Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1644/19.2T8TVD.L1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 09/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

São normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1644/19.2T8TVD.L1.S2

Acordam na Formação prevista no artigo 672.º do CPC junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


Ryanair Designated Activity Company – Sucursal em Portugal Recorrente no presente processo, em que é Recorrido AA interpôs recurso de revista do acórdão da Relação de 23.02.2022, proferido sobre a decisão da 1.ª instância de 23.03.2021.

O recurso foi interposto como Revista nos termos gerais quanto á licitude ou ilicitude do despedimento do trabalhador e como Revista Excecional quanto à questão do direito do trabalhador aos subsídios de férias e de Natal.

Cabe a esta Formação, nos termos da lei, pronunciar-se sobre os pressupostos especiais de admissibilidade da revista excecional.
O recorrente invoca para o efeito o disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil (questão com relevância jurídica, interesse de particular relevância social e contradição de acórdãos[1]).
Esta Formação teve já várias ocasiões para se pronunciar sobre a admissibilidade ou não de uma revista excecional em situações semelhantes.
Vejam-se, com efeito, os Acórdãos proferidos a 27/10/2021, no processo n.º 19733/19.1T8LSB.L1.S2, e a 22/02/2022 no processo n.º 2191/19.8T8.PDL.L1.S2

Então, como agora, o que está em jogo é a questão de saber se é obrigatório o pagamento a trabalhadores cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal de subsídio de férias e de Natal.

Tal como nesses Acórdãos também no caso dos presentes autos o Acórdão recorrido considerou que a base de afetação do trabalhador se situava em território português, para concluir depois que o acordo das partes quanto à lei aplicável ao contrato de trabalho afastou a lei portuguesa, que de outro modo seria aplicável, mas à luz do artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I (Regulamento CE n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável ás obrigações contratuais) não poderia lograr o resultado de afastar as normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.

Ora que se trata de normas inderrogáveis por acordo das partes do contrato individual de trabalho é questão que não tem suscitado qualquer controvérsia doutrinal e jurisprudencial. Não se vislumbra, por conseguinte, em que e que a intervenção deste Tribunal seria “claramente necessária” para uma melhor aplicação do direito.

Relativamente à alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º afirmámos no processo n.º 19733/19.1T8LSB.L1.S1 o que agora reiteramos: “não vemos que estejam em jogo, no caso concreto dos autos, interesses de particular relevância social. Também esta alínea deve ser interpretada de modo a não vulgarizar a revista excecional. Não se vê porque é que a decisão recorrida suscitaria um especial alarme ou contribuiria para descredibilizar a justiça, não havendo qualquer perturbação da consciência social em decidir, como se decidiu, que uma trabalhadora a cujo contrato ou relação de trabalho é aplicável a lei portuguesa tem direito (…) a receber subsídio de Natal e subsídio de férias”. Recorde-se também que, como decorre do facto 15, com a data-limite de 31 de janeiro de 2019 os contratos de trabalho destes trabalhadores passaram a ser regidos diretamente pela lei portuguesa (no presente processo o facto 15 dado como provado é o seguinte: “15. Em 28 de Novembro de 2018, o Autor e a Ré ajustaram, por escrito, um acordo ao abrigo do qual: "As partes acordam que, na data limite de 31 de Janeiro de 2019, os contratos de trabalho dos Tripulantes de Cabine directamente contratados pela Ryanair referidos no artigo 1 serão regidos pela legislação laboral portuguesa.Todos os IRCTs/AE celebrados entre a Ryanair e o Sindicato serão também regidos pela legislação laboral portuguesa (...) O acordado nos artigos 2 e 3 não produz impacto nas diferenças de entendimento da Ryanair e do Sindicato relativamente à jurisdição e lei aplicável em relação a litígios pendentes perante tribunais portugueses").

Relativamente à alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º note-se que a questão colocada não é a da natureza jurídica dos subsídios de férias e de Natal, mas outrossim a da sua obrigatoriedade ou inderrogabilidade, no sentido de não poderem ser afastados por contrato individual de trabalho. E quanto a este aspeto o Recorrente não cumpriu os ónus que lhe são impostos pelo artigo 672.º, n.º 2, não tendo identificado os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada. Aliás, o Acórdão fundamento indicado, respeitante a uma exoneração do passivo restante, pronuncia-se sobre a natureza jurídica dos subsídios de férias e de Natal – “os subsídios de férias e de Natal são parcelas de retribuição do trabalho e não extras para umas férias ou um Natal melhorados” – e não sobre a sua derrogabilidade ou inderrogabilidade por contrato de trabalho.

Decisão: Acorda-se em não admitir a revista excecional.

Custas pelo Recorrente.

7 de setembro de 2022

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado

________________________________________________


[1] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.10.2016, proferido no processo n.º 1809/17.1T8BRR.L1-7.