Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
273/13.9YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
MARCAS
PRESCRIÇÃO
CADUCIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
FÉRIAS JUDICIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS / EXTINÇÃO DO REGISTO DE MARCA / ANULABILIDADE.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / CITAÇÕES - INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS.
Doutrina:
- Luís Carvalho Fernandes, “A Nova Disciplina das Invalidades dos Direitos Industriais”, separata da Revista da Ordem dos Advogados, ano 63, I/II, Abril 2003, pp. 96 e ss.,129.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 279.º, AL. E), 298.º, N.ºS 1 E 2, 304.º, N.º1, 309.º, 323.º, N.ºS1 E 2, 328.º, 330.º, N.º2, 331.º, N.ºS1 E 2.
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 266.º, N.º4.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 137.º, 226º, Nº 4, ALÍNEA F),259.º, N.ºS1 E 2, 561.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17 DE NOVEMBRO DE 2011, PROC. Nº 1372/10.4T2AVR.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O decurso de um prazo de prescrição não extingue o direito a que corresponde; antes confere ao sujeito passivo o poder de se opor ao respectivo exercício (art. 304.º, n.º 1, do CC).

II - Diversamente, o decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate; a caducidade não tem por fundamento primeiro a protecção do sujeito passivo mas sim o valor da certeza e segurança dos direitos.

III - As diferenças de regime tornam imprescindível saber se, quando a lei estabelece um prazo para o exercício de um direito, se trata de um prazo de prescrição ou de caducidade; razão pela qual a lei fixou a regra de que, na falta de qualificação, se aplicam as regras da caducidade (art. 298.º, n.º 2, do CC).

IV - O estabelecimento legal de um prazo de caducidade para o exercício de um direito não afasta a aplicabilidade do prazo geral de prescrição “por não exercício”, que é de 20 anos (arts. 298.º e 309.º do CC). Não será assim, todavia, se a lei declarar tais direitos imprescritíveis (art. 298.º, n.º 1, do CC).

V - O prazo de 10 anos previsto no n.º 4 do art. 266.º do CPI para a propositura da acção de anulação de registo de marca é um prazo de caducidade.

VI - Decisivo para determinar se a anulação do registo da marca foi tempestivamente requerida é saber quando se considera proposta a acção e não quando o réu foi citado.

VII - Se o prazo referido em V terminou em período de férias judiciais tem plena aplicação a al. e) do art. 279.º do CC, transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte o fim do prazo previsto para a propositura da acção.

VIII - A utilização no n.º 4 do art. 266.º do CPI do termo “imprescritível” apenas tem o significado de que a invocação da anulabilidade, em caso de registo de má fé, não depende de prazo.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Em 2 de Outubro de 2013, AA - Marketing e Publicidade, Sociedade Unipessoal, Ldª., instaurou contra BB - Edição e Distribuição de Publicações, Ldª., uma acção pedindo a anulação do registo da marca nacional nº 366944 FREEMAP e a condenação da ré a “abster-se de usar o sinal distintivo FREEMAP (ou ainda FREE MAP) no exercício do seu comércio designadamente como marca, logótipo nome de domínio, ou outro, e ainda sob qualquer forma, designadamente no comércio electrónico”

BB - Edição e Distribuição de Publicações, Ldª. contestou. Por entre o mais, opôs a prescrição do direito de anulação, por se ter consumado a prescrição no dia 3 de Agosto de 2003, tendo a citação da ré ocorrido depois de tal data – “a acção foi intentada em 02.09. 2003 e a citação efectuada em 14.10.2013”. Defendeu-se ainda por impugnação e deduziu um pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora a não usar a marca “FREE MAPS”. A autora respondeu.

2. No saneador, o tribunal absolveu a ré do pedido, julgando procedente “a excepção peremptória de prescrição deduzida pela ré”, porque a acção foi proposta depois de decorrido o prazo de prescrição, de dez anos, e ainda porque, se assim não fosse, a prescrição só se consideraria interrompida depois de decorrido esses dez anos, nos cinco dias posteriores à propositura da acção.

Mas esta decisão foi revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nestes termos:

«O art. 279º do C. Civil, inserido no capítulo relativo aos «negócios jurídicos», e só nestas situações, estabelece normas relativas ao "cômputo do tempo" [termo].

E segundo o disposto na alínea e) do sobredito normativo, o prazo que termine «em» «férias judiciais» (como domingos e feriados), isto «dentro» das férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil se o "...acto sujeito a prazo..." houver de ser praticado em juízo, e só neste caso.

A situação sub iudicio é, patentemente, uma daquelas que deve ser praticado em juízo, posto que não resulta de qualquer negócio jurídico, mas de imperativo legal. Subsume-se pois ao disposto no art. 279º, e), do C. Civil.

Em Consequência – Decidimos:

Julgar procedente a apelação da sociedade AA – Marketing e Publicidade, Sociedade Unipessoal Lda., e revogar a douta sentença de 2 de Junho de 2014 (fls.220/223).»

3. BB - Edição e Distribuição de Publicações, Ldª. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

III - CONCLUSÕES

«A) O acórdão ora recorrido decidiu revogar a decisão de 1ª instância, ao considerar que o prazo prescricional que termina em férias transfere-se para o 1º dia útil seguinte às férias.

B) Muito mal andou o douto Tribunal da Relação de Lisboa no presente acórdão recorrido ao ter revogado a decisão de 1ª instância que seguiu e bem o entendimento do Ac do STJ de 26.04.99 em CJ-STJ, 1999, T. II, pago 267, que decidiu que "a prescrição verifica-se pelo decurso do prazo, independentemente de qualquer acto. Se o prazo de prescrição terminar em férias, a instauração da acção, para efeitos de prescrição, não pode diferir-se para depois das férias, pois o termo do prazo não se difere para o primeiro dia útil após as férias".

C) Com efeito, o art. 296º do C. Civil, sob a epígrafe "contagem de prazos" manda aplicar "as regras constantes do art. 279º, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou outras entidades".

D) O art. 279º do C. Civil está inserido no capítulo relativo aos negócios jurídicos estabelece normas relativas ao "cômputo do tempo" e segundo o disposto na al. e) deste artigo, já acima transcrita, o prazo que termine nas férias judiciais transfere-se para o primeiro dia útil se o "acto sujeito a prazo" houver de ser praticado em juízo e só neste caso.

E) Ora, a prescrição verifica-se pelo simples decurso do prazo, independentemente da prática de qualquer acto ou declaração negocial. Logo, o prazo de prescrição não é um acto que esteja abrangido pela referida alo e) do art. 279º, uma vez que a prescrição se verifica independentemente da prática de qualquer acto em juízo.

F) A interrupção da prescrição é que pode ocorrer em juízo.

G) Na verdade a prescrição pode interromper-se por promoção do titular do direito quando este exprime a intenção de exercer o direito pela citação, ou pela notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a referida intenção, como por exemplo a notificação judicial avulsa (o Ac. do STJ de 26.03.98 em DR de 12.05.98 fixou jurisprudência no sentido de que a notificação judicial avulsa é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito).

H) Mas a interrupção só é concebível enquanto o prazo da prescrição não tiver decorrido na sua totalidade (Cfr. Ac. do STJ de 9.07.98 BMJ 479, pago 572), não se compreendendo que uma vez consumada a prescrição, ainda possa ter cabimento a sua interrupção.

I) No caso vertente, a prescrição consumou-se no dia 03.08.2013, apesar de essa data recair em férias judiciais e, até essa data, a Autora não fez interromper a prescrição por qualquer meio admissível, porquanto a citação da Ré, aqui Recorrente foi efectuada e requerida já depois de se haver completado o prazo de prescrição (a acção foi apresentada em 02.09.2013, e a citação efectuada em 14.10.2013, sendo que o prazo de prescrição ocorreu em 03.08.2013).

J) Assim sendo, ocorreu, portanto, a prescrição do direito da Autora, ora Recorrida em pedir a anulação do registo da marca nacional n.º 366944 "FREEMAP", sob pena de se violar a expectativa jurídica do direito já ter precludido à luz do CPI.

Termos em que deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a decisão Recorrida».


Não houve contra-alegações. O recurso foi recebido como revista, com efeito devolutivo.

4. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1º. A autora é uma sociedade comercial denominada de sociedade AA – Marketing e Publicidade, Sociedade Unipessoal Lda., cuja constituição foi registada a 7 de Dezembro de 1999, que tem como objecto a actividade de marketing e publicidade, decorações, consultadoria na área de marketing, serviços administrativos, comissões, comercialização de livros, importação e exportação dos mesmos — documento n.º 1 junto com a petição inicial.

2º. Por registo de 05 de Agosto de 2003, foi concedido a favor da ré o registo da marca nacional n.º 366944 «FREEMAP».

3º. A autora vem peticionar que seja anulado o registo da marca nacional n.º 366944 «FREEMAP» e a ré seja condenada a abster-se de usar o sinal distintivo «FREEMAP» (ou ainda «FREE MAP») no exercício do seu comércio, designadamente como marca, logótipo, nome de domínio, ou outro, e ainda sob qualquer forma, designadamente no comércio electrónico.

4º. A presente acção deu entrada em juízo, via citius, a 02 de Setembro de 2013.

5º. A autora não pediu que se procedesse à citação urgente.

6º. A citação ocorreu a 14 de Outubro de 2013.


5. Está apenas em causa saber se a acção de anulação foi ou não oportunamente proposta.

Antes de mais, cumpre determinar se o prazo de dez anos para a propositura da acção de anulação é um prazo de prescrição ou de caducidade, uma vez que a extinção de direitos, pelo decurso do tempo, opera de forma diferente num caso e noutro; no caso, a diferença é decisiva.

Como se teve a ocasião de escrever já, por exemplo, no acórdão de 17 de Novembro de 2011, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 1372/10.4T2AVR.C1.S1, «Como se sabe, diferentemente do que sucede com a caducidade, o decurso de um prazo de prescrição não extingue o direito a que corresponde; antes confere ao sujeito passivo o poder de se opor ao respectivo exercício, invocando a prescrição (nº 1 do artigo 304º do Código Civil). É justamente por isso que não pode “ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita”, mesmo que o devedor tenha cumprido ignorando a prescrição (nº 2), em sintonia com o regime definido para o cumprimento das obrigações naturais (artigo 403º do Código Civil)»; e que o tribunal não pode declarar um direito extinto por prescrição oficiosamente (artigo 303º do Código Civil). «O regime da extinção de direitos por prescrição sanciona, por esta via, a inércia do titular do direito, contra a qual se protege o sujeito passivo». Por isso mesmo, os prazos de prescrição suspendem-se e interrompem-se (artigos 318º e segs. e 323º e segs. do Código Civil).

Interessa agora especialmente recordar que, tratando-se do exercício judicial de um direito sujeito a um prazo de prescrição, não é o momento da propositura da acção que releva para saber se o direito foi oportunamente exercido, mas sim o da citação do réu: é com a citação que o sujeito passivo é avisado de que a parte contrária pretende exercer o direito – nº 1 do artigo 323º do Código Civil, sabendo-se que só com a citação é que a acção é eficaz relativamente ao réu (nº 2 do artigo 259º do Código de Processo Civil). É a citação que interrompe a prescrição.

Não sendo a citação efectuada nos cinco dias seguintes à propositura da acção, “por causa não imputável ao requerente” (nº2 do mesmo artigo 323º), então a prescrição tem-se por interrompida no fim desse prazo, por uma razão evidente de protecção do autor, que não controla a execução da citação por parte do tribunal. E sabe-se ainda que, não sendo suficiente este prazo de cinco dias, o autor tem ao seu dispor a possibilidade de requerer a citação antecipada, invocando a iminência do fim do prazo de prescrição (artigos 561º e 226º, nº 4, f) do Código de Processo Civil).

Diversamente, o decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate. A caducidade não tem por fundamento primeiro a protecção do sujeito passivo, mas sim o valor da certeza e segurança dos direitos. Se o direito foi exercido dentro do prazo – tratando-se de um direito a exercer judicialmente, se a acção correspondente foi proposta dentro desse prazo (cfr. o nº 1 do artigo 259º do Código de Processo Civil, quanto ao momento em que uma acção se considera proposta) –, é indiferente o momento da citação do réu, para o efeito de determinar se o direito foi ou não oportunamente exercido. Como expressamente se diz no nº 1 do artigo 331º do Código Civil, “só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”; cfr. no entanto o efeito do reconhecimento, em certos casos (nº 2 do mesmo preceito).

É por causa desta forma de operar a extinção dos direitos que os prazos de caducidade legalmente estabelecida não se suspendem nem se interrompem (artigos 328º e 330º, nº 2 do Código Civil).

Ora, estas diferenças de regime tornam naturalmente imprescindível saber se, quando a lei estabelece um prazo para o exercício de um direito, se trata de um prazo de prescrição ou de caducidade; razão pela qual a lei fixou a regra de que, na falta de qualificação, se aplicam as regras da caducidade (nº 2 do artigo 298º do Código Civil).

Finalmente, recorda-se ainda que o estabelecimento legal de um prazo de caducidade para o exercício de um direito – cujo início dependerá do facto que, caso a caso, a lei considere relevante – não afasta a aplicabilidade do prazo geral de prescrição por “não exercício”, que todos sabemos que é de vinte anos – artigos 298º, nº 1 e 309º do Código Civil. Não será assim, todavia, se a lei declarar tais direitos imprescritíveis (mesmo nº 1 do artigo 298º do Código Civil).


6. É pois de caducidade o prazo de dez anos previsto no nº 4 do artigo 266º do Código da Propriedade Industrial; decisivo portanto para determinar se a anulação do registo da marca foi tempestivamente requerida é saber quando é que se considera proposta a acção – e não quando o réu foi citado.

Não se trata de um processo urgente nem de nenhum caso em que a lei permita ou imponha a propositura da acção em férias judiciais (cfr. artigo 137º do Código de Processo Civil). Se o prazo de dez anos para a propositura da acção terminou em período de férias judiciais, como sucedeu, tem plena aplicação a alínea e) do artigo 279º do Código de Processo Civil; a acção foi pois tempestivamente proposta.

Apenas se acrescenta, a concluir, que a utilização do termo “imprescritível” nada permite concluir quanto à natureza do prazo de dez anos. Como observa Luís Carvalho Fernandes, A Nova Disciplina das Invalidades dos Direitos Industriais, separata da Revista da Ordem dos Advogados, ano 63, I/II, Abril 2003, pág. 96 e segs., pág.129, o prazo previsto no nº 4 do artigo 266º é de caducidade e o significado da afirmação de imprescritibilidade em caso de registo de má fé é apenas o seguinte: “a invocação da anulabilidade, havendo má fé, não depende de prazo”.


7. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 22 de Outubro de 2015


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego