Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
28602/15.3T8LSB.L1-A.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ATOS PROCESSUAIS
NOTIFICAÇÃO ELETRÓNICA
PROCESSO JUSTO E EQUITATIVO
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS / ATOS EM GERAL / ATOS ESPECIAIS / CITAÇÃO E NOTIFICAÇÕES / NOTIFICAÇÕES EM PROCESSOS PENDENTES / NOTIFICAÇÕES DA SECRETÁRIA.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
Doutrina:
-RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 441.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 132.º, N.º 1, 139.º, N.º 6, 247.º E 248.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º, N.º 4.
PORTARIA N.º 280/213 DE 26-08-2013, REGULA VÁRIOS ASPETOS DA TRAMITAÇÃO ELETRÓNICA DOS PROCESSOS JUDICIAIS: - ARTIGO 25.º.
Legislação Comunitária:
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 02-02-2005, PROCESSO N.º 04S3947, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-05-2016, PROCESSO N.º 1185/13.2T2AVR.P1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- DE 08-03-2006, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/20060183.HTML.
Sumário :

1 – A interpretação do artigo 248.º do Código de Processo Civil relativo à certificação da data da elaboração de notificações a mandatários, deve respeitar o princípio do processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República, quando a forma como a notificação se processa seja suscetível de induzir em erro o destinatário sobre a data de início dos prazos dela derivados.

2 – Em caso de desconformidade entre a data de notificação eletrónica efetuada nos termos do artigo 25.º da Portaria n.º 280/213, de 26 de agosto, inserta na comunicação dirigida ao mandatário e a data da elaboração daquela notificação certificada pelo sistema CITIUS, nos termos do artigo 248.º do Código de Processo Civil, releva para cômputo de prazos processuais a data inserta na notificação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

AA intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra BB- Instituição Particular de Solidariedade Social, formulando os seguintes pedidos:

a) Deve ser declarada a ilicitude do despedimento do Autor;

b) Deve ser a Ré condenada no pagamento ao Autor da importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da douta sentença que vier a ser proferida;

c) Deve a Ré ser condenada a reintegrar o Autor sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, em alternativa, que se aguarde até ao termo da discussão na audiência final do julgamento, deve ser a Ré condenada a indemnizar o Autor à razão de 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 381.° do CT contando todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial;

d) Deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor juros de mora legais, sobre as quantias acima peticionadas, a contar da citação e até efetivo e integral cumprimento;

e) Deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor juros, à taxa anual de 5% a acrescer as peticionados na alínea anterior, sobre o montante pecuniário em que a final for condenada, desde o trânsito em julgado da douta sentença até integral e efetivo cumprimento.

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, a ilicitude da cessação do contrato de trabalho que o ligava à Ré.

A ação instaurada prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 7 de março de 2016, que integrou o seguinte dispositivo:

«IV - Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, julgo lícita a cessação do contrato de trabalho efetivada pela ré em 24.08.2015, sob a invocação de nulidade do mesmo, e condeno a ré a pagar ao autor:

a) A quantia de € 4.575,80, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias relativos ao ano de 2015.

b) A quantia de € 554,35, a título de férias não gozadas no ano de 2015.

e) Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias indicadas, à taxa legal, contados desde 31.08.2015 até integral e efetivo pagamento.

Custas pelo autor e pela ré na proporção do decaimento (art.° 527° do C. P. Civil).

Fixo o valor da causa em € 31.899,01 (art.° 305° do C. P. Civil)

Notifique e registe.»

Inconformado com esta decisão, dela apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Junto ao processo o requerimento de interposição do recurso, a secretaria procedeu à notificação do recorrente para proceder ao pagamento da multa a que se refere o n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, nos termos do n.º 6 do mesmo dispositivo, correspondente à prática do ato no terceiro dia posterior ao termo do prazo normal, pagamento que o recorrente efetuou.

Tendo tomado conhecimento desta notificação, veio a Ré reclamar da mesma, requerendo a anulação do ato praticado pela secretaria, referindo que o requerimento de interposição do recurso fora junto ao processo já depois do terceiro dia posterior ao termo do prazo em que devia ter sido praticado o ato.

Sobre este requerimento recaiu o despacho que rejeitou a reclamação em causa, nos seguintes termos:

«Indefiro a reclamação da ré (apresentada a fls. 378/382, dia 6.05.2016, ao abrigo do disposto no art.º 157.º, n.º 5 do C. P. Civil) do ato da secretaria praticado em 19.04.2016 de emissão de guia ao abrigo do art.º 139.º, n.º 6 do C. P. Civil, porque, contrariamente ao alegado pela ré, a notificação do autor e da ré apenas foi efetuada no dia 9.03.2016, conforme resulta evidenciado do registo do sistema 'Citius', pois, no dia 8.03.2016 apenas foi elaborada a carta/nota de notificação, cuja expedição ocorreu no dia seguinte.»

Não satisfeita com este despacho, dele recorreu a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 5 de abril de 2017 que integrou o seguinte dispositivo:

«Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e deferir a reclamação apresentada pela ré.

Custas pelo recorrido[1] (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).

***

Transitado em julgado, informe no recurso interposto no processo principal.»

Inconformado com este acórdão, vem o Autor recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1 - A notificação ao mandatário por transmissão eletrónica presume-se efetuada no 3.° dia seguinte ao da sua elaboração no sistema informático CITIUS ou no 1.° dia útil posterior a esse, quando o não seja (artigo 248.° do CPC).

2 - Contudo, a presunção "juris tantum" pode ser ilidida pelo notificado provando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis.

3 - Ora, não obstante a sentença proferida pelo Mm.º Juiz "a quo", constar do sistema CITIUS como elaborada no dia 08.03.2016, a mesma somente ficou disponível para consulta dos mandatários, autor e ré, no dia 09.03.2016, como se prova pelo oficio ref.ª ... que refere: "fica V. Exa notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, da sentença de fls. 312 a 322 dos autos, de que se junta cópia".

4 - Facto confirmado pelo Mm.º Juiz no despacho datado a 15 de junho de 2016 que se transcreve parcialmente: "             a notificação do autor e da ré apenas foi efetuada no dia 09.03.2016, conforme resulta evidenciado do registo do sistema CITIUS, pois, no dia 8.03.2016 apenas foi elaborada a carta/nota de notificação, cuja expedição ocorreu no dia seguinte".

5 - Sendo relevante o facto do oficio que capeia a sentença ter a data de 09-03-2016, data que evidencia o registo, nesta data, no sistema CITIUS, ao contrário do que acontece quanto a data da elaboração do registo evidenciar a data da notificação do mandatário, caso em que o oficio, em vez da data da sua emissão, tem a seguinte informação: "Data: ver data certificada pelo sistema",

6 - Assim sendo, o autor, ora recorrido, notificado da sentença em 09.03.206, apresentou, tempestivamente, recurso em juízo no dia 15-04-2016, Sexta-feira, no terceiro dia útil ao termo do prazo, ao abrigo do artigo 139.°, n.° 6 do CPC.

7 - A presunção legal prevista no artigo 248.° do CPC é uma presunção juris tantum, em que a lei admite prova em contrário, o que foi feito, daí que não se acompanhe o entendimento dos Venerandos Juízes Desembargadores, quando referem que "é certo que o autor foi notificado da sentença por carta registada no dia 09-03-2016 e que se contados o prazo de recurso a partir daí teria sido interposto em tempo; porém, conforme atrás referimos, esse ato é irrelevante para efeitos de cômputo do prazo".»

Termina referindo que «deve o presente recurso de revista ser julgado procedente e a decisão aqui recorrida revogada, considerando-se o recorrido ter apresentado, em tempo, o recurso interposto no processo principal».

A recorrida respondeu ao recurso interposto, nos termos seguintes:

«1. O Recurso a que ora se responde vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que, dando provimento ao recurso interposto pela ora Recorrida, considerou que o recurso de Apelação interposto pelo Autor era intempestivo.

2. Para tanto, o Tribunal da Relação considerou designadamente assente a seguinte Factualidade:

"2. No dia 08-03-2016. a secretaria certificou no Citius ter elaborado notificação da sentença ao Ilustre Mandatário do autor (certidão que do processo digital junta a folhas 92 e sg. deste apenso." [destaque e sublinhado nossos)

3. O Recorrente questiona, porém, que tenha sido nesse dia que foi elaborada a notificação da Sentença via Citius ao seu Ilustre Mandatário.

4. Ora, como é sabido, o Tribunal de Revista apenas conhece de questões de direito, não lhe cabendo alterar a matéria de facto fixada pelas Instâncias.

5. Efetivamente, conforme decorre do disposto no art. 674.º do CPC, a revista apenas pode ter como fundamento: “a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da narina aplicável; b) A violação ou errada aplicação da lei de processo; c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º”

6. Sendo que conforme dispõe expressamente o n.° 3 do citado art. 674.º, "o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova." (destaque e sublinhado nossos)

7. Assim, não estando em causa a ofensa de lei expressa que exigisse certa espécie de prova ou que fixasse a força a determinado meio de prova - nem o Recorrente alega que tal ofensa tivesse ocorrido -, não pode o Supremo Tribunal de Justiça alterar a fixação dos factos doutamente efetuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

8. O mesmo é dizer: está definitivamente assente que o sistema certificou o dia 8-03-2016 como sendo a data em que foi elaborada a notificação da Sentença ao Ilustre Mandatário do Autor.

9. E tal é bastante para levar à improcedência do recurso de Revista a que ora se responde.

10. Na verdade, a ser assim - como de facto foi - o Mandatário do A. considera-se notificado da sentença em 11.3.2016 (30 dia útil seguinte à data da certificação).

11. Logo, iniciando-se em 12.3.2016 o seu prazo de 20 dias para recorrer da Sentença, e tendo em conta que o prazo se suspendeu nas férias judiciais (de 20.3. a 28.3), o mesmo terminou em 11.4.2016 (segunda-feira).

12. Podendo ser praticado até ao dia 14.4.2016 (30 dia útil seguinte) mediante o pagamento da multa prevista no artigo 139.º do CPC.

13. Como tal, tendo o A. apresentado o requerimento de interposição de recurso em 15.4.2016, não praticou o ato no 3.º dia útil seguinte.

14. Por isso, o recurso da Sentença apresentado pelo Mandatário do A. em 15.4.2016 é intempestivo.

15. Foi precisamente isso que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa doutamente decidiu - de forma, aliás, absolutamente clara e bem fundamentada (diga-se).

16. Nada mais havendo a acrescentar para se concluir como concluiu o Tribunal recorrido.

17. De qualquer modo, sempre se dirá que, ao contrário do que sustenta o Recorrente, o art. 248.º do CPC não prevê duas presunções, mas tão-somente uma.

18. Com efeito, tal norma apenas presume como feita a notificação aos mandatários no “3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.° dia útil seguinte a esse, quando o não seja".

19. Mas já quanto à data da elaboração da notificação não é estabelecida qualquer presunção, tendo-se esta por efetivamente elaborada na respetiva data certificada pelo sistema.

20. E o sistema, no caso dos autos, certificou automaticamente a data do dia 8-03-2016 como sendo a data da elaboração da notificação da Sentença ao Ilustre Mandatário do Autor.

21. Consequentemente, é esta data que vale para efeitos da contagem dos prazos subsequentes.

22. Sustenta o Recorrente que o recurso da Sentença por si interposto foi tempestivo, uma vez que da notificação da Sentença que lhe foi dirigida constava a data 09.03.2016, pretendendo assim afastar a presunção legal resultante do citado art. 248.º do CPC.

23. Contudo, dessa mesma notificação consta no canto superior direito o seguinte: "Certificação CITIUS: Elaborado em: 08-03-2016"

24. Ou seja, o CITIUS certificou que a notificação foi elaborada em 8.03.2016 e não em 9.3.2016, como sustenta o Recorrente.

25. Como tal, falece o pressuposto de que parte o Recorrente para sustentar o seu recurso.

26. Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, forçoso é concluir que o A. apresentou extemporaneamente recurso da Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, improcedendo assim todas as conclusões de recurso.»

Termina referindo que «deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Autor, confirmando-se o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, como é de Justiça».

Neste Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho, pronunciando-se no sentido da concessão da revista.

Notificado este parecer às partes veio a Ré tomar posição sobre o mesmo na linha das posições sustentadas no recurso.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se deve ser considerada procedente a reclamação da Ré contra a notificação para pagamento da multa, nos termos do n.º 6 do artigo 139.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, se o requerimento de interposição do recurso de apelação foi apresentado pelo Autor depois do 3.º dia posterior ao termo do prazo.

II

1 - A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

«1. No dia 07-03-2016, o Mm.º Juiz proferiu sentença no processo (folhas 312 e seguintes).

2. No dia 08-03-2016, a secretaria certificou no CITIUS ter elaborado notificação da sentença ao Ilustre Mandatários do autor (certidão que do processo digital junta a folhas 92 e sg. deste apenso).

3. No dia 09-03-2016, a secretaria remeteu para o autor a carta registada … PT notificando-o da sentença (certidão que do processo digital junta a folhas 92 e sg. deste apenso).

4. No dia 15-04-2016, o autor apresentou, via CITIUS, recurso da sentença, no qual apenas impugnou a solução jurídica nela acolhida (folhas 369).

5. No dia 19-04-2016, a secretaria liquidou multa a que se refere o art.º 139.º do Código de Processo Civil (folhas 370) e remeteu carta a notificar o autor "para no prazo de dez dias, efetuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o ato processual extemporaneamente praticado (Alegações de recurso)" (folhas 371).

6. No dia 20-04-2016, o autor apresentou, via CITIUS, requerimento acompanhado de guia comprovativa do pagamento daquela multa (folhas 373 e seguintes).»

2 – O Tribunal da Relação considerou procedente a reclamação da Ré com os seguintes fundamentos: 

«Como é sabido, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais,[2] presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da certificação da elaboração no sistema CITIUS da notificação da sentença, ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.[3]

Por outro lado, o prazo de recurso de apelação é de 20 dias,[4] contado da notificação da decisão aos mandatários judiciais.[5]

Finalmente, o prazo processual, estabelecido por lei é contínuo, só correndo em férias judiciais nos processos urgentes,[6] o que não é o caso presente,[7] e quando perentório extingue o direito de praticar o ato;[8] transferindo-se, embora, para o primeiro dia útil seguinte quando termine em dia em que os tribunais estiverem encerrados[9] e, independentemente de justo, impedimento, possa o mesmo ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.[10] E sendo o ato praticado em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.[11]

Assim sendo, uma vez que a secretaria elaborou, no CITIUS, a notificação da sentença ao Ilustre Mandatário do autor no dia 08-03-2016 (cfr. certidão do processo digital junta a folhas 92 e sg. deste apenso), que foi Terça-feira, considera-se que foi dela notificado no dia 11-03-2016, Sexta-feira.

Deste modo, o autor podia recorrer até ao dia 11-04-2016, Segunda-feira, isto porque o prazo se suspendeu entre os dias 20-03-2016 e 28-03-2015, por corresponderem a férias judiciais,[12] e o dia 10-‑04-2016, efetivamente o vigésimo subsequente ao da notificação, foi Domingo.[13] O que, acrescentando-lhe três dias úteis, pagando o autor multa, transportava o prazo para o dia 14-04-2016, Quinta-feira.[14]

Ora, o autor apresentou recurso em juízo no dia 15-04-2016, Sexta-feira e, portanto, no quarto dia útil subsequente ao da verificação do prazo, pelo que já o não podia fazer, mesmo pagando multa.

É certo que o autor foi notificado da sentença por carta registada no dia 09-03-2016 e que se contado o prazo de recurso a partir daí teria sido interposto em tempo; porém, conforme atrás referimos, esse ato é irrelevante para efeitos de cômputo do prazo.

Resta, pois, concluir em consonância com o atrás referido.»

III

1 – Resulta do n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil que «a tramitação dos processos é efetuada eletronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo as disposições processuais relativas a atos dos magistrados, das secretarias judiciais e dos agentes de execução ser objeto das adaptações práticas que se revelem necessárias» e do n.º 2 do mesmo dispositivo decorre que «a tramitação eletrónica dos processos deve garantir a respetiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade», referindo o n.º 3 deste artigo que «a regra da tramitação eletrónica admite as exceções estabelecidas na lei».

A Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, publicada em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil, veio a disciplinar a tramitação eletrónica dos processos, nomeadamente, o regime das notificações por transmissão eletrónica de dados, a que dedicou o seu artigo 25.º, que é do seguinte teor:

«Artigo 25.º

Notificações eletrónicas

1 - As notificações por transmissão eletrónica de dados são realizadas através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no endereço eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt.

2 - Quando o ato processual a notificar contenha documentos que apenas existam no processo em suporte físico, deve ser enviada cópia dos mesmos ao mandatário, por carta registada dirigida ao seu escritório ou domicílio escolhido, podendo igualmente ser notificado pessoalmente pelo funcionário quando se encontre no edifício do tribunal.

3 - O disposto no presente capítulo aplica-se às notificações enviadas pelo ou para o Ministério Público, no exercício das competências resultantes das alíneas a), d), e), g) e o) do n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto do Ministério Público.»

Os artigos 247.º e 248.º do Código de Processo Civil definem princípios fundamentais em matéria de notificações, sendo do seguinte teor:

«Artigo 247.º

Notificação às partes que constituíram mandatário

1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.

3 - Sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial são feitas sempre na do solicitador.»

«Artigo 248.º

Formalidades

Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.»

Decorre deste último dispositivo que os mandatários são notificados nos termos previstos na Portaria acima referida, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação. Os mandatários presumem-se notificados no terceiro dia posterior a esta data certificada pelo sistema.

3 - Resulta da matéria de facto fixada que «no dia 07-03-2016, o Mm.º Juiz proferiu sentença no processo (folhas 312 e seguintes)» e que no «no dia 08-03-2016, a secretaria certificou no CITIUS ter elaborado notificação da sentença ao Ilustre Mandatários do autor (certidão que do processo digital junta a folhas 92 e sg. deste apenso)».

Da análise dos documentos de fls. 94 e 95 decorre que no suporte físico constante do processo relativo às notificações dirigidas aos mandatários das partes foi exarada a data de 09-03-2016 e, no canto superior direito desse suporte, consta uma nota que refere «Certificação CITIUS: elaborado em 08-03-2016».

Os elementos decorrentes do processo não esclarecem as circunstâncias em que a nota acima referida foi exarada na notificação eletrónica e se a mesma consta da notificação eletrónica facultada ao destinatário.

Tais elementos não esclarecem, assim, se o destinatário da mensagem quando a ela acedeu teve conhecimento da data concreta certificada pelo sistema como data da elaboração da notificação.

No caso dos autos, tem-se por seguro que nas notificações dirigidas aos mandatários das partes se inseriu uma data, imediatamente apreensível a quem a ela aceder, que refere o dia 09-03-2016, que não coincide com a data da certificação Citius.

A menção na notificação pelo oficial de justiça que a elaborou de uma data que não coincide com a da elaboração certificada pelo sistema Citius pode induzir em erro o destinatário sobre a data da sua elaboração com reflexos diretos na definição do momento a partir do qual se conta o prazo para a prática de atos processuais da mesma derivados.

O sistema jurídico não pode alhear-se desta potencialidade de erro e privar o destinatário da notificação do direito de interpor o recurso por motivos meramente formais.

Na verdade, tal privação ofenderia princípios relevantes em termos de conformação do Processo Civil, nomeadamente, o princípio do processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República.

Conforme refere RUI MEDEIROS, «um processo equitativo postula (…) a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas» e «não se esgota necessariamente nas dimensões assinaladas, podendo aplicar-se residualmente em qualquer situação em que se conclua que o processo não está estruturado em termos que permitam, num prazo razoável, a descoberta da verdade material e uma decisão da causa ponderada (cfr., por exemplo, sublinhando a exigência de transparência e de lealdade entre os agentes implicados no funcionamento do sistema jurisdicional, a propósito das consequências de uma informação errada prestada por um funcionário judicial, Ac. n.º 183/06)»[15].

No acórdão do Tribunal Constitucional[16] citado por este autor decidiu-se o seguinte: «Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição, a norma do artigo 198°, n° 2, do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de considerar sanada a nulidade da citação no prazo para apresentar a contestação, quando a Secretaria informa a ré, erradamente, de que não é obrigatória a constituição de advogado e esta somente reage quando é notificada da sentença condenatória, revogando, consequentemente, a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade».

Na mesma linha de orientação, referiu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de maio de 2016, proferido no processo n.º 1185/13.2T2AVR.P1.S1[17], que «o fair trial e/ou due process, integra vários vetores, sendo que o principal é enformado pela confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual, não podendo os interessados sofrer quaisquer limitações, exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem, sequer, vir a ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar».

Estes princípios não podem ser desrespeitados, sob pena de o sistema de justiça perder a dimensão substancial que o deve caracterizar e pôr em causa a sua verdadeira função que é a realização da Justiça.

4 – Nas alegações que apresentou no recurso de revista e noutras peças processuais a Ré suscitou a questão da isenção de custas de que diz beneficiar, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais.

A Ré é uma instituição particular de solidariedade social tendo o estatuto de IPSS, mas esse estatuto não lhe confere o direito de isenção de custas que reclama.

Na verdade, resulta desse dispositivo que as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas, «quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável».

A isenção prevista neste artigo visa os processos que decorram do exercício das especiais atribuições destas instituições, ou instaurados para defender os interesses que lhe estão conferidos.

No caso dos autos está em causa um mero conflito de trabalho interno à Ré e que não decorre da prossecução das suas atribuições ou da salvaguarda dos interesses que lhe estão atribuídos, sendo um normal conflito de trabalho, em que a especificidade desses interesses não tem qualquer projeção.

A Ré não beneficia, deste modo, da isenção de custas prevista na norma em causa.

IV

Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida, repristinando-se o despacho proferido na 1.ª instância que indeferiu a reclamação contra a notificação do Autor, nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

Custas na apelação e na revista pela Ré.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 24 de janeiro de 2018

António Leones Dantas (Relator)

Júlio Gomes

Ribeiro Cardoso

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[1] Retificado por despacho de 28 de junho de 2017.
[2] Art.º 247.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[3] Art.os 248.º do Código de Processo Civil e 25.º, n.º 1 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto.
[4] Art.º 80.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
[5] Embora as partes também devam ser notificadas da sentença, certo é que para efeitos de apresentação de quaisquer requerimentos e, portanto, também de interposição de recurso, vale a que for efetuada aos seus mandatários (art.º 24.º, n.º 1 e 4 do Código de Processo do Trabalho; a este propósito, vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-2005, no processo n.º 04S3947, publicado em http://www.dgsi.pt).
[6] Art.º 138.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[7] Art.º 26.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código de Processo do Trabalho.
[8] Art.º 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
[9] Art.º 138.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[10] Art.º 139.º, n.º 5, alínea c) do Código de Processo Civil.
[11] Art.º 139.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
[12] Art.os 138.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
[13] Art.º 138.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[14] Art.º 139.º, n.º 5, alínea c) do Código de Processo Civil.
[15] Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 441.
[16] Acórdão de 8.03.2006, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060183.html.
[17] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.