Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4044/18.8T8STS-B.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 10/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

Não é passível de recurso de revista a decisão do tribunal da Relação, proferida em conferência, ao abrigo do disposto do artigo 643.º, n.º4, in fine, do CPC, confirmativa do despacho do relator de não admissão da apelação.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,



I – RELATÓRIO
1. Após conhecimento do despacho proferido nos autos que considerou afastada a admissibilidade do recurso de revista excepcional, a Massa Insolvente de AA veio apresentar requerimento (141702) arguindo nulidade por não lhe ter sido notificada aquela decisão, manifestando ainda o seu desacordo quanto ao teor da mesma, invocando, fundamentalmente, estar em causa no processo a violação de caso julgado. Alega igualmente que se encontra pendente nesta 6ª Secção processo (n.º 4044/18.8T8STS-C.P1.S1) onde estão em causa as mesmas questões reportadas a situação em comum, requerendo, por isso, a apensação dos autos para apreciação e julgamento conjunto.

2. Notificado do despacho de não conhecimento do recurso, veio o Administrador da Insolvência, BB, apresentar requerimento (141731) no qual, aderindo na integra ao apresentado pela Massa Insolvente, pede que sejam apreciadas em conferência por forma a serem decididas de forma consentânea as questões que se suscitam no processo, nomeadamente a de caso julgado na sequência do que nesse sentido foi decidido no âmbito num outro processo (n.º 2211/17.0T8STS.-E.P1-A.S1, aliás, também distribuído à aqui relatora). Pede ainda que seja designada audiência oral por forma a serem devidamente esclarecidos e fornecidos todos os elementos necessários ao proferimento de decisão.

3.A decisão singular proferida, no que para o caso assume relevância, tem o seguinte teor:

1. Pretende o Recorrente interpor revista excepcional do acórdão (em conferência ao abrigo do artigo 643.º, n.º4, in fine) da Relação do Porto que manteve a decisão do relator que julgou improcedente a reclamação apresentada pelo Reclamante (aqui Recorrente), nos termos do artigo 643.º, n.º1, do CPC, do despacho que não admitiu o recurso de apelação (por inverificação do pressuposto de admissibilidade: valor da sucumbência inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância).

Está assim em causa recurso do acórdão da Relação proferido nos termos do n.º 4 do artigo 643.º do CPC, ou seja, enquanto impugnação da decisão do Relator que manteve o despacho de não admissão do recurso proferido pelo tribunal recorrido (tribunal de 1ª instância).

A especificidade da situação sob apreciação não se coaduna com as pretensões delineadas pelo Recorrente manifestada nas conclusões do recurso e no requerimento de resposta à notificação ao abrigo do artgio 655.º, do CPC.

Com efeito, as questões elencadas nas conclusões do recurso (designadamente o direito à remuneração por parte do AI e o montante devido, a legalidade da cessação das respectivas funções, a validade e os efeitos do encerramento provisório do processo de insolvência, os efeitos do trânsito em julgado da declaração de insolvência e da nomeação do AI, a não subida em conjunto do recurso de apelação que interpôs com o recurso interposto pela Massa Insolvente, o valor da acção e a sucumbência, a omissão de pronúncia, a apensação de recursos) que o Recorrente pretendia ver conhecidas quer no recurso de apelação que interpôs e que não foi admitido (despacho objecto de reclamação, confirmado pelo Tribunal ad quem em conferência, cuja decisão agora pretende colocar ao escrutínio deste tribunal através da pretendida revista excepcional), quer em sede da revista extravasam o âmbito da questão que processualmente se mostra passível de conhecimento nesta sede e que se reconduz, unicamente, em primeira linha (questão prévia) à admissibilidade legal do próprio recurso agora interposto; em segunda linha, caso se entendesse admissível a revista, a questão nela a resolver ficaria circunscrita à admissibilidade do recurso de apelação interposto pelo AI do despacho proferido pelo tribunal de 1ª instância que lhe fixou a remuneração de 1.000,00€.

2. Delimitado, no caso, o âmbito de cognição deste tribunal importa apreciar a questão da admissibilidade da revista (excepcional).

Em causa está, sublinhe-se, o recurso do acórdão da Relação proferido nos termos do n.º 4 do artigo 643.º do CPC, ou seja, enquanto impugnação da decisão do Relator que manteve o despacho proferido em 1ª instância (tribunal recorrido) de não admissão da apelação.

Conforme referido no despacho de notificação para efeitos do artigo 655.º, do CPC, a figura da reclamação, actualmente prevista no artigo 643.º, do CPC, constitui expediente jurídico de reacção contra a não admissão de recurso e tem como única pretensão a alteração do despacho de indeferimento do recurso, sendo que o seu regime tem subjacente uma realidade incontornável: embora apresentada no tribunal a quo, a reclamação é dirigida ao tribunal ad quem que lhe dará tratamento e decidirá da questão da admissibilidade e, deferindo a reclamação, conhecerá do recurso.

De acordo com o n.º4 do citado preceito 643.º do CPC, da decisão do relator proferida no tribunal ad quem cabe reclamação para a conferência nos termos do artigo 652.º, n.º3, do CPC.

Do regime legal em causa – artigo 643.º, n.ºs 3 e 4, do CPC – decorre, pois, que se o relator, por despacho singular, mantiver a decisão de não admissão do recurso poderá haver reclamação para a Conferência a qual decidirá (definitivamente) sobre a questão.

Relativamente à insusceptibilidade de impugnação recursiva da decisão confirmativa da não admissão do recurso proferida em conferência refere a decisão de 12-02-2018, proferida por este Tribunal no Processo n.º181/05.7TMSTB-E.E1.S2:

“(…) parece defluir do normativo inserto no artigo 643º, nºs 3 e 4 do CPCivil: se o Relator, por despacho singular mantiver a decisão de não admissão do recurso, poderá haver reclamação para a Conferência, a qual terá a última palavra; no caso de o Relator deferir a reclamação, o processo principal é requisitado, podendo posteriormente a conferência não o admitir, por sugestão dos Adjuntos, nos termos do artigo 658º do mesmo diploma, cfr Amâncio Ferreira, Manual Dos Recursos Em Processo Civil, 8ª edição, 94/98; neste mesmo sentido o Ac STJ de 20 de Dezembro de 2017, produzido no Proc 459/09.0TYLSB-N.L1.S1, da aqui Relatora, in SASTJ”.

Aliás, a natureza definitiva da decisão proferida pelo tribunal ad quem em conferência assume, indubitavelmente, raízes históricas (desde o CPC de 1939 até à última reforma do CPC), porquanto a referida figura, cuja origem reporta ao recurso de queixa a interpor para o Presidente do tribunal hierarquicamente superior que não admitiu o recurso, foi sendo concebida como insusceptível de impugnação por via de recurso para o STJ.

Refere a este propósito a citada decisão de 12-02-2018:

No CPCivil de 1939 a impugnação do despacho de rejeição do recurso, era passível de um recurso de queixa a interpor para o Presidente do Tribunal hierarquicamente superior, o qual passou a ser extensível ao despacho que retivesse o recurso, cfr artigo 689º daquele diploma legal, cfr JAReis, Código De Processo Civil Anotado, Volume V, reimpressão, 340/351.

Posteriormente, com a aprovação do CPCivil de 1961, eliminou-se aquela terminologia, passando a designar-se reclamação, e se o Presidente indeferisse a reclamação, a sua decisão era definitiva, artigo 689º, nº2; se a deferisse, o processo baixava à instância recorrida para que fosse admitido o recurso ou mandasse subir o recurso retido, embora aquele despacho não fizesse caso julgado formal, podendo o Tribunal de recurso decidir em sentido contrário, artigo 689º, nº2.

Na reforma de 2007, manteve-se o nomen juris de reclamação, mas estruturalmente passou a ter uma configuração de recurso: a competência para o conhecimento da reclamação passou a impender sobre o Relator do Tribunal que seria competente para julgar o recurso, artigo 688º, nºs 3 e 4; se o Relator admitisse o recurso, solicitava o processo ao Tribunal recorrido, podendo subsequentemente a conferência não o admitir, por sugestão dos Adjuntos, artigo 708º; se o Relator, por despacho singular, não admitisse o recurso, a parte prejudicada por esse despacho podia reclamar para a conferência, nos termos do artigo 700º, nº3, cfr Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, 109/113.

O CPCivil de 2013 manteve a reclamação com a mesma estrutura de recurso, cfr artigo 643º.”.

3. Na situação sob apreciação o Recorrente fundamentou o recurso visando a revista excepcional. Todavia, como tem vindo a ser decidido neste Tribunal, a revista excepcional, à parte da dupla conforme, pressupõe que a revista normal tenha cabimento, designadamente nos termos dos requisitos gerais previstos no n.º1 do artigo 629.º do CPC.

Acresce que, no que toca à invocação do artigo 652.º, n.ºs 3, do CPC, ainda que não se mostre explicitado pelo Recorrente, infere-se que com fundamento na alínea b) do n.º5 do citado artigo 652.º do CPC, quereria defender a possibilidade genérica de recurso de revista do referido acórdão da Conferência da Relação.

Não pode ser essa a leitura do preceito já que a previsão do artigo 652.º, n.º5, alínea b), do CPC, não confere, por si só, um direito de recurso, limitando-se a prever a faculdade de recorrer nos termos gerais, ou seja, tendo presente o disposto nos artigos 671.º e ss. (cfr. neste sentido acórdão deste Tribunal de 17-12-2019, proferido no âmbito do Processo n.º 2589/17.6T8VCT-A.G1-A.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ, onde se decidiu que não tem cabimento no âmbito da revista, tal como definido pelo artigo 671.º, nº 1, do CPC o acórdão da Relação que confirma o despacho da relatora de indeferimento da reclamação contra o despacho de Juiz da 1ª Instância que não admitiu o recurso de apelação).

Note-se, igualmente, que o caso sob apreciação não integra nenhuma das situações a que se referem as várias alíneas do n.º2 do artigo 671.º do CPC, pois não se está perante uma decisão interlocutória, de estrita natureza incidental que verse unicamente sobre a relação processual, mas uma decisão final proferida no âmbito de procedimento de reclamação (cfr. neste sentido a decisão deste Tribunal de 12-02-2018, supra citada)”.

II - APRECIANDO

1. O entendimento da decisão proferida não pode deixar de ser reiterado, tendo presente a especificidade da situação, que não assume paralelo com os processos indicados pelos Requerentes alegadamente reportados ao conhecimento das mesmas questões. Nesse sentido, carece de cabimento legal a pretendida apensação de processos.

Por outro lado, constam dos autos todos os elementos necessários para a compreensão da situação a conhecer.

Igualmente não foi cometida a nulidade por omissão de formalidade consubstanciada na falta de notificação da decisão singular à Massa Insolvente por a mesma, no presente caso, não poder ser considerada parte. Acresce que para todos os efeitos a notificação constituiria, agora, acto inútil tendo em conta, conforme expressamente confessa, que tomou conhecimento efectivo do teor daquela decisão.

2. Na sequência do sublinhado na decisão singular, em causa está a pretensão do Administrador da Insolvência de interpor recurso (de revista excepcional) do acórdão da Relação do Porto, proferido em conferência ao abrigo do artigo 643.º, n.º4, in fine, do Código de Processo Civil (doravante CPC), isto é, no âmbito de um procedimento de reclamação por não admissão de recurso de apelação.
Com efeito, em conferência, o tribunal da Relação confirmou a decisão do relator que julgou improcedente a reclamação apresentada pelo Reclamante (aqui Recorrente), nos termos do artigo 643.º, n.º1, do CPC, do despacho que não admitiu o recurso de apelação (por inverificação do pressuposto de admissibilidade: valor da sucumbência inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância).

E, assim, conforme igualmente sublinhado na decisão singular, a especificidade da situação não se coaduna com as pretensões delineadas pelo Recorrente manifestadas e elencadas nas conclusões do recurso (que o Recorrente pretendia ver conhecidas no recurso de apelação que interpôs e que não foi admitido), uma vez que as mesmas (designadamente o direito à remuneração por parte do AI e o montante devido, a legalidade da cessação das respectivas funções, a validade e os efeitos do encerramento provisório do processo de insolvência, os efeitos do trânsito em julgado da declaração de insolvência e da nomeação do AI, a não subida em conjunto do recurso de apelação que interpôs com o recurso interposto pela Massa Insolvente, o valor da acção e a sucumbência, a omissão de pronúncia, a apensação de recursos) extravasam o âmbito da questão que processualmente se mostra passível de conhecimento nesta sede e que se reconduz, unicamente, em primeira linha (questão prévia) à admissibilidade legal do próprio recurso agora interposto; em segunda linha, caso se entendesse admissível a revista, a questão nela a resolver ficaria circunscrita à admissibilidade do recurso de apelação interposto pelo AI do despacho proferido pelo tribunal de 1ª instância que lhe fixou a remuneração de 1.000,00€.

Por conseguinte, a questão que se impõe apreciar - admissibilidade da revista (excepcional) – apenas pode ter subjacente o âmbito de cognição deste tribunal neste enquadramento.

3. A figura da reclamação, actualmente prevista no artigo 643.º, do CPC, constitui expediente jurídico de reacção contra a não admissão de recurso e tem como única pretensão a alteração do despacho de não admissão do recurso (sendo que o seu regime tem a particularidade de, embora apresentada no tribunal a quo, ser dirigida ao tribunal ad quem, que lhe dará tratamento e decidirá da questão da admissibilidade e, deferindo a reclamação, conhecerá do recurso). O seu regime encontra-se caracterizado por a decisão a proferir pela Conferência (reclamação da decisão do relator de acordo com o n.º4 do artigo 643.º do CPC, para a conferência, nos termos do artigo 652.º, n.º3, do mesmo Código) constituir uma decisão definitiva, ou seja, insusceptível de impugnação recursiva, na sequência, aliás, das raízes históricas da figura (a sua origem reporta ao recurso de queixa a interpor para o Presidente do tribunal hierarquicamente superior que não admitiu o recurso e foi sendo concebida como insusceptível de impugnação por via de recurso para o STJ) – neste sentido decisão de 12-02-2018, proferida por este Tribunal no Processo n.º181/05.7TMSTB-E.E1.S2, acessível através das Bases Documentais do ITIJ.

Assim sendo e não obstante o Recorrente ter fundamentado o recurso visando a revista excepcional, a sua admissibilidade, à parte da dupla conforme, pressupõe que a revista normal tenha cabimento, designadamente nos termos dos requisitos gerais previstos no n.º1 do artigo 629.º do CPC.

Por outro lado, a invocação do artigo 652.º, n.ºs 3, do CPC, pelo Recorrente, parece pretender defender, enquanto fundamento à alínea b) do n.º5 do citado artigo 652.º do CPC, a possibilidade genérica de recurso de revista do referido acórdão da Conferência da Relação.

Não pode ser essa a leitura do preceito pois que a previsão do artigo 652.º, n.º5, alínea b), do CPC, não confere, por si só, um direito de recurso, limitando-se a prever a faculdade de recorrer nos termos gerais, ou seja, tendo presente o disposto nos artigos 671.º e ss. (cfr. neste sentido acórdão deste Tribunal de 17-12-2019, proferido no âmbito do Processo n.º 2589/17.6T8VCT-A.G1-A.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ, onde se decidiu que não tem cabimento no âmbito da revista, tal como definido pelo artigo 671.º, nº 1, do CPC o acórdão da Relação que confirma o despacho da relatora de indeferimento da reclamação contra o despacho de Juiz da 1ª Instância que não admitiu o recurso de apelação).

Por fim, como salientado na decisão deste Tribunal de 12-02-2018, supra citada, a situação não assume integração em qualquer das alíneas do n.º2 do artigo 671.º do CPC (não se está perante uma decisão interlocutória, de estrita natureza incidental que verse unicamente sobre a relação processual) por estar em causa uma decisão final proferida no âmbito de procedimento de reclamação.

II - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente reclamação e indeferir as pretensões dos Requerentes.

Custas a cargo dos Requerentes, fixando-se em 2 Uc´s a taxa de justiça.


Lisboa, 13 de Outubro de 2020

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).