tempo independentemente da sua origem, sendo que esta solução se impõe até por força do “princípio da igualdade” consagrado no artigo 13º da Constituição da República.

     6) A atribuição da pensão de sobrevivência, de harmonia com o artigo 11º da lei supra-referida que alterou a Lei 7/2001, tem efeito a partir da Lei do Orçamento de Estado posterior à sua entrada em vigor.

                            *

     3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se conceder a revista nos termos referidos e assim de harmonia com o disposto nos artigos 3º nº 1 alínea e) e 11º da Lei 7/2001 de 11 de Maio com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 23/2010 de 30 de Agosto reconhecemos à impetrante, AA, o direito a beneficiar de uma pensão de sobrevivência da Segurança Social a partir da vigência do Orçamento de 2011 ou seja 1-1-2011.

     Sem custas.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2012

Távora Victor (Relator)

Sérgio Poças

Granja da Fonseca (vencido conforme declaração que junto)

Voto de vencido do Cons. Granja da Fonseca:

Sem prejuízo do que consta do Ac. STJ de 19-01-2012, processo n. 1047/10.4TBFAR.E1.S1 – 7.ª secção, para o qual se remete, dir-se-á, em síntese:

1- O DL n.º 322/90, de 18 de Outubro, que veio definir e regulamentar a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, consagrando a extensão do regime jurídico das prestações nele estabelecidas às pessoas que se encontram na situação prevista no art. 2020.º do Código Civil, isto é que tenham vivido em condições análogas às dos cônjuges (vide art. 8.º, n.º 1, mantém-se em vigor.

2- As condições de atribuição das prestações são definidas à data da morte do beneficiário (vide art. 15.º do DL n.º 322/90).

3- A Lei 23/2010 não se aplica aos casos em que um dos membros da união de facto, beneficiário da segurança social, faleceu antes da entrada em vigor, como aquele que ora se verifica, ou seja não tem eficácia retroactiva, quer por não se verificarem os pressupostos exigidos na 2.ª parte do n.º 2 do art. 12.º do Código Civil, uma vez que a união de facto se dissolve com o óbito de um dos seus membros, quer por tal aplicação ser afastada pelo art. 15.º do DL 322/90, quer, finalmente, por esta lei não ser interpretativa da Lei 7/2001.

4- Pretender que o artigo 6.º desta nova lei seja aplicável aos óbitos de pretérito, isto é, aos óbitos ocorridos antes da sua entrada em vigor, faria incorrer o legislador numa dualidade de critérios, tornando o sistema incoerente.

4.1 – A aplicação da Lei 23/2010, no caso de óbitos de beneficiários da Segurança Social ocorridos antes da sua entrada em vigor, só será pretendida pelo membro sobrevivo no caso de não poder beneficiar dos pressupostos de que a Lei 7/2001 faz depender o direito às prestações por morte.

4.2.- Pois, caso se verifiquem tais pressupostos, a pensão será devida ao membro sobrevivo desde o mês seguinte ao da verificação do evento que o determina (óbito do beneficiário), não obstante o pagamento só se efectuar após o trânsito em julgado da respectiva sentença (artigos 36.º, n.º 3, e 53.º, n.º 4, do DL 322/90, e não a partir de 1 de Janeiro de 2011, pelo que aquela situação é mais favorável do que esta.

4.3. – Assim, o legislador não pode ter pretendido que, no caso do óbito ter ocorrido antes da entrada em vigor da Lei 23/2010, a Segurança Social esteja obrigada a satisfazer as aludidas prestações, nuns casos a partir do mês seguinte ao da morte do beneficiário e noutros casos a partir de 1 de Janeiro de 2011, conforme se verifiquem ou não os pressupostos estabelecidos na Lei 7/2001 (primitiva redacção).

4.4. – Mais. No caso de pessoa que não peticionara as referidas prestações por reconhecer que não beneficiava dos pressupostos exigidos, tendo, por isso, deixado caducar o direito, sempre poderia fazê-lo ao abrigo da Lei Nova.

5 – Assim não ficou a autora dispensada de alegar e provar os requisitos exigidos para beneficiar das prestações de Segurança Social por óbito do companheiro, nos moldes estabelecidos na Lei 7/2001, primitiva redacção e demais legislação aplicável.

6 – Porque o não fez, não pode ver reconhecida a pretensão que reclamava.

Pelo exposto revogaria o acórdão recorrido.

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      [1] Na verdade e de acordo com a definição de Baptista Machado, “o intérprete não podia face à lei antiga [aqui a primitiva redacção do artigo 6º da Lei 7/2001] adoptar as soluções que a lei nova veio trazer”, o que constitui a nota caracterizadora da destrinça entre lei inovadora e lei interpretativa.
      [2] Cfr. Baptista Machado “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1983, pags. 234 e “Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil Almedina Coimbra 1968, pags. 209 ss.
      Na Jurisprudência cfr. Acs. deste STJ 13-9-2011; de 12-07-2011; de 06-07-2011, todos nas Bases do DGSI.
      [3] Para além dos já citados cfr. Pires de Lima e Antunes Varela “Noções Fundamentais de Direito Civil” I 1945, pags. 164.
      [4] Cfr. para além dos arestos já referidos os Acs. deste STJ de 23-11-2011, 22-09-2011, 27-10-2011, 13-09-2011 in www.dgsi.pt