Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7633/15.9T8STB-A.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: PROTESTO
FALTA DE PAGAMENTO
AVAL
ACTO INÚTIL
ATO INÚTIL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
COMUNICAÇÃO
AVALISTA
LETRA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 05/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª ed., p. 14;
- Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, p. 163 e 164;
- J. G. Pinto Coelho, J. G. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2.º Volume, Fascículo V, As Letras, 2.ª Parte, 1946, p. 24;
- Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa 1992, p. 204;
- Paulo Sendim e Evaristo Mendes, A natureza do aval e a questão da necessidade ou não de protesto para acionar o avalista do aceitante, Almedina, 1991, maxime p.102;
- Pinto Furtado, Títulos de Crédito, p. 184;
- Pupo Correia, Direito Comercial, 8.ª ed., p. 214;
- Rui Pinto, Ação Executiva, AAFDL, 2018, p. 381.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 516.º.
LEI UNIFORME DE LETRAS E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS 32.º, 53.º E 77.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 03-05-1990, PROCESSO N.º 078521;
- DE 23-01-1996, PROCESSO N.º 087669;
- DE 08-02-1999, PROCESSO N.º 99A662;
- DE 30-09-2003, PROCESSO N.º 03A2113;
- DE 01-10-2009, PROCESSO N.º 381/09.0YFLSB;
- DE 29-10-2009, PROCESSO N.º 2366/07.2TBBRR-A.S1;
- DE 14-01-2010, PROCESSO N.º 960/07.0TBMTA-A.L1.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 30-06-2011, PROCESSO N.º 2605/08.2TBVFX-A.L1;
- DE 14-02-2013, PROCESSO N.º 9778/11.5TBOER-A.L1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Mesmo que não tenha sido dispensado o protesto de letra, o protesto não é necessário para ser acionado o avalista do aceitante.

II - Deste modo, instaurada execução contra o avalista do aceitante, não pode este avalista ser absolvido do pedido executivo pelo facto do exequente não ter feito protestar a letra por falta de pagamento.

III - Acresce que tendo a letra assinada pelo avalista sido entregue em branco como garantia de obrigações emergentes do contrato celebrado, e vindo a ser resolvido esse contrato por efeito do não pagamento das quantias previstas e tendo sido comunicada ao avalista a resolução e de que iria ser preenchida a letra nos termos do respetivo pacto de preenchimento, o protesto constituiria um ato desnecessário e sem utilidade.

IV - O credor tem direito a exigir do seu devedor o cumprimento do que lhe é devido, independentemente das consequências que tal possa trazer para a vida do devedor.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

I. AA, Lda. e BB deduziram, por apenso à execução, corrente pelo Juízo de Execução de Setúbal, que contra eles instaurou BB, S.A., os presentes embargos a essa execução, com fundamento, em síntese, na falta de protesto da letra exequenda e no seu preenchimento abusivo.
                                                           +
Contestou a Exequente, concluindo pela improcedência dos embargos.
                                                           +
Foi proferido saneador-sentença que absolveu do pedido executivo o Executado BB e determinou o prosseguimento da ação executiva contra a Executada AA, Lda.
                                                           +
Inconformados com o assim decidido, apelaram a Exequente, a pugnar pela improcedência dos embargos também quanto ao Executado BB, e a Executada I. AA, Lda., a pugnar pela sua absolvição do pedido executivo.
Na Relação de Évora decidiu-se julgar improcedente a apelação interposta pela Executada e procedente a apelação interposta pela Exequente.
                                                           +
É agora a vez do Executado BB, insatisfeito com o decidido, pedir revista.
                                                           +
Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões:

- Ocorreu desrespeito do acordo quanto ao modo de preenchimento do título executivo;
- Assim sendo, se deveria ter concluído, como bem fez a 1ª instância, que sempre seria de exigir ao exequente lavrar a falta de pagamento através do protesto, o que não fez;
- Não o tendo feito, sempre seria o Executado/avalista, ora Recorrente, absolvido do pedido executivo;
- Não obstante existir Jurisprudência no sentido sufragado pelo acórdão em crise, a Doutrina, por outro lado, divide-se pouco, sendo que maioritariamente defende a tese sufragada pelo Mmº juiz de 1ª Instância;
- Atendendo ao caso concreto, aos valores em causa e às consequências dramáticas para a vida do ora Recorrente, estamos em crer que esse Supremo Tribunal de Justiça não validará o entendimento de que o incumprimento de 18.000,00 de uma sociedade não custará quase € 60.000,00 para o avalista…

                                                           +

Não se mostra oferecida contra-alegação.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes, como tal descritos no acórdão recorrido:

1. A Exequente apresentou na execução de que os presentes autos são apensos, uma livrança[1] no valor de 58.375,67 euros, com data de vencimento 19.05.2015;
2. A referida livrança mostra-se subscrita pela executada DD, Lda., e avalizada pelo executado BB;
3. A livrança foi apresentada a pagamento;
4. A Exequente é uma sociedade comercial anónima por ações que se dedica à atividade de construção de carroçarias e comércio de veículos pesados de passageiros;
5. A primeira executada é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de transporte rodoviário de passageiros em autocarro, turismo e viagens e aluguer de Autocarros;
6. Em 12-06-2013, no exercício do seu comércio e a solicitação da primeira Executada, a Exequente vendeu-lhe e aquela adquiriu, um veículo pesados de passageiros de marca ..., no estado de usado e com a matrícula ZN;
7. A venda foi feita pelo preço € 79.950,00, acrescido dos encargos e impostos pelo diferimento do pagamento do preço em prestações no valor de € 24.959,50, tudo no valor global de € 104.909,5 (cento e quatro mil novecentos e nove euros e cinquenta cêntimos), a pagar em 49 prestações, conforme contrato de compra e venda junto aos autos que aqui se dá por reproduzido;
8. A venda do veículo foi feita com reserva de propriedade a favor da Exequente até integral pagamento do preço;
9. A reserva de propriedade sobre o veículo foi definitivamente inscrita no registo automóvel a favor da Exequente;
10. A Executada obrigou-se ao pagamento do preço de venda em 49 prestações:
- 1.ª prestação no valor de € 16.224,22, com vencimento em 15-12-2013;
- 48 prestações mensais e sucessivas no montante de € 1.847,61 cada, com vencimento mensal e sucessivo nos meses compreendidos entre 15-07-2013 e 15-06-2017;
11. Os demais executados afiançaram todas as obrigações contratuais da primeira executada e assumiram-se como fiadores e principais pagadores de todas as obrigações da executada decorrentes do contrato, com renúncia ao benefício de divisão e de excussão prévia;
12. No referido contrato as partes fixaram na cláusula sexta:
2. Em caso de resolução do contrato por incumprimento e acionamento da cláusula de reserva de propriedade e a título de cláusula penal, a Primeira Outorgante, para além do direito à restituição imediata do veículo, fará suas todas as quantias recebidas até essa data, cujas prestações serão perdidas a seu favor, obrigando-se ainda a Segunda e Terceiros Outorgantes, a liquidarem-lhe uma indemnização correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor global do preço do veículo, ou do valor total do prejuízo sofrido pela Primeira Outorgante, com o incumprimento, consoante o que for mais elevado, considerando as partes que em função do uso, desgaste e desvalorização do veículo, que o prejuízo provocado à Primeira Outorgante, corresponde à razão de 25% ao ano ou fração, sobre o valor do preço global inicial, devendo o prejuízo ser calculado até à data da efetiva entrega do veículo.”
13. Também no referido contrato e para garantir o cumprimento pontual e integral de todas as obrigações dele emergentes, os executados aceitaram e avalisaram uma Letra de Câmbio em branco e outorgaram o seguinte pacto de preenchimento (cláusula nona):
“…para garantir o cumprimento pontual e integral de todas as obrigações dele emergentes compreendendo o respetivo capital, juros remuneratórios e de mora, cláusula penal, respetivas comissões, despesas e demais encargos, imposto de selo, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais em que a Primeira Outorgante venha a incorrer para cobrança dos seus créditos, aqui fixadas em € 2.500,00, a Segunda Outorgante aceita e os Terceiros Outorgantes avalizam, uma Letra de Câmbio sacada pela Primeira Outorgante em branco, sem preenchimento de importância/valor, sem preenchimento de datas de emissão e de vencimento e sem preenchimento de local de pagamento, ficando a Primeira Outorgante irrevogavelmente autorizada a proceder ao preenchimento dos espaços que propositadamente estão em branco no referido título, designadamente no que respeita à importância e às datas de emissão e de vencimento, bem como para nele inscrever o local de emissão e de pagamento, ficando desde já habilitada a inserir cláusulas “sem despesas” e/ou “sem protesto", e a apresentá-lo a pagamento, quando considerar oportuno.”;
14. Executada DD LDA. incumpriu com 9 prestações vencidas nos meses de Setembro a Dezembro de 2014 e Janeiro a Maio de 2015 no montante total de € 18.400,67, a Exequente deu entrada ao Procedimento Cautelar de Apreensão de Veículo Automóvel, ação que com o nº 5151/15.4T8VNG, correu os seus termos na Comarca do Porto, ..., 3ª Secção-J3;
15. Tal processo extinguiu-se por inutilidade superveniente da lide porque a ora
Executada entregou, voluntariamente, à Exequente o autocarro identificado;
16. Autocarro, esse que a mesma exequente vendeu a terceiro, no dia 4 de Agosto de 2015;
17. Estimando-se o valor comercial do mesmo em € 40.000,00;
18. Em razão do incumprimento dos executados a exequente notificou-os por cartas registadas com aviso de receção e interpelou-os com prazo para o pagamento sob pena de resolução do contrato e com apresentação a pagamento da Letra de Câmbio para o primeiro dia útil após a resolução;
19. E na data de 05-05-2015 a Exequente remeteu aos executados uma carta escrita com, nomeadamente, o seguinte teor:
“Ex.mos Srs. Na data de 12-06-2013 V. Exªs outorgaram connosco um contrato de compra e venda com reserva de propriedade do veículo pesado de passageiros de marca ... matricula ZN, com pagamento do preço em prestações.
Entretanto, na presente data verifica-se um incumprimento do pagamento de oito prestações e encargos, vencidas nos meses de Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2014 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril de 2015, no montante total de € 16.532,26, o que representa um valor superior a uma oitava parte do preço total em dívida.
Considerando que não é tolerável a continuação da presente situação de incumprimento, a que acresce o continuado desgaste e desvalorização do veículo vendido com reserva de propriedade com evidente prejuízo nosso, vimos, pela última vez, interpelar-vos para cumprimento.
Assim e nos termos do disposto nas cláusulas quinta, sexta e nona do contrato de compra e venda, ficam V.Exªs interpelados para no prazo de 10 dias, a contar da receção ou depósito postal desta carta, procederem à liquidação do montante total vencido e não pago, no valor de € 16.532,26, (dezasseis mil quinhentos e trinta e dois euros e vinte e seis cêntimos) sob pena de se vencer a totalidade da dívida, de se considerar definitivamente incumprido o contrato de compra e venda e de se considerar o mesmo resolvido por incumprimento culposo da vossa parte.
Uma vez concretizada a resolução do contrato, deverão V.Exªs proceder à entrega imediata do veículo na sede e instalações da EE, S.A. sita na Estrada Nacional ..., Km6, ..., ... ..., ....
Com a efetivação da resolução do contrato ficam V.Exªs obrigados a pagar-nos a indemnização contratual por incumprimento definitivo, fixada nas cláusulas quinta e sexta do contrato de compra e venda, em valor nunca inferior a € 39.975,00, correspondente a metade do preço,
Ficam também desde já notificados de que caso se efetive a resolução do contrato por incumprimento será preenchida a Letra de Câmbio subscrita e aceite em branco, pelo valor da indemnização contratual devida, acrescida dos juros, imposto de selo e encargos de cobrança contratualmente fixados e com data de vencimento no primeiro dia útil seguinte à efetivação da resolução, que será dada à execução para cobrança judicial no dia seguinte ao seu vencimento caso não seja paga…;
20. A executada rececionou a carta em 07-05-2015, cujo aviso de receção se encontra assinado pelo seu gerente e aqui segundo executado;
21. O mesmo segundo executado não atendeu nem reclamou a carta que lhe foi
dirigida a título pessoal como avalista, não obstante ter assinado a carta dirigida à executada, sua representada;
22. O terceiro executado rececionou a carta na data de 06-05-2015;
23. Nos termos da cláusula nona do contrato e em cumprimento do pacto de preenchimento, a exequente procedeu ao preenchimento da Letra de Câmbio subscrita e aceite em branco, pelo valor da indemnização contratual devida, acrescida de juros, imposto de selo e encargos de cobrança contratualmente fixados e com data de vencimento no primeiro dia útil seguinte à efetivação da resolução.

Embora não mencionados no acórdão recorrido, é de referir que foram considerados não provados na 1ª instância os seguintes factos:

1. Da letra dada à execução consta escrito “Sem despesas” ou “Sem protesto”;
2. Os Embargantes pagaram a quantia aposta na livrança.

De direito

No início das conclusões diz o Recorrente que “Ocorreu desrespeito do acordo quanto ao modo de preenchimento do título executivo”.
Porém, sobre uma tal temática não poderemos dizer muito, visto que também o Recorrente não especifica na sua alegação em que é que se baseia em concreto para produzir uma tal asserção. Se (como parecerá ser o caso) pretendeu correlacionar essa asserção com a circunstância de não ter sido dispensado o protesto contra o avalista por falta de pagamento da letra e de, apesar disso, o protesto não ter sido feito, então é de dizer que não se consegue perceber o que é que uma coisa (“desrespeito do acordo quanto ao modo de preenchimento do título executivo” tem a ver com a outra (não dispensa do protesto e não realização do protesto). Se (como parece não ser o caso) pretendeu renovar a questão do preenchimento abusivo da letra, então é de dizer que se trata de questão que foi decidida no mesmo sentido e com fundamentação essencialmente coincidente pelas instâncias, de sorte que está formada uma dupla conformidade impeditiva da intervenção de mais um grau de jurisdição (art. 671.º, n.º 3 do CPCivil).
Improcede pois o recurso enquanto fundado no afirmado “desrespeito do acordo quanto ao modo de preenchimento do título executivo”.

Relativamente ao mais constante das conclusões:
Sustenta o Recorrente que deveria ser absolvido do pedido executivo, uma vez que, assumindo a qualidade de avalista da aceitante da letra, a sua responsabilização cambiária pressuporia que a recusa de pagamento estivesse comprovada por ato de protesto. Protesto esse que, porém, não teve lugar, sendo certo que não foi dispensado.
Não suscita dúvidas, pois que nesse particular há acordo das partes, que a letra exequenda não foi objeto de protesto e que da mesma não consta qualquer cláusula que dispensasse o portador de fazer o protesto.
Mas o Recorrente não tem razão quando pretende que, por essa razão, não pode ser responsabilizado perante a Exequente.
Sobre este assunto disse o acórdão recorrido o seguinte, e passa-se a transcrever:

“[Q]uanto à falta de protesto, a jurisprudência tem vindo a decidir uniformemente,  acompanhada pela maioria da doutrina, que no caso do aval prestado ao subscritor de livrança, não é necessário a formalização do protesto, por falta de pagamento, para acionar o avalista, porque este responde  no lugar do subscritor, não tem a posição equivalente ao sacador, endossantes e outros coobrigados a que alude o art.º 53.º da LULL, já que estes são meros obrigados de regresso, responsáveis entre si, nos termos do art.º 516 do C. Civil, enquanto o avalista é um obrigado direto, que fica sub-rogado nos direitos do subscritor (art.º 32.º e 77.º da LULL).
Na realidade, de acordo com o disposto no art.º 53.º da LULL, o portador perde os seus direitos de ação contra o sacador e contra outros coobrigados, mas não contra o aceitante.
E assim sendo, entende-se que o art.º 32.º da LULL limita o âmbito de aplicação do artº 53.º, excluindo o avalista do aceitante do ato de protesto, pois se este responde nos mesmos termos da pessoa que avalizou não se pode exigir ao portador da livrança a prática de atos que a lei dispensa, no caso o protesto.
Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/02/2013, proferido no proc. n.º 9778/11.5TBOER-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, citando vasta jurisprudência e doutrina, reproduzindo-se a seguinte passagem:
“Neste sentido, vai também a jurisprudência ao que se crê unânime (…)
Assim, e apenas por exemplo, o Ac. do STJ de 30/09/2003 (03A2113):
[…] Como está demonstrado o embargante deu o seu aval à subscritora da livrança ora em execução, respondendo por isso, da mesma forma que a pessoa afiançada (art. 77 e 32 da LU).

Por sua vez, o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (art. 78 da LU) o que significa que é o devedor principal e não uma obrigação de regresso.
Portanto, o avalista, respondendo nos mesmos termos que o subscritor, também não é um obrigado de regresso.
Assim, embora a lei imponha ao portador o dever de apresentar o título a pagamento e ao protesto por falta de pagamento, sob pena de caducidade dos seus direitos contra as garantes, essa caducidade não se aplica ao aceitante (devedor principal, em relação ao qual o portador tem, não ação de regresso, mas ação direta), como expressamente declara o art. 53 da LU.
E assim, se é dispensada a apresentação a pagamento e o protesto quanto ao subscritor de uma livrança, equiparado ao aceitante, da mesma forma é dispensada aquela apresentação e protesto em relação ao avalista do subscritor, visto que responde nos mesmos termos que ele.
É, pois, irrelevante a falta de apresentação a pagamento ou a protesto, no caso concreto.”
O Ac. do STJ de 14/01/2010 (960/07.0TBMTA-A.L1.S1 – só sumário):
“I - O portador de uma letra pagável em dia fixo deve apresentá-la a pagamento no dia em que ela é pagável ou num dos dois dias úteis seguintes (art. 38.º da LULL), sendo que se não a apresentar, tratando-se duma letra com a cláusula «sem despesas», perde o direito de regresso contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante.
II - Assim, uma letra ou tem a cláusula «sem despesas» ou não tem: se não tem, impõe-se o protesto; se tem, releva a apresentação a pagamento.
III - A este regime escapa a ação contra o aceitante ou contra o subscritor, na medida em que este último é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (art. 78.º da LULL).
IV - Uma vez que, nos termos do art. 32.º da LULL, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, a falta de apresentação a pagamento ou a falta de protesto não beliscam a relação cambiária entre o portador e o avalista, quer do aceitante –nas letras –, quer do subscritor – nas livranças.”
Ac. do STJ de 01/10/2009 (381/09.0YFLSB):
“Mas há ainda outro argumento, e decisivo, no sentido de que a falta de apresentação a pagamento de uma letra ou livrança não acarreta para o portador a perda do seu direito de ação contra o aceitante, que é o facto de o art. 53 da LULL excetuar do regime de perda dos direitos de ação do portador do título, mesmo tratando-se de letras à vista ou no caso da cláusula «sem despesas», os direitos contra o aceitante, como salientava o insigne Prof. Gabriel Pinto Coelho (7).
Neste sentido, pode ver-se, v. g., o Acórdão da Relação do Porto de 9 de Dezembro de 2004, onde se sentenciou no sentido de que «a falta de apresentação a pagamento da livrança não implica a perda dos direitos do portador em relação ao aceitante e, nessa medida, também em relação ao avalista deste» ( Col. Jur. 2004, V, pg. 193) e outro, da mesma Relação, de 2 de Julho de 1992 ( Col. Jur. 1992, III, 300).”

Ac. do STJ de 29/10/2009 (2366/07.2TBBRR-A.S1):
“1. A falta de apresentação a pagamento de uma livrança apenas tem como consequência inutilizar o direito de regresso, mas não determina a decadência («decadenza») dos direitos contra o devedor principal – o emitente – ou o seu avalista.
2. A livrança, mesmo que não apresentada a pagamento na data respetiva, não perde a qualidade de título cambiário exequível contra o emitente e seus avalistas.” fim de citação.
No mesmo sentido se pronunciaram:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2011, proc. n.º 2605/08.2TBVFX-A.L1-7, em cujo sumário se lê: “Sendo o avalista de uma letra responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, ao aceitante deve ser equiparado, aquele que em seu favor presta aval, pelo que em relação a este é de dispensar também o protesto da letra”;
- Acórdão do STJ de 8/2/1999, proc. n.º 99A662: “O protesto por falta de pagamento de uma letra, de uma livrança, não é necessário para acionar o avalista do acidente ou do subscritor, por força do disposto no artigo 77 da LULL”;
- Acórdão do STJ de 23/01/1996, proc. n.º087669:  “O dador de aval ao subscritor de uma livrança que este não pagou é responsável pelo pagamento, independentemente de protesto”.
- Acórdão do  STJ de 3/05/1990, proc. n.º 078521: “Sendo dispensado o protesto da livrança em relação ao aceitante ( artigo 53 da Lei Uniforme de Letras e Livranças ), também não e de exigir quanto ao avalista porque este e responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada ( artigo 32 da Lei Uniforme de Letras e Livranças )”.
Esta orientação é também dominante na nossa doutrina, citando-se, a título de exemplo, J. G. Pinto Coelho, Abel Pereira Delgado e Oliveira Ascensão.
Perfilhando este entendimento, J. G. Pinto Coelho, “Lições de Direito Comercial”, 2.º Volume, Fascículo V, As Letras, 2.ª Parte, 1946, pág. 24, escreve que “considerando o fundamento do protesto, somos ainda levados a reconhecer que ao aceitante deve equiparar-se o seu avalista, e que, se o portador não precisa de protestar a letra para acionar o aceitante, tão pouco terá que o fazer para acionar o avalista deste”.
E acrescenta, “A sua assinatura não tem outro fim, como já acentuámos, que não seja caucionar a obrigação do avalizado. Não é uma responsabilidade secundária, derivada da ordem de pagamento, como a do sacador, ou endossante, mas uma responsabilidade primária; não se justifica, pois, que se condicione à formalidade do protesto” ( nosso sublinhado).
Posição também defendida por Abel Pereira Delgado, ob. cit., págs. 162, sublinhando que o avalista do aceitante  e o aceitante ocupam o mesmo degrau na escala de responsáveis, sendo lícito designar o avalista do aceitante como co aceitante, sendo a sua posição diferente dos outros garantes.
E, por isso, considera ser “desnecessário o protesto para acionar o avalista do aceitante, pois é responsável da mesma maneira que o aceitante e este continua a ser responsável, embora a letra não tenha sido protestada por falta de pagamento”  - pág. 197/198.
Assim também ensina Oliveira Ascensão, “Direito Comercial”, Vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa 1992, pág. 204, justificando que “o avalista toma uma responsabilidade direta: não é aceitante, mas responde no lugar do aceitante. Não tem uma expectativa de que o protesto seja realizado, porque a sua obrigação envolve tudo a1quilo de que o aceitante podia responder. A declaração formal de que não houve pagamento é neste caso irrelevante.” 
Idêntico entendimento é partilhado por Rui Pinto, “Ação Executiva”, AAFDL, 2018, pág. 381, afirmando expressamente: “no caso da cláusula “sem despesas” não constituem condição da execução dos direitos do portador de livrança, contra o avalista o protesto prévio por falta de pagamento ou a apresentação a pagamento”.
Resumindo, tem vindo a ser decidido unanimemente pela jurisprudência, com apoio na doutrina mais representativa, no sentido da desnecessidade do protesto por falta de pagamento para se poder acionar o avalista do aceitante de letra de câmbio ou subscritor de livrança.
E não se descortinam razões ou argumentos que justifiquem alterar essa interpretação.»

Este ponto de vista do acórdão recorrido, e como nele se demonstra à saciedade, corresponde a entendimento jurisprudencial reiterado, e que, à míngua de razões ponderosas em sentido adverso, importa aqui seguir. Assim o determina o n.º 3 do art. 8.º do CCivil.
Tal ponto de vista é também aquele que tem sido adotado maioritariamente na doutrina [para além dos autores citados no excerto supra transcrito, mostram-se ainda concordantes com a referida perspetiva, Pinto Furtado (Títulos de Crédito, p. 184) e Pupo Correia (Direito Comercial, 8ª ed., p. 214)].
É certo, entretanto, que há quem entenda - é o caso de Paulo Sendim e Evaristo Mendes (A natureza do aval e a questão da necessidade ou não de protesto para acionar o avalista do aceitante, Almedina, 1991, maxime p.102) e de Carolina Cunha (Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pp. 163 e 164) - que o protesto (e salvo havendo cláusula de dispensa do protesto, art. 46.º da LULL) é necessário como ato conservatório do direito do portador contra o avalista do aceitante. Mas cremos que se trata de entendimento que não pode ser subscrito, pelas razões indicadas na doutrina citada no acórdão recorrido, e que é ocioso estar a repetir.
Daqui que não proceda a pretensão do Recorrente a querer ver-se livre, pela circunstância da letra não ter sido objeto de protesto, da responsabilidade de avalista que assumiu na letra exequenda.
Acresce dizer que a exigência de protesto num caso como o vertente nem sequer fará muito sentido.
Isto pelo seguinte:
O protesto, como é sabido e consabido, é o ato pelo qual se faz comprovar e certificar a falta de aceite ou de pagamento de uma letra. O protesto destina-se, pois, a comprovar a recusa de aceite ou de pagamento.
Ora, no caso vertente a letra foi entregue em branco (quanto ao montante, datas de emissão e vencimento e local de pagamento), mas assinada pela aceitante e pelos avalistas, tudo nos termos do contrato de compra e venda celebrado entre a Exequente e a aceitante da letra e do pacto de preenchimento que esse contrato encerra. Tratou-se assim de uma letra entregue como garantia do cumprimento pontual das obrigações resultantes do citado contrato.
Na sequência do incumprimento do contrato, foi este resolvido e os obrigados na letra notificados (a circunstância do ora Recorrente não ter reclamado a carta de notificação não impede a plena eficácia da mesma, art. 224.º, n.ºs 2 e 3 do CCivil) de que a letra iria ser preenchida e dada à execução, e assim sucedeu.
Nestas circunstâncias específicas, não se consegue perceber qual seria a necessidade ou utilidade do ato de protesto em discussão, vistos precisamente os fins a que se destina esse ato.
Relativamente ao que se diz na parte final das conclusões, é de referir que o débito que vem exigido ao avalista é a consequência da vinculação jurídica a que ele próprio se sujeitou, sendo certo que o débito que o Recorrente reputa de exorbitante foi considerado, em dupla conforme do tribunal de 1ª instância e do tribunal ora recorrido, como sendo o débito efetivamente devido à Exequente. Não se percebe, deste modo, de que é que o Recorrente se está a queixar.
E, em todo o caso, o montante do débito é assunto já consolidado e sobre o qual este Tribunal não se pode pronunciar.
No que toca á alusão “às consequências dramáticas para a vida do ora Recorrente” importa dizer que mesmo que tais consequências existissem (o que não está minimamente revelado nos autos) isso não obstaria à manutenção e exigibilidade da obrigação que recai sobre o Recorrente.
Efetivamente, o credor tem direito a exigir do seu devedor o cumprimento do que lhe é devido, independentemente das consequências que tal traga para a vida do devedor. Como nos diz Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª ed., p. 14), e isto vale mutatis mutandis para o caso, “o devedor não goza do chamado beneficium competentiae. Não pode exigir a redução da prestação estipulada, com fundamento na precária situação económica em que o cumprimento o deixaria. Nem sequer ao tribunal é lícito facilitar as condições de cumprimento (…). Terá de cumprir (…).”

Improcede pois o recurso.


IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

O Recorrente é condenado nas custas do recurso.

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Sumário (art.s 663º, nº 7 e 679º do CPCivil):



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Lisboa, 14 de maio de 2019
José Rainho (Relator)
Graça Amaral
Henrique Araújo

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[1] Não se mostra junto aos presentes autos de embargos cópia do título executivo. Aparentemente, o título executivo será uma letra, e não de uma livrança. Pelo menos, as partes reportam-se nos seus articulados a uma letra, e é também a letra que se referem os documentos juntos pela Exequente na sua contestação aos embargos.