Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
579/12.4TXPRT-A.P1-A.S1 
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
CUMPRIMENTO DE PENA
PRISÃO POR DIAS LIVRES
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 100, 25.05.2015, P. 3098-3110
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - EXECUÇÃO DAS PENAS - PRISÃO POR DIAS LIVRES E EM REGIME DE SEMIDETENÇÃO / FALTAS DE ENTRADA NO ESTABELECIMENTO PRISIONAL / AUDIÇÃO DO CONDENADO.
Doutrina:
- A. Reis, citado por Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, p. 183.
- Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, vol. I e II, edição da Assoc. Acad. de Lisboa, p. 283 e ss..
- Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, p. 564.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, p. 327 e ss.; Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pp. 149, 153 e 158.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada (2007), p.516.
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, "Constituição da República Portuguesa” Anotada, Coimbra Editora, 2010, Tomo I, p. 732.
- Lamas Leite, "A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 do Código Penal", Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. II, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, pp. 620 e 621.
- P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4ª ed., p. 1252.
- Parecer da Câmara Corporativa, in ACTAS, nº 74, de 23/10/1973, pág. 2672 e 2673, cit. Maia Gonçalves in “Código Penal “Português Anotado, 1983, pg. 82.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, APROVADO PELA LEI Nº 115/2009 DE 15-10 (CEPMPL): - ARTIGOS 110.º, 125.º, N.º4, 154.º, 155.º, N.ºS 1 E 2, 156.º, 163.º, 170.º, 174.º, N.º1, 176.º, N.º1, 177.º, 185.º, N.º S2 E 4, 195.º, N.º2, 234.º, 240.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 61.º, N.º 1, AL. A) E AL. B), 437.º, 495.º, N.º2,
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 56.º, N.º1, AL. B)
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º5.
LEI N.º 115/2009, DE 12 DE OUTUBRO; - ARTIGO 8.º, N.º2, AL. A).
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6º, N.º 3, AL. C) E D).
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH). ARTIGOS 10.º E 11.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 3/12/2008, P.º N.º 70/97.7IDSTR.C1.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 13/7/2011, P.º N.º 3737/10.2TXPRT-A.P1.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23/4/1986, B.M.J. 356-272.
-DE 11/10/2001, P.º N.º 2236/01, DA 5.ª SECÇÃO.
-DE 16/1/2008 OU DE 5/12/2012, RESPETIVAMENTE, P.º N.º 4565/08 E P.º N.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, AMBOS DA 3.ª SECÇÃO.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 372/2000 DE 12/7/2000, N.º 172/1992 DE 6/5/1992, N.º 173/1992 DE 7/5/1992, N.º 298/2005 DE 7/6/2005, OU, AINDA, N.º 461/2011 DE 11/10/2011.
Sumário : «A audição do condenado, imposta pelo nº 4 do art. 125º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009 de 15 de outubro, deve ser presencial.»
Decisão Texto Integral:

Acordam no Pleno das Secções Criminais do STJ:

AA foi condenado na pena de 4 meses de prisão a cumprir em dias livres de 24 períodos, com início às 9h de sábado e termo às 21h de domingo.

Ora, no "Processo Supletivo" com o nº em epígrafe, do 1.º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto, foi proferida decisão, a 13/12/2012, em que se determinou que o condenado passasse a cumprir a pena de prisão, em regime contínuo pelo tempo que faltasse, porque havia deixado de se apresentar no estabelecimento prisional que estava em causa, sem justificar as faltas.

Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 22/5/2013 negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

O Mº Pº veio então interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, desta decisão, nos termos dos art.s 437.º e segs. do CPP. 

A – O RECURSO

O recorrente invocou, em síntese, que no acórdão recorrido, transitado em julgado a 24/6/2013, estava em causa a questão de saber se, tendo o condenado deixado de comparecer, no estabelecimento prisional onde cumpria pena de prisão por dias livres, a sua audição determinada pelo n° 4, do artigo 125.º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante CEPMPL), tinha que ser presencial, com vista a habilitar o tribunal a decidir o cumprimento da pena em regime contínuo, ou bastava que se concedesse ao condenado e ao seu defensor a possibilidade de se pronunciarem por escrito.

A posição do acórdão recorrido foi no sentido de que não era exigível que a audição do condenado, determinada pelo preceito apontado, tivesse que ser presencial, bastando-se com a possibilidade que lhe fosse concedida, bem como ao respetivo defensor, de se pronunciarem por escrito.

No entanto, no Acórdão de 19/12/2012, proferido no Pº 561/11.9TXPRT-A.P1, também do Tribunal da Relação do Porto (acessível em http://www.dgsi.pt), eleito como acórdão fundamento, foi consagrada solução oposta sobre a mesma questão de direito.

Aqui se decidiu que a decisão que aprecia as faltas de apresentação no Estabelecimento Prisional, de condenado em pena de prisão por dias livres, porque pode legalmente determinar a alteração, para regime contínuo do remanescente da prisão, tem de ser precedida de audiência prévia e presencial do condenado, por parte do Juiz de Execução das Penas. De tal modo que a falta dessa audição presencial integra a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. c) do CPP.

O recorrente Mº Pº entende, pois, que tais Acórdãos decidiram a mesma questão de direito, mas optando por soluções opostas e no domínio da mesma legislação. Do Acórdão proferido no processo em epígrafe não é admissível recurso ordinário (art.s 400.º, n° 1, al. e), 427.º e 432.º, todos do CPP), e ambos os Acórdãos transitaram em julgado.

Assim, encontram-se, a seu ver, preenchidos os requisitos legais de admissibilidade do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, cuja interposição é, aliás, obrigatória para o Mº Pº (art.s 401.º, n° 1, al. a) e 437.º, n° 5, do CPP).

Termina solicitando que se fixe jurisprudência nos termos da posição adotada no acórdão fundamento.

Notificado para responder, nos termos do art. 439.º do CPP, o arguido não o fez.

Já neste STJ, a Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer douto, ao abrigo do art. 440º, nº 1, do CPP, dizendo a terminar:

"(…) Do confronto das decisões relatadas resulta mostrarem-se reunidos os fundamentos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência - art° 437°, n°s 2, com referência ao n° 1, n°s 3,4 e 5 do CPP.

O recurso foi interposto em tempo, mostrando-se devidamente identificadas e transitadas as decisões da Relação do Porto em confronto – artº 438° do CPP.

Nada obsta ao prosseguimento dos autos, devendo ser proferido acórdão que decida por verificada a oposição de julgados."


Juntou-se certidão do acórdão recorrido, e, narrativamente, certificou-se que o mesmo fora notificado por via postal registada expedida para a defensora do condenado, a 23/5/2013, de que resultou o trânsito em julgado da decisão a 7/6/2013 (fls. 15 e seg.).
Foi também junta certidão do acórdão fundamento, lavrado a 19/12/2012, com indicação do trânsito em julgado a 4/2/2013 (fls.63 e seg.).

Proferiu-se nos presentes autos o acórdão a que se refere o art. 440º, nº 4 do CPP, o qual terminou afirmando "Estarem verificados os requisitos formais e substanciais previstos nos art.s 437.º e 438.º, ambos do CPP, de que depende o prosseguimento do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto nestes autos".

Notificaram-se os sujeitos processuais interessados para alegarem, ao abrigo do art. 442º, nº 1 do CPP, o que o Mº Pº fez, concluindo do seguinte modo:

"1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2. A prisão por dias livres visa criar um regime intermédio entre a prisão contínua e o tratamento em meio aberto, e assenta na ideia de evitar que se projectem sobre a família do condenado consequências económicas desastrosas que ocorreriam com a sua prisão, evita a ruptura prolongada com o meio profissional e social e, o interesse das vítimas ficará mais garantido, porque a continuidade do trabalho aumenta as possibilidades de reparação.

3. O Código da Execução das penas e medidas privativas da Liberdade visou redefinir o estatuto jurídico do recluso e reforçar as suas garantias no decurso do cumprimento das penas e medidas privativas da liberdade, consagrando-se princípios orientadores da execução, como o do respeito pelos direitos e interesses juridicamente protegidos do recluso não afectados pela condenação

4. O Código da Execução das penas e medidas privativas da Liberdade consagra em diversos normativos, designadamente no artigo 125.º, n.º 4, o direito de o condenado ser ouvido.

5. O artigo 125.º, n.º 4, do Código da Execução das penas e medidas privativas da Liberdade visa assegurar a aplicação do princípio do contraditório, que vigora no processo penal português, tendo consagração constitucional, bem como, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

6. O princípio do contraditório impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte, pelo que é indispensável, que o tribunal de execução de penas antes de considerar injustificada as faltas do condenado proporcione a sua audiência presencial.

7. É que a decisão que for tomada nesta matéria contende com o direito fundamental à liberdade e, não deixa de conduzir a um sacrifício já que, se as faltas não forem consideradas justificadas, o condenado perderá a possibilidade de manter a emprego/trabalho que ainda mantinha, bem como a afectará as suas relações familiares.

8. O princípio do contraditório exige que o tribunal, antes de considerar injustificadas as faltas de entrada no estabelecimento prisional do condenado a cumprir a prisão por dias livres envide todos os esforços necessários a audição do condenado.

9. O essencial é que o tribunal tenha dado a oportunidade ao condenado de se pronunciar sobre uma consequência jurídica que lhe é desfavorável e, só assim pode o condenado explicitar os motivos pelos quais não se apresentou no estabelecimento prisional.

10. O artigo 234.º, do C.E.P.M.P.L manda aplicar ao processo supletivo os trâmites do processo de concessão da liberdade condicional, ora resulta do disposto no artigo 176.º do C.E.P.M.P.L que este dispositivo prevê a audição previa e presencial do condenado no processo de concessão da liberdade condicional.

11. Assim resulta também da conjugação das normas constantes do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdades a necessidade de audiência presencial do condenado no processo de justificação das faltas de entrada no estabelecimento prisional.

Propõe-se, pois, que o conflito de jurisprudência existente entre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo número 579/12.4TXPRT-A.P1.A.S1 e, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do recurso com o processo número 561/11.9TXPRT-A.P1, seja resolvido nos seguintes termos:

Para os efeitos do artigo 125.º, n.º 4, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, o condenado deve ser ouvido presencialmente pelo Juiz do Tribunal de Execução de Penas competente."


B – APRECIAÇÃO

1. Pressupostos formais de admissibilidade do recurso

O Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis podem recorrer para o pleno das secções criminais, quando, no domínio da mesma legislação, o STJ proferir dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas. O recurso é interposto do acórdão proferido em último lugar (n.º 1 do art. 437.º do CPP), tendo o acórdão fundamento que ser anterior e devidamente transitado em julgado (n.º 4). O mesmo poderá ocorrer quando um tribunal de Relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente Relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (n.º 2).

Esse recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (n.º 1 do art.º 438.º do CPP).
No acórdão preliminar referido no art.º 441.º do CPP, deve o Supremo Tribunal de Justiça verificar
      da admissibilidade do recurso, mas a posição aí assumida não vincula o Pleno das Secções criminais pelo que se impõe antes do mais tomar posição.
Assim sendo, verifica-se que no caso o Mº Pº tem legitimidade para recorrer, o acórdão de que se recorre transitou em julgado a 7/6/2013 (fls. 15 e seg.) e o acórdão fundamento a 4/2/2013 (fls.63 e seg.).
O recurso foi interposto em tempo (fls. 47). Acresce que não ocorreu alteração legislativa, relevante para o caso, entre a prolação dos acórdãos recorrido e fundamento.
Também os arts. 240º e segs. do CEPMPL se reportam aos "Recursos especiais para uniformização de jurisprudência" estabelecendo uma disciplina que, na parte aplicável ao caso em apreço, coincide com a prevista no CPP. Concretamente a dos art. 240º,  241º, al. a), e 243º do, CEPMPL. Por outro lado, o art. 244º refere que interposição, tramitação e julgamento dos recursos anteriormente previstos e à publicação e eficácia da respetiva decisão aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao artigos 438º a 446º do Código de Processo Penal".


2.  A oposição relevante

Quanto à natureza da oposição que interessa ter em conta, dir-se-á, em tese geral, o seguinte:

O art. 437º do CPP (art. 240º do CEPMPL) reclama, para fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, a existência de dois acórdãos, tirados sob a mesma legislação, que assentem em soluções opostas quanto à mesma questão de direito. Perfilada pois uma questão de direito, importa que se enunciem “soluções” para ela, que se venham a revelar opostas.

Os dois acórdãos têm que assentar em soluções opostas, no sentido de que a oposição deve ser expressa e não tácita. Isto é, tem que haver uma tomada de posição explícita divergente quanto à mesma questão de direito. Não basta que a oposição se deduza de posições implícitas, que estão para além da decisão final, ou que em cada um dos acórdãos esta tenha, só por pressuposto, teses diferentes. A oposição deve respeitar à decisão e não aos seus fundamentos (cf. v.g. Ac. do S.T.J. de 11/10/2001, Pº 2236/01 desta 5ª Secção).

Mas importa ainda que se esteja perante a mesma questão de direito. E isso só ocorrerá quando estejam em jogo as mesmas normas, reclamadas para aplicar a uma certa situação fáctica, e elas forem interpretadas de modo diferente. Interessa pois que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas.

Citando A. REIS, dizem-nos SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES:

“Dá-se a oposição sobre o mesmo ponto de direito quando a mesma questão foi resolvida em sentidos diferentes, isto é, quando à mesma disposição legal foram dadas interpretações ou aplicações opostas” (in “Recursos em Processo Penal”, pag. 183).

A seu turno, o Ac. deste S.T.J. de 23/4/1986 (B.M.J. 356-272) defendeu que “É indispensável para haver oposição de acórdãos, justificativa de recurso, que as disposições legais em que se basearam as decisões conflituantes, tenham sido interpretadas e aplicadas diversamente a factos idênticos”. Esta jurisprudência foi depois uniformemente seguida neste Supremo Tribunal (cf. ob. cit. a menção dos acórdãos pertinentes, a pag. 183, nota 189).


3. O acórdão recorrido

Este acórdão resultou da interposição de recurso para a Relação, por parte do arguido, e nele se disse a certo passo:

 
"(…) No caso em apreço, a única questão suscitada pelo recorrente reconduz-se à invocada nulidade insanável decorrente da falta de audição presencial do arguido, antes de ser proferida a decisão sob recurso que, julgando injustificadas as faltas do arguido ao estabelecimento prisional onde cumpria a pena de prisão em dias livres, determinou que o arguido passasse a cumprir em regime contínuo o tempo de prisão em falta.
(…)
A este propósito dispõe o artº 125° do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n° n° 115/2009 de 12 de Outubro que:
"1- A execução da prisão por dias livres e da prisão em regime de semidetenção obedece ao disposto no presente Código e no Regulamento Geral, com as especificações fixadas neste capítulo.
2 - As entradas e saídas no estabelecimento prisional são anotadas no processo individual do condenado.
3 - Não são passados mandados de condução nem de libertação.
4 - As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando -se, para o efeito, mandados de captura.
5 - As apresentações tardias, com demora não excedente a três horas, podem ser consideradas justificadas pelo director do estabelecimento prisional, ouvido o condenado."
(…) 
No que respeita ao modo de efetivar o contraditório e, especificamente, o direito de audiência, a jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que a audição prevista no art° 125° n° 4 do CEPMPL deve ser presencial.
Entendemos, porém, que, ressalvado o respeito devido por opinião contrária, as disposições legais aplicáveis não impõem que a decisão proferida ao abrigo do disposto no art° 125° do CEPMPL seja precedida obrigatoriamente de audição presencial do arguido.
Com efeito, pese embora o art° 234° do citado diploma mandar aplicar ao processo supletivo os trâmites do processo de concessão da liberdade condicional, o certo é que ressalva as devidas adaptações. Ora, é sabido que, nos termos do art° 176°, no processo de concessão de liberdade condicional, o juiz procede à audição presencial do recluso, sendo esta reduzida a auto (n° 4 do mesmo preceito).
E compreende-se que a lei imponha que a decisão sobre a concessão (ou não) da liberdade condicional seja precedida de audição presencial do recluso. Por um lado, por razões de ordem prática: o arguido encontra-se detido em cumprimento de pena num determinado estabelecimento prisional, da área de jurisdição do Tribunal de Execução de Penas competente para a decisão, tornando-se assim mais fácil a sua audição pelo juiz, na sequência da reunião do Conselho Técnico (art° 174°). Por outro lado, pelos consabidos benefícios ínsitos aos princípios da imediação e da oralidade: por identidade de razão com a audição presencial do arguido em audiência de julgamento (arts° 343° e 361° do C.P.P.), constituem, do ponto de vista substancial, as fases mais decisivas do procedimento criminal, a de julgamento que pode culminar com uma decisão absolutória ou condenatória, e a concessão ou não da mais importante medida de flexibilização da execução da pena de prisão.
Ora, as razões justificativas da exigência de audição prévia e presencial para a decisão da concessão de liberdade condicional ao recluso, não se aplicam à decisão de revogação do cumprimento da prisão em dias livres. Aqui não está em causa um agravamento substancial da posição do arguido em termos de liberdade ou reclusão, mas apenas uma diferente forma de cumprimento da pena de prisão que lhe foi imposta. Acresce que a audição prévia do arguido, ao abrigo do art° 125° n° 4 do CEPMPL, destina-se tão só a justificar as razões das faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença condenatória e de apresentação dos pertinentes meios de prova, de forma a evitar o cumprimento da prisão em regime contínuo.
Por isso se entende que o regime de audição previsto no art° 176° do CEPMPL não se aplica ao arguido que, condenado em prisão a cumprir em dias livres, tem de justificar as faltas de entrada no estabelecimento prisional, pois o direito/dever de audiência se cumpre com a notificação pessoal do arguido e do seu mandatário/defensor nomeado para virem aos autos apresentar justificação para o referido incumprimento.
O que a lei exige é que se possibilite ao arguido o exercício do direito de audiência sobre a concreta questão a apreciar. O exercício do referido direito não se confunde com o direito de presença a que alude o art° 61° n° 1 al. a) do C.P.P. Enquanto neste o arguido deve estar física e processualmente presente, para o exercício do direito de audiência, basta a presença processual do arguido e/ou do seu defensor.
Ora, no caso em apreço, na sequência da comunicação do EP sobre o incumprimento pelo arguido de alguns períodos de prisão, o Sr. Juiz do TEP ordenou a notificação pessoal do arguido e da sua defensora "para, no prazo de 5 dias, vir dizer aos autos as suas razões e justificações para o(s) incumprimento(s), assim se cumprindo o comando legal de audição".
Não obstante a referida notificação, o arguido e a sua defensora oficiosa remeteram-se ao silêncio.
Os autos foram então com vista ao M° Público que emitiu parecer no sentido de ser determinado o cumprimento em regime contínuo do remanescente da pena de prisão.
Antes de proferir a decisão recorrida, o Sr. Juiz ordenou a notificação da defensora do arguido para exercício do contraditório [cfr. fls.61].
Apesar de devidamente notificada, a ilustre defensora do arguido nada disse [cfr. fls. 62].
Contudo, o arguido juntou aos autos um manuscrito, por si subscrito, em que apresenta como justificação o estado de saúde da sua companheira e a necessidade de permanecer junto das duas filhas menores durante o fim de semana, dada a ausência daquela, que se encontrava internada.
Foi então proferida a decisão recorrida que julgou injustificadas as faltas de entrada no EP e determinou o cumprimento do remanescente da prisão em regime contínuo.
 
Conclui-se assim que não foi preterido o direito de audiência do arguido, já que este foi devidamente notificado para justificar o seu incumprimento, tendo igualmente sido notificada a sua defensora oficiosa para esse efeito.
Não se percebe, por isso, porque razão a defensora do arguido, nas motivações de recurso, vem alegar que "o condenado não exerceu plenamente a sua defesa, não dispondo de todos os meios para comprovar a sua versão dos factos, por falta de conhecimentos técnicos".
(…)
Não constituindo objeto do recurso o mérito da questão apreciada na decisão recorrida (ou seja, se as faltas do arguido deveriam considerar-se justificadas, face aos fundamentos invocados no requerimento de fls. 63), mas apenas saber se se impunha a prévia audição presencial do arguido, conclui-se pela improcedência do recurso.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando consequentemente a decisão recorrida.(…)"
 

4. O acórdão fundamento

Estava aí igualmente em causa a necessidade de audiência presencial do arguido antes do juiz do Tribunal de Execução das Penas tomar uma decisão, sobre as consequências das faltas não justificadas do condenado, no cumprimento da pena de prisão por dias livres.
Aí se disse, entre o mais:

 
"(…) O presente recurso foi interposto da decisão do Mmº. Juiz do Tribunal de Execução das Penas que declarou injustificadas algumas faltas de apresentação do condenado/recorrente no Estabelecimento Prisional de Guimarães, no âmbito de cumprimento de pena de prisão por dias livres e, em consequência, determinou que o remanescente da pena passasse a ser cumprido em regime contínuo.
Como ponto prévio da apreciação do mérito de tal decisão, importa observar se foram devidamente cumpridos os trâmites legais essenciais que a devem preceder.
(…)
Coloca-se assim a questão de saber se a obrigação de ouvir o condenado imposta pelo nº 4 deste preceito, se basta ou não com a notificação do próprio e do seu defensor para se pronunciarem, como aconteceu no caso sub judice.
O que centra a questão na forma legalmente exigida para a efetivação do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no artigo 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa, e também nos artigos 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Esse princípio, que se afirma em todo o processo penal enquanto garante do seu caráter bilateral e do equilíbrio das partes em confronto, impõe que qualquer decisão judicial, ainda que interlocutória ou recorrível, só seja proferida depois de o sujeito processual contra a qual é dirigida poder contestar, discutir e valorar o respetivo objeto. Tendo simultaneamente a virtualidade de transpor para o processo penal a expressão do próprio Estado de direito democrático, ao assegurar que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas na discussão de argumentos com quem por elas possa ser pessoalmente afetado, como emanação de uma racionalidade dialética e comunicacional, como declarou o Tribunal Constitucional no acórdão 499/97, Diário da República, II série, n° 244, de 21 de Outubro de 1997).
Face às variadíssimas situações em que o princípio do contraditório se impõe, a sua efetivação não tem sempre as mesmas formalidades e exigências, sendo o respetivo grau de amplitude naturalmente proporcional ao tipo de consequências que podem advir para a parte da respetiva decisão judicial a proferir.
No caso concreto que ora nos ocupa, urge pois desde logo considerar que a decisão que declara (in)justificadas as faltas de apresentação no Estabelecimento Prisional de condenado em pena de prisão por dias livres, por poder legalmente determinar a alteração para regime contínuo do remanescente da prisão, é no fundo um desenvolvimento da própria sentença e faz parte daquelas decisões que contendem diretamente com o núcleo essencial dos direitos fundamentais dos cidadãos, no caso o direito à liberdade e segurança.
Ora, uma decisão deste tipo e importância, tem de ser sempre necessariamente precedida de um contraditório o mais eficaz possível, que possibilite ao condenado uma efetiva e real possibilidade do exercício de defesa e pronúncia na discussão dos seus argumentos e eventual comprovação dos motivos das faltas de apresentação no Estabelecimento Prisional, o que não se compadece com a mera notificação para sobre tal se pronunciar por escrito. Surgindo aqui o contraditório presencial, com audiência prévia do condenado fisicamente presente perante o Juiz de Execução das Penas, como o único proporcional às possíveis consequências da decisão judicial que contra ele pode ser tomada.
Trata-se, no fundo, de procurar manter o mesmo patamar de contraditório exigido para o julgamento, ou seja, de prolongar a garantia de julgamento para lá do próprio julgamento relativamente a decisões que, como acontece no caso sub judice, podem alterar a pena de substituição aplicada na sentença e, como tal, são também e ainda decisões sobre a pena.
Aliás, se atentarmos nas normas do próprio CEPMPL e as conjugarmos entre si, concluiremos que este mesmo diploma assegura, no ponto que ora nos interessa, a efetivação do princípio do contraditório com a amplitude constitucionalmente consagrada, ao prever no seu artigo 176º a audição prévia e presencial do recluso no processo de concessão de liberdade condicional, cujos trâmites, por força da remissão do artigo 234º, são supletivamente aplicáveis a todos os outros processos nele tramitados e, como tal, obviamente também ao processo de justificação de faltas de entrada no estabelecimento prisional de condenado em regime de cumprimento de prisão por dias livres; (neste sentido cfr. o acórdão do TRP de 13.07.2011, proc. nº 3737/10.2TXPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).
É pois com o sentido de audição presencial do condenado que tem de ser interpretado o nº 4 do artigo 125º do CEPMPL, pois é a única interpretação consentida pelas regras do artigo 9º do Código Civil, na medida em que tem assento na letra da lei e respeita simultaneamente o seu espírito, considerando a norma no âmbito do diploma em que está inserida, na coerência de todo o sistema processual penal e sempre sob a égide dos princípios fundamentais enformadores do Estado de direito democrático, com garantia constitucional.
Assim, no caso sub judice, não tendo a decisão recorrida sido precedida da audição presencial do condenado/recorrente (não tendo sequer sido designada data para essa diligência), foi preterida uma formalidade legal essencial que impede que se considere cumprido o princípio do contraditório.
Situação que integra a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal: «A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência», que é de conhecimento oficioso do Tribunal.
Este vício, nos termos do disposto no artigo 122º nº 1 do mesmo diploma, determina a invalidade do despacho recorrido (que julgou injustificadas as faltas de comparência do recorrente no Estabelecimento Prisional de Guimarães e, em consequência, determinou o cumprimento em regime contínuo da prisão remanescente), o qual deverá ser substituído por outro que designe data para audição do arguido, com notificação também do defensor, assim se habilitando o tribunal a proferir a decisão sobre o regime de cumprimento da pena que, então, se impuser; (neste sentido, cfr., entre outros, e para além do acórdão desta Relação já supra citado, também os acórdãos do TRL de 21.09.2011, proc. nº 6874/10.0TXLSB-BL1-3 e de 13.07.2011, proc. nº 2914/10.0TXLSB-A.L1-3, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Face a esta solução, fica obviamente prejudicado o conhecimento da questão levantada no recurso.
 
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente, ainda que por razões diversas das invocadas, julgando nulo o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que designe data para audição presencial do arguido, assistido pelo seu defensor, após o que deverá ser proferida nova decisão, em conformidade com toda a prova produzida.(…)"  

5. A oposição

5.1. Por detrás de ambas as decisões está uma factualidade que se equivale por completo, e que parte das faltas de apresentação nos estabelecimentos prisionais em causa, por parte dos condenados, para cumprimento de penas de substituição de prisão por dias livres, em que tinham sido condenados.

A tal se seguiram notificações, aos próprios condenados e suas defensoras, para fornecerem as pertinentes justificações. No caso do acórdão recorrido, o condenado remeteu ao TEP escrito da sua lavra em que se justificou com o internamento por doença da respetiva companheira e a necessidade de tomar conta das filhas de ambos, ao fim de semana. No processo do acórdão fundamento foram remetidos também ao TEP documentos que pretenderam comprovar, desta feita, a doença do condenado.

Em ambos os casos foi proferida decisão que considerou as faltas de apresentação injustificadas, e em ambos os casos as decisões foram proferidas sem precedência de audição presencial dos condenados.

 Na sequência dos recursos interpostos para o Tribunal da Relação o acórdão recorrido manteve a decisão recorrida, porque interpretou a expressão “ouvir o condenado” do nº 4, do art. 125º, do CEPMPL, como concretização do contraditório, em termos se ter por suficiente a simples oportunidade dada ao condenado para explicar a sua conduta (presença processual). O acórdão fundamento considerou o recurso procedente, com a consequência de ter declarado nulo o despacho recorrido, já que interpretou a expressão em foco em termos de exigência da presença física do condenado, perante o juiz do TEP, para se justificar.

Portanto, a questão de direito que se delimita é a de saber se a referida expressão, "ouvir o condenado", deve ser interpretada no sentido de reclamar a audiência presencial do mesmo.

De referir que a questão tem sido tratada pela jurisprudência dos Tribunais da Relação, de forma maioritária, no sentido do acórdão fundamento. Nas suas alegações, o Mº Pº procedeu ao levantamento dessa jurisprudência e identificou dois acórdãos no sentido do aqui acórdão recorrido, ao lado de nove que acolheram a tese do acórdão fundamento (vide fls.  84 v e 85).

5.2. Como fundamento da sua opção, no essencial, o acórdão recorrido refere:

a) A remissão do art. 234º do CEPMPL para a disciplina do processo de concessão de liberdade condicional, a título supletivo, tem que ser feita com as devidas adaptações. São razões de ordem pragmática que explicam a audição presencial do condenado, nos termos do art. 176º do CEPMPL, com vista à decisão sobre liberdade condicional, porque o condenado está recluso, razões essas que se não podem transpor, sem mais, no caso de falta de apresentação para cumprimento da pena de prisão por dias livres.

b) A decisão de substituir a pena de prisão por dias livres por prisão contínua, dos dias que restam, não representa um agravamento substancial da situação do condenado, em termos de liberdade ou reclusão.

c) A audição do condenado, prevista no nº 4 do art. 125º do CEPMLP, destina-se apenas a que ele possa justificar as faltas que deu.

d) O direito de audiência não se confunde com um direito de presença, e no caso é suficiente o exercício do direito de presença processual.

A seu turno, o acórdão fundamento assenta a sua opção no facto de:

a) As formalidades e exigências do contraditório deverem ser proporcionais ao tipo de consequências que podem advir, para a parte, da decisão judicial a proferir. No caso, justifica-se o contraditório o mais eficaz possível.

b) Deverá aproximar-se o contraditório deste momento processual do que vigora para o da audiência de julgamento do próprio crime porque ainda aqui se trata de aplicação de uma pena.

c) É a própria lei que manda aplicar através do art. 234º do CEPMLP o regime do art. 176º do mesmo CEPMLP, e assim, o despacho que determine o cumprimento de prisão contínua na sequência das faltas de apresentação do condenado, sem audição presencial deste, está ferido de nulidade insanável nos termos do art. 119º, al. c), do CPP.

6. Posição perfilhada

6.1. A propósito da seleção da espécie de pena, na condenação, Figueiredo Dias considera que "Todo o tema da escolha da pena se reconduz, tanto em perspectiva histórica como político-criminal, ao movimento de luta contra a pena de prisão: é este movimento que constitui o denominador comum de qualquer das mostrações atrás evidenciadas em que o tema da escolha da pena se desdobra" .[1]

Este mesmo autor recorda-nos a tomada de posição contra as penas curtas de prisão que remonta a Boneville de Marsangy em 1864, ou a Von Liszt já na viragem para o sec. XX, que afirmou mesmo que as penas curtas de prisão seriam não só inúteis como produtoras de mais danos do que os que derivariam da completa impunidade dos criminosos. Foi então que a condenação político-criminal das penas curtas de prisão se tornou praticamente definitiva, e a questão a resolver passou a ser a das formas da sua substituição.

Entre nós, o Projeto da Parte Geral do Código Penal de 1963 representou o passo decisivo nesse sentido, rejeitando-se toda a pena de prisão aplicável à pequena e média criminalidade. A doutrina entendeu de forma dominante que as penas de substituição eram verdadeiras penas autónomas, e, com especial interesse para o tema que nos ocupa, afirmou o consenso sobre o conteúdo político-criminal próprio, e sobre o campo específico de aplicação de cada pena de substituição, com a necessidade de um regime daí resultante, em larga medida individualizado, mesmo no que respeita ao incumprimento das penas de substituição.

Por último, de assinalar a tomada de posição, no sentido de que a função exercida pela culpa se limita à determinação do limite de quantum da pena (quer a substituída quer a de substituição), nada tendo a ver com a questão da escolha da espécie de pena. [2]  

Sensível a esta problemática da prevenção especial, e encarado o sistema penitenciário tal como o conhecemos se devidamente analisado, com o fim de se ultrapassarem as suas tradicionais dificuldades, Anabela Rodrigues não hesita em também propor “uma política deflaccionária da utilização da pena de prisão. Paralelamente a fazer actuar uma vasta gama de penas de substituição (…)” [3]

A pena de prisão por dias livres foi introduzida no nosso sistema penal com o Código de 1982, enquadrando-se no aludido movimento de política criminal que alertou para os malefícios das penas curtas de prisão, e pretendeu dar resposta à necessidade de “adaptar a pena à vida familiar e profissional do condenado e criar um regime intermédio entre a prisão contínua e o tratamento em meio aberto, mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o delinquente.

É, antes do mais indesejável que se projectem sobre a família do condenado consequências económicas desastrosas, a ponto de se dizer que “une peine de prison clochodise la famille”, sendo ainda indesejável a ruptura prolongada com o meio profissional e social. E além disso, o interesse das vítimas ficará mais garantido, porque a continuidade do trabalho aumenta as possibilidades de reparação. Por seu turno, o fraccionamento da execução da pena, o seu cumprimento em dias geralmente de ócio e a execução em condições que lhe não fazem perder a natureza punitiva, não apagam de modo algum a finalidade de prevenção especial.” [4]

 Consabidamente, as penas principais são as que se encontram expressamente previstas como sanção nos tipos legais de crime da parte especial, podendo ser aplicadas pelo juiz na sentença independentemente de quaisquer outras (prisão e multa para as pessoas singulares e multa e dissolução para as pessoas coletivas ou equiparadas). As penas de substituição são as que se aplicam e executam em vez de uma pena principal, e as penas acessórias são as que dependem da aplicação de uma pena principal ou de substituição, a que obviamente não podem deixar viver associadas.

As penas de substituição contam, para além da pena de admoestação, com as penas de substituição propriamente ditas, que se caracterizam pelo seu carácter não institucional, é dizer, não detentivo, e pela necessidade de se estipular uma medida da pena de prisão substituída. É o caso, por exemplo, da multa (enquanto pena de substituição) ou da suspensão da execução da pena de prisão. Acrescem-lhe as penas de substituição detentivas, que contam apenas com a aquela segunda característica, a determinação prévia do tempo da prisão substituída. É o caso, hoje, do regime de permanência na habitação, da prisão por dias livres e da semidetenção.

Na sua versão original, a prisão por dias livres prevista no art. 44º do CP substituía apenas uma pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 meses, e embora este limite tenha permanecido intocado, depois da revisão do preceito levada a efeito pelo DL 48/95, de 15 de Março, será de notar o propósito explícito, no preâmbulo deste diploma, de se dar maior eficácia às penas de substituição, ao “reorganizar o sistema global de penas para a pequena e média criminalidade com vista a permitir, por um lado, um adequado recurso às medidas alternativas às penas curtas de prisão, cujos efeitos criminógenos são pacificamente reconhecidos, e por outro concentrar esforços no combate à grande criminalidade” (ponto 2.).

Este propósito de se evitarem cada vez mais as penas curtas de prisão, em reclusão contínua, acentua-se ainda mais com a nova redação dos nºs 1 e 2 do art. 45º, do CP, dada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, a atual. Na verdade, alarga-se o leque de situações a que é aplicável a prisão por dias livres, porque se eleva para um ano o limite da pena de prisão substituída. Acresce que essa referência de um ano passa a ser comum às penas de permanência na habitação e semidetenção, obtendo-se pois, neste setor, uma certa uniformização.

6.2. O regime de execução da pena de prisão por dias livres, incluindo a consequência das faltas dadas pelo condenado, estava previsto no art. 486º do CPP, na versão original, e transitou sem alterações no seu conteúdo para o art. 488º do mesmo CPP, depois da revisão do DL 317/95 de 28 de Novembro. Estipulava o nº 3 do artigo 488º referido:

“(…)3. As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal. Se o tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se para o efeito, mandados de captura.”

A al. a), do nº 2, do art. 8º, da Lei 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o CEPMPL, revogou o preceito, e a disciplina em questão transitou para o nº 4 do art. 125º desse CEPMPL. A nova redação manteve-se quase igual e passou a ser:
"(…) 4 - As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando -se, para o efeito, mandados de captura".
É tempo de nos debruçarmos sobre o sentido a dar à expressão "depois de ouvir o condenado" que o preceito elege como condição, da decisão sobre a justificação (ou não) das faltas que ele tenha dado.

6.3. O Livro II do CEPMPL trata "Do processo perante o Tribunal de Execução das Penas", respeitando o Título IV ao "Processo" propriamente dito.
No âmbito das disposições gerais, o art. 154º diz-nos que "Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são correspondentemente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal".
O art. 155º discrimina no nº 1 as formas de processo, acrescentando, no nº 2, que "A todos os casos a que não corresponda uma forma de processo referida no número anterior aplica-se o processo supletivo".  Ora, o art. 234º, por sua vez, estipula que "O processo supletivo segue, com as devidas adaptações, os trâmites do processo de concessão da liberdade condicional."
Nesta espécie de processo, depois da instrução e da convocação do Conselho Técnico, é levada a cabo pelo juiz a "Audição do recluso". Tal audição, porém, analisada no questionamento das razões do recluso, é seguida de uma fase instrutória em que tudo se conjuga para nos aproximarmos da natureza de uma verdadeira audiência de julgamento.
Na verdade, o nº 1 do art. 176º refere que "O juiz questiona o recluso sobre todos os aspectos que considerar pertinentes para a decisão da causa, incluindo o seu consentimento para a aplicação da liberdade condicional, após o que dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor, caso estejam presentes, os quais podem requerer que o juiz formule as perguntas que entenderem relevantes."  E no nº 2 se diz que o recluso pode oferecer as provas que julgar convenientes, a admitir, ou não, pelo juiz, através de despacho irrecorrível (nº 3). Só depois de parecer escrito nos autos, do Mº Pº, é que é proferida decisão (art. 177º). 
Ora, a remissão do art. 234º para os "trâmites do processo de concessão da liberdade condicional", mas com as devidas adaptações, já deu azo a que se defendesse que não era transponível, para o processo supletivo por faltas de apresentação em cumprimento da pena de prisão por dias livres, a exigência de audição presencial do condenado. Foi o caso, por exemplo, do acórdão recorrido, com se viu.
Assim, importa ver se ressaltam diferenças de monta na natureza das decisões em confronto, concessão da liberdade condicional versus revogação da prisão por dias livres, que justifiquem um tratamento diferente do arguido condenado, ao nível da sua audição.
De todo o modo, do que se trata é de aferir da suficiência, ou não, no caso, de um contraditório que se consideraria mais ligeiro, dispensando-se a audiência presencial do condenado.

6.4. O princípio do contraditório, que informa o processo penal, tem consagração, desde logo, na CR, diretamente no nº 5 do art. 32º ("O processo penal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório."), e como emanação de "todas" as garantias de defesa, asseguradas no que diz respeito a este tipo de processo, pelo nº 1 do mesmo artigo. Também encontra assento no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente no seu nº 3, al. c) e d) [5], e art. 10º e 11º, nº 1 [6] da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
É sabido que o nosso processo penal tem sido caracterizado por ter uma estrutura acusatória integrada por um princípio de investigação. Ora, esse princípio de investigação só tem o sentido de o juiz poder ele mesmo reconstituir as bases de facto de que precise, para poder proferir a decisão, se e na medida em que outros sujeitos processuais o não façam no processo. Por isso é que, como refere Figueiredo Dias, o juiz não deve "levar a cabo a sua actividade solitariamente, mas deve para tanto ouvir quer a acusação quer a defesa" [7].
Ou seja, o princípio do contraditório surge para que seja dada a "oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo." E essa influência será garantida através de "norma que há-de assegurar ao titular do direito uma eficaz e efectiva possibilidade de expor as sua próprias razões e de, por esse modo, influir na declaração do direito do seu caso." [8]
O âmbito de incidência do princípio conduz a que, sempre que uma decisão possa atingir diretamente a esfera jurídica do arguido ele tenha que ser ouvido, ou se lhe dê a possibilidade efetiva de se fazer ouvir. O sujeito processual contra o qual uma decisão é proferida deve ter a ampla e efetiva possibilidade "de a discutir, de a contestar e de a valorar, em si mesma e quanto aos seus fundamentos, em condições de plena igualdade e liberdade com os restantes sujeitos processuais, designadamente o Ministério Público" [9].
Emanação do princípio do contraditório é sem dúvida o que consta do art. 61º, nº 1, al. a) e al. b) do CPP:
"1 – O arguido goza, em especial, em qualquer fazer do processo e salvas as exceções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito.
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; (…)"  

A concretização do princípio do contraditório não tem que assumir a mesma forma em todos o atos processuais, e deve ter em conta a gravidade da decisão que venha a ser proferida, aferida pelos seus efeitos, na sequência da audição a que a autoridade judiciária proceda. Desde a simples notificação do arguido (ou outro sujeito processual) para que se pronuncie querendo, por escrito, no prazo que lhe for concedido, até à possibilidade de exposição de razões que é conferida ao arguido, na oralidade e imediação, com assistência de defensor, em audiência. Aqui, o contraditório exerce-se também através de um direito de presença [10].
Voltemos então ao art. 125º, nº 4 do CEPMPL.

6.5. Esta norma prevê a eventualidade de o juiz do TEP considerar injustificadas as faltas do condenado, caso em que são passados mandados de captura para cumprimento da prisão pelo tempo que faltar, em termos contínuos. A passagem dos mandados tem evidentemente que ocorrer depois de uma decisão do juiz, ela mesma tomada em momento ulterior à fase instrutória que tiver lugar e a que a lei se refere com a expressão, "depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias".

6.5.1. Muito embora a literalidade da norma, nesta secção, exatamente porque prevê uma fase instrutória, apontasse em princípio para a oralidade e imediação, na audição do condenado [11], o certo é que essa letra da lei é compatível, ainda, com a simples oportunidade de ele se pronunciar por escrito, pessoalmente ou através do seu defensor.

6.5.2. O elemento histórico de interpretação não nos fornece, no presente caso, argumentos úteis para estabelecermos o sentido da expressão "depois de ouvir o condenado", mas, em termos sistemáticos, o preceito tem lugares paralelos que importa abordar.
Começando pelo processo disciplinar, vemos que o art. 110º do CEPMPL nos diz que "Iniciado o procedimento, o recluso é informado dos factos que lhe são imputados, sendo-lhe garantidos os direitos a ser assistido por advogado, ser ouvido e de apresentar provas para sua defesa".    
Em matéria de concessão de liberdade condicional, já se viu, o nº 1 do art. 174º fala na designação de hora para a audição do recluso, e o nº 1 do art. 176º refere, entre o mais, que "O juiz questiona o recluso". Ora, é para a tramitação da concessão da liberdade condicional que o legislador remete, estando em causa o processo supletivo.
A propósito, dir-se-á então que o processo de concessão da liberdade condicional é da iniciativa do juiz e levará, por regra, a uma melhoria de situação do condenado porque passará a cumprir a pena em liberdade, enquanto o processo de revogação da pena de prisão por dias livres surge com a pelo menos aparente violação, por parte do condenado, daquilo a que está adstrito, e pode levar a um substancial agravamento da situação deste. À partida, dir-se-ia ser neste tipo de processo, que mais necessidade existe de serem pedidas explicações ao condenado, e mais interesse deveria ele ter em apresentar as suas razões.
Mas o incumprimento do plano de reinserção ou das regras de conduta, em liberdade condicional, a que o condenado tenha sido sujeito, dá origem a um incidente em que o condenado é ouvido oralmente, nos termos do art. 185º, nº 2, do CEPMPL, antes de ser (ou não) revogada a liberdade condicional. Note-se que, aqui, o condenado não se encontra recluso, e de acordo com o nº 4 do artigo, "A falta injustificada do condenado vale como efetiva audição para todos os efeitos legais".
Nos casos específicos de processo de internamento, designadamente de inimputáveis, do art. 156º, o art. 163º do mesmo Código manda aplicar as normas estabelecidas para a liberdade condicional ouvindo-se obrigatoriamente o defensor.
E o incidente por incumprimento de qualquer das condições impostas na concessão de licença de saída jurisdicional, manda seguir o regime daquele art. 185º atrás referido (art. 195º, nº 2). Portanto, ouvir oralmente o condenado.
O art. 170º do CEPMPL diz: "Ao incumprimento da prestação de trabalho a favor da comunidade é correspondentemente aplicável o disposto quanto ao incidente de incumprimento da liberdade condicional, sendo ouvido obrigatoriamente o defensor". Também aqui se prevê, pois, a audição oral do arguido.
Em matéria de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, por falta de cumprimento de condições de suspensão, rege, na parte que nos interessa, o nº 2, do art. 495º, do CPP, de acordo com o qual "O tribunal decide por despacho, depois de recolhida prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento, das condições da suspensão". Nos termos do nº 1, al. b), do art. 56º, do CP, a revogação também pode ter lugar por força do cometimento de crime no decurso da suspensão, certo que, também neste caso se justifica a oportunidade dada ao arguido para ser ouvido. Segundo P. Pinto de Albuquerque, "O arguido deve ser ouvido pessoal e presencialmente, sendo irrelevante o motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119º, al. c), uma vez que a a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo especial" [12]
É abundante a jurisprudência das Relações neste sentido [13]. Na doutrina, Lamas Leite considera mesmo que o tribunal deve procurar por todos os meios ao seu alcance ouvir (presencialmente) o condenado sob pena de violação do próprio princípio da culpa. [14]   
Feito este apanhado de situações, com semelhança com a que nos ocupa, vemos que a regra é a de ouvir, ou pelo menos de dar a possibilidade ao condenado de ser ouvido, pessoalmente, antes de ser tomada a decisão que o pode afetar.   

6.5.3. Se a teleologia da norma é assegurar o contraditório, de modo a que o condenado possa intervir no processo que culminará na decisão que o vai atingir, deve haver proporcionalidade entre os meios facultados para efetivação desse contraditório e a gravidade da decisão em jogo.
A conclusão a que o juiz chegue, de que se não mostram justificadas as faltas de apresentação do condenado, para cumprimento da pena de prisão por dias livres, leva à reclusão do condenado para cumprimento de pena de prisão contínua.
Todas as vantagens de que beneficiava, em termos de manutenção da vida familiar, profissional ou escolar, desaparecem. Como se diz no acórdão fundamento, a decisão de considerar injustificadas as faltas, com as aludidas consequências, "faz parte daquelas decisões que contendem directamente com o núcleo essencial dos direitos fundamentais dos cidadãos, no caso o direito à liberdade e segurança. Ora, uma decisão deste tipo e importância, tem de ser sempre necessariamente precedida de um contraditório o mais eficaz possível (…)".
A decisão que determina a mudança de uma pena de substituição reconhece o falhanço da aplicação desta, enveredando então por uma pena de prisão a cumprir em continuidade, e revela-se como desenvolvimento da sentença condenatória com consequências gravosas para o arguido. Justifica-se pois a preocupação com as garantias de defesa que lhe são facultadas.  
Acresce que, para além do interesse pessoal do condenado, é o interesse em evitar penas curtas de prisão que se prejudica e com ele todo um propósito de política criminal, caro ao legislador, que fica gorado, como começámos por acentuar.

 
C – DECISÃO

Termos em que se acorda no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal e Justiça em considerar o recurso procedente e fixar jurisprudência nos seguintes termos:

A audição do condenado, imposta pelo nº 4 do art. 125º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009 de 15 de outubro, deve ser presencial.

 

Em consequência, ordena-se que o processo seja oportunamente remetido ao Tribunal da Relação do Porto, a fim de poder ser reavaliada a decisão recorrida tendo em conta a jurisprudência fixada.

Não é devida taxa de justiça (art. 513º, nº 1, do CPP).

Cumpra-se oportunamente o art. 444º, nº 1 do CPP.

Lisboa, 9 de Abril de 2015 - Souto de Moura (Relator)

– Maia Costa (Vencido conforme voto que junto)

– Pires da Graça (Voto a decisão sem prejuízo do complemento declarativo que aduzo)

– Raul Borges

– Isabel Pais Martins

- Manuel Braz

– Isabel São Marcos

– Helena Moniz

– Nuno Gomes da Silva

– João Miguel

– Francisco Caetano

– Pereira Madeira

– Santos Carvalho

– Santos Monteiro

– Santos Cabral (Vencido de acordo com declaração que junto)

– Oliveira Mendes (Voto vencido pelas razões constantes da declaração que junto)

– Henriques Gaspar (Presidente)


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Voto de vencido


            Votei vencido, pelas razões que sumariamente seguem.

            Em causa está a interpretação do nº 4 do art. 125º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdades (CEPMPL), que determina que, no caso de o condenado na pena de prisão por dias livres faltar à entrada no estabelecimento prisional, a prisão passa a ser cumprida em regime contínuo, se o tribunal de execução das penas, depois de o ouvir, considerar a falta injustificada.

            A controvérsia reside no modo de audição do condenado: terá de ser presencial?

            Há que recordar que o direito de audição é diverso do direito de presença, como claramente resulta do art. 61º, nº 1, a) e b), do Código de Processo Penal (CPP). O direito a ser ouvido não exige a presença do arguido/condenado, mas apenas que ele, antes de ser tomada uma decisão que o afete pessoalmente, possa pronunciar-se sobre a questão.

            E essa pronúncia pode efetuar-se por meio da intervenção do defensor, nos termos do art. 63º, nº 1, do CPP.

            Por que razão, há de ser necessária a presença do condenado na situação analisada?

            O texto do acórdão aponta como razão fundamental o facto de a decisão que altera a forma de cumprimento da pena de prisão por dias livres ser um “desenvolvimento da sentença condenatória”.

            Discorda-se em absoluto deste argumento.

O cumprimento da pena de prisão por dias livres em regime contínuo é uma consequência automática da falta injustificada do condenado à entrada no estabelecimento prisional. O tribunal não escolhe a “sanção” para essa falta; apenas decide se a falta é ou não justificada. Sendo declarada injustificada, segue-se automaticamente o cumprimento contínuo da prisão.

A modificação do cumprimento da pena constitui, pois, um incidente de execução da pena, e por isso a competência para o processamento do incidente está atribuída ao tribunal de execução das penas (arts. 125º, nº 4, e 138º, nº 4, j), do CEPMPL).

A justificação da falta, ou seja, a comunicação ao tribunal dos motivos que levaram o condenado a faltar, não exige de forma alguma a presença deste perante o juiz, podendo ser efetivada de forma eficaz por meio de exposição do defensor.

Por outro lado, não é legítimo concluir pela necessidade da audição pessoal, com base no disposto nos arts. 155º, nº 2, 176º, e 234º do CEPMPL.

Na verdade, a audição pessoal do recluso, imposta pelo art. 176º no âmbito do processo de concessão de liberdade condicional, justifica-se inteiramente porque se trata de diligência fundamental para avaliar da existência de condições para a concessão dessa medida, revestindo-se a audição de caráter contraditório (presença do Ministério Público e do defensor, que podem formular perguntas), podendo ser produzidas provas, a requerimento do recluso, sendo a audição reduzida a auto.

Trata-se, em suma, de uma “audiência de julgamento”, com exclusão das alegações, e da sentença. A presença do recluso é logicamente imprescindível.

Totalmente diferente é a audição do condenado no caso previsto no art. 125º, nº 4, do CEPMPL. Não há nenhuma audiência contraditória. Há apenas que indagar dos motivos da falta do condenado, indagação essa que não exige a sua presença pessoal perante o juiz.

Em suma, o direito de audição do condenado cumpre-se com a notificação do seu defensor.

            Este foi, e é, o meu entendimento.

                                  

                                                   Maia Costa

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DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto a decisão, sem prejuízo do seguinte complemento:

O Artigo 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL)[15], sobre execução, faltas e termo do cumprimento da prisão por dias livres e da prisão em regime de semi-detenção, inserido no Capítulo II do Título XVI, do Livro I, determina:

1 — A execução da prisão por dias livres e da prisão em regime de semi-detenção obedece ao disposto no presente Código e no Regulamento Geral, com as especificações fixadas neste capítulo.

2 — As entradas e saídas no estabelecimento prisional são anotadas no processo individual do condenado.

3 — Não são passados mandados de condução nem de libertação

4 — As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando -se, para o efeito, mandados de captura.

            A questão do presente recurso está imediatamente em saber se a audição do condenado deve ou não ser presencial; mas, em caso afirmativo, se o condenado a ela não comparecer, tornando-a, assim, inexequível, é meu entendimento que, engloba ainda, necessariamente, por lhe ser imanente e complementar, a óbvia questão da sua subsistência, ou dos efeitos ou reflexos desse modo de audição, por situar-se no âmbito e abrangência do princípio do contraditório.

           

É da competência dos Tribunais de Execução das Penas - Artº 138º nº 2 j) -  “Ordenar o cumprimento da prisão em regime contínuo em caso de faltas de entrada no estabelecimento prisional não consideradas justificadas por parte do condenado em prisão por dias livres ou prisão em regime de semi-detenção.”

A passagem do cumprimento da pena de prisão por dias livres ou prisão em regime de semi-detenção, para cumprimento em regime contínuo, não se me revela como “desenvolvimento da sentença condenatória”, pois é mera modificação do modo do regime de cumprimento da pena de prisão aplicada, revelando-se, outrossim, um incidente no regime de cumprimento da pena de prisão.

O Artigo 155.º, inserido no capítulo II (formas de processo), do título IV (processo) do Livro II, estabelece:

1 — Para além dos previstos em lei avulsa, existem as seguintes formas de processo: internamento, homologação, liberdade condicional, licença de saída jurisdicional, verificação da legalidade, impugnação, modificação da execução da pena de prisão, indulto e cancelamento provisório do registo criminal.

2 — A todos os casos a que não corresponda uma forma de processo referida no número anterior aplica-se o processo supletivo.

Inexistindo processo específico sobre o regime de cumprimento da pena de prisão por dias livres e prisão em regime de semi-detenção, aos incidentes que daqui derivem, aplica-se, assim, o processo supletivo previsto no Capítulo XII, do referido Título IV, cujo Artigo 234.º referindo-se à Tramitação determina:

“O processo supletivo segue, com as devidas adaptações, os trâmites do processo de concessão da liberdade condicional.”

O regime do processo de concessão da liberdade condicional, encontra-se autonomizado na Secção I, do Capítulo V (do mencionado título IV, Livro II) que versa sobre a Liberdade Condicional, dispondo o Artigo 176º sobre a Audição do recluso

  1- O juiz questiona o recluso sobre todos os aspectos que considerar pertinentes para a decisão em causa, incluindo o seu consentimento para a aplicação da liberdade condicional, após o que dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor, caso estejam presentes, os quais podem requerer que o juiz formule as perguntas que entenderem relevantes

2 — O recluso pode oferecer as provas que julgar convenientes.

3 — O juiz decide, por despacho irrecorrível, sobre a relevância das perguntas e a admissão das provas.

4 — Caso perspective como necessária a sujeição do recluso a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, o juiz recolhe, desde logo, o seu consentimento.

5 — A audição do recluso é reduzida a auto.

Perante tal normativo, é legítimo concluir que a audição do condenado deve ser presencial.

Do referido regime não resulta porém, como deve equacionar-se a questão da falta do condenado à audição, sendo certo que a Secção II do mesmo capítulo sobre a Liberdade condicional, referindo-se ao incumprimento do plano de reinserção social ou das regras de conduta impostas estabelece no Artigo 185º o regime do incidente de incumprimento, e explicita no nº 4. que “A falta injustificada do condenado vale como efectiva audição para todos os efeitos legais.”

            Mas, se esta consequência, estabelecida neste nº 4 valesse para o processo supletivo das faltas de entrada no estabelecimento prisional, é óbvio que o Artigo 234º teria expressamente mencionado essa remissão, tanto mais que no regime de concessão de liberdade condicional, o condenado, encontra-se recluso, ao passo que no incidente de incumprimento previsto no artº 185º, o condenado encontra-se em liberdade.

            Donde, não me parecer legalmente assertivo concluir pela aplicação do nº 4 do Artigo 185º, à audição do faltoso condenado em prisão por dias livres ou prisão em regime de semi-detenção, pois nestes casos, não foi esse normativo que o legislador quis aplicar por remissão.

Dispõe o Artigo 149.º, sobre comunicações, convocações e notificações:

“São correspondentemente aplicáveis ao processo no tribunal de execução das penas as disposições do Código de Processo Penal relativas à comunicação de actos processuais, convocações e notificações.”

           

Sendo certo que também o Artigo 154.º reforça, a nível de direito subsidiário:

“Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são correspondentemente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.”

           

E, sendo certo também que, de harmonia com o Capítulo II (do Título V, do Livro II), sobre Recursos especiais para uniformização de jurisprudência, o Artigo 246.º, sobre Legislação subsidiária, dispõe:

“Aplicam -se, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, as disposições do Código de Processo Penal que regulam os recursos ordinários.”

É assim aplicável, o disposto no Título IV - Da comunicação dos actos e da convocação para eles -, do Livro II, do Código de Processo Penal,  maxime Artigos  112º (Convocação para acto processual), 113º (Regras gerais sobre notificações) 115º (Dificuldades em efectuar notificação ou cumprir mandado) e ainda Artigo 117º (Justificação da falta de comparecimento)

           

É ainda aplicável, a meu ver, o disposto no Artigo 116º nº 1, do CPP, em caso de falta injustificada, mas já não o nº 2, em virtude do disposto no nº 4 do Artigo125º do CEPMPL

           

Com efeito, de harmonia com o supra referido nº 4 do Artigo 125º do CEPMPL, o juiz procederá às diligências necessárias, e se não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando -se, para o efeito, mandados de captura

           

Relembre-se aliás, a jurisprudência fixada por este Supremo Tribunal, no Acórdão n.º 6/2010, in DR 99 SÉRIE I de 2010-05-21, a propósito de notificações, após pena de prisão suspensa na sua execução, que mutatis mutandis, pode valer no processo supletivo, e, a propósito, se transcreve:

 “[…]ii - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»). iii - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]”

            Consequentemente formularia o texto dispositivo com a seguinte redacção

«A audição do condenado, imposta pelo nº 4 do art. 125º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009 de 15 de Outubro, deve ser presencial; mas, se o condenado, regularmente notificado, faltar, e o juiz vier a julgar injustificada a falta, o processo prosseguirá os demais termos do nº 4 do Artigo 125º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, sem audição do condenado.»

                                Pires da Graça

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A doutrina dominante considera actos processuais todos os actos dos sujeitos processuais relevantes distinguindo-se entre actos executivos e actos provocativos.

Os primeiros configuram directamente o processo por si mesmos enquanto que os segundos estão dirigidos á obtenção dum outro acto processual, nomeadamente uma decisão judicial. Para tanto visam a configuração do procedimento através da influência sobre um outro sujeito processual (Conf Claus Roxin Derecho Procesal Penal pag 173).

No caso vertente- nº 4 do artigo 125 do CEP- a audição do arguido é um acto processual que se insere nesta segunda categoria, visando determinar a decisão do juiz sobre o incumprimento das normas relativas à prisão por dias livres. Paralelamente, tal audição é um direito activo de intervenção processual do arguido e constitui um princípio fundamental com étimo constitucional e inserido no acervo nuclear do seu direito de defesa.

O referido direito pode assumir plurimas formas que vão desde a presença nos actos processuais que disserem respeito ao arguido o que pressupõe a existência dum procedimento formal, que privilegie a imediação e a oralidade, porque adequado à prossecução do mesmo acto, ou o direito a ser ouvido pelo tribunal sempre que ele deva tomar posição que o afecte. Estas duas formas de assegurar o principio do contraditório estão consagradas, consecutivamente, no artigo 61 nº 1 alíneas a) e b) do CPP. Este normativo é, assim, claro na consagração do direito à presença e o direito a ser ouvido como factos jurídicos totalmente distintos.

O artigo 125 nº 4 ora em analise exige que o arguido seja ouvido sobre o incumprimento da decisão proferida e tal exigência de audição tem de ser aferida em relação ao referido artigo 61 do CPP e, portanto, com exclusão da presença do arguido até porque o acto processual a praticar- a declaração justificativa- não tem qualquer exigência formal que não a das declarações e requerimentos em processo penal.

Igualmente é certo que, entendendo que a não justificação do incumprimento, e a determinação da prisão em continuidade é uma questão de direito penitenciário, ou seja de execução da pena, e não de desenvolvimento da sentença condenatória, também entendo que não existe na situação vertente qualquer incidente a regular com apelo ao processo de liberdade condicional por força dum denominado processo supletivo, mas sim um incidente devidamente previsto no mesmo artigo 125 do CEP.

            Por ultimo não se deixa de realçar que a interpretação que ora se faz do “direito a ser ouvido” poderá ser extrapolado para todas as situações em que o mesmo está consagrado no Código de Processo Penal, fazendo coincidir com a necessidade de presença em manifesta contradição com o referido artigo 61 do CPP.

               Consequentemente votaria decisão de sentido contrário ao ora consagrado.

A doutrina dominante considera actos processuais todos os actos dos sujeitos processuais relevantes distinguindo-se entre actos executivos e actos provocativos.

Os primeiros configuram directamente o processo por si mesmos enquanto que os segundos estão dirigidos á obtenção dum outro acto processual, nomeadamente uma decisão judicial. Para tanto visam a configuração do procedimento através da influência sobre um outro sujeito processual (Conf Claus Roxin Derecho Procesal Penal pag 173).

No caso vertente- nº 4 do artigo 125 do CEP- a audição do arguido é um acto processual que se insere nesta segunda categoria, visando determinar a decisão do juiz sobre o incumprimento das normas relativas à prisão por dias livres. Paralelamente, tal audição é um direito activo de intervenção processual do arguido e constitui um princípio fundamental com étimo constitucional e inserido no acervo nuclear do seu direito de defesa.

O referido direito pode assumir plurimas formas que vão desde a presença nos actos processuais que disserem respeito ao arguido o que pressupõe a existência dum procedimento formal, que privilegie a imediação e a oralidade, porque adequado à prossecução do mesmo acto, ou o direito a ser ouvido pelo tribunal sempre que ele deva tomar posição que o afecte. Estas duas formas de assegurar o principio do contraditório estão consagradas, consecutivamente, no artigo 61 nº 1 alíneas a) e b) do CPP. Este normativo é, assim, claro na consagração do direito à presença e o direito a ser ouvido como factos jurídicos totalmente distintos.

O artigo 125 nº 4 ora em analise exige que o arguido seja ouvido sobre o incumprimento da decisão proferida e tal exigência de audição tem de ser aferida em relação ao referido artigo 61 do CPP e, portanto, com exclusão da presença do arguido até porque o acto processual a praticar- a declaração justificativa- não tem qualquer exigência formal que não a das declarações e requerimentos em processo penal.

Igualmente é certo que, entendendo que a não justificação do incumprimento, e a determinação da prisão em continuidade é uma questão de direito penitenciário, ou seja de execução da pena, e não de desenvolvimento da sentença condenatória, também entendo que não existe na situação vertente qualquer incidente a regular com apelo ao processo de liberdade condicional por força dum denominado processo supletivo, mas sim um incidente devidamente previsto no mesmo artigo 125 do CEP.

            Por ultimo não se deixa de realçar que a interpretação que ora se faz do “direito a ser ouvido” poderá ser extrapolado para todas as situações em que o mesmo está consagrado no Código de Processo Penal, fazendo coincidir com a necessidade de presença em manifesta contradição com o referido artigo 61 do CPP.

               Consequentemente votaria decisão de sentido contrário ao ora consagrado.


Santos Cabral

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Voto vencido com os seguintes fundamentos:

Preceitua o n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, com o que estabelece princípio material geral através do qual o arguido, em processo penal, deve dispor de todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para se defender[16].

Necessidade e adequação são pois as características a ter presentes pelo julgador relativamente aos direitos e instrumentos de defesa do arguido em processo penal.

No caso vertente a questão que é submetida ao pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça é a de saber se o direito que o n.º 4 do artigo 125º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade concede ao condenado de ser ouvido impõe a sua audição presencial perante o juiz ou, ao invés, se satisfaz com a sua notificação e a do seu advogado ou defensor para pronuncia sobre a falta ou faltas verificadas.

Estabelece aquele normativo em matéria de prisão por dias livres e em regime de semidetenção, sob a epígrafe de «execução, faltas e termo do cumprimento»:

«4. As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo, pelo temo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura».

Como é sabido, a lei adjectiva penal ao regular os direitos e deveres processuais do arguido faz uma clara distinção entre o direito de estar presente e o direito de ser ouvido, ao textuar no artigo 61º, n.º 1, alíneas a) e b): 

«1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:

a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe digam respeito;

b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte…».

Obviamente que enquanto o direito de estar presente implica a comparência do arguido, o direito de ser ouvido satisfaz-se com a notificação daquele e/ou do seu defensor, consoante os casos, para se pronunciarem, ou seja, para transmitirem qual a sua posição face a determinada questão.

Deste modo, face à redacção dada à segunda parte do n.º 4 do artigo 125º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, onde expressamente se refere depois de ouvir o condenado, dever-se-á concluir que o legislador ali se pretende referir ao direito do condenado ser ouvido, não ao direito de estar presente, donde se deverá concluir que a lei não impõe a audição presencial do condenado, satisfazendo-se com a sua notificação e a do seu advogado ou defensor.

Contra-argumenta-se, porém, que o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (n.º 2 do artigo 155º) remete a tramitação processual de todos os procedimentos a que não corresponda uma das formas de processo referidas no n.º 1 do artigo 155º para o processo supletivo, sendo este segundo o artigo 234º o processo de concessão da liberdade condicional, com as devidas adaptações, processo que impõe a audição presencial do condenado, pelo que, não correspondendo ao caso sub judice qualquer das formas de processo contempladas no n.º 1 do artigo 155º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e não ocorrendo diferenças na natureza dos dois procedimentos que justifiquem um tratamento diferente do condenado ao nível da sua audição, há que ouvir presencialmente o condenado antes de se determinar passe a prisão por dias livres a ser cumprida em regime contínuo.

Não nos parece que assim seja.

Com efeito, o processo atinente à concessão de liberdade condicional constitui um procedimento especial e complexo, com uma tramitação específica, em que a audição presencial do recluso se insere e enquadra em diligência nuclear, absolutamente indispensável, diligência muito semelhante à audiência de discussão e julgamento, na qual, conforme impõe o n.º 1 do artigo 176º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade: «1. O juiz questiona o recluso sobre todos os aspectos que considerar pertinentes para a decisão em causa, incluindo o seu consentimento para a aplicação da liberdade condicional, após o que dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor, caso estejam presentes, os quais podem requerer que o juiz formule as perguntas que entenderem relevantes». Aliás, nessa diligência a lei admite mesmo que o recluso ofereça provas, para além de que impõe seja a audição reduzida a auto – n.ºs 2 e 5 do artigo 176º. Ao invés, o processo relativo à substituição da prisão por dias livres e em regime de semidetenção por prisão em regime contínuo é um procedimento simples que, pela própria natureza das coisas, não impõe especial formalismo, consabido que o que nele está em causa é, tão só, a justificação ou não justificação da falta de entrada do condenado no estabelecimento prisional em violação do regime estabelecido pelo tribunal na sentença.

Por isso, entendemos que no processo atinente à substituição da prisão por dias livres e em regime de semidetenção por prisão em regime contínuo, o princípio do contraditório se mostra assegurado com a notificação do condenado e a do seu advogado ou defensor para pronuncia sobre a falta ou faltas verificadas.

Como refere Henriques Gaspar em análise aos direitos do arguido de estar presente e de ser ouvido[17], o direito do arguido ser ouvido significa direito a pronunciar-se antes de ser tomada uma decisão que directa e pessoalmente o afecte; não tem que consistir sempre numa audição ou audiência pessoal e oral, a possibilidade de se pronunciar por escrito através de intervenção processual do defensor satisfaz, por regra, o direito a ser ouvido para exercer o contraditório.

Oliveira Mendes

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[1] In "Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime", Coimbra Editora, 2005, pág. 327.
[2] Idem, o autor e obra assinalados que neste ponto seguimos, pág. 327 e seg.
[3] In “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, 1995, pág. 564.
[4] Cf. “Parecer da Câmara Corporativa” – ACTAS, nº 74, de 23/10/1973, pág. 2672 e 2673, cit. Maia Gonçalves in “Código Penal Português  Anotado”, já na edição de 1983, pág. 82. Com interesse, poderão ver-se ainda, sobre a génese do preceito, as “Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal”, Parte Geral, vol. I e II, edição da Assoc. Acad. de Lisboa, pág. 283 e seg.
[5]  A al. c) reporta-se ao direito de o "acusado" se defender a si próprio ou através de defensor, e a al. d) ao direito de interrogar ou fazer interrogar testemunhas de acusação e de convocar e interrogar testemunhas de defesa nas mesmas condições.
[6] Entre o mais, asseguram-se o processo equitativo e as garantias de defesa necessárias.
[7] In "Direito Processual Penal", Coimbra Editora, 1974, pág. 149.
[8] Idem, pág. 153 e 158
[9] Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros in "Constituição da República Portuguesa Anotada", Coimbra Editora, 2010, Tomo I, pág. 732.
[10] Sobre o princípio em questão se pronunciaram circunstanciadamente, por exemplo, os Acórdãos deste STJ de 16/1/2008 ou de 5/12/2012, respetivamente, Pº 4565/08 e Pº 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, ambos da 3ª Secção, ou os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 372/2000 de 12/7/2000, nº 172/1992 de 6/5/1992, nº 173/1992 de 7/5/1992, nº 298/2005 de 7/6/2005, ou ainda nº 461/2011 de 11/10/2011.
[11] O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/7/2011 (Pº 3737/10.2TXPRT-A.P1) valoriza a ideia de que estando em causa diligência probatória, a audição deverá ser presencial.
[12] In "Comentário do Código de Processo Penal", Universidade Católica Editora, 4ª ed., pág. 1252.

[13] Idem, jurisprudência aí citada.
 Como se diz no Acórdão de 3/12/2008 da Relação de Coimbra, Pº 70/97.7IDSTR.C1, "Na suspensão da execução da pena, atenta a natureza verdadeiramente autónoma da pena suspensa (ainda que se considere pena de substituição), a sua revogação traduz-se sempre no cumprimento pelo condenado de outra pena – a pena de prisão – conquanto esta já estivesse determinada, no seu quantum de intimidação, na sentença condenatória.
Por isso, seria gravemente atentatório das garantias de defesa que a revogação da suspensão se pudesse processar sem que este se pudesse pronunciar nos termos do artigo 495º, nº 2, do CPP, o que significa que lhe deve ser concedida a possibilidade de exercício do direito do contraditório e, mais, do direito de audiência pessoal."
 

[14] "(…)um funcionamento automático da revogação violaria o princípio da culpa e, numa perspectiva mais ampla, onde ele radica, a própria dignidade da pessoa humana, erigida em esteio basilar de todo o sistema jurídico. Donde, a revogação de qualquer pena substitutiva (máxime não detentiva) importa uma constrição de direitos fundamentais apenas compatível com o exaustivo apuramento dos factos que preenchem o conceito jurídico de incumprimento das condições impostas sem qual quer ónus da prova impendente sobre o condenado.

Nesta sequência, tem-se questionado, na jurisprudência, se é ou não obrigatória a audição do arguido aquando da decisão de revogar a pena suspensa (e diríamos em geral, em qual quer medida substitutiva). Encontram-se arestos que apontam para uma audição "aconselhável" enquanto que outros a tal obrigam. Para nós, a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32º, nº 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61º, nº 1, al. b), e 495, nº 2, ambos do CPP, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa de liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado." (Cf. "A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 do Código Penal", In "Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias", vol. II, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, pág. 620 e 621).       

[15] Os artigos citados no texto sem referência à fonte, pertencem ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade
[16] - Neste preciso sentido se pronunciam Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua Constituição da República Portuguesa Anotada (2007), 516, ao referirem que o preceito do n.º 1 do artigo 32º ao aludir a «todas as garantias de defesa» engloba indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição.

[17] - Código de Processo Penal Comentado (Almedina-2014), 212.