Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
344/18.5T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
CUMULAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CONTRATO DURADOURO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
BOA FÉ
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
LUCRO CESSANTE
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
ANALOGIA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
FACTOS CONCLUSIVOS
MATÉRIA DE DIREITO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
Data do Acordão: 09/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.

II - A resolução de um contrato de execução duradoura é admissível sempre que à luz do princípio da boa-fé, em face de determinado facto ou circunstância, para lá da gravidade do incumprimento em si mesmo considerado, no contexto da viabilidade da relação contratual a respectiva execução se torne inexigível.

III - A declaração de resolução emitida pelo contraente que não tenha fundamento não produz qualquer efeito.

IV - Sendo de considerar admissível a cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo, impõe-se sempre uma ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa-fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Relatório

Vintagepink, Lda, intentou ação, com processo comum, contra Tartiaria, Lda, AA e BB pedindo a condenação destes solidariamente:

a) no pagamento da quantia de € 589,48, correspondente ao valor de 3% em amostras de “Licor de Aveiro” sobre todo o volume de compras realizado pela A.;

b) a recomprar à A. todos os produtos que esta detém em stock nas suas instalações (64 miniaturas Licor de Aveiro Morango e 76 miniaturas Licor de Aveiro tangerina), dada a impossibilidade de comercialização dos mesmos após a cessação do Contrato Comercial, determinando o preço dessa recompra, nos termos do art. 883.º, nº 1, do C. Civil, segundo juízos de equidade, que seja condenada a pagar à A. a quantia de 249,69, pelo incumprimento das suas obrigações contratuais, acrescido de juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento;

c) a pagarem à Ré a quantia de € 729,00, que deixou de ganhar por não ter tido acesso à mercadoria encomendada à Ré no dia 27/07/2017;

d) em virtude da cessação do Contrato Comercial celebrado pelas partes, pelo incumprimento contratual da responsabilidade dos aqui RR., devem estes ser condenados no pagamento de € 37.340,64 a título de indemnização à A.;

e) no pagamento de uma indemnização de Clientela, em virtude da cessação do Contrato Comercial celebrado entre as partes, em valor não inferior a € 5.894,78, acrescido de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, nos termos dos arts. 33.º e 34.º do D.L. nº 178/86, de 03/07;

f) por danos não patrimoniais indemnizáveis, computando-se para o seu ressarcimento a quantia nunca inferior a € 5.000,00, por ser justa e razoável para o caso sub judice, nos termos do art. 496.º do C. Civil, importância essa a que acrescerão os juros moratórios legais, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;

g) no pagamento referente a encargos de assessoria jurídica no valor de € 1.500,00 acrescido de IVA, que a A. terá de suportar com o presente processo;

h) a reconhecerem os RR. que a revogação do contrato invocada em 28/07/2017 não foi válida por ausência de fundamentos, logo não sendo eficaz, apenas se considerando o contrato denunciado a 10/10/2017 por incumprimento contratual da banda dos RR.;

i) os RR. AA e mulher BB, com a outorga do Contrato de Distribuição de Licores e outras bebidas em regime de exclusividade em todo o território nacional no dia 01/04/2016, devem ser declarados responsáveis pelo cumprimento do referido contrato, ficando pessoalmente obrigados perante a aqui A., assumindo solidariamente o cumprimento de todas as cláusulas contratuais, e por isso sejam também condenados nos termos do art. 627.º do C. Civil.

Alegou ter celebrado com a 1ª ré contrato pelo qual esta concedeu à A. o direito de, em regime de exclusividade, vender e distribuir o Licor de Aveiro por si produzido, e outros produtos com a marca comercial “Licor de Aveiro”, em todo o território nacional; que desde o início a 1ª Ré nunca cumpriu com as obrigações/proibições a que se vinculou. Vendeu duas garrafas a preço inferior ao que se obrigara; introduziu no mercado bebidas denominadas de Licor de Aveiro, fornecidas sem as devidas estampilhas fiscais, infrações que fizeram com que a A. instaurasse contra a 1ª Ré, a 29/11/2016, um Requerimento de Injunção a reclamar o pagamento de uma importância a título de sanção penal, valor este que foi pago pela 1ª Ré. Foi acordado verbalmente por ambas as partes, quanto à compensação do valor de 3% em amostras sobre o volume das vendas da A., prevista na Cláusula 13ª do contrato, que estas não teriam a aposição de “amostra/oferta/proibida a sua comercialização”. E era prática usual que a A. fizesse uso das bebidas que teria adquirido e consequentemente pago à Ré e utilizar as mesmas como amostras que oferecia gratuitamente aos Clientes para degustação, pois poderia repor o stock dessas bebidas oferecidas aos Clientes com as amostras a que teria direito em amostras sobre o volume das vendas da A.. A 1ª Ré, em julho de 2017, forneceu à A. garrafas onde estava aposta a informação “amostra/oferta/proibida a sua comercialização”. A 1ª Ré remeteu à A. uma carta datada de 25/05/2017, na qual alegou a falta de entrega dos relatórios trimestrais previstos na Cláusula 8º do Contrato, e impôs que a A. lhos enviasse no prazo de 10 dias, carta esta que só teve como finalidade prejudicar a ora A., e denunciar o contrato. A 1ª Ré manteve, ainda, uma postura de desinteresse pelo acompanhamento dos Clientes a que se tinha obrigado na Cláusula 10ª do Contrato. A A., a 27/07/2017, enviou um email à 1ª Ré a encomendar várias bebidas, nunca tendo esta satisfeito a encomenda. A A. procedeu à denúncia do contrato, o que fez por carta de 10/10/2017, por a 1ª Ré: a) não ter entregado os produtos encomendados no prazo máximo de seis dias úteis; b) não ter entregado as amostras; c) ter aberto um estabelecimento de venda ao público dos produtos que fornecia à A..

Os RR., na contestação defenderam que a sociedade Brightwizard, S.A., conseguiu que a 1ª Ré lhe vendesse duas garrafas de licor, pelo preço simbólico de € 7,50 cada uma, depois de a ter convencido que se tratava de duas garrafas para levar para o estrangeiro e que era uma forma de promoção do produto no exterior. A 1ª Ré desconhece a origem das três garrafas de Licor de Aveiro sem estampilha que lhe foram mostradas pela A.. A 1ª Ré, por ignorância, falta de dinheiro e não atendendo ao prazo para elaborar oposição ao requerimento de injunção, quando procurou apoio jurídico para o fazer já se encontrava fora de prazo. Quanto às amostras, no valor de 3%, estas destinavam-se apenas a entrega gratuita a eventuais clientes com vista à publicidade dos produtos e o que a A. pretendia é que as amostras lhe fossem entregues em condições de as poder vender, furtando-as ao seu verdadeiro propósito, auferindo assim um ilícito proveito financeiro. Relativamente ao volume de compras efetuado em 2017, atenta a resolução operada pela 1ª Ré, esta ficou a aguardar que a A. lhe facultasse o seu NIB para que pudesse proceder ao pagamento do valor devido de amostras, conforme carta que lhe dirigiu a 30/08/2017. A 1ª Ré sempre se mostrou disponível para visitas de acompanhamentos aos clientes. A 1ª Ré informou a A., por email, de que iria entrar em férias no período de 28/07/2017 a 18/08/2017, pelo que a A. sabia que a 1ª Ré não podia satisfazer a encomenda feita a 27/07/2017, uma vez que todas as encomendas tinham um prazo de entrega de 6 dias. A 1ª Ré pediu os relatórios trimestrais com indicação dos clientes e respetivo volume de vendas e nunca recebeu a informação alegadamente enviada pela A. por email de 15/06/2017.

… …

 Instruídos os autos, veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência condenou, solidariamente, os RR.:

a) a retomar os produtos que a A. lhe comprou e que esta tem em stock, ou devolver-lhe o valor pelo qual esta comprou à 1ª Ré, valor que será apurado em incidente de liquidação;

b) a pagarem à A. € 12.150,99, valor a que acrescem juros, à taxa legal comercial, a partir da citação.

E no mais absolveu os réus dos restantes pedidos.

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso a Autora e os Réus e a apelação julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela Autora e parcialmente procedente o recurso interposto pelos Réus, revogando nos seguintes termos a sentença recorrida:

Julga-se a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se, solidariamente, os Réus:

a) - a retomar os produtos que a Autora lhe comprou e que esta tem em stock, ou devolver-lhe o valor pelo qual esta comprou à 1ª Ré, valor que será apurado em incidente de liquidação;

b) - a pagarem à Autora a quantia de € 150,99, a que acrescem juros de mora, à taxa legal comercial, contados a partir da citação e até efectivo e integral pagamento.

c) - no mais, absolvem-se os Réus dos pedidos que contra si foram formulados.

…. …

A autora interpôs recurso de revista concluindo que:

“I. O douto Acórdão recorrido é nulo, nos termos do art. 195°, n°s 1 e 2, e na alínea d) do n° 1 do art° 615°, ambos do CPC, este último aplicável ex vi art. 666° do mesmo Código quanto à decisão proferida sobre os factos dados como provados em 1ª instância que embora, alegados, não foi sequer selecionados no âmbito da matéria de facto relevantes para a decisão da causa e, do mesmo passo, eliminar do processo factos dados como assentes, incorrendo, consequentemente, em manifesta violação dos termos em que é admissível a aquisição processual de factos na instância recursória, com repercussão e influência no exame e na decisão da causa.

II. É tendo presente toda a matéria de facto subjacente que deverão ser ponderadas as questões essenciais de Direito elencadas, razão pela qual supra se reproduziram e destacaram os factos que aparentam ter sido desconsiderados, ignorados pelo douto Acórdão recorrido e que neste recurso de revista supra elencaram-se

III. Não existiu fundamentos para a requerida resolução do Contrato por parte da Ré/Apelante, havendo uma verdadeira contradição com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação e os factos como provados, concretamente a verificada entrega das listagens e não havendo qualquer causa objectiva para a alegada resolução do Contrato

IV. A existir justa causa a mesma teria de ser aquela que as partes no próprio contrato definiram como causas justificativas para cessar com o contrato nomeadamente as previstas na cláusula 16ª do Contrato (facto como provado no ponto 3).

V. O juízo de avaliação do incumprimento, para efeitos do exercício do direito de resolução, incidirá sobre o interesse do credor em manter-se vinculado ao contrato, para tal havendo que realizar um juízo quanto à exigibilidade da manutenção do contrato, podendo este ser resolvido se face às circunstâncias, à luz do princípio da boa-fé, a manutenção do mesmo se torne inexigível

VI. Ora a justa causa constitui, por conseguinte, uma cláusula geral que remete para o juiz a questão de determinar, em cada situação concreta, até que ponto a prossecução da relação em curso é exigível.

VII. No caso dos autos, aferir da in/exigibilidade, para a Ré/Apelante, da manutenção do vínculo contratual com a Autora/Apelante, passa, no fundo, pela avaliação do parâmetro daquilo que Pinto de Oliveira (páginas 871 e seguintes) qualifica como “não cumprimento sintomático”: “O princípio subjacente ao não cumprimento “sintomático” é o de que o não cumprimento de menor importância deve ser equiparado ao não cumprimento de maior importância, desde que cause, justificadamente, o desaparecimento da confiança do credor na (adequada) realização das prestações futuras.”

VIII. Ou seja, “o atraso em si não será, porventura, (suficientemente) grave; o conjunto dos atrasos, sim; o cumprimento defeituoso ou imperfeito em si não será, porventura, (suficientemente) grave; o conjunto dos cumprimentos imperfeitos, sim.” (cit., pág. 873).

IX. No caso em concreto não se verifica incumprimento por parte da Autora/Apelante incumprimentos suficientes para gerar desconfiança que possa fundamentar a Resolução do Contrato até porque como já indicado as listagens foram entregues como resulta dos factos provados em 25 e 42, ou seja, não se verifica a prática de actos por parte da Autora/Apelante que possam afectar a confiança na contraparte para que a relação contratual se torne irremediavelmente afectada.

X. Existindo assim uma clara violação da aplicação da lei no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, concluindo-se que não existem fundamentos admissíveis para a verificação da resolução do contrato em 28/07/2017, pois os motivos invocados pela Ré/Apelante não se verificaram, não tendo sido pelo Douto Tribunal da Relação  ….. considerados os factos provados nos pontos 25 e 42 que ora se reproduzem:

XI. O não acolhimento, o desvalor quanto aos factos dados como provados que representam graves e incontornáveis incongruências, representando excessivos e injustificados benefícios para os Réus que ofendem a melhor aplicação do Direito e o mais elementar sentido de justiça

XII. Aos alegados danos da Recorrente/Autora, deverão sempre e imprescindivelmente incidir sobre acontecimentos ou factos concretos, desde logo como pressuposto essencial para assegurar o exercício efetivo do contraditório pela contraparte

XIII. Existem factos suficientes para se fixar o montante das indemnizações, quer a título de lucros cessantes, quer de clientela como resulta dos factos provados;

XIV. Justifica-se que os lucros deixados de receber, incluam a indemnização devida ao outro contraente, de modo a salvaguardar, de um modo mais adequado, a execução do contrato de acordo com os ditames do princípio da boa-fé e a facilitar a prova do dano, designadamente numa relação contratual duradoura.

XV. A indemnização de clientela é uma compensação atribuída, no termo do contrato, pelos benefícios de que a outra parte continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo outro contraente.

XVI. A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos.

XVII. A Recorrente enviou à Ré/Apelante, a 27/07/2017, o email junto a fls. 155 a encomendar várias bebidas, não tendo a Ré/Apelante confirmado o e-mail recebido, nem colocou à disposição da Recorrente no prazo máximo de seis dias úteis estas bebidas, conforme resulta dos factos provados nos pontos 15 e 16, mais uma vez ignorados pelo douto Acórdão, fazendo tábua rasa da prova produzida em audiência de julgamento em sede de 1ª instância, violando mais uma vez a lei, havendo decisão contrária à prova produzida.

XVIII. A Ré/Apelante abriu um estabelecimento de venda ao público dos produtos que fornecia à aqui Recorrente, violando grosseiramente o cumprimento do Contrato celebrado entre as Partes e consequentemente viola o regime de exclusividade a que estava obrigada, conforme factos provados.

XIX. A Recorrente enviou à Ré/Apelante Sociedade, a 10/10/2018, a carta junta a fls. 188/189, a denunciar o contrato por, além do mais, a Ré/Apelante Sociedade: a) não ter entregado os produtos encomendados no prazo máximo de seis dias úteis;

b) não ter entregado as amostras, por força do disposto na Cláusula 13ª do Contrato; c) abertura de um estabelecimento de venda ao público dos produtos que forneciam à Recorrida Sociedade.

XX. No primeiro ano de vigência do contrato a Recorrente comprou um volume de bebidas no valor de € 16.955,55 à Recorrida, excedendo o volume de compras contratado para o 1.º ano, que era € 10.000,00, em cerca de 69,55%

XXI. A Recorrente entregou as listagens conforme requerido pela Ré/Apelante Sociedade

XXII. Em face de todo o exposto, verifica-se que o douto Acórdão recorrido incorre em violação do disposto nos arts. 801°, 562º a 566º, 432º do Código Civil, configurando, neste âmbito, as nulidades previstas no art° 195° e na alínea d) do n° 1 do art° 615°, ambos do CPC, aplicável ex vi art° 666° do mesmo Código.

XXIII. Em conformidade, deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue:

-Ilegalmente resolvido o contrato dos autos por parte da Ré em 28/07/2017, considerando que a esta data já haveria a entrega de listagens de venda conforme requerido e factos provados no ponto 25.

- Legal, in casu, a condenação cumulativa nas indemnizações dos danos resultantes dos factos provados no ponto 33 supra descritos, danos patrimoniais a título de lucros cessantes que totalizam o valor de 6.284,55 € e ainda o valor de 1.571,14 € a título de indemnização por perda de Clientela.

- Improcedentes os pedidos dos Réus

- Procedentes os pedidos pela Recorrente, considerando devida a indemnização pela violação do direito de exclusividade, considerando como verificada a resolução do Contrato dos autos em 10/10/2018

Nas contra-alegações os recorridos defendem a confirmação da apelação e a improcedência da revista.

 Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Está provada a seguinte matéria de facto:

“1 - A Autora é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada, com sede social na Rua dos Andoeiros, S/N, Aveiro, que se dedica ao comércio por grosso e a retalho de bebidas alcoólicas bem como ao comércio de máquinas e equipamentos hoteleiros (A).

2 - A Ré Tartiaria Unipessoal, Lda., é uma sociedade de responsabilidade limitada com sede social na Rua da Maritona, nº 53, Oliveirinha, Aveiro, que se dedica à produção e comércio por grosso de licores, nomeadamente a bebida LICOR DE AVEIRO, e de outras bebidas destiladas (B).

3 - Entre a ora Ré Tartiaria, Lda, e a ora Autora Vintagepink, Lda., foi celebrado o contrato junto a fls.49/55, intitulado “Contrato de Distribuição de Licores e outras Bebidas com Exclusividade Geográfica”, do qual constam (além de outras que não interessa reproduzir) as seguintes cláusulas:

- Cláusula 1ª: a primeira contraente (a ora Ré Tartiaria, Lda) concede à segunda contraente (a ora A. Vintagepink, L.da) o direito de, em regime de exclusividade, vender e distribuir o Licor de Aveiro por si produzido, e outros produtos com a marca comercial “Licor de Aveiro” registada sob o nº 549286, em todo o território nacional.

- Cláusula 2ª: a segunda contraente compra e vende em seu nome próprio e por sua própria conta e risco, os produtos produzidos pela primeira contraente, ingressando-os no seu comércio sem necessidade de qualquer termo ou condição.

-Cláusula 3ª: a segunda contraente, através do presente contrato, propõe-se a atingir a meta mínima anual de volumes de compras de “Licor de Aveiro” à primeira contraente no valor de € 10.000,00 para o primeiro ano de vigência do contrato, € 15.000,00 para o segundo ano de vigência do contrato, e € 20.000,00 para o terceiro e posteriores anos de vigência do contrato.

- Cláusula 4ª:

4.1 – A segunda contraente compromete-se a vender cada garrafa de 500 mm de “Licor de Aveiro” pelo preço de € 6,00, valor este com valor de IEC incluído e acrescido do valor de IVA calculado à taxa legal em vigor.

4.2 – A segunda contraente compromete-se a vender cada garrafa de 50 mm de “Licor de Aveiro” pelo preço de € 1,00, valor este com valor de IEC incluído e acrescido do valor de IVA calculado à taxa legal em vigor.

- Cláusula 6ª:

6.1- Acordam as contraentes que os pedidos de encomendas do produto serão efectuadas pela segunda contraente via email para o endereço geral@licordeaveiro.com, obrigando-se a primeira contraente a confirmar a sua receção.

6.2 – A primeira contraente compromete-se a entregar e ter à disposição da segunda contraente os produtos encomendados no prazo máximo de 6 dias úteis após recepcionar o pedido de encomenda, os quais serão levantados pela segunda contraente na sede da primeira contraente.

- Cláusula 8ª: a segunda contraente compromete-se a enviar uma relação de vendas por cliente a cada trimestre, com os respectivos preços de venda, por forma a assegurar à primeira contraente a continuidade de fornecimento em caso de denúncia do presente contrato por iniciativa de alguma das contraentes.

- Cláusula 10ª: a primeira contraente compromete-se a acompanhar a segunda contraente pelo menos na primeira visita aos clientes indicados na relação referida na cláusula anterior, de forma a promover e agilizar a transição entre vendedores/fornecedores do “Licor de Aveiro” evitando-se a perda de clientes.

- Cláusula 11ª:

11.1 – A primeira contraente compromete-se a delegar num comercial, enólogo ou representante, para no mínimo trimestralmente acompanhar um comercial que representará a segunda contraente, nas visitas aos clientes de maior importância, com vista a preservar, motivar, e impulsionar o volume de vendas da segunda contraente.

- Cláusula 13ª: a segunda contraente para execução do seu trabalho terá direito a amostras do “Licor de Aveiro”, sem qualquer custo, cuja quantidade será calculada no montante de 3% do valor correspondente a todo o volume de compras realizada até ao anterior pedido de amostras.

- Cláusula 14ª:

14.1 – Entende-se por exclusividade o direito único e exclusivo da segunda contraente de vender o “Licor de Aveiro” produzido pela primeira contraente em todo o território nacional.

14.2 – Reconhece a primeira contraente que com a outorga do presente contrato, fica proibida de praticar quaisquer actos de comércio, entendidos como venda e/ou entrega de quaisquer produtos por si produzidos, por si ou por interposta pessoa, a retalhistas, grossistas ou a consumidores finais, cuja sede, morada ou estabelecimento se situe em território nacional.

14.3 – A exclusividade pode ser unicamente afastada pela primeira contraente nos seguintes casos:

a) venda directa ao consumidor final em feiras ou certames, ao preço mínimo de € 12,00, com o valor de IVA incluído;

b) fornecimento a granel à comissão de festas do S. Gonçalinho de Aveiro, a fim de comercialização do “Licor de Aveiro” sob o nome de “Licor de Alguidar” com o exclusivo fim de angariar fundos para a festa de S. Gonçalinho em Aveiro, sendo neste caso obrigatório que a segunda contraente expresse de forma escrita a sua autorização para o efeito.

- Cláusula 15ª:

15.1 – Ao não cumprimento por parte da primeira contraente das obrigações/proibições relativas à exclusividade, referidas na cláusula anterior, será aplicada uma sanção penal de carácter pecuniário, correspondente ao valor de 5 vezes o valor da(s) factura(s) que a primeira emitiu a favor do cliente afecto à área de exclusividade da segunda, com um mínimo de € 500,00 por infracção.

15.2 – O comportamento reiterado da primeira contraente, implicará que a reincidência na violação do direito de exclusividade, faça assistir o direito à segunda de:

a) denunciar o presente contrato a todo o tempo;

b) a uma indemnização correspondente a todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos;

c) a devolver todo o “stock” que possui, caso em que a primeira fica obrigada a aceitar, devendo ainda devolver o dinheiro por conta das facturas de “stock”, entretanto já liquidadas.

- Cláusula 16ª:

16.1 – O presente contrato terá uma duração de 5 anos, renovável por iguais períodos, excepto se as partes se opuserem à sua renovação, com uma antecedência de 3 meses sobre o seu termo ou sobre o termo da renovação, com a excepção do número seguinte.

16.2 – A oposição à renovação por parte da primeira, apenas se poderá verificar se a segunda no ano anterior não atingir o objectivo das compras anuais referida na cláusula terceira.

16.3 – A primeira apenas poderá proceder à denúncia do presente contrato nos seguintes casos:

a) por extinção, insolvência ou procedimento especial de recuperação e revitalização da segunda;

b) por conduta praticada pela segunda que fira a imagem e os direitos da primeira;

c) pela total incúria, desleixo pela execução/objectivos do presente contrato pela segunda.

16.4 – A denúncia indicada no número anterior deverá ser efectuada com antecedência mínima de 1 mês, sobre a data em que pretendem ver verificada a extinção.

- Cláusula 20ª:

20.1 – O presente contrato tem o seu início de vigência em 1 de Abril de 2016 e vigorará por um período de 5 anos.

20.2 – Todas as comunicações entre as partes deverão ser efectuadas por escrito através de carta registada com aviso de recepção ou por email, sendo neste caso necessário que a parte contrária acuse a sua recepção, não podendo posteriormente invocar a sua não notificação.

- Cláusula 22º: os terceiros contraentes (os ora RR. AA e BB) declaram-se responsáveis pelo cumprimento do presente contrato, ficando pessoalmente obrigados perante a segunda contraente, assumindo solidariamente com a primeira contraente o cumprimento de todas as cláusulas do presente contrato (C).

4 - A Ré Tartiaria, Lda., a 12/06/2016, efectuou uma venda à sociedade Brightwizard, S.A., com o NIPC Nº 510 800 467, com sede social na Rua Alexandre Herculano, nº2, 4º Direito, Santo António, 1150-006 Lisboa, do “Licor de Aveiro”, com o preço por unidade de € 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos) registado sob factura nº 009 datada de 12/06/2016 (D).

5 - A 29/11/2016, a Autora deu entrada de Requerimento de Injunção no Balcão Nacional de Injunções, no qual reclamou à aqui Ré a quantia de € 1.549,87, sendo € 1.230,00 a título de capital (sanção penal – cláusula 15ª), € 18,87 a título de juros de mora vencidos, € 51,00 a título de taxa de justiça já paga e o valor de € 250,00 a título de encargos de assessoria jurídica, que adquiriu o nº 124694/16.0YIPRT (E).

6 - Notificada a ora Ré daquele procedimento e não tendo sido deduzida oposição dentro do prazo que lhe era concedido, foi aposta fórmula executória ao supracitado Requerimento de Injunção, a 09/03/2017 – fls. 74 (F).

7 - As infracções que a Autora entende que a 1ª Ré praticou, e que deram origem a este requerimento de injunção, foram a venda por parte da Ré do “Licor de Aveiro” a € 7,50 a garrafa à sociedade identificada em 4 dos Factos Provados, e ter a 1ª Ré introduzido no mercado bebidas denominadas de Licor de Aveiro, fornecidas sem as devidas estampilhas fiscais (G).

8 - A 1ª Ré procedeu ao pagamento do valor peticionado em sede de Injunção (H).

9 - Durante o decorrer do ano de 2016 e 2017, no âmbito da sua actividade, a Autora comprou à Ré diversas bebidas para posterior venda, no valor total de € 19.649,25, devidamente discriminado nas facturas indicadas no artigo 29.º da petição inicial (I).

10 - A 03/05/2017, o gerente da Ré Sociedade, enviou um e-mail à A., informando que, a partir daquela data, quanto à compensação do valor de 3% em amostras sobre o volume das vendas da A., seria fornecido, “em produto, embalado em garrafas de 500mm, com aposição nas mesmas da seguinte informação “amostra/oferta/proibida a sua comercialização”. Reforçamos aqui que este produto se destina única e exclusivamente a suportar acções de promoção, divulgação e provas do produto Licor de Aveiro” – fls. 101 (J).

11 - A 1ª Ré remeteu à A. a carta junta a fls. 109, datada de 25/05/2017, na qual alega a falta de entrega dos relatórios trimestrais previstos na Cláusula 8º do Contrato, e impõe que a aqui A. lhos envie no prazo de 10 dias (K).

12 - No dia 11/07/2017 foi enviada pela Ré Tartiaria Lda., à A. a carta junta a fls. 139, informando a Autora de que, atendendo ao disposto na cláusula 13ª do Contrato de fornecimento celebrado, estaria à disposição nas suas instalações, produto no valor de € 328,26 e para o efeito de a Autora proceder ao seu levantamento (L).

13- Nas referidas garrafas estava aposta a informação “amostra/oferta/proibida a sua comercialização” (M).

14 - A Autora, quando se apercebeu deste facto, procedeu ao envio à Ré do email junto a fls. 142, a solicitar a entrega dos 3% de amostras do valor total de compras em Licor de Aveiro devido com o escrupuloso cumprimento do Contrato e para o efeito envia também o mapa do volume de compras de Licor de Aveiro relativo ao primeiro trimestre de 2017, e informa de que não aceita que nas referidas bebidas seja aposta a menção “amostra/oferta/proibida a sua comercialização” (N).

15 - A Autora enviou à 1ª Ré, a 27/07/2017, o email junto a fls. 155 a encomendar várias bebidas (O).

16 - A 1ª Ré não confirmou o e-mail recebido, nem colocou à disposição da A. no prazo máximo de seis dias úteis estas bebidas (P).

17 - A 1ª Ré enviou à Autora, a 28/07/2017, a carta junta a fls. 177, a resolver o contrato de exclusividade com a Autora, alegando “Reportando-nos à carta que vos foi dirigida a 11/07/2017, atendendo a que, apesar da concessão de mais tempo, até ao momento não nos foi remetida a informação em falta, consideramos resolvido o contrato de exclusividade celebrado com V. Exas, por existência clara de justa causa objectiva, traduzida no incumprimento definitivo das V/obrigações contratuais” (Q).

18 - A Ré abriu um estabelecimento de venda ao público dos produtos que fornecia à aqui A. (R).

19 - A Autora enviou à 1ª Ré, a 10/10/2018, a carta junta a fls. 188/189, a denunciar o contrato por, além do mais, a 1ª Ré: a) não ter entregado os produtos encomendados no prazo máximo de seis dias úteis; b) não ter entregue as amostras, por força do disposto na Cláusula 13ª do Contrato; c) abertura de um estabelecimento de venda ao público dos produtos que forneciam à 1ª Ré (S).

20 - No primeiro ano de vigência do contrato a Autora comprou um volume de bebidas no valor de € 16.955,55 à R., excedendo o volume de compras contratado para o 1.º ano, que era € 10.000,00, em cerca de 69,55% (T).

21 - A Ré enviou à A. a carta junta a fls.109, registada e com a/r, datada de 25/05/2017, com o seguinte teor (além do mais que não interessa transcrever):

“Reportando-nos à N/carta que vos foi enviada a 03/05/2017 (Reg. c/AR) sobre o assunto em epígrafe, a qual nos foi devolvida por “não reclamada”, reiteramos abaixo o seu conteúdo, solicitando uma resposta no prazo impreterível de 10 dias.

Caso não obtenhamos resposta à presente carta, ou também esta não seja reclamada por V.Exas a partir do final do prazo concedido, serão suspensos todos os fornecimentos à V/ empresa.

«Reportando-nos ao contrato de exclusividade celebrado com essa empresa, informamos V. Exas do seguinte:

1 – Não nos foram entregues os relatórios trimestrais previstos na cláusula 8ª, relativos ao 2º, 3º e 4º trimestres de 2016 e 1º de 2017, incumprindo V. Exas relativamente ao contratado. Dispõem V. Exas de 10 dias, contados da recepção desta carta para o fazer.

2 – A referida documentação em falta, bem como qualquer comunicação dirigida à nossa empresa, deverá ser feita pelo correio, para a nossa morada e devidamente subscrita pela gerência. Só assim será tida em consideração»”.

22 - O Mandatário da A. enviou à Ré a carta junta a fls. 131/132, datada de 16/06/2017, com o seguinte teor (além do mais que não interessa transcrever):

“Na qualidade de Mandatários Judiciais da sociedade Vintagepink, L.da, com quem V. Exas celebraram um contrato de exclusividade para a comercialização da bebida “Licor de Aveiro”, vimos pela presente, e em face da vossa missiva datada de 25/05/2017, informar do seguinte:

Quanto ao ponto nº 1, o mesmo por mero lapso não fora entregue tempestivamente, todavia, cremos que à data do envio da presente missiva já estará mais uma vez sanado.

Relativamente ao ponto dois, com excepção do que decorra do contrato que imponha o envio por outra forma, nomeadamente por email, far-se-á do modo sugerido”.

23 - A 1ª Ré enviou à A. a carta, registada e com a/r, datada de 11/07/2017, junta a fls.326, do seguinte teor:

“Reportando-nos à carta que vos foi dirigida em 26/05/2017, e atendendo a que até ao momento não nos foi remetida a informação em falta, informamos que, a partir deste momento, os fornecimentos encontram-se suspensos até cumprimento escrupuloso do contratualmente estabelecido.

Atendendo ainda a que, com base no contrato de exclusividade em vigor, esta suspensão dita a cessação imediata de vendas do nosso produto, aguardamos 10 dias pelo envio da informação em falta, findos os quais, caso a situação persista, consideraremos o contrato de fornecimento definitivamente incumprido, para todos os efeitos legais”.

24 - Esta carta não foi recebida pela A. – fls. 327.

25 - A Autora enviou à 1ª Ré as listagens de vendas por cliente por email de 15/06/2017 – fls. 110/126 e fls. 404/420.

26 - A Ré vendeu 10 garrafas de Licor de Aveiro, por € 80,00, a CC, amigo do seu sócio-gerente, algumas delas sem as devidas estampilhas fiscais, por aquele lhe ter garantido que seriam para oferecer a familiares no Natal.

27 - O referido CC ofereceu algumas destas garrafas a uns amigos que tinham aberto pouco antes uma garrafeira, dizendo-lhes que o licor devia ser consumido na loja, isto é, oferecido aos clientes como degustação.

28 - As amostras referidas na cláusula 13ª, no valor de 3%, destinavam-se apenas a entrega gratuita a eventuais clientes com vista à publicidade dos produtos.

29 - A Autora utilizou algumas das bebidas que adquiriu e consequentemente pagou à 1ª Ré como amostras que ofereceu gratuitamente aos Clientes para degustação, pois esperava poder repor o stock dessas bebidas oferecidas aos Clientes com as amostras a que teria direito por força do disposto na cláusula 13ª do referido Contrato, através da compensação do valor de 3% em amostras sobre o volume das vendas da Autora.

30 - A 1ª Ré, e face ao degradar das relações com a Autora, remeteu a esta a carta referida em 21 dos Factos Provados, com a intenção (além do mais) de impor algum formalismo no relacionamento comercial, exigindo que todos os assuntos que envolvessem a tomada de posições de gerência da A. passassem a ser tratados unicamente pela mesma, e nessa qualidade, de forma escrita e via carta.

31 - O estabelecimento de venda ao público referido em 18 dos Factos Provados foi aberto a 22 de agosto de 2017.

32 - A Autora detém em stock nas suas instalações diversas miniaturas de Licor de Aveiro.

33 – A cessação do “Contrato de Distribuição de Licores e outras Bebidas com Exclusividade Geográfica” provocou à A. os seguintes prejuízos:

a) danos patrimoniais a título de lucros cessantes: € 6.284,55 (sem IVA);

b) perda de clientela: € 1.571,14 (sem IVA) – fls. 446/448.

34 - A sociedade Brightwizard, S.A., referida em 4 dos Factos provados conseguiu que a Ré lhe vendesse duas garrafas de licor pelo preço simbólico de € 7,50 cada uma depois de a ter convencido que se tratava de duas garrafas para levar para o estrangeiro e que era uma forma de promoção do produto no exterior.

35 - A sociedade Brightwizard, S.A., tem por objecto social “consultadoria e programação informática e actividades relacionadas” e as garrafas referidas em 12 foram adquiridas por um primo do gerente de facto da A..

36 - A injunção não foi contestada por falta de dinheiro por parte da 1ª Ré; e quando esta procura apoio jurídico para contestar já estava fora de prazo.

37 - O valor referido em 9 dos Factos Provados inclui o IVA à taxa legal - fls.76 a 100.

38 - A 1ª Ré informou a Autora, por email, de que iria entrar em férias no período de 28/07/2017 a 18/08/2017, pelo que a Autora sabia que a 1ª Ré não podia satisfazer a encomenda feita a 27/07/2017, pelas 14,59 horas – fls. 324.

39 - Face ao valor de mercadoria adquirida pela A. à 1ª Ré em 2016 e 2017, no valor total de € 15.975,00 (+IVA), cabia à A. um crédito a título de amostras de:

a) € 328,26, respeitante ao volume de compras efectuado em 2016 (3% sobre € 10.942,00);

b) € 150,99, respeitante ao volume de compras efectuado em 2017 (3% sobre € 5.033,00).

40 - A quantia referida em 39-b) ainda não foi paga à Autora.

41 - A 1ª Ré necessitava que a Autora lhe enviasse as listagens de vendas por cliente para verificar a actuação da A. no mercado e junto de que clientes.

42 - A Autora enviou à 1ª Ré, a 28/05/2016, as listagens de vendas por cliente referentes ao primeiro trimestre de contrato – fls. 348/353.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em apreciar e decidir se se verifica a nulidade de omissão de pronúncia; se a autora/recorrente resolveu validamente o contrato de concessão comercial celebrado com a ré e, na afirmativa, se lhe é devida indemnização de clientela e por lucros cessantes.

… …

Quanto à nulidade arguida, a recorrente sustenta que existe omissão de pronúncia prevista no art. 615 nº 1 al. d) do CPC porque a decisão recorrida ignorou alguns factos que foram fixados como provados e que, a terem sido tomados em consideração impediriam que a decisão fosse aquela que foi proferida. Mais concretamente, a decisão recorrida entendeu existir fundamento para que a ré tivesse resolvido o contrato com base na falta de envio de umas listagens trimestrais quando nos pontos 25 e 42 dos factos provados se verifica que todas as listagens devidas foram enviadas à ré por parte da autora.

Apreciando esta questão, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Não é qualquer omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença. Essa omissão só será para estes efeitos relevante quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa. Essas questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

Como é entendimento constante a expressão «questões» contida no art. 615 nº 1 al. d) do CPC prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver – ac. STJ de 03-10-2017, no proc. 2200/10.6TVLSB.P1.S1 in dgsi.

Com esta breve exposição obtemos de imediato que não se verifica a nulidade arguida uma vez que, nas próprias conclusões de recurso, não se sinaliza que a decisão recorrida tenha deixado de conhecer alguma questão no sentido deixado exposto, mas sim e apenas que no conhecimento dessas questões o tribunal recorrido não tenha utilizado todos os factos que se encontravam fixados como provados.

Nestes termos, aquilo que a recorrente protesta não é uma nulidade consistente em omissão de pronúncia, mas sim um erro de julgamento traduzido numa errada apreciação do direito e, nestes termos improcede nesta parte as conclusões de recurso.

… …

Todavia, no domínio dos factos provados fixados na sentença e confirmados na apelação, como questão prévia, importa ter presente que no ponto 33 julgou-se que “A cessação do “Contrato de Distribuição de Licores e outras Bebidas com Exclusividade Geográfica” provocou à A. os seguintes prejuízos:

a) danos patrimoniais a título de lucros cessantes: € 6.284,55 (sem IVA);

b) perda de clientela: € 1.571,14 (sem IVA) – fls. 446/448.”

Perante este facto (que se dizia na motivação ter como fundamento exclusivo o relatório pericial) a questão que de imediato se suscita é a da sua admissibilidade em virtude de conter matéria conclusiva.

É entendimento pacífico da jurisprudência do STJ que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado apenas na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova - cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1; de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1; de 29/04/2015, Proc .º 306/12. 6TTCVL.C1.S1; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR .P1.S1; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1 todos in dgsi.

Com uma formulação que reúne a síntese significativa de todos eles, o ac. do STJ de 12-03-2014, afirmou expressamente que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” – proc. 590/12.5TTLRA. C1. S1, in dgsi.

É por esta razão que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado – ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, in dgsi.

Quando a sentença fixou como provado, e a apelação confirmou, que “A cessação do “Contrato de Distribuição de Licores e outras Bebidas com Exclusividade Geográfica” provocou à A. os seguintes prejuízos:

a) danos patrimoniais a título de lucros cessantes: € 6.284,55 (sem IVA);

b) perda de clientela: € 1.571,14 (sem IVA) – fls. 446/448.”, este pretenso facto implica em si mesmo uma resposta imediata a uma questão que constitui o thema decidendum e como tal configura uma conclusão, tanto mais evidente quanto é em si mesma um juízo, uma verdadeira uma resposta jurídica, sobre a existência de prejuízos sofridos pela autora e a sua quantificação.

É precisamente com referência a este facto que a recorrente vem esgrimir que a decisão recorrida deve ser revogada por não ter valorado os factos provados e que aquele (o 33) conduzia a outra decisão por dele resultar a existência de danos patrimoniais a título de lucros cessantes e de perda de clientela, com os devidos valores, que alias, são aqueles que vem reclamar na revista. E, por sua vez, na sentença, observa-se que, para não ter sido fixada indemnização de clientela e ter sido fixada indemnização a título de lucros cessantes superior ao que constava do facto provado o tribunal não está sujeito ao relatório pericial. No entanto, a questão de ter sido fixada como provado um facto que em matéria referente à existência de prejuízos e sua quantificação resolveria essa questão jurídica sem qualquer actividade de subsunção jurídica do julgador, impõe, com todas as suas consequências, que seja considerado conclusivo e como conclusão deve ter-se por não escrita e ser retirado do acervo dos factos provados o que se decide.

… …

Na análise do objecto do recurso, na parte referente à resolução do contrato, observamos que celebrado entre autora e réus o contrato que denominaram de Distribuição de Licores e Outras Bebidas com Exclusividade Geográfica, aceita-se como as instâncias o configuraram e sem que tenha merecido censura das partes, que esse negócio jurídico, no elenco dos contratos de distribuição comercial os contratos de agência tipificado no D.L. nº 178/86, de 03/07, alterado pelo D.L. nº 118/93, de 13/04, configura um contrato de concessão comercial, acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a revendê-los a terceiros por sua conta e de modo estável. E pela própria definição deste contrato sublinhamos nele o facto de reportar a relações contratuais duradouras, aquelas em que o tempo é elemento conformador dos deveres primários de prestação - cfr. Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, págs. 105 e segs. Quer a natureza das prestações a que as partes se obrigaram, quer a circunstância de as mesmas se prolongarem no tempo, desvendam a característica própria das relações contratuais duradouras, entre as quais - com relevante implicação para a questão da resolução contratual - as exigências de acrescida, porque continuada, confiança recíproca entre as partes.

É precisamente da resolução do presente contrato que emergem os pedidos da autora e é nessa mesma resolução que se funda a defesa dos réus.

Como introdução explicativa, lembramos, a partir do disposto no art. 432 do CCivil, que a resolução se apresenta como um acto jurídico unilateral que opera através de uma decisão de um dos contraentes e que não carece do (nem fica sujeita ao) consentimento da contraparte - Vaz Serra: «Resolução do Contrato» Trabalhos Preparatórios do Código Civil, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, 1957, página 236. É um meio de extinção unilateral (com base na lei ou no contrato), através de uma normal declaração extrajudicial e com uma eficácia ex tunc ou ex nunc, de uma relação contratual, total ou parcialmente alterada ou perturbada - Brandão Proença , in a Resolução do Contrato no Direito Civil, cit, pp. 39 e Almeida Costa - Direito das Obrigações, Almedina, 2009, pp. 281 – assumindo-se como um direito potestativo que um dos contraentes pode impor à sua contraparte – vd. Romano Martinez,  Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2006, página 144, e Brandão Proença, op. cit. p. 152).

De acordo com a formulação da maior parte da doutrina, podendo consultar-se Rui de Alarcão - A Confirmação dos Negócios Anuláveis, 1971, pp. 40-48- e Manuel de Andrade - Teoria Geral da Relação Jurídica II, 4ª reimpressão, 1974, pp. 411 - a resolução cabe nas modalidades de ineficácia em sentido estrito, ou também apelidada de mera ineficácia, coexistindo com a denúncia e a revogação - vd. também Brandão Proença, op. cit. pp. 18 -, em contraposição com outra figura, a invalidade, que se insere numa categoria de ineficácia em sentido amplo. Todavia, independentemente, da discussão que possa suscitar-se a respeito da natureza da resolução no quadro da ineficácia, em distinção com o da invalidade dos negócios jurídicos, podemos assentir em que o fundamento primário da resolução será sempre um facto típico de um incumprimento contratual, não bastando a mora, – neste sentido veja-se o ac. STJ de de 17-5-2018 no proc. 567/11.8TVLSB.L1.S2 (rel. Maria da Graça Trigo) in dgsi.pt. -,  com a advertência de o regime de resolução constante do CCivil se encontrar desenhado com base no paradigma do contrato de execução instantânea, sendo que as especificidades das relações duradouras, decorrentes da sua natureza prolongada no tempo, não permitem o enquadramento automático das mesmas naquele paradigma, impondo, ainda que apenas em determinadas matérias, a aplicação de regras diferenciadas ajustadas às respectivas características – vd. Joana Farrajota, «A Resolução do Contrato sem Fundamento», Almedina, 2015, pags. 357-359. Este entendimento radica no que já havia sido expresso por Baptista Machado – in R.L.J. 118, pag. 280 - no sentido de alertar que o mecanismo do art. 808 do C.C. referente à perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento não se ajusta directamente às relações contratuais duradouras, não sendo necessário o recurso a ele quando existe justa causa de resolução.

Situando-nos no concreto contrato em discussão nos autos, aceite que o mesmo é de execução duradoura, deve dizer-se que nele a apreciação da admissibilidade do exercício da faculdade resolutória, por referência a um concreto incumprimento “não deve ser valorado em função apenas do seu efeito isoladamente considerado, mas atendendo ao seu impacto na relação enquanto um todo. O que está em causa, em regra, num contrato de execução duradoura, não é a perda de interesse do credor numa concreta prestação, mas sim a perda de interesse na manutenção da relação. O juízo de avaliação do incumprimento, para efeitos do exercício do direito de resolução nos contratos de execução duradoura transcende a mera apreciação do respectivo impacte no interesse do credor na prestação incumprida, incidindo igualmente sobre o efeito daquele no interesse do credor em manter-se vinculado ao contrato.

Atenta-se, para além da gravidade do incumprimento em si mesmo considerado, aos efeitos daquele na viabilidade da relação. Trata-se, pois, a final, de realizar um juízo quanto à exigibilidade da manutenção do contrato.

O contrato de execução duradoura deve poder ser resolvido sempre que de acordo com as concepções vigentes na sociedade e à luz do princípio da boa-fé, em face de determinado facto ou circunstâncias, a respectiva execução se torne inexigível” – vd. Joana Farrajota, op. cit pp. 360-361.

A enunciação de um princípio geral de resolução por justa causa no âmbito dos contratos de execução duradoura remete para o próprio conceito de justa causa que, segundo Baptista Machado “é indeterminado e a sua aplicação exige necessariamente uma apreciação valorativa do caso concreto. Será uma justa causa ou um fundamento importante qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação… A justa causa representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um “incumprimento”): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual” - in «Pressupostos da Resolução por Incumprimento», «Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pags. 143-144.

Em esclarecimento, este mesmo autor, deixa precavido que “pode inferir-se que havendo uma justa causa para a resolução não há necessidade de recorrer ao processo de intimação com fixação de um prazo suplementar, nos termos do nº 1 do art. 808” – in R.L.J. 118, pag. 318. A ideia da inexigibilidade, na economia interpretativa da justa causa, ao remeter para o juiz a questão de determinar, em cada situação concreta, até que ponto a prossecução da relação em curso é exigível, impõe que essa indagação valorativa projecte especial atenção de forma que, a partir dela, se possa ponderar o futuro relacionamento entre as partes – vd. Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, pág. 396. Nesta conformidade, aferir a (in)exigibilidade da manutenção do vínculo contratual é a exercitação da avaliação do parâmetro que Pinto de Oliveira qualifica como “não cumprimento sintomático”, isto é, “o não cumprimento de menor importância deve ser equiparado ao não cumprimento de maior importância, desde que cause, justificadamente, o desaparecimento da confiança do credor na (adequada) realização das prestações futuras. (…)

O atraso em si não será, porventura, (suficientemente) grave; o conjunto dos atrasos, sim; o cumprimento defeituoso ou imperfeito em si não será, porventura, (suficientemente) grave; o conjunto dos cumprimentos imperfeitos, sim.” – cfr. Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 871 e 873.

Na presença destas considerações normativas, e porque a questão objecto do presente recurso tem a sua sede na resolução do contrato, importa perceber o quadro em que se desenvolveu o negócio celebrado, por referência ao que as partes acordaram no momento da sua celebração para ele.

 Observamos que o contrato foi celebrado em 1 de abril de 2016, passando a ter imediata vigência e por um período de cinco anos, traduzindo, no essencial, para a ré, a obrigação de vender à autora em regime de exclusividade, determinado produto/s (Licor de Aveiro) por si produzido, aludindo-se aos preços unitários dos produtos e estimativa anual das compras a realizar pela autora, obrigando-se também a autora a enviar em cada trimestre a relação por clientes das vendas que realizasse.

Articulado com o volume das compras que a recorrente se propunha realizar, esta teria direito a amostras do produto sem qualquer custo e em quantidade que seria calculada em 3% do valor correspondente a todo o volume de compras realizada até ao anterior período de amostras. E, ainda, centrados na preocupação de garantia da exclusividade, foi contratado que a ré se absteria de qualquer venda em território nacional salvaguardando-se os casos previstos (dois), entre os quais, a venda ao consumidor final em feiras e certames a preço mínimo de 12 €, estabelecendo-se penalizações para o não cumprimento por parte da ré e ainda a possibilidade de denúncia do contrato em caso de reiteração.

Situando-nos neste contexto contratual, o que os factos provados evidenciam é que tendo sido celebrado em 1 de abril de 2016, em 12/06/2016, a ré,  efectuou uma venda (de duas garrafas do produto em questão) pelo preço por unidade de € 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos) e, em data indeterminada mas situada entre 12/6/2016 e 9 de Novembro de 2016, procedeu à venda de 10 garrafas de Licor de Aveiro, por 80 €, a um amigo do seu sócio-gerente, algumas delas sem as devidas estampilhas fiscais, por o comprador ( que era primo do sócio gerente da autora) ter convencido a ré a realizar a venda e ter garantido que seriam para oferecer a familiares no Natal.

Ora, com base na ocorrência de 12/6/2016, a autora enviou carta à ré em 24/6/2016 reclamando o pagamento da quantia de 615,00 € referente ao incumprimento contratual traduzido na venda das duas garrafas, dizendo expressamente que tinha tido conhecimento desse incumprimento, ou seja, dessas vendas, no mesmo dia em que as mesmas tinham sido realizadas (12 de junho). Por outro lado, relativamente ao segundo incumprimento, a autora enviou à ré, em 9 de Novembro 2016, carta reclamando o pagamento de 615,00 € referente ao incumprimento contratual traduzido na venda por parte da ré de 10 garrafas de Licor de Aveiro, por € 80,00, se bem que, desta vez, não indicando quando tomou conhecimento do incumprimento.

A autora veio a apresentar com base nessas duas ocorrências, requerimento de injunção, em 29 de Novembro de 2016, reclamando a quantia de 1.549,87 € e que, por não ter sido apresentada oposição, em virtude de não ter dinheiro e quando procurou apoio jurídico para contestar já estar fora de prazo, veio a ré a ser condenada no seu pagamento.

Este conjunto de factos faz concluir que numa fase inicial da vigência do contrato (pouco mais de dois meses após se ter iniciado a relação contratual) que era pra durar 5 anos (renováveis) a autora deixou patente a forma estritamente rígida e rigorosa como entendia o cumprimento das obrigações contratuais, accionando a cláusula 15 do contrato que previa a penalização de um mínimo de 500 € para os incumprimentos por parte da ré à exclusividade. De forma bem impressiva, a autora deixou claro que, em seu entender, a circunstância de a ré ter procedido à venda de duas garrafas pelo preço global de 15,00 €, justificava e exigia o rigor de uma penalização, ainda que o contrato permitisse que em determinados casos a ré procedesse à venda de produto e sem que tivesse levado em consideração se aquela venda lhe tinha efectivamente provocado um prejuízo real, atentas as circunstâncias em que se tinha desenrolado, o seu volume e valor e no quadro do próprio contrato e seu desenvolvimento futuro. A autora preferiu intimar de imediato a ré para pagar uma penalização, e o mesmo veio a repetir, pouco tempo depois, (menos de meio ano depois do seu início) quando a ré procedeu à venda de oito garrafas de produto pelo valor global de 80,00 €.

Esta actuação da autora, com cobertura nas cláusulas contratuais que previam penalização para o incumprimento do contrato, sem que os factos provados revelem que tenha havido sequer uma abordagem de chamada de atenção da demandada para que tivesse mais atenção ao estabelecido sobre a exclusividade, revela um particular rigorismo interpretativo que desvenda o modo como a autora assumia o modelo de confiança entre as partes e de boa-fé nas relações contratuais, firmando nessa actuação um paradigma de rigor na apreciação das reciprocas actuações.

Deixamos nota de que os factos provados dão conta que o incumprimento de 12 de junho 2016 foi do conhecimento da autora no próprio dia; a venda dessas duas garrafas foi realizada a uma empresa de que era sócio-gerente um primo do próprio sócio-gerente da autora e só se realizou por a compradora, através desse sócio-gerente, em insistência, ter convencido a ré que se tratava de duas garrafas para levar para o estrangeiro e que era uma forma de promoção do produto no exterior.  E não obstante esta matéria não valha, por ser insuficiente, para configurar uma armadilha provocatória da autora à ré, ela reforça, no entanto, a particular forma de confiança e exercício da boa-fé que se constituiu entre as partes e que enformou desde o início essa relação.

Na análise dos fundamentos da resolução invocados pela ré, está provado que por carta de 25/05/2017 a ré informou a autora ter enviado em 3/5/2017 uma outra missiva de igual teor, que havia sido devolvida como “não reclamada”, resultando desse documento que a aquela concedia a esta o prazo de 10 dias para serem entregues os relatórios trimestrais relativos ao 2º, 3º e 4º trimestres de 2016 e 1º de 2017. E de novo, em 28/07/2017, a ré enviou á autora a resolver o contrato de exclusividade com a Autora, alegando “Reportando-nos à carta que vos foi dirigida a 11/07/2017, atendendo a que, apesar da concessão de mais tempo, até ao momento não nos foi remetida a informação em falta, consideramos resolvido o contrato de exclusividade celebrado com V. Exas, por existência clara de justa causa objectiva, traduzida no incumprimento definitivo das V/obrigações contratuais”.

Sendo a falta de envio das listagens trimestrais de clientes o único fundamento invocado pela ré para a resolução do contrato, verificamos que quando em 25/5/2017 esse envio é solicitado, já as listagens referentes ao primeiro trimestre do contrato haviam sido enviadas, sem embargo de o facto provado (facto 42) certificar esse envio em 28 de maio de 2016 quando o primeiro trimestre do contrato (celebrado em 1 de abril) corresponder aos meses de Abril/Maio e Junho, de onde resulta a impossibilidade de um envio em 28 de Maio poder satisfazer a totalidade do trimestre.

Mesmo com esta incongruência, a verdade é que está provado que em 15/6/2017 a autora enviou á ré todas as listagens devidas (facto 25) e desta circunstância decorre que, se nessa data alguma listagem estivesse em falta (mesmo a do primeiro trimestre do contrato) todas teriam de se entender como tendo sido enviadas e, bem mais importante, esse envio foi feito dentro do prazo que a ré concedera para ser efectuado.

Com com base na falta das listagens, poder-se ia pretender suscitar a questão de a ré ter justo motivo para a resolução, fazendo interceder o paradigma de rigorismo nas relações contratuais entre as partes, e concluir-se que em semelhança à actuação de exigência que a autora utilizara para os incumprimentos da ré esta poderia usar de igual proceder informando que o incumprimento da autora determinava a resolução, sem necessidade de facultar qualquer prazo de envio. E se nessa data da solicitação das listagens o histórico das relações contratuais evidenciava que, entre ambas, da boa-fé e da confiança só restava o eufemismo semântico em que a expressão se tinha esgotado, a verdade é que a ré, ao conceder um prazo para o envio dessas listagens trimestrais de clientes e condicionado a resolução ao não envio dentro desse prazo, tendo a autora satisfeito essa entrega não se pode entender existir causa para a resolução por parte da ré.

 Por seu turno, a autora por carta de 10/10/2018, declarou pretender resolver o contrato apresentando como razões a) não ter a ré entregado os produtos encomendados no prazo máximo de seis dias úteis; b) não ter entregado as amostras, por força do disposto na Cláusula 13ª do Contrato; c) ter aberto um estabelecimento de venda ao público dos produtos que forneciam à 1ª Ré.

De todas estas razões, nas conclusões de revista, depois do decidido na sentença e na apelação, a recorrente restringe o motivo/causa da resolução à abertura por parte da ré de um estabelecimento de venda ao público dos mesmos produtos em 22 de agosto de 2017.

No que deixámos exposto, estando em 22 de agosto de 2017 o contrato celebrado ainda em vigor, e uma vez que a causa de resolução declarada pela ré, consistente na falta de listagens, não era procedente, teremos de considerar fundamento válido de resolução aquele outro que é invocado pela autora relativo ao incumprimento da ré quando, em violação da cláusula de exclusividade abre um estabelecimento para venda dos mesmos produtos.

Diga-se neste ponto, que a afirmação tão expedita de a declaração de resolução por parte da ré não ter valor, tem implícita a adopção do entendimento segundo o qual a resolução ilícita não põe termo contrato.  Efectivamente, esta é uma questão debatida na doutrina e na jurisprudência que, partindo da circunstância de a resolução se assumir como uma declaração extrajudicial unilateral receptícia, suscita a de saber se a declaração de resolução que chega à esfera de um contraente que não incorreu em incumprimento contratual se impõe a este em virtude de se efectivar extrajudicial e unilateralmente.

Em sentido afirmativo pode consultar-se o ac. RL de Lisboa de 10 de Dezembro de 2009 - processo n.º 6240.05.9TVLSB.L1-7, in www. dgsi.pt. - e também Romano Martinez - in Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2006, página 221 - embora este autor defenda que apesar de a resolução ser ilícita - i.e. contrária à lei - a mesma não é passível de ser declarada nula, já que se enquadra na «estrutura complexa do contrato», pelo que, mesmo enquanto acto jurídico, a figura da resolução carece de autonomia para ser submetida ao regime da nulidade, maxime ao artigo 280.º do Código Civil (ex vi artigo 295.º do mesmo diploma). Ressalva ainda que sendo a resolução ilícita, e originar a extinção do contrato, é possível que o vínculo subsista caso estejam cumulativamente reunidos três pressupostos: (i) o cumprimento das prestações ainda seja possível; (ii) a parte lesada mantenha interesse no contrato; (iii) a execução do contrato não seja excessivamente onerosa para o declarante da resolução ilícita – op. cit. pgs. 222-223. Coincidente com este entendimento pode ler-se na jurisprudência o ac. STJ de 8/6/2017 - no proc. 7461/14.9T 8SNT.L1.S1, in dgsi.pt

Com o mesmo sufrágio doutrinal, embora por declaradas razões de ordem prática ( a prática não se compadece com as delongas da intervenção do tribunal em declarar a resolução ilícita, já que aquando da decisão judicial, as relações de facto já terão cessado) também Pinto Monteiro defende como mais razoável que a resolução ilícita extinga o contrato, até porque a solução contrária não se compadeceria com o carácter extrajudicial da resolução - in Contrato de Agência – Anotação, 5.ª Edição, (Almedina), Coimbra, 2004, página 128. Em igual traçado, Menezes Cordeiro sustenta que, permitindo “o art. 436.º/1, a resolução por simples declaração à contraparte, o Código dá uma mensagem normativa que não pode ser passada em claro, a lei deixa à apreciação do resolvente a ponderação dos requisitos em jogo. Este pode enganar-se. Quando isso suceda, haverá que demonstrá-lo em tribunal: um ónus que cabe ao devedor, sob pena de deitar por terra a resolução extrajudicial. Até que haja uma sentença com trânsito em julgado, a resolução deve produzir os seus efeitos: ou seria inútil. Nenhum contrato pode ficar muito tempo na incerteza: seja pelos interesses do credor, seja pelos do devedor, seja pelos da comunidade jurídica.

Nestas condições, em nome de uma interpretação integrada do ordenamento, devemos considerar a resolução formalmente declarada como eficaz.” - Da resolução do contrato, in https://portal. oa.pt/media/132086/antonio-menezes-cordeiro.pdf pg, 473.

No campo dos que defendem, como nós, que a resolução ilícita não tem a virtualidade de pôr termo ao contrato podem consultar-se Fernando de Gravato Morais sustentando que a inexistência de um motivo válido para resolver o contrato invocado por um dos contraentes determina a «ilegitimidade» da própria resolução e pode corresponder a uma recusa categórica de cumprimento - in Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial (Almedina), Coimbra, 2009 pgs. 164 e 165- ; e também Calvão da Silva dando nota de que a resolução sem fundamento é ilegal, e, por isso, ineficaz, não determinando a cessação do contrato – in “A declaração da intenção de não cumprir” e “Pressupostos da resolução por incumprimento», in Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Almedina), Coimbra, 1999, páginas 134 e 158.

Em igual direcção se conduziram João Cura Mariano (a propósito do contrato de empreitada) entendendo que a declaração de resolução emitida pelo dono da obra não produz qualquer efeito, caso inexista fundamento para tal, nos termos delimitados pela lei - in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2008, página 138 – e Brandão Proença, referindo este que, embora a sentença que declare a ilegalidade da resolução não tenha a virtualidade de afastar a eficácia da resolução temporariamente (entre a data da recepção da declaração e a data da Sentença, v. o disposto no artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), deve declarar a manutenção da eficácia do contrato - in A Resolução do Contrato no Direito Civil, Reimpressão, Coimbra, 2006, páginas 152-153).

Por último, Baptista Machado entende que, caso a resolução ilícita seja contestada com sucesso pelo contraente que a recebeu, então o tribunal deve limitar-se a declarar a subsistência da relação contratual - Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Obra Dispersa, Volume I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, página 166.

Na jurisprudência, e na defesa de que a ilicitude da resolução não determina automaticamente o incumprimento definitivo da parte que procedeu a tal resolução, deixamos nota dos acs. do STJ de 30 de Novembro de 2004, no proc. n.º 05B1494, e de 15/1/2015, no proc. 2365/08.7 TBABF.E1.S1 in dgsi.pt.

Regressando à análise do objecto do recurso e confirmando, agora, com a indicação das razões, porque entendemos que a declaração de resolução (sem fundamento e por isso ilícita) por parte da ré não pôs termo ao contrato, concluímos de modo mais completo que mantendo-se o contrato depois dessa declaração, quando a ré abriu o estabelecimento de venda ao público ainda estava obrigada á exclusividade, motivo para que a declaração de resolução por parte da autora tenha fundamento.

Resolvido o contrato, importa saber as consequências da resolução, em concreto, como calcular a extensão dos prejuízos (e, consequentemente, como apurar o valor da indemnização) a ser paga ao contratante inocente que se vê frustrado pelo inadimplemento. É nesta averiguação que se inserem os chamados interesse contratual positivo e negativo, questão que tem a sua origem em 1869 suscitada por Rudolf Von Jhering na obra “Culpa in contrahendo ou indenização em contratos nulos ou não chegados à perfeição” – com trad. e nota introdutória de Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2008 - onde o autor pesquisou as soluções possíveis para a situação de nulidade de um contrato por erro essencial de um dos contratantes. Na compra e venda em que se incorre em erro essencial, diz, dois podem ser os interesses do comprador: ou pode ter interesse em manter o contrato vicioso (caso em que receberá a indenização correspondente a tudo o que teria recebido se não tivesse ele incorrido em erro essencial – interesse positivo) ou, de outro lado, diante do erro essencial em que incorrera, o comprador poderá ter interesse em não mais concluir o contrato (caso em que haverá a reparação de tudo o que tiver expendido à relação até aquele momento – interesse negativo). Isto é, o valor da indenização do interesse contratual negativo estava limitado ao valor dos danos emergentes (não comtemplava os lucros cessantes).

Neste domínio a discussão que se instalou, desde a entrada em vigor do actual CCivil, envolveu a posição maioritária daqueles que defendiam ser só de admitir, na resolução do contrato, inclusive com fundamento em incumprimento definitivo, a indemnização dos danos provenientes da não realização do contrato, ou seja, em sede de violação do interesse contratual negativo, a coberto do artigo 227.º do mesmo diploma. Tal orientação foi sustentada ou seguida, entre outros, por Francisco Pereira Coelho - In Obrigações – Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, edição policopiada, Coimbra, 1967, p. 230 -; Pires de Lima e Antunes Varela - in Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, p. 58, nota 3. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7.ª Edição, 1997, pp. 109-112 -; Inocêncio Galvão Telles - In Manual de Direito das Obrigações, tomo 1, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1965, pp. 248 e segs., sendo que na na 7.ª Edição desta última obra, de 1997, o Autor, em nota de rodapé (1) a pag. 463, admite que “o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equilibrada segundo as circunstâncias. -; Carlos Mota Pinto - In Cessão da Posição Contratual, Almedina, 1982, p. 412, nota 1-; Almeida Costa - In Direito das Obrigações, Almedina, 12.ª Edição, 2009, pp. 1044-104 -; Pinto Monteiro - In Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, pp. 694, embora ressalvando, na nota 1568, que tal entendimento não é inteiramente pacífico -; Calvão da Silva - In Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, 1990, p. 248, perfilhando a tese de Pereira Coelho.

O argumento essencial dessa orientação radica na ideia de que a resolução tem uma função puramente repristinatória do satus quo ante, dado o seu efeito ex tunc equiparado ao da invalidade, por via de regra, retroativo, conforme o estatuído, respetivamente, nos artigos 433.º, com referência aos artigos 289.º e 290.º, e 434.º, n.º 1, do CC. E, como tal, seria contraditório que o contraente fiel optasse pela resolução e, ao mesmo tempo, pretendesse a indemnização de um prejuízo que o colocasse, afora o efeito resolutivo, numa posição equivalente àquela em que estaria se o contrato tivesse sido celebrado – dano in contractu, correspondente ao interesse contratual positivo. Daí que, em caso de resolução, só lhe restasse optar pela indemnização dos prejuízos, a título de danos emergentes ou de lucros cessantes, mas referentes à violação do interesse contratual negativo (dano in contrahendo ou dano de confiança); ou seja, os prejuízos que não teria se não tivesse celebrado o contrato frustrado, nomeadamente os lucros, mas apenas os lucros que deixara de obter pela não celebração de outros negócios alternativos. Seria neste sentido, segundo esta orientação que deveria ser interpretada a ressalva do direito a indemnização feita no n.º 2 do artigo 801.º do CC.

Todavia, outros autores, com referência para vaz Serra -  Anotação ao acórdão do STJ, de 30/06/1970, RLJ, Ano 104, pp. 204-208 -; Baptista Machado -  Pressupostos da Resolução por Incumprimento – referência ao “direito à indemnização” cumulável com a resolução, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II Iuridica, Coimbra, 1979, pp. 393-401-; Paulo Mota Pinto  - Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volumes I e II, Coimbra Editora, 2008 -;  Nuno Pinto de Oliveira - In Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2011, pp. 882 e segs. -; Romano Martinez - In Da Cessação do Contrato, Almedina, 3.ª Edição, 2017, pp. 195-204 -; e Menezes Cordeiro - In Tratado de Direito Civil Português, Direito das Obrigações, IX, Almedina, 3.ª Edição, 2017, pp. 937-949 - defendem a solução, de jure constituto, da admissibilidade da cumulação da resolução com a indemnização do interesse contratual positivo, na medida em que esta vise a reparação de prejuízos resultantes do não cumprimento definitivo do contrato resolvido, mas não cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações devidas.

Na jurisprudência, de forma constante foi sendo defendida a posição maioritária da admissibilidade apenas da indemnização pelo interesse contratual negativo, sendo que o ac. do STJ de 12/02/2009, proferido no processo n.º 08B4052, (rel. João Bernardo) veio introduzir a problemática já suscitada na doutrina considerando que embora a resolução, por regra, abra caminho a indemnização apenas pelos danos negativos, poderia, excecionalmente, haver lugar a indemnização pelos danos positivos, numa ponderação casuística dos interesses em jogo, à luz do princípio da boa fé, competindo à parte resolvente alegar e provar, além do mais, os factos que possam integrar essa situação de excecionalidade. Posteriormente, o ac. do STJ de 21/10/2010, proferido no processo n.º 1285/07.7TJVNF.P1.S1, de forma mais expressiva, convocou-se a posição sustentada por Paulo Mota Pinto e deixando-se expressão de “inexistirem fundamentos para, em tese, afastar a possibilidade de se cumular a resolução do contrato com o pedido indemnizatório pelo interesse contratual positivo, admitindo, consequentemente, a referida cumulação. E dizemos em tese porque caso a caso, consoante o tipo de contrato e o circunstancialismo que o rodeia, tal poderá resultar num desequilíbrio ou benefício injustificado.

(…) Por tudo isto somos do entendimento que, em regra, havendo de operar aqui o crivo a que no Ac. do STJ … (de 12/02/2009 …) se aludiu do equilíbrio e/ou benefício justificado, por contraposição aquele que levaria a um desequilíbrio manifesto e ostensivo – será admissível a cumulação da resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo mesmo interesse positivo”.

Em igual se pronunciaram também os acs. do STJ de 15/12/2011, proferido no processo n.º 1807/08.6TVLSB. L1.S1; de 12/03/2013, proferido no processo n.º 1097/09. 3 TBVCT.G1.S1; de 04/06/2015, proferido no processo n.º 4308/10.9TJVN F.G1.S1; de 08/09/2016, proferido no processo n.º 21769/10.9T2SNT.L1.S1; e ainda o de 15/2/218 proc.7461/11.0TBCSC.L1.S1 Tomé Gomes e, com remissão para aquele outro, o de 17 /5/2018 no proc. 567/11.8TVLSB.L1.S2.

De sublinhar que no ac. de 08/09/2016 - processo n.º 21769/10.9T2SNT.L1.S1 (rel. Lopes do Rego) - deixou-se expresso que “Embora se venha admitindo que, em determinadas circunstâncias específicas, a indemnização, no caso de resolução de contrato, possa não se circunscrever absolutamente ao perímetro dos danos ligados à violação do interesse contratual negativo, podendo abarcar justificadamente outros danos, como forma de obter uma plena tutela do interesse do credor, não é aceitável que, por sistema, a parte que resolve o contrato pretenda obter automaticamente todas as prestações a que teria direito se o contrato resolvido subsistisse intocado na sua eficácia inter partes – cabendo-lhe, neste caso, pedir em primeira linha indemnização pelo interesse contratual negativo e só excepcionalmente e em situações materialmente fundadas lhe sendo possível peticionar uma indemnização complementar.”

Em resumo, uma conclusão que pode extrair-se (de acordo com os ac. de 7461/11.0TBCSC.L1.S1 Tomé Gomes que exaustivamente faz o histórico da evolução doutrinaria e jurisprudencial e no mesmo sentido conclui) é a de que, com abertura jurisprudencial à indemnização pelo interesse contratual positivo no caso da resolução do contrato as decisões que a têm vindo a defender respaldam sempre a remissão para o crivo fixado no ac. de 12/2/2009 referente ao equilíbrio e/ou benefício justificado, por contraposição aquele que levaria a um desequilíbrio manifesto e ostensivo. Assim, sendo de considerar admissível a cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo impõe-se sempre uma ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa-fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.

… …

 Na aplicação ao caso em decisão, o interesse contratual positivo tem assento no quadro normativo dos arts. artigos 562.º a 564.º do CC.

O artigo 562.º, sob a epígrafe princípio geral, disciplina que que:

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

E o artigo 563.º, provendo sobre o nexo de causalidade, determina que:

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Por fim, o artigo 564.º estabelece, como parâmetros do cálculo indemnizatório ou antes como objeto do dever de indemnização, o seguinte:

1 – O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

2 – Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização será remetida para decisão ulterior.

Na análise da estrutura do dano e configurando quer a espécie do  emergente, compreensiva da perda económica já existente no património do lesado, quer a espécie de lucros cessantes traduzidos no benefício ou incremento económico que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, nos termos, respetivamente, da 1.ª e da 2.ª parte do citado artigo 564.º, n.º 1, do CC. Tanto uns como outros, podem consistir em danos presentes ou futuros, “consoante se tenham já verificado ou não no momento que se considera, designadamente à data da fixação da indemnização” - Almeida Costa Direito das Obrigações, Almedina, 12.ª Edição, 2009, p. 591-592 - sendo de atender aos danos futuros desde que previsíveis, nos termos do indicado art.º 564.º, n.º 2.

No caso em decisão, o dano que está em causa é a frustração da vantagem patrimonial que a recorrente teria deixado de obter com a inexecução do contrato celebrado com a ré em virtude da resolução deste fundada no incumprimento definitivo da ré, o que aponta para a espécie de lucro cessante.

Neste âmbito, a recorrente alegou na petição inicial que, em virtude da cessação contrato celebrado não atingiu, como atingiria, no segundo ano de vigência, um volume de compras à R. no valor de 25.432,50 € (vinte e cinco mil euros e quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos), que corresponderia a 69,55% a mais do volume contratado para aquele ano de 15.000,00 €, que a multiplicar pela margem de lucro média de 30%, representaria de lucro, o valor de 6.821,64 € (seis mil e oitocentos e vinte e um euros e sessenta e quatro cêntimos;

e no terceiro, quarto e quinto anos de vigência do contrato, teria previsto um volume de compras total de 101.730,00 € (cento e um mil e setecentos e trinta euros), que excederia em 69,55% o volume contratado, o que representaria uma margem de lucro mínima, por referência aos 30 %, de 30.519,00 € (trinta mil e quinhentos e dezanove euros), totalizando a indemnização global de 37.340,64 € (trinta e sete mil e trezentos e quarenta euros e sessenta e quatro cêntimos).

Além dessa importância reclama também a recorrente o pagamento de uma indemnização de clientela em virtude da cessação do Contrato Comercial celebrado entre elas, em valor não inferior a 5.894,78 € (cinco mil e oitocentos e noventa e quatro euros e setenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Consultando os factos provados com interesse no âmbito dos prejuízos e sua indemnização, a sentença e posteriormente a apelação, apenas fixaram no ponto 33 que “A cessação do contrato de Distribuição de Licores e outras Bebidas com Exclusividade Geográfica” provocou à A. os seguintes prejuízos:

a) danos patrimoniais a título de lucros cessantes: € 6.284,55 (sem IVA);

b) perda de clientela: € 1.571,14 (sem IVA) – fls. 446/448.”

Ora, como deixámos anteriormente esclarecido, por tal facto incorporar matéria conclusiva que a ser aceite importaria a própria decisão de direito, foi o mesmo retirado do elenco dos factos provados não podendo ser tomado em consideração na decisão. Porém, para lá dessa matéria, nenhum outro facto provado remete, sequer, para a própria existência de qualquer prejuízo que a recorrente tenha sofrido. Veja-se que não foi alegada (e por isso não poderia ter ficado provada) a margem/percentagem de lucro para as bebidas contratadas (e não se pode tomar essa informação como um facto notório como com alguma temeridade se refere na sentença); tao pouco ficou demonstrada a obrigação de a autora comprar à ré ou de esta lhe vender um número mínimo de produto, quanto mais que o volume das compras tivesse sido no primeiro ano ou viesse a ser nos subsequentes superior a mais ao que o contrato estabelecesse como mínimo obrigatório em 69,55% e sobre o qual se pudesse aplicar aritmeticamente uma qualquer concreta margem de lucro.

Do contrato e das suas cláusulas retiramos simplesmente que na 3ª se estabelece que “a segunda contraente, através do presente contrato, propõe-se a atingir a meta mínima anual de volumes de compras de “Licor de Aveiro” à primeira contraente no valor de € 10.000,00 para o primeiro ano de vigência do contrato, € 15.000,00 para o segundo ano de vigência do contrato, e € 20.000,00 para o terceiro e posteriores anos de vigência do contrato.”

A interpretação desta cláusula não permite ver nela uma obrigação de a autora adquirir,  no mínimo, esse valor de 10.000, 15.000 ou 20.000 € mas apenas que a autora se “propunha” a comprar esses valores, terminologia que não admite considerar essa proposta como uma obrigação ao contrário da verdadeira obrigação da ré atribuir em regime de exclusividade a venda e distribuição do Licor de Aveiro por si produzido, e outros produtos com a marca comercial “Licor de Aveiro” registada sob o nº 549286, em todo o território nacional. E que assim é, extrai-se de o contrato ter fixado um regime rigoroso de penalizações para os incumprimentos da exclusividade, mas ser omissa quanto a qualquer incumprimento da autora referente à não aquisição de um mínimo anual, omissão que atribuímos, na economia do próprio contrato, à circunstância de essa compra pela autor não configurar uma obrigação que comportasse a fixação de um minino sob pena de incumprimento mas antes de uma meta indiciária que a ela se propunha atingir sem menção de consequências se o não fizesse.

Pelo exposto, mesmo o constante do contrato, em termos de valores anuais estabelecidos, não pode ser tomado como um mínimo seguro e fixo para sobre ele, entendido como referência, se fazer incidir qualquer margem de lucro que também não ficou provado nem foi em concreto alegada, uma vez que o que a autora referiu foi que sobre os valores que indicava deveria fazer-se incidir uma “margem de lucro média de 30%,”. Assim, a ausência de alegação concreta e prova de ter sofrido prejuízos, mesmo antes até, da falta de indicação concreta de elementos que, na prova de ter havido esses prejuizões, pudessem permitir o seu cálculo ou o envio para posterior liquidação, impõe nesta parte a improcedência das conclusões de recurso.

… …  

Quanto à indemnização de clientela que a recorrente reclama como devida, está prevista no art. 33.º do D.L. nº 178/86 e é aplicável por analogia, ao contrato de concessão comercial - vd. Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, Coimbra, Almedina, 2004. p. 163 - que justifica esta aplicação afirmando que “os contratos de concessão e de franquia envolvem, frequentemente, uma actividade e um conjunto de tarefas similares à da agência, estando os contraentes unidos, de modo idêntico, por relações de estabilidade e de colaboração e comungando de um objectivo comum” e, em igual sentido o ac. STJ 9-1-2018 no proc. 2303/01.8TVLSB.L2.S1 in dgsi.pt – sublinhando-se ainda que se encontra estabelecido acerca do regime da concessão comercial, emergente do AUJ nº 6/2019, que “na aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial do nº 1 do art. 33º do DL nº 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo DL nº 118/93, de 13 de Abril, inclui-se a respetiva al. c), adaptada a esse contrato.”

Inserindo a autora na sua petição a reclamação da indemnização de clientela no âmbito dos lucros cessantes, em verdade esse segmento indemnizatório corresponde antes a uma compensação ao agente “pelos benefícios que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. É como que uma compensação pela «mais-valia» que este lhe proporciona, graças à atividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continua a aproveitar-se dos frutos dessa atividade, após o termo do contrato de agência” - António Pinto Monteiro – Contratos de Agência - Anotação (3ª ed., 1998, Almedina) pg. 111– com a adaptação substitutiva, no caso, de principal, agente e agência por concedente, concessionário e concessão comercial.   

Sendo os pressupostos exigíveis os constantes das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 33.º do D.L. nº 178/86 e porque sendo requisitos positivos, devem ser alegados e provados pela concessionária – Pinto Monteiro, op. cit. pg. 152 - concluímos que no caso a autora ora recorrente não alegou quaisquer factos dos quais se possa concluir que angariou clientes que levaram ao aumento substancial da venda do Licor de Aveiro sobre a clientela já existente, não alegando também factos que pudessem provar que a Ré, concedente, após a cessação do contrato beneficia consideravelmente da atividade desenvolvida pelo agente.

Nesta conformidade, independentemente de se pretender que no interesse contratual positivo teria cabimento a indemnização de clientela, no caso, por total ausência de alegação de factos nunca ela poderia ser fixada como não foi.

Nesta conformidade deve negar-se provimento ao recurso e manter a decisão recorrida ainda que com fundamentos diversos.

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Síntese conclusiva

- Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado;

- A resolução de um contrato de execução duradoura é admissível sempre que à luz do princípio da boa-fé, em face de determinado facto ou circunstância, para lá da gravidade do incumprimento em si mesmo considerado, no contexto da viabilidade da relação contratual a respectiva execução se torne inexigível;

- A declaração de resolução emitida pelo contraente que não tenha fundamento não produz qualquer efeito;

- Sendo de considerar admissível a cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo impõe-se sempre uma ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa-fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.

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Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julga improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Setembro de 2021

Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade do Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva e da Srª. Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Manuel Capelo (relator)