Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
179/15.7JAPDL.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ESCUTAS TELEFÓNICAS
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Data do Acordão: 11/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA / MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA / ESCUTAS TELEFÓNICAS – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA / PODERES DE COGNIÇÃO.
Doutrina:
- ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA e ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 1132;
- CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e novos problemas, Revista do CEJ, 1º Semestre de 2008, n.º 9, p. 293;
- J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 516;
- MAIA COSTA, Código de Processo Penal Comentado, p. 951;
- MARIA JOÃO ANTUNES, Direito Processual Penal, 2016, Almedina, p. 171;
- MARTINS DE OLIVEIRA, Da autonomia do regime de proibições de prova em Prova Criminal e Direito de Defesa, Coimbra, Edições Almedina, 2010, p. 257 e ss.;
- PAULO DE SOUSA MENDES, Lições de Direito Processual Penal, 2015, Almedina, p. 222;
- PAULO PINTO ALBUQUERQUE, Comentário ao Código de Processo Penal 4ª Edição, Lisboa Universidade Católica Editora p. 335 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 187.º, N.ºS 1 E 2, 188.º, 410.º, N.ºS 2, ALÍNEA A) E 3, 412.º, N.º 3, 414.º, N.º 2, 420.º, N.º 1, ALÍNEA B), 400.º, N.º 1, ALÍNEA F), 428.º, 432.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 434.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 34.º, N.ºS 1 E 4.
LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, APROVADA PELO DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, N.º 1 E 25.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 452/15.4JAPDL.L1.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, N.º 232, ABRIL DE 2017;
- DE 21-06-2017, PROCESSO N.º 585/15.7PALGS.E1.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, JUNHO DE 2017;
- DE 27-09-2017, PROCESSO N.º 52/14.6TACBT.G1.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, SETEMBRO DE 2017;
- DE 18-01-2018, PROCESSO N.º 239/11.3TALRS.L1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-02-2018, PROCESSO N.º 66/12.0PAETZ.E2.S2, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, FEVEREIRO DE 2018;
- DE 02-05-2018, PROCESSO N.º 51/15.0PJCSC.L1.S1.


-*-


ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 140/2004;
- ACÓRDÃO N.º 64/2006, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :
I - Em conformidade com as disposições conjugadas dos arts. 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP, não é admissível o recurso interposto por um arguido quanto às questões referentes ao crime de tráfico de estupefacientes agravado por cuja prática foi condenado em pena de prisão não superior a oito anos, pelo que é rejeitado por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto nos arts. 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2, do CPP.
II - Quanto a outro arguido, o Tribunal da Relação unificou os dois crimes de tráfico de estupefacientes em que fora condenado na 1.ª instância num só crime de tráfico, pelo que, perante o reordenamento ou requalificação jurídico-penal da matéria de facto operada, não se poderá dizer que tenha havido confirmação da sentença condenatória da 1.ª instância, ainda que in mellius, pois, na verdade, a Relação não se limitou a reduzir a pena por certo crime, mas a qualificar diversamente dois crimes até aí autónomos. Observam-se, entre as duas decisões, um relevante elemento de desconformidade o que nos permite concluir pela não verificação da dupla conformidade das mesmas.
III - Suscita o recorrente a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação recorrido «por omissão de pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, dado que ao contrário do que lhe foi pedido não apreciou a matéria de facto, não obstante o recorrente ter cumprido na íntegra os requisitos do art. 412º, do C.P.P.», sem razão, porém, uma vez que o acórdão recorrido não se pronunciou expressamente sobre a questão que o recorrente suscita pela simples e singela razão de a pretendida «impugnação da matéria de facto dada por provada» não ter obedecido ao que é prescrito no art. 412.º, n.º 3, do CPP, nos termos do qual quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: [a] os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; [b] as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas.
IV - O art. 187.°, do CPP consagra a admissibilidade da intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, como meio de prova, desde que ordenadas ou autorizadas, por despacho judicial, relativamente aos crimes enumerados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito, «se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter», determinando o art. 188° as formalidades a que estão sujeitas as intercepções e gravações como meio de recolha de prova.
V - Os citados normativos estabelecem um regime de autorização e controlo judiciais, e «sistema de catálogo», em que a escuta telefónica é reservada exclusivamente a tipos criminais que pelas suas características tornam tal meio de recolha de prova particularmente apto à investigação ou que, pela gravidade dos interesses em jogo podem justificar a adopção de uma medida consensualmente vista como portadora de um elevado potencial de «danosidade social», estando em consonância com o art. 34.°, n.ºs 1 e 4 da CRP.
VI - Da análise do despacho que ordenou a realização das intercepções telefónicas conclui-se que foram ponderados:
a- A existência de indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, ou seja, um dos crimes de “catálogo” referidos no n.º 1 do art. 187º do CPP, fazendo-se referência aos elementos existentes nos autos de onde é possível extrair tal conclusão;
b- Os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade, na medida em que os então suspeitos se encontravam inseridos numa organização de venda e distribuição de produto estupefaciente na ilha Terceira, produto esse que seria introduzido nesta ilha através de encomendas postais provenientes do continente português, sendo os contactos entre os intervenientes de tal actividade estabelecidos, preferencialmente, ou mesmo exclusivamente via contacto telefónico, sem esquecer o secretismo inerente a este tipo de factos, como resulta das regras de experiência comum, e que o modo de cometimento dos factos não permite a aquisição daquela informação através de outros meios de prova, como sejam, por exemplo, a prova testemunhal ou acções de mera vigilância.
Deste conjunto de elementos se concluiu pela verificação dos pressupostos legalmente exigidos.
VII - Como repetidamente tem sido afirmado, e aqui se reitera, decidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, de que o STJ deva conhecer oficiosamente.
VIII - Tem-se entendido, de modo pacífico, que os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP não podem constituir objecto do recurso de revista a interpor para o STJ e que este tribunal deles somente conhece ex oficio, quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso.
IX - O vício previsto pela al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa.
X - O erro notório na apreciação da prova consiste num vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental. Para ocorrer este vício, as provas evidenciadas pela simples leitura do texto da decisão têm que revelar claramente um sentido e a decisão recorrida extrair ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o mesmo cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.
XI - O que o recorrente pretende com a invocação dos indicados vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, é afirmar que a decisão recorrida deveria ter extraído da prova produzida uma conclusão diferente daquela que consta da mesma. Estamos perante impugnação da matéria de facto, que se encontra excluída do conhecimento do STJ, como impõe o art. 432.º, do CPP.
XII - Ora, não cabe nos poderes do STJ reapreciar a prova para sindicar a valoração que o tribunal recorrido fez das provas, nomeadamente dizendo se andou bem ou mal na valoração que fez. Estaria, então, este STJ a funcionar como segunda instância de recurso sobre a matéria de facto, em clara violação do disposto nos arts. 434.º e 428.º, do CPP.
XIII - O princípio in dubio pro reo é um princípio geral, estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, assumindo, como tal e como qualquer outro princípio jurídico, a natureza de uma questão de direito de que o STJ, enquanto tribunal de revista, deve conhecer.
XIV - Devendo ser o princípio in dubio pro reo configurado como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova, certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática.
XV - Compulsadas, tanto a decisão recorrida, como também a decisão da 1.ª instância, não se detecta, tendo em atenção, nomeadamente, a fundamentação da matéria de facto, qualquer dúvida quanto aos factos que se devia dar por provados ou não provados.
XVI - O art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando «um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação».
XVII - O crime de tráfico de menor gravidade caracteriza-se, assim se tem considerado, por constituir um minus relativamente ao crime matricial, fundamental, ou seja, ao crime do art. 21.º do DL 15/93, apresentando-se como «um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».
XVIII - De acordo com a factualidade provada, é inequívoco que o recorrente, em comunhão de esforços e vontades com outros, expediu, de Lisboa para os Açores – Terceira, para outras pessoas, várias encomendas postais contendo canábis, com a finalidade de cederem ou venderem a terceiras pessoas, tendo a quantidade da referida substância atingido um valor total de quase 10,500 kg.
XIX - A matéria de facto fixada é reveladora da actividade ilícita desenvolvida, com densidade e reiteração e com um apreciável nível de organização e de coordenação no domínio do tráfico de estupefacientes, circunstâncias que espelham uma acentuada ilicitude, obstando, manifestamente, contrariamente ao que o recorrente pretende, à subsunção da sua conduta no quadro do crime de tráfico de menor gravidade prevenido no art. 25.º, do DL 15/93.
XX - Vem sendo salientado pelo STJ que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência deste fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.
XXI - Estamos, na verdade, perante um tipo de crime onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de protecção de bens jurídicos são prementes, pois o sentimento jurídico da comunidade apela a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor ansiando também por uma diminuição deste tipo de criminalidade e por uma correspondente censura de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas.
XXII - Tendo em atenção os critérios legais e a jurisprudência deste STJ em matéria de tráfico de estupefacientes, tendo presente que na actividade de tráfico desenvolvida pelo recorrente não se observa a presença de produtos estupefacientes mais agressivas e nefastas, com um maior grau de lesividade, como sucede com as designadas «drogas duras» (cocaína e heroína), tendo ainda presentes as penas aplicadas aos restantes arguidos, consideramos que uma pena de 7 anos de prisão respeita tais critérios, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado (finalidade de prevenção geral de integração), mostra-se ajustada à culpa do recorrente pelos factos praticados e responde às necessidades de prevenção especial de socialização.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                        I – RELATÓRIO

            1. Para serem julgados em processo comum, com a intervenção do Tribunal Colectivo, o Ministério Público acusou e foram pronunciados os arguidos:

AA, [...];

BB, [...];

CC, [...];

DD, [...];

EE, [...];

FF, [...];

GG, [...]; e

HH, [...];

           

Pela prática, em autoria material e em concurso real, de:

- todos os arguidos, em co-autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 13º , 14º , nº 1 , 26º , 3ª parte e 386º, , todos do Código Penal  e 21º, nº 1 e 24º , alínea e) , ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C anexa ao referido diploma legal;

- os arguido EE e GG, em concurso real, em co-autoria material, um crime de falsificação de documento , p. p. pelos artigos 13º , 14º , nº 1 , 26º , 1ª parte, e 256º , nº 1 , alínea c), do Código Penal;

- a arguida FF, em concurso real , em co-autoria material, um crime de falsificação de documento, p. p. pelos artigos 13º , 14º , nº 1 , 26º , 1ª parte , e 256º , nº 1, alínea c), do Código Penal, e

- a arguida HH, em concurso real, em co-autoria material, um crime de falsificação de documento, p. p. pelos artigos 13º, 14º, nº 1, 26º, 1ª parte, e 256º, nº 1, alínea c), do Código Penal.

            2. Realizado o julgamento, deliberou, de entre o mais, o Tribunal Colectivo:

1 – absolver os arguidos EE, FF, GG e HH da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico agravado, p. p. pelo artigo 24º, alínea e) , do Decreto-Lei n.º 15/93 , de 22 de Janeiro;

2 - absolver os arguidos EE e GG da prática, em co-autoria, de cinco crimes de falsificação, p. p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea a), do Código Penal;

3 – absolver as arguidas FF e HH da prática, cada uma delas, de um crime de falsificação, p. p. pelo artigo 256º, nº 1 , alínea a), do Código Penal;

4 – condenar os arguidos AA , BB , CC e DD da prática,  em co-autoria , de um crime de tráfico agravado , p. p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24º , alínea e), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e , consequentemente , condená-los nas penas de oito (8) anos de prisão , sete (7) anos e seis (6) meses de prisão, seis (6) anos de prisão e seis (6) anos de prisão, respectivamente ;

5 – condenar os arguidos EE, FF e HH co-autores da prática de um crime de tráfico, p. p. pelo artº 21º , nº 1 , do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, e, consequentemente, condená-los nas penas de seis (6) anos e um (1) mês de prisão, quatro (4) anos e quatro (4) meses de prisão e quatro (4) anos e dez (10) meses de prisão, respectivamente ;

6 - condenar o arguido GG co-autor da prática de dois crimes de tráfico, p. p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e, consequentemente , condená-lo nas penas de seis (6) anos e nove (9) meses de prisão e cinco (5) anos e três (3) meses de prisão, respectivamente;

7 – em cúmulo jurídico , condenar o arguido GG na pena única de nove (9) anos de prisão;

8 – suspender a execução da pena em que a arguida FF pelo período de quatro (4) anos e quatro (4) meses;

 3. Na sequência dos recursos que os arguidos, DD, CC, GG, EE [[1]], BB, AA e HH, interpuseram, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 1 de Março de 2018, deliberou julgar improcedentes os recursos com excepção do recurso interposto pelo arguido GG que foi julgado parcialmente procedente, tendo revogado a decisão recorrida quanto a ele, substituindo-a por outra em que o condenou pela prática de 1 crime de tráfico de estupefacientes na pena de 8 anos de prisão.

Confirmando, no mais, a decisão recorrida.

            4. Inconformados, recorrem agora para o Supremo Tribunal de Justiça os arguidos AA e GG.

            4.1. O recorrente AA remata a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

            CONCLUSÕES:

O presente recurso prende-se com as questões prévias resultantes das nulidades das escutas, buscas e da acusação deduzida, bem como com a impugnação da matéria de facto dada por provada e a qualificação jurídica dos factos, a escolha e a medida da pena aplicada em relação ao ora recorrente. Por forma a V. Exas. poderem, legalmente, alterar a decisão de que ora se recorre, substituindo-a por outra que respeite os princípios penais e constitucionais que o nosso Estado de Direito Democrático impõe, ou caso considerem não ser possível alterar a Decisão, se requer desde já o reenvio do processo para novo julgamento.

Começaremos, por tratar de uma questão prévia a todas as demais que colocaremos, por arguir a nulidade do Acórdão de que ora se recorre por omissão de pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, dado que ao contrário do que lhe foi pedido não apreciou a matéria de facto, não obstante o recorrente ter cumprido na íntegra os requisitos do artigo 412º do C.P.P., razão por que é nulo, nos termos dos artigos 428º, nº1, 431 º 425º nº 4 e 379º nº 1 al, c) todos do C.P.P.

1 - O presente recurso prende-se com diversas questões, entre elas:

a) - A nulidade das intercepções telefónicas efectuadas nos presentes autos, e consequentemente das buscas decorrentes das mesmas;

b) - A nulidade da acusação porquanto a acusação e a decisão condenatória de que ora se recorre baseia-se na sua quase totalidade em imputações genéricas, sendo certo que as imputações genéricas não são "factos" susceptíveis de sustentar uma condenação penal, Pois as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais o/s arguido/s venderam estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo haxixe, não se sabendo sequer se algo foi efectivamente vendido. Por isso, a aceitação dessas afirmações corno "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos arguidos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da Constituição.

c)- prende-se também, o presente recurso, com a impugnação da matéria de facto dada por provada, com a qualificação jurídica dos factos, com a violação flagrante do princípio da livre apreciação da prova e com a medida da pena aplicada ao ora recorrente.

2 - O ora recorrente e não obstante ter subscrito os requerimentos apresentados pelos demais arguidos aquando da arguição de nulidade, uma vez que se trata de nulidade e insanável a qual se pode e deve arguir em qualquer fase processual, até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, pelo que vem dizer o seguinte:

3 - As Escutas são meio excepcional de obter a prova e por isso o MP que as requer deve ser adstrito a fundamentar claramente, por que motivo não pode ser feita a prova de outro modo e o Juiz que as decide e dá a autorização devida deve fundamentar de igual forma, para que não valha um sistema em que meros pressupostos formais legitimam um meio tão intrusivo, que em relação a certo tipo de crimes acaba por se tornar a forma mais cómoda da investigação.

4 - O ora recorrente considera nula a prova resultante da intercepção das conversações telefónicas efectuadas, através dos telemóveis constantes nos autos e neles indicados como sendo da sua propriedade e melhor identificados nos autos e nos apensos das transcrições das escutas telefónicas realizadas, pelas seguintes ordens de razão, a saber:

5 - Porque, quando foi proferido o despacho que autorizou as primeiras intercepções, não tinha ainda sido efectuada qualquer diligência de investigação que comprovasse a consistência da informação constante da informação de serviço de fls. 3 dos autos, sendo a própria esclarecedora quanto a este aspecto quando diz, sem ter por base nenhum elemento de investigação, que, deduz que o arguido AA esteja envolvido na actividade de tráfico de estupefacientes, aliás é o próprio Inspector instrutor de processo que refere nas suas declaração tanto a instâncias da Digna Procuradora, como dos Mandatários dos arguidos que o primeiro acto que efectuaram foram as intercepções telefónicas.

6 - Ou seja, baseia-se a autorização das escutas nos presentes autos numa dedução do OPC que pressupõe, sem qualquer elemento probatório ou meramente indiciário, dado que tal como se disse nenhuma diligência foi efectuada, que o Arguido AA, pessoa que há mais de 25 anos desempenhava as suas funções de forma exemplar, se dedique à pratica do tráfico de produto estupefaciente;

7 - Tal inaceitável tese é violadora dos mais elementares princípios constitucionais, pelo- que, o ora recorrente desde já invoca a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 187.º n.º 1 do C.P.P pelo tribunal "a quo", no sentido em que seja admissível uma escuta telefónica a um determinado indivíduo sem que esteja assegurada a sua necessidade comprovada nos autos, por violação dos

artº. 32, nº. 8 e 34.º n.º4 da Lei Fundamental

8 - Porque, naquela-mesma altura, em que foram solicitadas, requeridas e deferidas as escutas telefónicas, não estava demonstrado que para realizar a investigação do presente caso fosse necessário recorrer a escutas telefónicas, sendo as escutas nulas, por manifesta violação dos princípios da excepcionalidade, da subsidiariedade e da necessidade para a sua realização, insisto nos arts.º 187. n.º 1 e 188.º ambos do CPP, e art.ºs 18.º n.º 2, 32.º n.º 8 e 34.º n.º 4 todos da CRP;

9 - Perante tremenda falha investigatória, para além do argumento legal, diz-nos o bom senso, que seriam necessários outros elementos de investigação criminal que levassem o Tribunal de 1 ª Instancia, confirmado agora pelo Acórdão da Relação, a crer que aquelas escutas constituíam o último reduto para uma investigação bem-sucedida.

10 - Na medida em que, para a admissibilidade das escutas telefónicas é necessário que se verifiquem indícios fortes da prática do delito, não bastando meras suspeitas, sob pena de as escutas telefónicas se tornarem um meio de prospecção do crime, que foi o que sucedeu no caso em concreto.

12 - O Ministério Público requereu então ao Sr. Juiz a intercepção, daqueles números telefónicos, a identificação dos aparelhos em que os cartões correspondentes fossem utilizados, a intercepção dos outros cartões utilizados nos mesmos aparelhos, bem como a intercepção dos IMEIS de todos os equipamentos associados, aos registos de trace back e a localização celular, tendo o Mmo. Juiz se limitado dar autorização judicial, nos exactos termos em que foi solicitado e promovido, sem a fundamentar devidamente, transformando-se assim, a autorização judicial, numa mera formalidade burocrática, tomando este, a natureza de uma verdadeiro acto administrativo confirmativo, o que não só é ilegal, como inconstitucional. No entanto,

13 - Na sequência do requerimento do MP, requerimento esse que promove nos exactos termos requeridos pelo OPC, ou seja, baseado na interpretação que os Agentes da Polida fazem das conversações escutadas, o Mmo Juiz proferiu despacho, em que, com base nessa interpretação dada pela Policia das conversas escutadas, determina a prorrogação das intercepções e a autorização de novas intercepções.

14 - Sendo que em todos os subsequentes despachos foi utilizado o mesmo procedimento supra descrito, validando a prova, sendo todos os constantes dos autos, porquanto são todos, tal como se disse, idênticos, sido proferidos como se de um acto burocrático se tratasse, assumindo simplesmente a função de um verdadeiro acto administrativo confirmativo, estando os mesmos, por conseguinte, feridos de nulidade insanável e de inconstitucionalidade, tal como infra exporemos.

15 - Narrado o procedimento adoptado nos presentes autos quanto às escutas telefónicas efectuadas, é necessário apreciar as questões colocadas pelos contestantes.

16 - É jurisprudência assente que, a intercepção e gravação das conversações telefónicas, tem de ser ordenadas ou autorizadas pelo Juiz.

17 - Que dessa intercepção ou gravação é lavrado um auto, que é imediatamente levado ao conhecimento do Juiz que tiver ordenado as ditas operações, juntamente com o respectivo CD-ROM, e com Indicação das passagens dessas gravações ou elementos análogos que se considerem relevantes.

18 - Que se o Juiz considerar relevantes os elementos recolhidos, ou alguns deles, ordena a sua transcrição em auto, que manda juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligadas ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento,

19 - Sendo isto o que a lei prescreve, e se reconheça que a escuta deve ser um meio subsidiário de prova e, como tal, a ela se deverá recorrer quando não seja possível alcançar a verdade através de outros meios de prova.

20 - O que é importante, e que no caso em concreto não se verificou, é que sejam rigorosamente aplicados os mecanismos do controlo judicial da execução dessas escutas, encontrando-se, em nosso entender, as escutas dos presentes autos, feridas de nulidade, conforme passamos a arguir:

21 - Se a escuta deve ser um meio subsidiário de prova e, como tal, se a ela se deverá recorrer somente quando não seja possível alcançar a verdade através de outros. meios de prova; quer isto dizer que,

22 - Sendo possível alcançar a verdade através de outros meios de prova, não nos parece que as referidas escutas sejam legais, só pelo simples facto de terem sido autorizadas judicialmente, não obstante ter havido, um completo atropelo dos princípios constitucionais. Ora bem,

23 - Se as escutas telefónicas foram ordenadas pelo Juiz de Instrução, na sequência de promoção/requerimento do MP, que se baseou apenas numa informação do órgão de Policia Criminal- informação de serviço de fIs 3, não nos parece válido o despacho.do Mmo, Juiz que sem fundamentar adequadamente autorizou, ao invés de sindicar os indícios constantes dos autos aderiu ao promovido, sem qualquer exame crítico da pretensão, fazendo com que à revelia da lei, a autorização judicial, se transformasse em mera formalidade burocrática e, como tal, inútil. Sendo certo que, todas as escutas nos presentes autos foram efectuadas dentro deste quadro e pressupostos, pelo que todas são nulas, devendo tal nulidade ser verificada e ordenada a repetição do julgamento sem se considerar, tal meio de obtenção de prova.

24 - Em nosso entender, para que a escuta se deva considerar válida, não basta que se mostrem preenchidos os requisitos formais (que no caso nem estão); nem essa validade pode ser justificada a posteriori pelas “ descobertas" assim realizadas; é que a justificação e suporte da autorização judicial têm de ser prévios, têm de sustentar-se em prova e indícios já existentes e que conduzam no sentido de complementá-los, e não como nos presentes autos, em meras "deduções" e "presunções" do OPC, que para além do email recepcionado, nenhuma outra diligência realizou;

25 - Sendo a regra constitucional a de que o sigilo dos meios de comunicação é inviolável e a de que é proibida toda a ingerência das autoridades públicas e privadas nas telecomunicações (art.º 32 n.º 4 da CRP)... salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal, a regra é, pois, a de proibição de interferência nas comunicações, o que impõe uma avaliação, caso a caso, das situações legais que justifiquem a derrogação do princípio consagrado constitucionalmente, para tutela das liberdades e garantia dos cidadãos, é esta solução e entendimento que perfilhamos e que, em nosso entender se compaginam com a presunção de inocência.

26 - No caso em apreço não foram, em nosso entender, acauteladas as exigências sobre uma necessidade de avaliação de indícios preexistentes, que justificassem a derrogação desse direito fundamental, em clara e inequívoca violação da Lei Fundamental, não estando demonstrado que, para realizar a investigação do presente caso, fosse necessário recorrer a escutas telefónicas.

27 - O tribunal, para formular, fundadamente, o falado juízo positivo de probabilidade, precisa, no mínimo, de também ele, considerar os factos narrados pelo OPC, não tendo este facultado ao Tribunal quaisquer elementos que permitissem concluir nesse sentido, tendo-se limitado o JIC, tal como já se disse, a deferir de modo automático a pretensão que foi formulada pelo MP e que lhe foi sugerida pela Policia.

28 - Ora, em nosso entender, nem a necessidade de combater, neste caso em concreto, o tráfico de estupefacientes, justificaria esse procedimento e a devassa da vida privada não só dos visados mas de todos os que os mesmos contactavam, sendo as presentes escutas ilegais porque feridas de nulidade, nulidade esta que nem sequer pode ser esbatida posteriormente pela efectivação dos meios de controlo judicial.

29 - Atendendo que não é legalmente possível ordenar a realização de urna escuta telefónica, sem que primeiro tenham sido realizadas diligências de prova de natureza diversas das intercepções, que permitam asseverar o necessário grau de verosimilhança da suspeita e porque,

 30 -A intercepção das escutas telefónicas é um instrumento particularmente intrusivo para as pessoas que a elas estão sujeitas porque, inevitavelmente, atinge no coração os direitos fundamentais da liberdade, da reserva da vida privada e do segredo próprios de todas as formas de comunicações entre os indivíduos, direitos fundamentais esses que, não pertencem apenas ao escutado mas a todos aqueles que com ele contactam, o que incrementa enormemente a danosidade social deste meio de obtenção de prova.

31 - Daí que, os legisladores constitucional e ordinário, tenham um particular cuidado na regulamentação do seu âmbito de aplicação e das condições da sua realização para que assim se possa alcançar um equilíbrio entre, por um lado, as necessidades comunitárias de perseguir eficazmente os criminosos e, por outro, a tutela dos direitos dos visados.

32 - Por isso, o nosso legislador apenas admitiu a realização das escutas telefónicas quanto acertos crimes taxativamente enunciados no nº 1 do art.º 187.º do Código de Processo Penal e "se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução... (Negrito da nossa inteira responsabilidade).

33 - Ora, o estabelecimento de um sistema de catálogo tem ínsita a necessidade de que, antes de se poder ordenar a realização de uma escuta telefónica, exista nos autos elementos que tornem verosímil a prática de um concreto crime incluído nesse elenco, não bastando a mera invocação da suspeita da sua prática por qualquer órgão de policia criminal Se assim não fosse, estar-se-ia a permitir esvaziar completamente a garantia que a consagração de um tal sistema pretende instituir.

34 - Tais elementos, devem permitir configurar uma séria e concreta hipótese criminosa, cuja verosimilhança só pode assentar em meios de prova identificáveis e utilizáveis no processo. Quer isto dizer que, esse juízo não pode assentar em meras deduções policiais, que com base em nenhuma diligência efectuada presumem e concluem.

3S - Por isso, não é legalmente possível ordenar a realização de uma escuta telefónica sem que primeiro tenham sido realizadas diligências de prova, de natureza diversa das intercepções, que permitam asseverar o necessário grau de verosimilhança da suspeita.

36 - Ora, o procedimento adoptado nestes autos, infringe, de forma clara, esta exigência legal.

37 -De-facto, no que respeita ao arguido ora recorrente, a investigação começou precisamente pela realização de escutas a telefones que, de acordo com uma informarão policial cuja fonte não se apurou, seriam por estes utilizados, não tendo sido antes, realizada qualquer diligência para confirmar esta informação.

38 - Não se pode, por isso, deixar de considerar nulas as escutas efectuadas nestas circunstâncias.

39 -Porque se actuou da forma descrita, também não se comprovou se a realização das intercepções telefónicas era um meio de obtenção de prova imprescindível para a investigação e se o mesmo podia ser substituído por outro menos lesivo para os indivíduos, tal como exige a parte final do n.º 1 do referido artº 187.º do CPP. É o que resulta do princípio da subsidiariedade das escutas telefónicas.

40 - Note-se ainda que as autorizações conferidas judicialmente revestiam praticamente a maior extensão possível. Não só foi ordenada a intercepção dos indicados números de telemóvel, como também a intercepção aos IMEI de todos os cartões associados, o que alarga enormemente os limites da autorização concedida e dificulta o seu controle. Para além disso, foi permitido o acesso às facturações detalhadas, aos registos de trace back e à localização celular.

41- Também por esse motivo deveriam ser declaradas nulas as escutas efectuadas. 

42 - A par da falta de requisitos formais, as escutas enfermam de vício substancial que não existe de todo, tendo as mesmas sido autorizadas "de cruz", como se tratasse de uma "pesca à linha, durante vários meses" pela policia.

43 - Padece também em nosso entender de nulidade, conforme supra já se expôs, a simples autorização, dada pelo Mmo. Juiz, sem conhecimento efectivo das escutas que foram efectuadas, pois esta solução faz com que não exista por parte do Juiz, um rigoroso controlo judicial, isto é, se não houver da parte do Juiz um efectivo controlo sobre o âmbito da escuta e sobre a selecção do material recolhido para a eventual transcrição, como pode o mesmo em bom rigor, ordenar quanto às escutas prorrogações, transcrições, cessação de intercepções e autorizar novas intercepções a novos números de telefone, bem como, a localização celular, registo Trace back e a intercepção aos IMEl de todos os cartões associados.

 44-Daí que, também, por esse motivo, se têm de declarar nulas as escutas efectuadas nos presentes autos, com a consequente proibição de valoração da prova através delas obtida.

45 - Estando inquinado este meio de prova, igualmente fica ferido de nulidade todo o conhecimento táctico posterior que permitiu à autoridade solicitar a emissão de mandados de busca para as residências dos arguidos, pois os mesmos princípios e cautelas que valem para as escutas aplicam-se às buscas, enquanto violação do domicílio; ou seja, excluídas as escutas como meio de prova válido, as buscas subsequentes, porque unicamente baseadas nas mesmas, deixam de ter qualquer suporte fáctico legal, sendo, por isso, igualmente prova que não pode ser considerada.

46 - Tratar-se-á mesmo de um método proibido da prova – artº126. n.º 3 do C.P. Penal: "são nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada... ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular".

47 - Diremos também que, parece-nos, que o simples acto burocrático de confirmação - autorização judicial- por parte do JIC, nos termos que supra já referimos, equivale, em nosso entender e salvo melhor e Douta opinião a uma nulidade insanável, sendo que outra interpretação, que não esta, neste caso em concreto, padecerá não só de ilegalidade, bem corno, de inconstitucionalidade.

Dado que, pelo menos o primeiro despacho que autorizou as escutas, não fi precedido das indispensáveis diligências tendentes a asseverar o necessário grau de verosimilhança das suspeitas existentes - As escutas foram ordenadas com base na proposta constante do auto de noticia, não tem qualquer base ou suporte investigatório precedente, quer a prévia comprovação de que se tratava de um meio de obtenção de prova necessário para o desenvolvimento das investigações, pois nada nenhuma diligência se fez, antes de se propor, requerer e autorizar as referidas escutas, bem como, não se aferiu se estes meios - escutas - não podiam ser substituídos por outros, menos lesivos para os direitos individuais deste concreto visado.

Pelo que sendo, nos termos do artigo 189º do CPP, todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187º e 188º estabelecidos sob pena de nulidade e determinando o artigo 126º, nº 1 e 3 que, ressalvados os casos previstos na lei são nulas, não podendo ser utilizadas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada (...) são nulas as provas obtidas através das intercepções telefónicas dos presentes autos por terem ocorrido em violação dos nº 1 e 3 do artigo 188º do CPP e artigos 26º, nº 1, 34 nº 4 e 32º nº 8 da CRP, a qual desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais e não podem, nem podiam ser utilizadas estas escutas, por se tratar de nulidade insanável.

Assim atendendo ao facto de as escutas efectuadas no presente processo e que serviram de fundamento para o Tribunal a quo, condenar o ora recorrente, não podiam nem podem ser utilizadas, por se tratar de nulidade insanável, devem implicar obrigatoriamente a anulação do julgamento, porquanto durante o julgamento, foi apreciada prova proibida, tendo o Douto Tribunal da Relação corroborado, sem, a analisar, nos moldes em que lhe foi solicitado, a errada apreciação da prova efectuada em 1 ª Instancia,

49 - No que concerne à acusação deduzida contra o arguido, ora recorrente, sempre se dirá que, a mesma se mostra conclusiva, porquanto a mesma não refere especificamente quais os actos praticados pelo recorrente, ficando por esclarecer, em nosso entender e salvo melhor e Douta Opinião que outros actos ilícitos para além do alegado preenchimento das moradas na encomenda apreendida em Setembro de 2015, socorrendo-se para o efeito das escutas telefónicas efectuadas; sem que fosse sequer efectuada qualquer vigilância.

50 - Não podem os arguidos defender-se se são acusados numa participação, em nosso entender conclusiva, que não tenha os pressupostos fácticos.

As afirmações genéricas, contidas no elenco desses "factos" provados do acórdão recorrido e confirmados pelo Acórdão da Relação de que ora se recorre, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais o citado arguido combinou, engendrou, orientou, a quem comprou, por conta de quem, por que valor, quando o fez. o que foi efectivamente transaccionado, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que ao mesmo assiste, e assim, constitui grave ofensa aos Direitos Constitucionais previstos no artigo 32º da Constituição.

Considera-se que, nesta parte, o douto Acórdão comete um erro notório na apreciação da prova (arte 410, nº 2, al. c), ou, talvez mais correctamente, tem lugar um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a) -, nº 2 do art. 40º. do CPP, dado que a factualidade vertida na decisão se colhe de elementos que; podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação.

De igual modo. a interpretação de que tais remissões genéricas para o "arguido" são suficientes a convicção do Tribunal, viola o princípio do in dubio pro reo, traduzido pelo artigo 32º da CRP.

Vamos aqui referir-nos à matéria dada por provada pelo Tribunal de 1ª instância, dado que o Douto Acórdão da Relação de que ora se recorre a sindicou na íntegra. não tendo apreciado, no que a este ponto concerne, nem nos termos dos vícios do 410º nº2, a matéria impugnada pelo recorrente pelo que cometeu omissão de pronuncia não só não apreciando toda a matéria de facto impugnada na dimensão pedida pelo recorrente, como também por não ter conhecido os vícios do 410º, nº 2, pelo que é nulo nos termos dos arts.º 428º, nº, 431º, 425º, nº4 e 379º. nº 1l al, c), todos do CPP.

51- Pois em bom rigor os arguidos só podem defender-se de factos e depois, da s.ua adequação ao direito, pelo que a acusação padece de nulidade.

52 - Mais consideramos que os factos dados por provados encontram enquadramento jurídico no artigo 25º e não no artigo 21º do D.L. Nº15/93 de 22 de Janeiro, em virtude dos meios utilizados, da modalidade da acção e da quantidade e qualidade da substância.

51-Pelo exposto, a conduta do recorrente, ao contribuir para enviar umas placas de haxixe do continente para a ilha ..., e não se provando que tais placas teriam como finalidade serem vendidas a terceiros, já que tal não resultado texto do acórdão, tal conduta tem acolhimento na previsão do artigo 25º e não do artigo 21º nº 1 do DL Nº.15/93 de 22 de Janeiro, devendo nestes termos ser alterada a qualificação jurídica e o arguido ser condenado pelo artigo 252º.

54 - Acresce que não poderá deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação de uma pena de nove anos de prisão ao recorrente no caso concreto, porquanto,

55 - o recorrente não tem antecedentes criminais ligados ao ilícito em questão, o facto de o recorrente ser um jovem trabalhador e residir com a sua companheira, constituem inequívocos vínculos, familiar e socio-profissional, que por sua vez exprimem a socialização do recorrente.

56 - Condenar, o recorrente numa pena efectiva de prisão equivale a destruir ressocialização por si operada até hoje, e sem nenhum efeito útil, já que, a simples ameaça de uma pena de prisão efectiva é suficiente para que o recorrente se ressocialize e se afaste de qualquer conduta ilícita, a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução será o suficiente para prevenir e acautelar as exigências de prevenção geral e especial, nos termo do disposto nos artigos 40º,50º e 71 º do C.P.

57 - Entende-se, salvo melhor e Douta Opinião, que a conduta do arguido integra o tipo do ilícito previsto no artº 25.º do DL 15/93 de 22/11 e não o tipo do art.º 21.º. do referido diploma legal. Uma vez que são susceptíveis de subsunção no crime de tráfico de menor gravidade previsto no art, 25.º, os factos enquadráveis no art. 21º em que seja consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, que se traduzam num menor desvalor da acção.

58 - Esse menor desvalor da acção, será essencialmente avaliado pela imagem global do facto, aferida através dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias.

59 - Sendo inegável que o art, 21º n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, contempla a descrição fundamental relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, não é menos certo que o legislador construiu uma estrutura progressiva, altamente abrangente desse tipo matriz, na qual se integra o art. 25º, criando uma válvula de segurança que permite distinguir os casos de tráfico importante e significativo de situações efectivas de menor gravidade. de forma a obviar que estas últimas sejam tratadas mm penas desproporcionadas.

60 - Assim, dispõe o citado art, 21 º n, º 1 que "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos."

61 - Por seu turno, o art 25ºa), do Dec. Lei nº15/93, de 22/1, estatui que, se nos casos dos arts.º 21 º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V ou VI, apresentando-se, pois, como uma especialidade daquele normativo legal e autonomizando-se por força de uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, seja pela quantidade ou qualidade da substância em causa, seja pelos meios utilizados na prática de qualquer dos actos expressamente plasmados no art.º 21 º, ou ainda pelas circunstâncias concretas que rodearam a ocorrência.

62 - Depois de um período inicial em que a jurisprudência fez uma interpretação muito restritiva do referido art.º 25º, quase olvidando o sentido da alteração introduzida ao regime jurídico aplicável ao tráfico de estupefacientes, assente no reconhecimento de que o "tráfico de quantidades diminutas" a que aludia o Dec. Lei n.º 430/83, de 13/12, não acautelava devidamente aquelas situações de efectiva menor gravidade que acabavam por ser tratadas com penas desproporcionadas ou especialmente atenuadas de modo algo forçado, evoluiu-se para um entendimento de que a integração do tráfico de menor gravidade deste normativo não impõe necessariamente uma ilicitude diminuta, devendo antes situar-se em nível acentuadamente inferior ao exigido pela incriminação do tipo geral do art.º 21.º, aí se integrando agora os vulgarmente designados "retalhistas de rua", sem ligações a quaisquer redes, desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes. – Cf. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 24/5/2002, 4/7/2003 e 5/4/2006, Procs. 02P2122, 03P329B e 06P673, rel., respectivamente, por Carmona da Mota, Costa Mortágua e Silva Flor, todos disponíveis in dgsi.pt.

63 - Conforme jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, "A tipificação do art.º25º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade- do ilícito, justificativa da tipificação do art.º 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art.º 25º.

64 - Interpretação mais restritiva do que a exposta parece-nos que seria inadequada às finalidades que levaram o legislador a esta previsão, tornando-a inaplicável a muitas das situações em que. se justifica, considerando a complexidade e a variedade da realidade social pressuposto da intervenção penal nesta matéria.

65 - Em conformidade, a diferença entre os artsº 21º e 25º assenta numa escala de danosidade social centrada no grau de ilicitude, a aferir caso a caso, com base na ponderação das condições especificamente apuradas e que devem ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei – v, entre muitos outros, Ac. STJ, de18/02/1999; CJ-STJ Tomo 1, pág. 220 e segs., e, na doutrina, Lourenço Martins, "Droga e Direito", Aequitas, Ed, Noticias, pág. 146 e segs.

66 - Mas, não sendo a enumeração legal taxativa, tem-se ainda entendido que o critério a seguir, para qualificar o facto como menos grave ou leve. deverá ser o da valorização global da ocorrência e das concretas e específicas circunstâncias em que a mesma se desenvolveu.

67 - Assim, para além das referências à quantidade e qualidade das substâncias traficadas, pode e deve atender-se ao seu grau de pureza ou perigo que representam em razão da sua natureza mais ou menos viciante e, no tocante à modalidade ou circunstâncias da acção, devem ponderar-se, entre outras, as finalidades e as razões que lhe presidiram,

68 - Tem o STJ-entendido que para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do artº 25.º, do DL 15/93, de 22-01, haverá de se proceder a uma "valorização globaI do facto", não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada umadas circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras.

69 - "A tipificação do art. 25.º, do DL 15f93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º. e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar" (entre muitos, o Ac. STJ de 15/12/99, proc.912/99).

70 - Ora, no caso em concreto, pode dizer-se que, tirando a quantidade já apreciável, da droga, toda a restante envolvência ou circunstancialismo de facto favorece o recorrente.

71 - Da conduta do arguido resulta uma imagem global do facto significativamente atenuada na sua ilicitude, pois todos concordarão que tratando-se de haxixe e tendo em conta os factos descritos na acusação, tratando-se de um curto período de tempo e que se cifrou e no envio de duas encomendas, a actividade do arguido preenche a previsão do artigo 25.º e não, como consta da Douta Decisão, a do artigo 21.º do Dec-Lei n.º 15/93, de 22/1.

72 - Tendo em conta o relatório social do arguido, a qualidade da substância - haxixe, dentro das drogas proibidas e das que provoca menos danosidade social, não tendo este produto estupefaciente qualquer tipo de comparação a nível da danosidade social que acarretam a heroína, a cocaína, ou mesmo as meta anfetaminas, a quantidade traficada, no caso do ora recorrente, não são de molde a afastar os elementos atenuativos que, fazem com que a conduta do arguido caiba dentro do tipo privilegiado, devendo a sua conduta ser punida pelo art.25.º do DL 15/93 de 22/1.

73 - Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, e no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e que prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Nos tipos, privilegiado e qualificado define os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base, conduzindo a outros quadros punitivos. Nos crimes de tráfico de estupefacientes, o crime-tipo e definido no art.º 21 º do DL 15/93, de 22-01.

74 - Entendemos que no caso em apreço, não há que valorizar demasiado a quantidade e devemo-nos concentrar no facto de que se tratava, de uma das substâncias estupefacientes menos prejudicial para a saúde dos consumidores. Deste modo, fazendo uma avaliação global dos factos, entendemos mais adequado qualificar os factos no tráfico de menor gravidade, p. e p. no artº 25.º a1.a), com referencia a tabela l-C, do Dec. Lei n. º 15/93, de 22 de Janeiro.

75 - E se é certo que estamos lidando com o tráfico de droga leve - haxixe, já em quantidade apreciável, também o é que o artigo 25.º em causa, reportando-se a «tráfico de menor gravidade», não se limita a prever bagatelas, a condutas «sem gravidade», já que a moldura penai, em parte coincidente com a do artº 21.º pode ir até aos 5 anos de prisão, devendo a mesma ser suspensa na sua execução com regime de prova,

76 - Caso assim não se entenda, requer-se urna redução significativa da pena, por se considerar que a pena efectiva de prisão aplicada ao arguido é desproporcional, porquanto está em desconformidade com o disposto nos artigos 40º e 71º no C.P., assim,

77 - Mesmo que se considere não ser de alterar a qualificação jurídica dos factos, terá forçosamente de se concluir que a pena aplicada ao arguido se mostra desadequada, porque desnecessária e desproporcional, porquanto,

78- Como defende José de Sousa Brito (Textos de apoio de Direito Penal, T II, U A Lei Penal na Constituição", AAFDL 1983) 84, p.26 - excerto dos " Estudos sobre a Constituição", 2 Vol. Lisboa 1978), " entende-se que as sanções penais só se justificam quando forem necessárias, isto é, indispensáveis tanto na sua existência como na sua medida, à conservação e à paz da sociedade civil. Uma vez que as sanções penais se traduzem numa limitação mais ou menos grave dos direitos individuais, o princípio restritivo dirá que essa limitação será a menor que as necessidades da conservação e da paz sociais consentirem. Haverá que adquirir em, cada caso a convicção de que, se a sanção fosse suprimida ou reduzida, a ordem social poderia ser posta em causa. Senão seria respeitada a dignidade da pessoa humana, para salvaguarda da qual se constitui todo o direito (hominum causa omme ius constitutum est], e da qual decorrem os direitos do homem. Seria melhor que as sanções penais, como quaisquer outras restrições desses direitos (crf. Artº- 18, nºs 1 e 2 da Constituição), não fossem necessárias, que, a justiça penal fosse no mundo das ideias, e não viesse a ferir com a sua mão os bens da vida. Neste sentido - e só nele - as sanções penais são detestáveis e, portanto, de restringir ({odiosa restrigenda). Acresce falíveis os juízes humanos e as necessidades da pena muitas vezes duvidosa no caso concreto "

79 - " Os Juízes actuam como actuam, evidentemente, com base num sentido de dever publico, e com forte apoio popular, em vista dos resultados, Dão-nos (os Juízes), assim, um sistema de lei penal que é funcional, mas por vezes C- J produz injustiças. " (Textos de apoio de Direito Penal, TII, AAFD L 1983/841" O desenvolvimento da Lei penal por Via Judicial ", p. 73, in Williams, Glanville - Text book of Criminal Law", London, Stevens and SONS, 1978, p.5-8)

80 - É por isso que, na eventualidade de V.Exas. não partilharem da posição que supra se deixou exposta, não poderão deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação de uma pena de 8 anos de prisão ao arguido GG conforme os fundamentos que supra e infra se deixarão expostos.

81 - Refere o douto acórdão que, para a determinação concreta da pena aplicável ao recorrente, ponderou, a postura do arguido em julgamento, o desvalor da acção, o relatório social e os antecedentes criminais, as exigências de prevenção, e ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra eles na esteira do disposto no artigo 71º- do C.P. 

82 - Como pode então o Tribunal, na ponderação de todos os elementos, condenar o recorrente em pena tão severa? Cumpre perguntar quando se tratarem de toneladas de droga como se punirão os arguidos?

83 - Assim, tendo em conta os fins das penas, igualmente se visa, também, o objectivo da reinserção social e, como explica Sousa Brito" as exigências de prevenção em qualquer das suas formas medem-se pela perigosidade; Ora o juízo de perigosidade distingue-se fundamentalmente do da culpa por ser um juízo de prognose em função de futuros crimes e não ser em razão do facto passado. " (A Medida da Pena no Novo Código Penal, in Textos de apoio de Direito Penal, T lI, AAFDL, p.354). Assim,

84 - Para ser possível a conciliação das finalidades da punição com a exigência de medir a pena em função da culpa, e na esteira de Sousa Brito (Ob. Cit., p. 367), "deve-se fixar-se em princípio a pena no ponto de escala correspondente à culpa que melhor sirva as exigências de prevenção especial".

85 - Nesta conformidade, quer a sociedade, quer o julgador deverão assegurar que a punição do agente segundo a medida exacta da sua culpa não seja comparada com o perigo da sua dessociabilização. Com efeito,

86 - Defende Sousa Brito (Ob. Cita, p. 360) " A sociedade não é apenas responsável pela protecção dos seus membros perante o criminoso, tem também uma responsabilidade perante este ultimo, de contribuir para a sua possível recuperação. Nestes casos, torna-se desnecessário desistir de uma parte da pena correspondente à culpa para respeitar o mandamento legal de ter em conta a prevenção geral determinantes da própria medida legal da pena, e é esse o âmbito de aplicação do artigo 71º, está em princípio garantida a satisfação daquelas necessidades" referindo o mesmo autor que : "Não são, portanto, de admitir considerações relativas ao aumento geral de criminalidade ou à frequência de crimes de certo tipo para justificar a irrelevância totaI ou parcial da prevenção especial. Estas considerações genéricas não têm lugar na individualidade judicial da pena e implicariam uma dupla valoração das circunstâncias típicas, contra o nº2 do artigo 72 (actual 71º. n.º2).

87 - Assim parece que a pena de prisão, aplicada ao arguido, e injusta e desproporcional. Mais,

88 - Quanto ao arguido GG, sendo certo que nada foi visto, e nada foi apreendido, conforme decorre do próprio acórdão de 1 ª Instância, e refere-se aqui aos factos constantes do Ac. Proferido pela 1 ª Instância, porque quanto a ele, existe uma total omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação, sendo por conseguinte e quanto a este arguido o Acórdão do Tribunal da Relação nulo por omissão de pronúncia nos termos e pelos fundamentos já supra expostos. Os factos que foram impugnados, tem unicamente como suporte a interpretação que os Srs. Inspectores da Policia Judiciária fizeram das escutas telefónicas que foram realizadas. Tal meio de prova, isoladamente, não permite ao Tribunal fazer um juízo de valor como foi efectuado e concluir que o ora recorrente cometeu o crime de tráfico p. e p. 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de22 de Janeiro.

89 - O Douto Tribunal da Relação ao apreciar a presente questão o que fez unicamente tendo em conta a letra do Acórdão recorrido, pois deu como provados que no seguimento das escutas houve vigilâncias e apreensão de estupefacientes. O que não corresponde na totalidade à realidade. Realidade esta que o Tribunal da Relação só não se apercebeu porque se escuso a conhecer da matéria de facto, na dimensão que lhe foi solicitada, cometendo assim omissão de pronúncia, nos temos e fundamentos já expostos.

90 - A Relação, quando se apontam factos incorrectamente provados, deve reexaminar expressamente esses factos, ajuizando-os em função das provas documentadas, no caso em apreço, o Tribunal da Relação não se debruçou sobre as várias questões suscitadas, uma vez que, se limita a referir que a convicção adquirida pelo Tribunal a quo sobre determinados factos foi efectuada com base na " regra da livre apreciação da prova".

91 - Temos pois que concluir pela omissão da pronuncia sobre a matéria de facto provada, a Relação não se debruçou sobre as questões suscitadas sobre a matéria de facto impugnada, sobre se ela se deve ou reputar-se como provada, dando os factos como assentes, não descendo à análise da matéria de facto, não a reexaminando, como lhe é facultado nos termos dos artigos 412º, nº 3, 428, nº1 e 431º do C.P.P.

92 - O acórdão assim elaborado não pode subsistir, pelo que, nos termos do artigo 379, nº1 al c) no C.P.P. deve ser declarado nulo.

93 - Violou-se o disposto nos artigos 379, nº 1 al, c, 412, nº3, 428, nº 1 e 431 do C.P.P.

94 - O Acórdão padece de omissão de pronúncia. Tendo o recorrente argumentado fundamentadamente e ponto por ponto as conclusões do Tribunal" a quo "o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre elas, ao não se pronunciar sobre: as questões que o recorrente suscitou nas motivações e nas conclusões do seu recurso o Acórdão padecem do vício de nulidade - artigo 379º nº 1, al, c) do C.P.P.

95 - Não é preciso dizer mais para se verificar, por um lado, que a Relação relativamente aos pontos de facto impugnados do acórdão de 1ª Instancia, não só não efectuou o determinado <exercício crítico substitutivo>, que implica a sobreposição, com assento nas provas indicadas pelo recorrente, da sua convicção sobre cada um daqueles factos, individualmente considerados, como, por outro lado, e por isso mesmo, falhou na fundamentação especificada da sua própria convicção sobre esses mesmos facto como lhe era Imposto por Lei (artigo 374º nº 2 do C.P.P.)

96 - O efectivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto que a Lei coloca sobre os ombros da Relação, obviamente sai frustrado, afectando de modo mais ou menos grosseiro o direito ao recurso, se não mesmo outros com assento na Constituição - como o direito à defesa - com a operação que se diria meramente cosmética, a que se propôs o Tribunal ora recorrido <apenas….apurar se a convicção do Tribunal recorrido tem suporte razoável na prova presente>.

 97 - Existindo assim, conforme se expôs, nulidade do acórdão recorrido por duas vias : omissão de pronúncia, nomeadamente por não ter conhecido das questões levantadas pelo recorrente, nomeadamente no que concerne a impugnação da matéria de facto, e por conseguinte falta de fundamentação por violação do disposto no artigo 374º nº2 do C.P.P.

98 - a decisão recorrida, restam sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legalmente e oportunamente suscitadas, que o tribunal “ a quo " se limita a resolver deforma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar, com o. âmbito delimitado nas respectivas conclusões do recurso.

99 - O artigo 127º do C.P.P. padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio constante do artigo 32º nº 1 da C.R.P., quando interpretado (como foi nos caso dos autos), no sentido do Tribunal " a quo " poder dar como provados factos delituosos a que ninguém assistiu ou referi ter assistido, factos esses nem sequer discutidos na audiência de julgamento.

100 - O Tribunal " a quo " não curou de saber que o tribunal de 1 ª Instância, a contrario, não tinha elementos probatórios para decidir como decidiu quanto à matéria de facto.

101- Deste modo padece o acórdão recorrido de nulidade por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que o tribunal" a quo "deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento, o que determina a declaração da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas, com respeito correlativo dever de fundamentação que devem revestir todas as decisões judiciais.

102 - A não pronúncia sobre tais questões além de geradora de nulidade, nos termos gerais do artigo 379º, nº1, al c) do C.P.P. acima mencionados, consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos artigo 32º nº 1, 203º e 205º, nº 1 da CRP, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.

103 - Termos em que, por omissão de pronúncia e carência de fundamentação, e erro notório na apreciação da prova e insuficiência da mesma se requer a anulação do acórdão recorrido para que outro seja proferido.

Nestes termos e nos demais de Direito que V.Exas.

Doutamente suprirão deve o Acórdão da Relação ser declarado nulo-por omissão de -pronuncia.

Caso assim não se entenda, deverá ser alterada a qualificação jurídica dos factos e o recorrente ser condenado por tráfico de menor gravidade, devendo por conseguinte a medida da-pena ser substancialmente diminuída e suspensa na sua execução;

Mesmo não sendo alterada a qualificação jurídica dos factos, deverá a pena ser diminuída substancialmente por a mesma se mostrar excessiva.

Assim face ao exposto deverá o presente recurso merecer provimento (…)».

            4.2. O recorrente GG formula as seguintes:

            «CONCLUSÕES:

O presente recurso prende-se com as questões prévias resultantes das nulidades das escutas, buscas e da acusação deduzida, bem como com a impugnação da matéria.de facto dada por provada e a qualificação jurídica dos factos, a escolha e a medida da pena aplicada em relação ao ora recorrente. Por forma a V. Exas. poderem, legalmente, alterar a decisão de que ora se recorre, substituindo-a por outra que respeite os princípios penais e constitucionais que o nosso Estado de Direito Democrático impõe, ou caso considerem não ser possível alterar a Decisão, se requer desde já o reenvio do processo para novo julgamento.

Começaremos, por tratar de uma questão prévia a todas as demais que colocaremos, por arguir a nulidade do Acórdão de que ora se recorre por omissão de pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, dado que ao contrário do que lhe foi pedido não apreciou a matéria de facto, não obstante o recorrente ter cumprido na íntegra os requisitos do artigo 412º do C.P.P., razão por que é nulo, nos termos dos artigos 428º, nº 1, 431 º 425º nº4 e 379º nº 1 al, c) todos do C.P.P.

1 - O presente recurso prende-se com diversas questões, entre elas:

a) - A nulidade das intercepções telefónicas efectuadas nos presentes autos, e consequentemente das buscas decorrentes das mesmas;

b) - A nulidade da acusação porquanto a acusação e a decisão condenatória de que ora se recorre baseia-se na sua quase totalidade em imputações genéricas, sendo certo que as imputações genéricas não são "factos" susceptíveis de sustentar uma condenação penal, Pois as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais o/s arguido/s venderam estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo haxixe, não se sabendo sequer se algo foi efectivamente vendido. Por isso, a aceitação dessas afirmações corno "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos arguidos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da Constituição.

c)- prende-se também, o presente recurso, com a impugnação da matéria de facto dada por provada, com a qualificação jurídica dos factos, com a violação flagrante do princípio da livre apreciação da prova e com a medida da pena aplicada ao ora recorrente.

2 - O ora recorrente e não obstante ter subscrito os requerimentos apresentados pelos demais arguidos aquando da arguição de nulidade, uma vez que se trata de nulidade e insanável a qual se pode e deve arguir em qualquer fase processual, até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, pelo que vem dizer o seguinte:

3 - As Escutas são meio excepcional de obter a prova e por isso o MP que as requer deve ser adstrito a fundamentar claramente, por que motivo não pode ser feita a prova de outro modo e o Juiz que as decide e dá a autorização devida deve fundamentar de igual forma, para que não valha um sistema em que meros pressupostos formais legitimam um meio tão intrusivo, que em relação a certo tipo de crimes acaba por se tornar a forma mais cómoda da investigação.

4 - O ora recorrente considera nula a prova resultante da intercepção das conversações telefónicas efectuadas, através dos telemóveis constantes nos autos e neles indicados como sendo da sua propriedade e melhor identificados nos autos e nos apensos das transcrições das escutas telefónicas realizadas, pelas seguintes ordens de razão, a saber:

5 - Porque, quando foi proferido o despacho que autorizou as primeiras intercepções, não tinha ainda sido efectuada qualquer diligência de investigação que comprovasse a consistência da informação constante da informação de serviço de fls. 3 dos autos, sendo a própria esclarecedora quanto a este aspecto quando diz, sem ter por base nenhum elemento de investigação, que, deduz que o arguido AA esteja envolvido na actividade de tráfico de estupefacientes, aliás é o próprio Inspector instrutor de processo que refere nas suas declaração tanto a instâncias da Digna Procuradora, como dos Mandatários dos arguidos que o primeiro acto que efectuaram foram as intercepções telefónicas.

6 - Ou seja, baseia-se a autorização das escutas nos presentes autos numa dedução do OPC que pressupõe, sem qualquer elemento probatório ou meramente indiciário, dado que tal como se disse nenhuma diligência foi efectuada, que o Arguido AA, pessoa que há mais de 25 anos desempenhava as suas funções de forma exemplar, se dedique à pratica do tráfico de produto estupefaciente;

7 - Tal inaceitável tese é violadora dos mais elementares princípios constitucionais, pelo- que, o ora recorrente desde já invoca a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 187.º n.º 1 do C.P.P pelo tribunal "a quo", no sentido em que seja admissível uma escuta telefónica a um determinado indivíduo sem que esteja assegurada a sua necessidade comprovada nos autos, por violação dos

artº. 32, nº. 8 e 34.º n.º4 da Lei Fundamental

8 - Porque, naquela-mesma altura, em que foram solicitadas, requeridas e deferidas as escutas telefónicas, não estava demonstrado que para realizar a investigação do presente caso fosse necessário recorrer a escutas telefónicas, sendo as escutas nulas, por manifesta violação dos princípios da excepcionalidade, da subsidiariedade e da necessidade para a sua realização, ínsitos nos art.º 187. n.º 1 e 188.º ambos do CPP, e art.º 18.º n.º 2, 32.º n.º 8 e 34.º n.º 4 todos da CRP;

9 - Perante tremenda falha investigatória, para além do argumento legal, diz-nos o bom senso, que seriam necessários outros elementos de investigação criminal que levassem o Tribunal de 1 ª Instancia, confirmado agora pelo Acórdão da Relação, a crer que aquelas escutas constituíam o último reduto para uma investigação bem-sucedida.

10 - Na medida em que, para a admissibilidade das escutas telefónicas é necessário que se verifiquem indícios fortes da prática do delito, não bastando meras suspeitas, sob pena de as escutas telefónicas se tornarem um meio de prospecção do crime, que foi o que sucedeu no caso em concreto.

12 - O Ministério Público requereu então ao Sr. Juiz a intercepção, daqueles números telefónicos, a identificação dos aparelhos em que os cartões correspondentes fossem utilizados, a intercepção dos outros cartões utilizados nos mesmos aparelhos, bem como a intercepção dos IMEIS de todos os equipamentos associados, aos registos de trace back e a localização celular, tendo o Mmo. Juiz se limitado dar autorização judicial, nos exactos termos em que foi solicitado e promovido, sem a fundamentar devidamente, transformando-se assim, a autorização judicial, numa mera formalidade burocrática, tomando este, a natureza de uma verdadeiro acto administrativo confirmativo, o que não só é ilegal, como inconstitucional. No entanto,

13 - Na sequência do requerimento do MP, requerimento esse que promove nos exactos termos requeridos pelo OPC, ou seja, baseado na interpretação que os Agentes da Polida fazem das conversações escutadas, o Mmo Juiz proferiu despacho, em que, com base nessa interpretação dada pela Policia das conversas escutadas, determina a prorrogação das intercepções e a autorização de novas intercepções.

14 - Sendo que em todos os subsequentes despachos foi utilizado o mesmo procedimento supra descrito, validando a prova, sendo todos os constantes dos autos, porquanto são todos, tal como se disse, idênticos, sido proferidos como se de um acto burocrático se tratasse, assumindo simplesmente a função de um verdadeiro acto administrativo confirmativo, estando os mesmos, por conseguinte, feridos de nulidade insanável e de inconstitucionalidade, tal como infra exporemos.

15 - Narrado o procedimento adoptado nos presentes autos quanto às escutas telefónicas efectuadas, é necessário apreciar as questões colocadas pelos contestantes.

16 - É jurisprudência assente que, a intercepção e gravação das conversações telefónicas, tem de ser ordenadas ou autorizadas pelo Juiz.

17 - Que dessa intercepção ou gravação é lavrado um auto, que é imediatamente levado ao conhecimento do Juiz que tiver ordenado as ditas operações, juntamente com o respectivo CD-ROM, e com Indicação das passagens dessas gravações ou elementos análogos que se considerem relevantes.

18 - Que se o Juiz considerar relevantes os elementos recolhidos, ou alguns deles, ordena a sua transcrição em auto, que manda juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligadas ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento,

19 - Sendo isto o que a lei prescreve, e se reconheça que a escuta deve ser um meio subsidiário de prova e, como tal, a ela se deverá recorrer quando não seja possível alcançar a verdade através de outros meios de prova.

20 - O que é importante, e que no caso em concreto não se verificou, é que sejam rigorosamente aplicados os mecanismos do controlo judicial da execução dessas escutas, encontrando-se, em nosso entender, as escutas dos presentes autos, feridas de nulidade, conforme passamos a arguir:

21 - Se a escuta deve ser um meio subsidiário de prova e, como tal, se a ela se deverá recorrer somente quando não seja possível alcançar a verdade através de outros. meios de prova; quer isto dizer que,

22 - Sendo possível alcançar a verdade através de outros meios de prova, não nos parece que as referidas escutas sejam legais, só pelo simples facto de terem sido autorizadas judicialmente, não obstante ter havido, um completo atropelo dos princípios constitucionais. Ora bem,

23 - Se as escutas telefónicas foram ordenadas pelo Juiz de Instrução, na sequência de promoção/requerimento do MP, que se baseou apenas numa informação do órgão de Policia Criminal- informação de serviço de fIs 3, não nos parece válido o despacho.do Mmo, Juiz que sem fundamentar adequadamente autorizou, ao invés de sindicar os indícios constantes dos autos aderiu ao promovido, sem qualquer exame crítico da pretensão, fazendo com que à revelia da lei, a autorização judicial, se transformasse em mera formalidade burocrática e, como tal, inútil. Sendo certo que, todas as escutas nos presentes autos, foram efectuadas dentro deste quadro e pressupostos, pelo que todas são nulas, devendo tal nulidade ser verificada e ordenada a repetição do julgamento sem se considerar, tal meio de obtenção de prova.

24 - Em nosso entender, para que a escuta se deva considerar válida, não basta que se mostrem preenchidos os requisitos formais (que no caso nem estão); nem essa validade pode ser justificada a posteriori pelas “ descobertas" assim realizadas; é que a justificação e suporte da autorização judicial têm de ser prévios, têm de sustentar-se em prova e indícios já existentes e que conduzam no sentido de complementá-los, e não como nos presentes autos, em meras "deduções" e "presunções" do OPC, que para além do email recepcionado, nenhuma outra diligência realizou;

25 - Sendo a regra constitucional a de que o sigilo dos meios de comunicação é inviolável e a de que é proibida toda a ingerência das autoridades públicas e privadas nas telecomunicações (art.º 32 n.º 4 da CRP) ... salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal, a regra é, pois, a de proibição de interferência nas comunicações, o que impõe uma avaliação, caso a caso, das situações legais que justifiquem a derrogação do princípio consagrado constitucionalmente, para tutela das liberdades e garantia dos cidadãos, é esta solução e entendimento que perfilhamos e que, em nosso entender se compaginam com a presunção de inocência.

26 - No caso em apreço não foram, em nosso entender, acauteladas as exigências sobre uma necessidade de avaliação de indícios preexistentes, que justificassem a derrogação desse direito fundamental, em clara e inequívoca violação da Lei Fundamental, não estando demonstrado que, para realizar a investigação do presente caso, fosse necessário recorrer a escutas telefónicas.

27 - O tribunal, para formular, fundadamente, o falado juízo positivo de probabilidade, precisa, no mínimo, de também ele, considerar os factos narrados pelo OPC, não tendo este facultado ao Tribunal quaisquer elementos que permitissem concluir nesse sentido, tendo-se limitado o JIC, tal como já se disse, a deferir de modo automático a pretensão que foi formulada pelo MP e que lhe foi sugerida pela Policia.

28 - Ora, em nosso entender, nem a necessidade de combater, neste caso em concreto, o tráfico de estupefacientes, justificaria esse procedimento e a devassa da vida privada não só dos visados mas de todos os que os mesmos contactavam, sendo as presentes escutas ilegais porque feridas de nulidade, nulidade esta que nem sequer pode ser esbatida posteriormente pela efectivação dos meios de controlo judicial.

29 - Atendendo que não é legalmente possível ordenar a realização de urna escuta telefónica, sem que primeiro tenham sido realizadas diligências de prova de natureza diversas das intercepções, que permitam asseverar o necessário grau de verosimilhança da suspeita e porque,

 

30 - A intercepção das escutas telefónicas é um instrumento particularmente intrusivo para as pessoas que a elas estão sujeitas porque, inevitavelmente, atinge no coração os direitos fundamentais da liberdade, da reserva da vida privada e do segredo próprios de todas as formas de comunicações entre os indivíduos, direitos fundamentais esses que, não pertencem apenas ao escutado mas a todos aqueles que com ele contactam, o que incrementa enormemente a danosidade social deste meio de obtenção de prova.

31 - Daí que, os legisladores constitucional e ordinário, tenham um particular cuidado na regulamentação do seu âmbito de aplicação e das condições da sua realização para que assim se possa alcançar um equilíbrio entre, por um lado, as necessidades comunitárias de perseguir eficazmente os criminosos e, por outro, a tutela dos direitos dos visados.

32 - Por isso, o nosso legislador apenas admitiu a realização das escutas telefónicas quanto acertos crimes taxativamente enunciados no nº 1 do art.º 187.º do Código de Processo Penal e "se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução ... (Negrito da nossa inteira responsabilidade).

33 - Ora, o estabelecimento de um sistema de catálogo tem ínsita a necessidade de que, antes de se poder ordenar a realização de uma escuta telefónica, exista nos autos elementos que tornem verosímil a prática de um concreto crime incluído nesse elenco, não bastando a mera invocação da suspeita da sua prática por qualquer órgão de policia criminal Se assim não fosse, estar-se-ia a permitir esvaziar completamente a garantia que a consagração de um tal sistema pretende instituir.

34 - Tais elementos, devem permitir configurar uma séria e concreta hipótese criminosa, cuja verosimilhança só pode assentar em meios de prova identificáveis e utilizáveis no processo. Quer isto dizer que, esse juízo não pode assentar em meras deduções policiais, que com base em nenhuma diligência efectuada presumem e concluem.

35 - Por isso, não é legalmente possível ordenar a realização de uma escuta telefónica sem que primeiro tenham sido realizadas diligências de prova, de natureza diversa das intercepções, que permitam asseverar o necessário grau de verosimilhança da suspeita.

36 - Ora, o procedimento adoptado nestes autos, infringe, de forma clara, esta exigência legal.

37 - De-facto, no que respeita ao arguido ora recorrente, a investigação começou precisamente pela realização de escutas a telefones que, de acordo com uma informarão policial cuja fonte não se apurou, seriam por estes utilizados, não tendo sido antes, realizada qualquer diligência para confirmar esta informação.

38 - Não se pode, por isso, deixar de considerar nulas as escutas efectuadas nestas circunstâncias.

39 - Porque se actuou da forma descrita, também não se comprovou se a realização das intercepções telefónicas era um meio de obtenção de prova imprescindível para a investigação e se o mesmo podia ser substituído por outro menos lesivo para os indivíduos, tal como exige a parte final do n.º 1 do referido artº 187.º do CPP. É o que resulta do princípio da subsidiariedade das escutas telefónicas.

40 - Note-se ainda que as autorizações conferidas judicialmente revestiam praticamente a maior extensão possível. Não só foi ordenada a intercepção dos indicados números de telemóvel, como também a intercepção aos IMEI de todos os cartões associados, o que alarga enormemente os limites da autorização concedida e dificulta o seu controle. Para além disso, foi permitido o acesso às facturações detalhadas, aos registos de trace back e à localização celular.

41- Também por esse motivo deveriam ser declaradas nulas as escutas efectuadas. 

42 - A par da falta de requisitos formais, as escutas enfermam de vício substancial que não existe de todo, tendo as mesmas sido autorizadas "de cruz", como se tratasse de uma "pesca à linha, durante vários meses" pela policia.

43 - Padece também em nosso entender de nulidade, conforme supra já se expôs, a simples autorização, dada pelo Mmo. Juiz, sem conhecimento efectivo das escutas que foram efectuadas, pois esta solução faz com que não exista por parte do Juiz, um rigoroso controlo judicial, isto é, se não houver da parte do Juiz um efectivo controlo sobre o âmbito da escuta e sobre a selecção do material recolhido para a eventual transcrição, como pode o mesmo em bom rigor, ordenar quanto às escutas prorrogações, transcrições, cessação de intercepções e autorizar novas intercepções a novos números de telefone, bem como, a localização celular, registo Trace back e a intercepção aos IMEl de todos os cartões associados.

 

44- Daí que, também, por esse motivo, se têm de declarar nulas as escutas efectuadas nos presentes autos, com a consequente proibição de valoração da prova através delas obtida.

45 - Estando inquinado este meio de prova, igualmente fica ferido de nulidade todo o conhecimento táctico posterior que permitiu à autoridade solicitar a emissão de mandados de busca para as residências dos arguidos, pois os mesmos princípios e cautelas que valem para as escutas aplicam-se às buscas, enquanto violação do domicílio; ou seja, excluídas as escutas como meio de prova válido, as buscas subsequentes, porque unicamente baseadas nas mesmas, deixam de ter qualquer suporte fáctico legal, sendo, por isso, igualmente prova que não pode ser considerada.

46 - Tratar-se-á mesmo de um método proibido da prova – artº 126. n.º 3 do C.P. Penal: "são nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada... ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular".

47 - Diremos também que, parece-nos, que o simples acto burocrático de confirmação - autorização judicial- por parte do JIC, nos termos que supra já referimos, equivale, em nosso entender e salvo melhor e Douta opinião a uma nulidade insanável, sendo que outra interpretação, que não esta, neste caso em concreto, padecerá não só de ilegalidade, bem corno, de inconstitucionalidade.

Dado que, pelo menos o primeiro despacho que autorizou as escutas, não fi precedido das indispensáveis diligências tendentes a asseverar o necessário grau de verosimilhança das suspeitas existentes - As escutas foram ordenadas com base na proposta constante do auto de noticia, não tem qualquer base ou suporte investigatório precedente, quer a prévia comprovação de que se tratava de um meio de obtenção de prova necessário para o desenvolvimento das investigações, pois nada nenhuma diligência se fez, antes de se propor, requerer e autorizar as referidas escutas, bem como, não se aferiu se estes meios - escutas - não podiam ser substituídos por outros, menos lesivos para os direitos individuais deste concreto visado.

Pelo que sendo, nos termos do artigo 189º do CPP, todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187º e 188º estabelecidos sob pena de nulidade e determinando o artigo 126º, nº1 e 3 que, ressalvados os casos previstos na lei são nulas, não podendo ser utilizadas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada (...) são nulas as provas obtidas através das intercepções telefónicas dos presentes autos por terem ocorrido em violação dos nº 1 e 3 do artigo 188º do CPP e artigos 26º, nº 1, 34 nº 4 e 32º nº 8 da CRP, a qual desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais e não podem, nem podiam ser utilizadas estas escutas, por se tratar de nulidade insanável.

Assim atendendo ao facto de as escutas efectuadas no presente processo e que serviram de fundamento para o Tribunal a quo, condenar o ora recorrente, não podiam nem podem ser utilizadas, por se tratar de nulidade insanável, devem implicar obrigatoriamente a anulação do julgamento, porquanto durante o julgamento, foi apreciada prova proibida, tendo o Douto Tribunal da Relação corroborado, sem, a analisar, nos moldes em que lhe foi solicitado, a errada apreciação da prova efectuada em 1 ª Instância,

49 - No que concerne à acusação deduzida contra o arguido, ora recorrente, sempre se dirá que, a mesma se mostra conclusiva, porquanto a mesma não refere especificamente quais os actos praticados pelo recorrente, ficando por esclarecer, em nosso entender e salvo melhor e Douta Opinião que outros actos ilícitos para além do alegado preenchimento das moradas na encomenda apreendida em Setembro de 2015, socorrendo-se para o efeito das escutas telefónicas efectuadas; sem que fosse sequer efectuada qualquer vigilância.

50 - Não podem os arguidos defender-se se são acusados numa participação, em nosso entender conclusiva, que não tenha os pressupostos fácticos.

As afirmações genéricas, contidas no elenco desses "factos" provados do acórdão recorrido e confirmados pelo Acórdão da Relação de que ora se recorre, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais o citado arguido combinou, engendrou, orientou, a quem comprou, por conta de quem, por que valor, quando o fez. o que foi efectivamente transaccionado, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que ao mesmo assiste, e assim, constitui grave ofensa aos Direitos Constitucionais previstos no artigo 32º da Constituição.

Considera-se que, nesta parte, o douto Acórdão comete um erro notório na apreciação da prova (art 410, nº 2. al, c), ou, talvez mais correctamente, tem lugar um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a) -, nº2 do art, 40º. do CPP, dado que a factualidade vertida na decisão se colhe de elementos que; podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação.

De igual modo. a interpretação de que tais remissões genéricas para o "arguido" são suficientes a convicção do Tribunal, viola o princípio do in dúbio pro Reo , traduzido pelo artigo 32º da CRP.

Vamos aqui referir-nos à matéria dada por provada pelo Tribunal de 1ª Instância, dado que o Douto Acórdão da Relação de que ora se recorre a sindicou na íntegra, não tendo apreciado, no que a este ponto concerne, nem nos termos dos vícios do 410º nº 2, a matéria impugnada pelo recorrente pelo que cometeu omissão de pronuncia não só não apreciando toda a matéria de facto impugnada na dimensão pedida pelo recorrente, como também por não ter conhecido os vícios do 410º, nº 2, pelo que é nulo nos termos dos arts.º 428º, nº, 431º, 425º, nº 4 e 379º. nº 1, al, c), todos do CPP.

51- Pois em bom rigor os arguidos só podem defender-se de factos e depois, da sua adequação ao direito, pelo que a acusação padece de nulidade.

52 - Mais consideramos que os factos dados por provados encontram enquadramento jurídico no artigo 25º e não no artigo 21º do D.L. Nº 15/93 de 22 de Janeiro, em virtude dos meios utilizados, da modalidade da acção e da quantidade e qualidade da substância.

51- Pelo exposto, a conduta do recorrente, ao contribuir para enviar umas placas de haxixe do continente para a ilha Terceira, e não se provando que tais placas teriam como finalidade serem vendidas a terceiros, já que tal não resultado texto do acórdão, tal conduta tem acolhimento na previsão do artigo 25º e não do artigo 21º nº 1 do DL Nº.15/93 de 22 de Janeiro, devendo nestes termos ser alterada a qualificação jurídica e o arguido ser condenado pelo artigo 252º.

54 - Acresce que não poderá deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação de uma pena de nove anos de prisão ao recorrente no caso concreto, porquanto,

55 - o recorrente não tem antecedentes criminais ligados ao ilícito em questão, o facto de o recorrente ser um jovem trabalhador e residir com a sua companheira, constituem inequívocos vínculos, familiar e socio-profissional, que por sua vez exprimem a socialização do recorrente.

56 - Condenar, o recorrente numa pena efectiva de prisão equivale a destruir ressocialização por si operada até hoje, e sem nenhum efeito útil, já que, a simples ameaça de uma pena de prisão efectiva é suficiente para que o recorrente se ressocialize e se afaste de qualquer conduta ilícita, a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução será o suficiente para prevenir e acautelar as exigências de prevenção geral e especial, nos termo do disposto nos artigos 40º,50º e 71 º do C.P.

57 - Entende-se, salvo melhor e Douta Opinião, que a conduta do arguido integra o tipo do ilícito previsto no artº 25.º do DL 15/93 de 22/11 e não o tipo do art.º 21.º. do referido diploma legal. Uma vez que são susceptíveis de subsunção no crime de tráfico de menor gravidade previsto no art, 25.º, os factos enquadráveis no art. 21º em que seja consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, que se traduzam num menor desvalor da acção.

58 - Esse menor desvalor da acção, será essencialmente avaliado pela imagem global do facto, aferida através dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias.

59 - Sendo inegável que o art, 21º n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, contempla a descrição fundamental relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, não é menos certo que o legislador construiu uma estrutura progressiva, altamente abrangente desse tipo matriz, na qual se integra o art. 25º, criando uma válvula de segurança que permite distinguir os casos de tráfico importante e significativo de situações efectivas de menor gravidade. de forma a obviar que estas últimas sejam tratadas mm penas desproporcionadas.

60 - Assim, dispõe o citado art, 21 º n, º 1 que: "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos."

61 - Por seu turno, o art 25ºa), do Dec. Lei nº15/93, de 22/1, estatui que, se nos casos dos arts.º 21 º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V ou VI, apresentando-se, pois, como uma especialidade daquele normativo legal e autonomizando-se por força de uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, seja pela quantidade ou qualidade da substância em causa, seja pelos meios utilizados na prática de qualquer dos actos expressamente plasmados no art.º 21 º, ou ainda pelas circunstâncias concretas que rodearam a ocorrência.

62 - Depois de um período inicial em que a jurisprudência fez uma interpretação muito restritiva do referido art.º 25º, quase olvidando o sentido da alteração introduzida ao regime jurídico aplicável ao tráfico de estupefacientes, assente no reconhecimento de que o "tráfico de quantidades diminutas" a que aludia o Dec. Lei n.º 430/83, de 13/12, não acautelava devidamente aquelas situações de efectiva menor gravidade que acabavam por ser tratadas com penas desproporcionadas ou especialmente atenuadas de modo algo forçado, evoluiu-se para um entendimento de que a integração do tráfico de menor gravidade deste normativo não impõe necessariamente uma ilicitude diminuta, devendo antes situar-se em nível acentuadamente inferior ao exigido pela incriminação do tipo geral do art.º 21.º, aí se integrando agora os vulgarmente designados "retalhistas de rua", sem ligações a quaisquer redes, desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes. – cfr. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 24/5/2002, 4/7/2003 e 5/4/2006, Procs. 02P2122, 03P329B e 06P673, rel., respectivamente, por Carmona da Mota, Costa Mortágua e Silva Flor, todos disponíveis in dgsi.pt.

63 - Conforme jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, "A tipificação do art.º25º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade- do ilícito, justificativa da tipificação do art.º 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art.º 25º.

64 - Interpretação mais restritiva do que a exposta parece-nos que seria inadequada às finalidades que levaram o legislador a esta previsão, tornando-a inaplicável a muitas das situações em que.se justifica, considerando a complexidade e a variedade da realidade social pressuposto da intervenção penal nesta matéria.

65 - Em conformidade, a diferença entre os artsº 21º e 25º assenta numa escala de danosidade social centrada no grau de ilicitude, a aferir caso a caso, com base na ponderação das condições especificamente apuradas e que devem ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei – v, entre muitos outros, Ac. STJ, de18/02/1999; CJ-STJ Tomo 1, pág. 220 e segs., e, na doutrina, Lourenço Martins, "Droga e Direito", Aequitas, Ed, Noticias, pág. 146 e segs.

66 - Mas, não sendo a enumeração legal taxativa, tem-se ainda entendido que o critério a seguir, para qualificar o facto como menos grave ou leve. deverá ser o da valorização global da ocorrência e das concretas e específicas circunstâncias em que a mesma se desenvolveu.

67 - Assim, para além das referências à quantidade e qualidade das substâncias traficadas, pode e deve atender-se ao seu grau de pureza ou perigo que representam em razão da sua natureza mais ou menos viciante e, no tocante à modalidade ou circunstâncias da acção, devem ponderar-se, entre outras, as finalidades e as razões que lhe presidiram,

68 - Tem o STJ entendido que para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do artº 25.º, do DL 15/93, de 22-01, haverá de se proceder a uma "valorização globaI do facto", não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada umadas circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras.

69 - "A tipificação do art. 25.º, do DL 15f93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º. e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar" (entre muitos, o Ac. STJ de 15/12/99, proc.912/99).

70 - Ora, no caso em concreto, pode dizer-se que, tirando a quantidade já apreciável, da droga, toda a restante envolvência ou circunstancialismo de facto favorece o recorrente.

71 - Da conduta do arguido resulta uma imagem global do facto significativamente atenuada na sua ilicitude, pois todos concordarão que tratando-se de haxixe e tendo em conta os factos descritos na acusação, tratando-se de um curto período de tempo e que se cifrou e no envio de duas encomendas, a actividade do arguido preenche a previsão do artigo 25.º e não, como consta da Douta Decisão, a do artigo 21.º do Dec-Lei n.º 15/93, de 22/1.

72 - Tendo em conta o relatório social do arguido, a qualidade da substância - haxixe, dentro das drogas proibidas e das que provoca menos danosidade social, não tendo este produto estupefaciente qualquer tipo de comparação a nível da danosidade social que acarretam a heroína, a cocaína, ou mesmo as meta anfetaminas, a quantidade traficada, no caso do ora recorrente, não são de molde a afastar os elementos atenuativos que, fazem com que a conduta do arguido caiba dentro do tipo privilegiado, devendo a sua conduta ser punida pelo art.25.º do DL 15/93 de 22/1.

73 - Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, e no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e que prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Nos tipos, privilegiado e qualificado define os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base, conduzindo a outros quadros punitivos. Nos crimes de tráfico de estupefacientes, o crime-tipo e definido no art.º 21 º do DL 15/93, de 22-01.

74 - Entendemos que no caso em apreço, não há que valorizar demasiado a quantidade e devemo-nos concentrar no facto de que se tratava, de uma das substâncias estupefacientes menos prejudicial para a saúde dos consumidores. Deste modo, fazendo uma avaliação global dos factos, entendemos mais adequado qualificar os factos no tráfico de menor gravidade, p. e p. no artº 25.º a1.a), com referência a tabela l-C, do Dec. Lei n. º 15/93, de 22 de Janeiro.

75 - E se é certo que estamos lidando com o tráfico de droga leve - haxixe, já em quantidade apreciável, também o é que o artigo 2S.º em causa, reportando-se a «tráfico de menor gravidade», não se limita a prever bagatelas, a condutas «sem gravidade», já que a moldura penai, em parte coincidente com a do artº 21.º pode ir até aos Sanas de prisão, devendo a mesma ser suspensa na sua execução com regime de prova,

76 - Caso assim não se entenda, requer-se urna redução significativa da pena, por se considerar que a pena efectiva de prisão aplicada ao arguido é desproporcional, porquanto está em desconformidade com o disposto nos artigos 40º e 71º no C.P., assim,

77 - Mesmo que se considere não ser de alterar a qualificação jurídica dos factos, terá forçosamente de se concluir que a pena aplicada ao arguido se mostra desadequada, porque desnecessária e desproporcional, porquanto,

78- Como defende José de Sousa Brito (Textos de apoio de Direito Penal, T II , U A Lei Penal na Constituição", AAFDL 1983)84, p.26 - excerto dos " Estudos sobre a Constituição", 2 Vol Lisboa 1978),  " entende-se que as sanções penais só se justificam quando forem necessárias, isto é, indispensáveis tanto na sua existência como na sua medida, à conservação e à paz da sociedade civil. Uma vez que as sanções penais se traduzem numa limitação mais ou menos grave dos direitos individuais, o princípio restritivo dirá que essa limitação será a menor que as necessidades da conservação e da paz sociais consentirem. Haverá que adquirir em, cada caso a convicção de que, se a sanção fosse suprimida ou reduzida, a ordem social poderia ser posta em causa. Senão seria respeitada a dignidade da pessoa humana, para salvaguarda da qual se constitui todo o direito (hominum causa omme ius constitutum est], e da qual decorrem os direitos do homem. Seria melhor que as sanções penais, como quaisquer outras restrições desses direitos (cfr. Artº- 18, nºs 1 e 2 da Constituição), não fossem necessárias, que, a justiça penal fosse no mundo das ideias, e não viesse a ferir com a sua mão os bens da vida. Neste sentido - e só nele - as sanções penais são detestáveis e, portanto, de restringir ({odiosa restrigenda). Acresce falíveis os juízes humanos e as necessidades da pena muitas vezes duvidosa no caso concreto "

79 - " Os Juízes actuam como actuam, evidentemente, com base num sentido de dever publico, e com forte apoio popular, em vista dos resultados, Dão-nos (os Juízes), assim, um sistema de lei penal que é funcional, mas por vezes C- J produz injustiças..." (Textos de apoio de Direito Penal, TII, AAFD L 1983/841" O desenvolvimento da Lei penal por Via Judicial ", p. 73, in Williams, Glanville - Text book of Criminal Law", London, Stevens and SONS, 1978, p.5-8)

80 - É por isso que, na eventualidade de V.Exas. não partilharem da posição que supra se deixou exposta, não poderão deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação 1 de uma pena de 8 anos de prisão ao arguido GG conforme os fundamentos que supra e infra se deixarão expostos.

81 - Refere o douto acórdão que, para a determinação concreta da pena aplicável ao recorrente, ponderou, a postura do arguido em julgamento, o desvalor da acção, o relatório social e os antecedentes criminais, as exigências de prevenção, e ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra eles na esteira do disposto no artigo 71º- do C.P...

82 - Como pode então o Tribunal, na ponderação de todos os elementos, condenar o recorrente em pena tão severa? Cumpre perguntar quando se tratarem de toneladas de droga como se punirão os arguidos?

83 - Assim, tendo em conta os fins das penas, igualmente se visa, também, o objectivo da reinserção social e, como explica Sousa Brito" as exigências de prevenção em qualquer das suas formas medem-se pela perigosidade; Ora o juízo de perigosidade distingue-se fundamentalmente do da culpa por ser um juízo de prognose em função de futuros crimes e não ser em razão do facto passado. " (A Medida da Pena no Novo Código Penal, in Textos de apoio de Direito Penal, T lI, AAFDL, p. 354). Assim,

84 - Para ser possível a conciliação das finalidades da punição com a exigência de medir a pena em função da culpa, e na esteira de Sousa Brito (Ob. Cit.,.p. 367), "deve-se fixar-se em princípio a pena no ponto de escala correspondente à culpa que melhor sirva as exigências de prevenção especial".

85 - Nesta conformidade, quer a sociedade, quer o julgador deverão assegurar que a punição do agente segundo a medida exacta da sua culpa não seja comparada com o perigo da sua dessociabilização. Com efeito,

86 - Defende Sousa Brito (Ob. Cita: p. 360) " A sociedade não é apenas responsável pela protecção dos seus membros perante o criminoso, tem também uma responsabilidade perante este ultimo, de contribuir para a sua possível recuperação. Nestes casos, torna-se desnecessário desistir de uma parte da pena correspondente à culpa para respeitar o mandamento legal de ter em conta a prevenção. geral determinantes da própria medida legal da pena, e é esse o âmbito de aplicação do artigo 71º, está em princípio garantida a satisfação daquelas necessidades" referindo o mesmo autor que : "Não são, portanto, de admitir considerações relativas ao aumento geral de criminalidade ou à frequência de crimes de certo tipo para justificar a irrelevância total ou parcial da prevenção especial. Estas considerações genéricas não têm lugar na individualidade judicial da pena e implicariam uma dupla valoração das circunstâncias típicas, contra o nº 2 do artigo 72 (actual 71º. n.º2).

87 - Assim parece que a pena de prisão, aplicada ao arguido, e injusta e desproporcional. Mais,

88 - Quanto ao arguido GG, sendo certo que nada foi visto, e nada foi apreendido, conforme decorre do próprio acórdão de 1 ª Instância, e refere-se aqui aos factos constantes do Ac. Proferido pela 1 ª instância, porque quanto a ele, existe uma total omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação, sendo por conseguinte e quanto a este arguido o Acórdão.do Tribunal da Relação nulo. por omissão de pronúncia nos termos e pelos fundamentos já supra expostos. Os factos que foram impugnados, tem unicamente como suporte a interpretação que os Srs. Inspectores da Policia Judiciária fizeram das escutas telefónicas que foram realizadas. Tal meio de prova, isoladamente, não permite ao Tribunal fazer um juízo de valor como foi efectuado e concluir que o ora recorrente cometeu o crime de tráfico p. e p. 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 1S/93, de22 de Janeiro.

89 - O Douto Tribunal da Relação ao apreciar a presente questão o que fez unicamente tendo em conta a letra do Acórdão recorrido, pois deu como provados que no seguimento das escutas houve vigilâncias e apreensão de estupefacientes. O que não corresponde na totalidade à realidade. Realidade esta que o Tribunal da Relação só não se apercebeu porque se escuso a conhecer da matéria de facto, na dimensão que lhe foi solicitada, cometendo assim omissão de pronúncia, nos temos e fundamentos já expostos.

90 - A Relação, quando se apontam factos incorrectamente provados, deve reexaminar expressamente esses factos, ajuizando-os em função das provas documentadas, no caso em apreço, o Tribunal da Relação não se debruçou sobre as várias questões suscitadas, uma vez que, se limita a referir que a convicção adquirida pelo Tribunal a quo sobre determinados factos foi efectuada com base na " regra da livre apreciação da prova".

91 - Temos pois que concluir pela omissão da pronuncia sobre a matéria de facto provada, a Relação não se debruçou sobre as questões suscitadas sobre a matéria de facto impugnada, sobre se ela se deve ou reputar-se como provada, dando os factos como assentes, não descendo à análise da matéria de facto, não a reexaminando, como lhe é facultado nos termos dos artigos 412º, nº 3, 428, nº1 e 431º do C.P.P.

92 - O acórdão assim elaborado não pode subsistir, pelo que, nos termos do artigo 379, nº 1 al. c) no C.P.P. deve ser declarado nulo.

93 - Violou-se o disposto nos artigos 379, nº1 al, c, 412, nº3, 428, nº1 e 431 do C.P.P.

94 - O Acórdão padece de omissão de pronúncia. Tendo o recorrente argumentado fundamentadamente e ponto por ponto as conclusões do Tribunal" a quo "o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre elas, ao não se pronunciar sobre: as questões que o recorrente suscitou nas motivações e nas conclusões do seu recurso o Acórdão padece do vício de nulidade - artigo 379º nº 1, al, c) do C.P.P.

95 - Não é preciso dizer mais para se verificar, por um lado, que a Relação relativamente aos pontos de facto impugnados do acórdão de 1 s Instância, não só não efectuou o determinado <exercício. crítico substitutivo>, que implica a sobreposição, com assento nas provas indicadas pelo recorrente, da sua convicção sobre cada um daqueles factos, individualmente considerados, como, por outro lado, e por isso mesmo, falhou na fundamentação especificada da sua própria convicção sobre esses mesmos factos como lhe era imposto por Lei (artigo 374º nº2 do C.P.P.)

96 - O efectivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto que a Lei coloca sobre os ombros da Relação, obviamente sai frustrado, afectando de modo mais ou menos grosseiro o direito ao recurso, se não mesmo outros com assento na Constituição - como o direito à defesa - com a operação que se diria meramente cosmética, a que se propôs o Tribunal ora recorrido <apenas….apurar se a convicção do Tribunal recorrido tem suporte razoável na prova presente>.

 97 - Existindo assim, conforme se expôs, nulidade do acórdão recorrido por duas vias: omissão de pronúncia, nomeadamente por não ter conhecido das questões levantadas pelo recorrente, nomeadamente no que concerne a impugnação da matéria de facto, e por conseguinte falta de fundamentação por violação do disposto no artigo 374º nº2 do C.P.P.

98 - a decisão recorrida, restam sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legalmente e oportunamente suscitadas, que o tribunal “ a quo " se limita a resolver deforma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar, com o âmbito delimitado nas respectivas conclusões do recurso.

99 - O artigo 127º do C.P.P. padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio constante do artigo 32º nº 1 da C.R.P., quando interpretado (como foi nos caso dos autos), no sentido do Tribunal " a quo " poder dar como provados factos delituosos a que ninguém assistiu ou referi ter assistido, factos esses nem sequer. discutidos na audiência de julgamento.

100 - O Tribunal" a quo " não curou de saber que o tribunal de 1.ª instância, a contrario, não tinha elementos probatórios para decidir como decidiu quanto à matéria de facto.

101- Deste modo padece o acórdão recorrido de nulidade por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que o tribunal" a quo "deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento. o que determina a declaração da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas, com respeito correlativo dever de fundamentação que devem revestir todas as decisões judiciais.

102 - A não pronuncia sobre tais questões além de geradora de nulidade, nos termos gerais do artigo 379º, nº 1, al c) do C.P.P. acima mencionados, consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos artigo 32º nº 1, 203º e 205º, nº 1 da CRP, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.

103 - Termos em que, por omissão de pronuncia e carência de fundamentação, e erro notório na apreciação da prova e insuficiência da mesma se requer a anulação do acórdão recorrido para que outro seja proferido.

Nestes termos e nos demais de Direito que V.Exas.

Doutamente suprirão deve o Acórdão da Relação ser declarado nulo - por omissão de -pronuncia.

Caso assim não se entenda, deverá ser alterada a qualificação jurídica dos factos e o recorrente ser condenado por tráfico de menor gravidade, devendo por conseguinte a medida da pena ser substancialmente diminuída e suspensa na sua execução;

Mesmo não sendo alterada a qualificação jurídica dos factos, deverá a pena ser diminuída substancialmente por a mesma se mostrar excessiva.»

            5. O Ministério Público no Tribunal da Relação não apresentou resposta aos recursos.

            6. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu o parecer que se transcreve:

«1. Recursos dos arguidos GG (5431-5466) e AA (5503-5537):

 Apesar de admitidos (5543), entendemos que o recurso do arguido AA deverá ser rejeitado, por inadmissibilidade, ao que não obsta o referido despacho de admissão.

 Na verdade, após julgamento em 1.ª instância, este arguido foi condenado na pena de 8 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico agravado.

 A Relação de Lisboa, por acórdão de 1 de Março de 2018, e rectificação de 26 de Abril de 2018 (5471), negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida (5414).

 Nos termos da alínea f) do artigo 400.º, do Cód. Proc. Penal, é inadmissível o recurso «De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.».

 É o caso.

2. No que respeita ao arguido GG, verifica-se que a Relação revogou a decisão da 1.ª instância no segmento relativo à qualificação jurídica dos factos, pelo que se afigura não ocorrer uma dupla conforme, impeditiva da inadmissibilidade, não obstante a pena não ser superior a 8 anos de prisão.

2.1 O arguido GG submete a reexame as seguintes questões:

- Nulidade por omissão de pronúncia (impugnação da matéria de facto);

- Nulidade das intercepções telefónicas e buscas delas decorrentes;

- Vícios do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e/ou c), do CPP;

- Qualificação jurídico-penal dos factos;

- Medida da pena.

3. O Ministério Público, na Relação, não respondeu a qualquer dos recursos.

4.

4.1. Não conhecimento da impugnação da matéria de facto:

 Como facilmente se depreende da motivação do seu recurso para a Relação, não se impunha a esse tribunal o conhecimento do recurso nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, pela singela razão de não terem sido cumpridas as especificações das alíneas deste último número, bem como do subsequente n.º 4, como de resto já avançara, quiçá por mera cautela, a Ex. ma magistrada do Ministério Público, na sua resposta, a fls. 5174-5176.

 E a Relação, por não ter sido efectuado qualquer pedido específico nesse sentido, limitou-se a conhecer do recurso nos segmentos que, de forma sintética, elencou a fls. 5401, nomeadamente a insuficiência da matéria de facto e contradição entre factos, ou seja, baseada no texto da própria decisão recorrida (5403-5405).

 E bem.

 Aliás, e em nota final no que a este particular respeita, a “questão prévia” que o recorrente introduz fugazmente no 2.º parágrafo das conclusões (5449), não tem qualquer suporte no texto da motivação, o que sempre conduziria à impossibilidade desta Alta Instância dela tomar conhecimento (na impossibilidade dessa ausência ser aperfeiçoada).

4.2. No que concerne aos vícios atinentes à matéria de facto (artigo 410.º, n.º 2, do CPP), importa referir que, como é pacífico e tem vindo a ser sucessivamente afirmado na jurisprudência do Supremo Tribunal, o recurso do acórdão proferido (em recurso) pela Relação, [2]agora puramente de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» - das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa)

 O (objecto do) recurso de revista terá assim que circunscrever-se a questões «exclusivamente» de direito. Pois que... as questões «de facto» (ou delas instrumentais) deverão considerar-se definitivamente decididas pela Relação.

 E assim, nesta sede, escapa aos poderes de cognição do STJ o pretendido reexame da matéria de facto, quer por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quer por erro notório na apreciação da prova.

4.3. E quanto à utilização de provas proibidas (escutas e buscas delas decorrentes), nada mais se nos oferece acrescentar ao que sinteticamente se decidiu a fls. 5401-5403.

4.4 É, com toda a consideração, desprovida de qualquer fundamento a pretensão de subsunção jurídico-penal dos factos no crime de tráfico de menor gravidade.

 Considera o recorrente que, «não se provando que tais placas teriam como finalidade serem vendidas a terceiros, já que tal não resulta do texto do acórdão, tal conduta tem acolhimento na previsão do artigo 21º nº 1 do DL Nº 15/93…».

 Porém, sem razão.

 A matéria de facto provada sob os n.º s 10, 11, 17, 18, 20, 26, 29, 30, 37, 41, 44, 46 e 52, estabelece, sem equívocos que o arguido ora recorrente, em comunhão de esforços e vontades com outros, remeteu a outras pessoas várias encomendas de canábis para a Terceira, em quantidades que atingiram o total de cerca de 10,5 kg., «com a finalidade de a cederem ou venderem a terceiras pessoas» (apud pontos 26 e 52 da matéria fixada).

 Ora, embora se trate de canábis, certo é que, quer o organizado processo de envio e recepção do estupefaciente, com a participação do arguido AA, funcionário dos CTT, quer, sobretudo, a quantidade traficada é de todo incompatível com a menor gravidade prevista no artigo 25.º, do DL 15/93.

 Não é despiciendo recordar o elevado lucro que reveste o tráfico nas Ilhas, face à grande disparidade de preços em relação ao continente.

 Não merece, pois, a mínima censura a subsunção dos factos no tipo matricial do artigo 21.º do DL 15/93 (no caso, bem mais próxima do crime agravado).

4.5. Finalmente, a medida da pena.

 Acompanhando-se a fundamentação da 1.ª instância quanto aos factores determinantes da medida concreta da pena, entende-se que 8 anos de prisão, são adequados à culpa do arguido e exigências de prevenção, quer geral, quer especial, não se vislumbrando qualquer violação dos critérios legais que presidem à sua fixação.

 Com efeito, situando-se a moldura penal do crime entre 4 anos e 12 anos, a pena de 8 anos, situada na média, é perfeitamente ajustada à maior ilicitude do facto e elevadas exigências de prevenção geral, não se detectando circunstâncias justificativas de um desagravamento, dado que o arguido não revelou qualquer arrependimento pela sua conduta.

 Em suma: Situando-se a pena de 8 anos dentro dos parâmetros legais da culpa e prevenção, a intervenção correctiva do STJ só se justificaria em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (Ac STJ de 29.04.04, proc. n.º 1394.04 5ª[3]), o que não acontece no caso.

5. Pelo exposto entendemos que o recurso não merece provimento.»

            7. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CC, nada mais tendo sido dito.

    8. Não tendo sido requerida a realização da audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

            9. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

            1. Os factos

            1.1. Factos provados:

1 – O arguido AA, desde data não concretamente apurada mas já há cerca de, pelo menos, vinte anos, é funcionário dos CTT- Correios de Portugal, SA, na estação dos CTT sita ..., com as funções de carteiro distribuidor da correspondência pela área que lhe estava adstrita.

2 – Por força do exercício das suas funções tinha acesso ao interior das instalações da referida estação dos CTT, onde podia visualizar e aceder às encomendas, desde o momento em que estas entravam nas instalações, podendo efectuar o controlo do trânsito de tais encomendas e do momento da sua entrega.

3 – Os arguidos AA e BB, em data que não foi possível concretamente apurar mas anterior a Setembro de 2015, formularam o desígnio de introduzir “haxixe” nesta ilha através de encomendas postais.

4 – Para tanto, concertaram com os arguidos CC e DD o fornecimento de moradas de destino para tais encomendas, nomeadamente na Rua ..., local de residência do arguido CC.

5 - Uma vez chegada à referida estação de correios a(s) encomenda(s) contendo o produto estupefaciente, o arguido AA, por força dos conhecimentos referidos, transmitia tal informação sobre a efectiva chegada e o circuito de tais encomendas à arguida BB, com quem é casado.

6 – No seguimento da comunicação de tal informação, a arguida BB contactava a arguida DD para proceder ao levantamento/recolha da encomenda, quer na morada do destinatário, quer na estação dos CTT.

7 – A arguida DD, por seu lado, contactava com o arguido CC e ambos concertavam a efectiva recolha/levantamento da encomenda.

8 – Após o levantamento/recolha da encomenda, a arguida DD procedia à sua entrega à arguida BB.

9 – Pelo recebimento/levantamento de cada uma das supra referidas encomendas, a arguida DD recebia da arguida BB quantia não concretamente apurada.

10 – No dia 01.09.2015, o arguido GG remeteu, de estações dos CTT em Lisboa, três encomendas contendo ”canábis”.

11 – Tais encomendas tinham como destinatário o arguido CC, com morada na Rua ....

12 – Por forma quer não foi possível apurar, o arguido AA teve conhecimento do número de identificação do registo de uma das encomendas – ... PT -, o qual, em 03.09.2015, transmitiu à arguida BB.

13 – Esta, por seu lado, informou a arguida DD da chegada das três encomendas.

14 – Esta arguida concertou com o arguido CC a recepção/levantamento de tais encomendas.

15 – No dia 07.09.2015, o arguido AA, quando, pela manhã, chegou à estação dos CTT onde exerce funções, apercebendo-se de que a encomenda referida no ponto 12 já não se encontrava naquela estação e estava em trânsito para ser distribuída naquele dia, escapando assim ao seu controlo, por suspeitar da detecção policial da encomenda, transmitiu à arguida BB que esta deveria diligenciar pelo cancelamento da recepção/levantamento da encomenda por parte da arguida DD.

16 – O que a arguida BB tentou fazer, sem êxito.

17 – De facto, em tal data, de manhã, os arguidos CC e DD deslocaram-se, na viatura desta, com a matrícula ..., à residência daquele e, enquanto a arguida DD ficou a aguardar no interior da viatura, o arguido CC deslocou-se até ao interior da residência onde habita e recolheu a encomenda que já ali havia sido entregue.

17 – Regressou à viatura, colocou um saco preto na bagageira da viatura e, quando se preparavam para se retirarem do local, foram abordados por agentes policiais.

18 – Na bagageira da viatura, no interior de um saco preto, encontravam-se 30 placas, com o peso bruto de 2.987 gramas, de canabis (folhas e sumidades), que haviam sido remetidas no interior da encomenda referida no ponto 12.

19 – Tal encomenda, na caixa que acondicionava a canabis, constavam manuscritas, no lugar do remetente “...” e “Rua ...” e, no lugar do destinatário, “CC” e “Rua ...”.

20 – Na mesma data, foram apreendidas outras duas encomendas que se encontravam por reclamar na estação dos CTT que vem sendo referida, uma com o registo ..., que continha 30 placas com 3.014 gramas (peso bruto) de canabis (folhas e sumidades) e outra com o registo ..., que continha 30 placas com 2.996 gramas (peso bruto) de canabis (folhas e sumidades).

21 – Estas duas encomendas tinham os talões respectivos referentes ao registo manuscritos com os dizeres:

- no local do remetente: “...”;

- no local do destinatário: “...”.

22 – Os dizeres constantes das encomendas e referidos nos pontos 19 e 21 foram manuscritos pelo arguido GG.

23 – A canabis apreendida nas três encomendas tinha o peso líquido de 8.846,727 gramas.

24 – No interior da residência da arguida DD, no seu quarto de cama, foi apreendido um tablet da marca “...”, modelo ..., de cor preta, com o n.º de série ... e respectivo carregador.

25 - No interior da residência dos arguidos AA e BB foi apreendido:

- a quantia de  €867,90, em numerário;

- 1 papel manuscrito com o NIB ...;

- 1 telemóvel da marca “NOKIA”, modelo “2630” de cor cinzenta e preta, com o IMEI ..., sem cartão “SIM”;

- 1 talão de aceitação de correspondência dos “CTT”, com destinatário “....” e com o remetente AA;

- 1 agenda de cor vermelha, com diversas anotações;

- 1 caixa em cartão de cor preto, com a inscrição “DOLCE & GABANNA”, contendo €120,00 em notas de € 20,00 do BCE, € 30,00 em notas de € 5,00 do BCE e € 17,90 em moedas do BCE;

- 1 caixa em plástico transparente, contendo € 150,00 em notas de dez do BCE, € 150,00 em notas de cinquenta do BCE, € 200,00 em notas de €100,00 do BCE;

- no interior de uma bolsa dos “CTT” € 50,00 em notas de € 10,00 do BCE e um papel manuscrito com o n.º ... pertencente a EE;

- na mesa de cabeceira, 1 telemóvel da marca “NOKIA”, modelo “2610”, de cor preto, com o IMEI ...;

- 1 cartão “SIM” da operadora “MEO” com a referência “...”;

- 1 telemóvel da marca “NOKIA”, modelo 113, de cor preta, com o IMEI ..., com o cartão “SIM” inserido da “TMN”, com a referência ...;

- torre de computador “desktop”, de cor preta, com as inscrições “MARS”, “TACENS”, e película autocolante com as inscrições “Intel Inside” e “Core 3”;

- na cozinha: 1 telemóvel da marca “SAMSUNG”, modelo “Galaxy K – ZOOM”, de cor preta, com IMEI ..., contendo cartão “SIM” da operadora “MEO”, a que corresponde o n.º ..., com o “PIN” do cartão “SIM” 1996 contendo ainda um cartão de memória micro SD, da marca “KINGSTON”;

- 1 telemóvel da marca “SAMSUNG”, modelo “Grand Duos” (dual sim), de cor branca, com os IMEI`s ... e ..., sem cartão SIM inserido;

- 1 telemóvel da marca “SAMSUNG”, modelo GT-E150, de cor preta, com o IMEI ..., com cartão SIM com inscrição TMN, a que corresponde o n.º ..., sem PIN;

- 1 computador portátil da marca “HP”, modelo “Pavillion DV 6500”, com o n.º de série ... e respectivo carregador;

- no corredor: 1 aviso de entrega dos “CTT”, com dois endereços de correio electrónico manuscritos;

- quatro pedaços de cartão manuscritos com números de contactos, nomes e anotações de contas;

- três papéis com anotações manuscritas;

- 1 carta enviada pela “MEO” com um cartão de suporte para internet móvel, com as referências ... e ...;

- na sala comum, numa gaveta de um móvel: 1 aviso de entrega dos “CTT” preenchido pelo carteiro AA com anotações manuscritas de números de telemóveis;

- 1 factura da “MEO” em nome de ..., com a morada ... e

- no casaco de AA: 1 aviso de entrega dos “CTT” com as anotações manuscritas “CC, RUA...”;

26 – Os arguidos AA, BB, CC, DD e GG, ao actuarem pela forma supra descrita, em comunhão de esforços e de intenções, obtiveram canabis no continente português que, através de encomendas postais, remeteram para esta ilha, sendo por eles recepcionada, com a finalidade de a cederem ou venderem a terceiras pessoas, conhecendo a natureza e características estupefaciente de tal substância, bem sabendo que não tinham autorização para a deter, comprar, vender, ceder, receber, transportar ou fazer transitar e, ainda assim, não se abstiverem de agir pela forma descrita, livre e deliberadamente, conscientes da ilicitude desta sua conduta que sabiam ser proibida e punida pela lei penal.

27 – Os arguidos BB, CC e DD sabiam que o arguido AA era/é funcionário dos CTT e que se aproveitava desta sua actividade laboral para controlar a chegada, recepção e entrega/levantamento das encomendas contendo canabis que eram remetidas do continente português.

28 – O arguido GG, ao expedir as encomendas pela forma supra descrita, nelas apondo, com o seu próprio punho, como remetente, o nome e a morada de alguém que não correspondia à realidade, com a finalidade de, ocultando a sua verdadeira identificação e localização, fazer chegar substâncias estupefacientes à posse dos restantes arguidos mencionados no número anterior, sabia estar a fazer constar das encomendas elemento juridicamente relevante que não correspondia à realidade, assim colocando em causa a credibilidade e segurança dos serviços postais, actos que levou a cabo de forma livre e deliberada, com consciência da ilicitude de tal conduta, que sabia ser proibida e punida pela lei penal.

29 – Em data que não foi possível concretamente apurar mas anterior a 17.12.2015, o arguido EE combinou com os arguidos GG e HH o envio, por estes, de canabis, através de encomenda postal, que seriam levantadas por FF

30 - Para tanto, disponibilizou-lhes quantias em dinheiro através de depósitos bancários

31 – Assim, o arguido GG adquiriu a canabis que foi colocada no interior de uma caixa que continha um brinquedo – um puzzle - e envolveram a caixa em papel de embrulho, próprio para embrulhar uma prenda.

32 – A arguida Andreia manuscreveu, em duas etiquetas que colocou no papel de embrulho que envolvia a caixa, o nome e morada do remetente e do destinatário, após o que foi esta encomenda expedida, em 17.12.2015, da Loja do Cidadão, em .., por via marítima, através dos CTT, com o registo ....

33 – Como remetente, a arguida HH manuscreveu “...” e, como destinatário “...”.

34 – Esta morada de destino é, de facto, a morada onde a arguida FF reside e o nome “...” é um nome falso previamente combinado entre os arguidos EE e FF, com a finalidade de ser esta proceder à recepção ou levantamento da encomenda.

35 – A arguida FF é tratada e conhecida pelos seus amigos por “...”.

36 – Numa outra etiqueta com a inscrição de “Feliz Natal”, colocada na caixa desta encomenda, o arguido GG escreveu com o seu próprio punho os dizeres “...” e “...”.

37 - No dia 05.01.2016, a encomenda referida no ponto 32 foi interceptada pelas autoridades policiais e verificou-se que, no seu interior, se encontravam, para além do mais, 14 placas de canabis (resina) envoltas em várias camadas de plástico, película aderente, papel de jornal e pimenta, com o peso de 1.389,973 gramas, com um grau de pureza a variar entre 6,3% e 11,1%.

38 - Contudo, a encomenda não foi levantada por haver suspeitas que estaria a ser controlada/vigiada pelas autoridades policiais.

39 – No dia 13.01.2016, a encomenda foi apreendida na estação dos CTT.

40 – Em 23.12.2015, o arguido EE enviou uma mensagem SMS para o arguido GG contendo a morada e nome de sua filha ...”, a fim de que, posteriormente, para tal morada fossem remetidas outras encomendas contendo substância estupefaciente.

41 – Entre 10 e 11 de Janeiro de 2016, os arguidos EE e GG combinaram o envio por este para aquele de encomendas contendo substância estupefaciente.

42 – Duas de tais encomendas teriam inscrito como destinatário “... e conteriam no seu interior, cada uma delas, três placas de canabis.

43 – Uma terceira encomenda seria remetida para “EE, ...”.

44 – Em data não concretamente apurada, mas no decurso do mês de Janeiro de 2016, o arguido GG remeteu do continente português uma encomenda, em envelope postal dos CTT, “Correio Verde”.

45 – No local próprio para o remetente manuscreveu “...” e, no local próprio para o destinatário “...”.

46 – A encomenda referida no ponto 44 foi, em 21.01.2016, detectada e apreendida, contendo no seu interior três placas com o peso total de 292,570 gramas de canabis (resina), com um grau de pureza de 16%.

47 - À data da sua detenção, o arguido EE não exercia qualquer actividade regular e foram encontrados na sua posse:

- 1.660,00 € Em numerário (em notas do BCE);

- 2 Talões de depósito em numerário, do “Santander Totta”, para a conta bancária n.º ..., titulada por HH, um, no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), com data de 20.01.2016, e outro, no valor de € 500,00 (quinhentos euros), com data de 14.01.2016;

- 3 talões de depósito em numerário, do “BPI”, para a conta bancária n.º 2-3469 732.000.001, titulada por GG, um, no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), com data de 20.01.2016, outro, no valor de € 500,00 (quinhentos euros), com data de 15.01.2016 e outro valor de € 500,00 (quinhentos euros), com data de 14.01.2016;

- 1 talão de depósito em numerário, do “BPI”, no valor de € 500,00 (quinhentos euros) com data de 14.01.2016, para a conta n.º ..., titulada por ...;

- 1 pedaço de papel manuscrito com as anotações “...”

- 1 pedaço de papel manuscrito com as anotações “...”

- 1 pedaço de papel manuscrito com as anotações ...”

- 1 telemóvel da marca “Samsung”, de cor cinzenta, modelo “...”, com o “IMEI ...”, com cartão da operadora “MEO”, com cartão micro SD de 32 GB de memória, a que corresponde o número ...;

- 1 telemóvel da marca “Samsung”, modelo “...”, de cor preta, com o IMEI n.º ... e respectiva bateria;

- 1 telemóvel da marca “Samsung”, modelo “..”, de cor preta, com o IMEI n.º ...;

- 9 (nove) munições de calibre 32, acondicionadas numa peúga de cor preta;

- 1 suporte de cartão “SIM” n.º ..., pertencente à operadora “MEO”, com o “PIN” n.º 8042 e “PUK” n.º ...;

- 1 recibo do banco “Millenium BCP”, referente a um depósito normal, de EE, no valor de € 628,15 (seiscentos e vinte e oito euros e quinze cêntimos), para a conta bancária n.º ...;

- 1 recibo do Banco “Millenium BCP” referente a um depósito normal, de EE, no valor de €1000,00 (mil euros), para a conta bancária n.º ...;

- 1 recibo do “Banco Millenium BCP”, referente à conta n.º ..., pertencente a EE, relativo a levantamentos efectuados no valor de € 2.760,00 (dois mil setecentos e sessenta euros), com data de 19.03.2015;

- 1 recibo do Banco “Millenium BCP” inerente à conta n.º ..., pertencente a EE, relativo a levantamentos efectuados no valor de € 590,00 (quinhentos e noventa euros), com data de 23.07.2015;

- 1 recibo do Banco “Millenium BCP” inerente à conta n.º ..., pertencente a EE, relativo a levantamentos efectuados no valor de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), com data de 10.07.2015;

- 1 recibo do Banco “Millenium BCP” inerente à conta n.º ..., pertencente a EE, relativo a levantamentos efectuados no valor de € 1.000,00 (mil euros), com data de 25.06.2015;

- dois documentos únicos de circulação automóvel, inerentes ao veículo de matrícula ..., da marca “Peugeot”, modelo “106”, de cor preta e comprovativo de apresentação do respectivo veículo;

- 1 caixa para telemóvel da marca “Samsung”, modelo “Galaxy SIII Neo”, com registo de IMEI n.º ...;

- 1 papel manuscrito com vários contactos telefónicos associados a nomes;

- 1 telemóvel da marca “F1 (Mobwire)”, de cor preta, com o IMEI n.º ...0, contendo no seu interior um cartão “SIM” n.º ..., pertencente à operadora “MEO” e respectiva bateria;

- 1 suporte de cartão “SIM” n.º ..., pertencente à operadora “MEO” 4G, com o “PIN” n.º ... e “PUK” ...;

- 1 telemóvel da marca “Samsung”, modelo “...”, de cor branca, com o IMEI n.º ..., contendo no seu interior um cartão “SIM” n.º ..., pertencente à operadora “MEO” e respectiva bateria;

- 1 documento único de circulação referente ao veículo de matrícula ..., da marca “Honda”, modelo “CBR 600”, de cor vermelha;

- carta verde, emitida pela companhia de seguros “...”, respeitante ao veículo de matrícula ..., da marca “Honda”, modelo “CBR 600”, sendo o tomador de seguro EE e respectivo recibo de prémio;

- 1 computador portátil, da marca “ASUS”, modelo “X552M” e respectivos cabos de alimentação.

48 – O arguido GG, à data da sua detenção, residia com a arguida HH na Rua ..., em Lisboa, onde lhe foram apreendidos:

- 1 telemóvel da marca “SONY”, modelo “XPERIA”, de cor branca e preta, com o IMEI n.º ... sem cartão “SIM”;

- 1 computador portátil da marca “ASUS”, modelo “K-550J”, de cor preta e com o n.º de série ... e respectivos cabos de alimentação;

- 1 tablet da marca “Apple”, modelo “IPAD A1458”, de cor branca e cinzenta, com o n.º de série ..., com o ecrã partido em mau estado de conservação;

- 1 computador da marca “APPLE”, modelo “Macbook Pro”, de cor cinzenta, com o n.º de série ..., com ecrã partido e em mau estado de conservação;

- 1 computador da marca “APPLE”, modelo “macbook Pro”, de cor cinzenta, com o n.º de série ...;

- 1 telemóvel da “APPLE”, modelo “IPhone”, de cor branca e cinzenta, com o IMEI n.º ... sem cartão SIM;

- 1 disco externo da marca “MITSAI”, modelo “...”, de cor preta em mau estado de conservação;

- 1 máquina fotográfica da marca “FUJIFILM”, modelo “FINEPIX ...”, como n.º de série ...;

- 1 máquina fotográfica da marca “FUJIFILM”, modelo “FINEPIX ...”, com n.º de série ...;

- 1 máquina da marca “GO PRO” modelo “Hero 2” com o n.º de série ...;

- 1 máquina fotográfica da marca “NIKON”, modelo “d90” com o n.º de série ... com uma objectiva acoplada da marca “NIKON”, 18/70, com o n.º de série ...;

- 1 objectiva da marca “NIKON”, modelo “AF NIKKOR”, 50mm, com o n.º de série ...;

- 1 objectiva da marca “NIKON”, modelo “Super pro”, 52 mm, com o n.º de série ...;

- 1 objectiva da marca “NIKON”, 52 mm, com o n.º de série ...;

- 1 Objectiva da marca “NIKON”, modelo “AF NIKOR”, 25/105mm, com o n.º de série ...;

- 1 máquina fotográfica da marca “NIKON”, modelo “d90”, com o n.º de série ..., com uma objectiva acoplada “TOKINA SD 12/24 com o n.º de série ...;

- 1 objectiva da marca “NIKON”, modelo “AF NIKOR”, 55/200mm com o n.º de série ...;

- 1 objectiva da marca “NIKON”, modelo “AF NIKOR”, 55/200mm com o n.º de série ...;

- 1 objectiva “MaKinon”, 200 mm com o n.º de série ...;

- 1 máquina fotográfica da marca “CANON”, modelo “EOS D7” com o n.º de série ... com a objectiva acoplada “sigma DC 17/70mm, com o n.º de série ...;

- 1 máquina fotográfica da marca “CANON”, modelo “EOS d7” com o n.º de série --com a objectiva acoplada “CANON”, modelo “EFC”, 18/35mm, com o n.º de série --;

- 1 objectiva da marca “CANON”, 70/20mm, “série L”, com o n.º de série --;

- 1 flash da marca “CANON”, modelo “Speedlight 430 EX 2”, com o n.º--;

- 2 caixas vazias de telemóveis da marca “SAMSUNG”, modelo “Galaxy”, sendo uma delas referente a um telemóvel de cor dourada e com o “IMEI” n.º --* e a segunda referente a um telemóvel de cor azul com, o “IMEI” n.º --*, com uma inscrição “GG” manuscrita na tampa da caixa;

- 1 cartão de suporte da operadora “MEO”, 4g associado ao cartão “SIM” com o n.º --;

- 3 documentos emitidos pela “WORTEN” relativos à aquisição de um smartphone da operadora “TMN” em 27.06.2014, no valor de €639,90 e a um seguro efectuado na “WORTEN”;

- 1 etiqueta da SATA referente a uma franquia de bagagem de mão;

- 1 Factura/recibo como n.º FR CTT .. emitida no dia 18.05.2015 e referente aos envios com os n.ºs .. e ..;

- 1 talão de aceitação de envio de correspondência dos “CTT” com o número .. constando como remetente “HH” com morada na “..” e destinatário “..”, com morada na “...;

- 1 talão de aceitação de envio de correspondência dos “CTT” com o número ... constando como remetente “HH” com morada na “...” e destinatário “...”, com morada na “Rua ...;

- 1 factura simplificada da “Media Markt “, de Alfragide com o n.º de reserva ---referente á compra de um telemóvel da marca “SAMSUNG”, modelo “Galaxy ...”, com o n.º de série... e respectivo seguro, estando agrafado ao talão da parte paga por multibanco e à guia de reserva;

- 1 cartão da “VODAFONE” referente ao n.º de identificação de internet móvel com o n.º ...;

- 1 cartão da “VODAFONE” referente a um “SIM” card 4G Ready com o código de ICCD ... e código “PIN” com o n.º ... e “PUK” ..;

- 1 factura/recibo da “Media Markt” de Alfragide com o n.º ...4 e datada de 18.06.2015, referente à compra de um telemóvel da marca “SAMSUNG”, modelo “Galaxy S6 EDGE 32G” com o n.º de série ... e ao contrato do respectivo seguro em nome de Andreia Perna com a respectiva requisição do equipamento;

- 1 factura/recibo com o n.º ... da “VODAFONE” com data de 22.07.2015 e referente à aquisição do Serviço de dados “BLM ...” com o n.º ...;

- 1 folha referente a uma denúncia de um Contrato de Prestação de Serviços e Comunicações electrónicas da “VODAFONE” referente à cliente HH, onde consta como contacto alternativo o n.º ...;

- 1 duplicado de um contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas da “VODAFONE” em nome de “HH” onde consta o n.º.. como n.º de telemóvel de aviso para a Banda Larga e com as respectivas disposições contratuais anexadas;

49 – O arguido EE destinava as substâncias estupefacientes que lhe eram remetidas a serem vendidas/cedidas a terceiros e/ou consumidores.

50 – Alguns dos telemóveis apreendidos eram utilizados pelos arguidos para combinarem entre si, nomeadamente, o modo, quantidades e qualidade de produto estupefaciente a remeter de ... para a Ilha ....

51 - O veículo de marca Renault, modelo Clio, com a matrícula ... foi utilizado pelos arguidos CC e DD, na actividade de tráfico de estupefacientes.

52 - Os arguidos EE, II, GG e HH, ao actuarem pela forma supra descrita, em conjugação de esforços e de intenções, obtinham canabis no continente português que, através de encomendas postais, remetiam para a ilha ..., sendo aqui recepcionadas, com a finalidade de ser cedida e/ou vendida a terceiras pessoas, sendo que todos estes arguidos conheciam a natureza e características estupefaciente de tal substância, bem sabendo que não tinham autorização para a deter, comprar, vender, ceder, receber, transportar ou fazer transitar e, ainda assim, não se abstiverem de agir pela forma descrita, livre e deliberadamente, conscientes da ilicitude desta sua conduta que sabiam ser proibida e punida pela lei penal.

53 – Os arguidos EE, FF, GG e HH, ao acordarem entre si a expedição de encomendas pela forma supra descrita, nelas apondo, como remetente e destinatário, nomes e moradas de alguém que não correspondia à realidade, com a finalidade de, ocultando a sua verdadeira identificação e localização, fazer transitar substâncias estupefacientes de um para outro local, sabiam estarem a fazer constar das encomendas elementos juridicamente relevantes que não correspondiam à realidade, assim colocando em causa a segurança e credibilidade dos serviços postais, actos que levaram a cabo de forma livre e deliberada, com consciência da ilicitude de tal conduta, que sabiam ser proibida e punida pela lei penal.

 

Mais se provou que:

54 - O arguido AA é o mais velho de dois irmãos nascidos no seio de um agregado com um contexto familiar estruturado, harmonioso e equilibrado, com as necessidades básicas da família asseguradas.

55 - Concluiu o ciclo preparatório com 11 anos de idade e começou a trabalhar na construção civil com familiares, actividade que desenvolveu durante cerca de 8 anos.

56 - Posteriormente trabalhou em actividades piscatórias durante cerca de 3 anos, tendo entretanto, iniciado trabalho como carteiro nos Correios de Portugal, onde se mantém há 25 anos e onde aufere cerca de € 1.200,00 mensais, a que acresce o rendimento resultante actividades agrícolas, de criação de animais e um hotel para animais que desenvolve com a mulher.

57 - Contraiu matrimónio no início da idade adulta, tendo desta relação dois filhos, de 19 e 30 anos de idade, tendo ocorrido o divórcio há cerca de 16 anos.

58 - Voltou a casar, entretanto, com a arguida BB, tendo o casal uma filha com cerca de 10 anos de idade.

59 - A vivência familiar é descrita como harmoniosa e sem dificuldades relacionais.

60 - Declina qualquer responsabilidade em relação aos factos que lhe são imputados e assume um percurso pessoal e social integrado, sem comportamentos desviantes ou delinquentes.

61 - Localmente tem uma imagem social positiva.

62 - Em contexto prisional revela adequada adaptação, sem registo de infracções disciplinares, com adesão às actividades ocupacionais propostas.

63 - Não confessou os factos e não tem antecedentes criminais.

64 - A arguida BB tem 3 irmãos germanos e uma irmã consanguínea de novo relacionamento do progenitor, tendo a separação dos pais ocorrido já na idade adulta desta.

65 - A infância e adolescência decorreram sem problemáticas de desenvolvimento ou comportamentais, beneficiando dum contexto familiar harmonioso, com as condições básicas asseguradas.

66 - Estudou até ao 12º ano, que não concluiu, a pretexto de ter contraído matrimónio, aos 18 anos, com o arguido AA.

67 - Descreve a relação como equilibrada e harmoniosa.

68 - Trabalhou durante alguns anos em jardins de infância e posteriormente num escritório de advogados, ainda que em condições de vínculos contratuais precários, tendo interrompido o percurso profissional aquando do nascimento da filha.

69 - Trabalhou posteriormente num estabelecimento comercial, durante cerca de 3 anos, iniciando, entretanto, um negócio de tempos livres para crianças e ocupando-se também como ama.

70 - No período anterior à reclusão dedicava-se sobretudo a actividades agrícolas, nomeadamente criação de animais e confecção de queijo, possuindo também um alojamento de férias para animais de estimação.

71 - Afirma um percurso pessoal integrado sem associação a contextos sociais problemáticos ou a ocorrência de comportamentos desviantes ou delinquentes e, socialmente, não existem referências negativas ao seu comportamento e inserção.

72 - Manifesta algum antagonismo quanto aos factos que lhe são imputados.

73 - Em contexto prisional apresenta uma adequada adaptação, ocupando-se com tarefas de limpeza e manutenção e com a elaboração de trabalhos manuais.

74 - Não confessou os factos e não tem antecedentes criminais.

75 - O arguido CC é o mais velho de 3 irmãos residiu e com o núcleo familiar de origem até há cerca de seis anos, descrevendo um relacionamento adequado entre todos os elementos do agregado, que tem uma situação económica modesta.

76 - Há seis anos constituiu uma relação marital com a arguida DD, tendo o casal dois filhos, com 5 anos e 15 meses de idade, beneficiando o agregado de suporte económico dos progenitores do arguido e dos da companheira.

77 - O agregado vive num anexo da residência dos pais da companheira.

78 - Frequentou a escola até ao 6º ano de escolaridade, tendo desistido do percurso escolar para começar a trabalhar, com 16 anos, num jornal local, onde desempenha funções como impressor tipográfico, com o que auferia, à data da detenção, cerca de € 600,00 mensais, único rendimento regular do agregado.

79 - Detinha um convívio social restrito à família alargada e ao contexto profissional, sem actividades de tempos livres.

80 - Em contexto prisional frequenta a escola para obtenção do 9º ao de escolaridade e revela adequado cumprimento das regras institucionais.

81 - Não confessou os factos e não tem antecedentes criminais.

82 - A arguida DD é a terceira duma fratria de 4 duma família estruturada e coesa na dinâmica interna, mantendo ainda um relacionamento próximo com os progenitores e irmãos, que lhe têm providenciado suporte consistente durante a prisão preventiva.

83 - Frequentou a escola até aos 15 anos, tendo posteriormente realizado um curso profissional de geriatria, com equivalência ao 9º ano de escolaridade, tendo nesse contexto realizado estágios em instituições de idosos, não tendo, contudo, exercido profissionalmente essa actividade.

84 - Trabalhou, entretanto, num atelier de costura, como empregada de limpeza, e num estabelecimento comercial estando, à data da reclusão, sem actividade profissional definida, sequência da gravidez, trabalhando muito ocasionalmente como empregada de limpeza em habitações particulares.

85 - Casou há cerca de 5 anos com o arguido CC, tendo o casal 2 filhos, o mais novo dos quais nasceu alguns dias depois do início da prisão preventiva, encontrando-se o filho mais velho, de 5 anos de idade, aos cuidados dos avós maternos.

86 - O casal tem beneficiado do suporte económico e habitacional dos progenitores de ambos, face a algumas dificuldades económicas e decorrentes da instabilidade profissional.

87 - Localmente detém uma imagem social positiva, não indiciando comportamentos desviantes, nomeadamente aditivos, ainda que marcada por um convívio social restrito essencialmente à família.

88 - Em contexto prisional revela adequada adaptação, aderindo às actividades de limpeza e manutenção, não indiciando dificuldades quanto ao cumprimento das regras internas.

89 - Não confessou os factos e não tem antecedentes criminais.

90 - O arguido EE é o 3º duma fratria de 9, nascido num contexto familiar marcado por dificuldades económicas e de relacionamento, nomeadamente com o progenitor, que faleceu quando o arguido 15 anos, mantendo um relacionamento adequado com a progenitora e irmãos.

91 - O agregado emigrou para o ... quando o arguido tinha 13/14 anos de idade, ainda aí permanecendo a maioria.

92 - Frequentou a escola até ao 5º ano de escolaridade, não tendo dado seguimento ao percurso escolar no ..., possuindo apenas o ensino básico.

93 - No ..., onde permaneceu cerca de 27 anos, trabalhou, sobretudo, na área da restauração e panificação, trabalhando como empregado em padarias, restaurantes e pizarias, sempre por conta de outrem e de acordo com as oportunidades de trabalho.

94 - Regressou à Ilha ... há cerca de 6 anos, tendo entretanto trabalhado de forma indiferenciada e também durante um período de cerca de 2 anos numa empresa de limpeza, cujo contrato não lhe foi renovado.

95 - À data da reclusão não tinha trabalho regular e dependia, sobretudo, de rendimentos próprios, bem como da venda de automóveis e peças de automóvel por conta própria.

96 - Casou aos 19 anos, tendo dessa relação uma filha com 25 anos.

97 - Na ilha ... estabeleceu vários relacionamentos, tendo uma filha com cerca de 5 anos.

98 - Tem problemas de saúde do foro oncológico, tendo, em 2015, realizado uma intervenção cirúrgica.

99 - Localmente tem imagem social negativa, essencialmente pelo privilegiar dum convívio social com pares e contextos problemáticos.

100 - Em contexto prisional evidencia, no essencial, adequado cumprimento das regras internas, pese embora evidencie características de funcionamento de alguma rigidez.

101 - Não confessou os factos e não tem antecedentes criminais.

102 - A arguida FF, a mais nova de uma frataria de quatro, nasceu num contexto familiar tido como harmonioso, ainda que com modesta condição económica.

103 - O pai faleceu quando a arguida tinha cerca de 11 anos, tendo a progenitora estabelecido nova relação marital.

104 - Frequentou a escola, tendo concluído o 6º ano de escolaridade, frequência interrompida pela ocorrência duma gravidez, quando tinha 15 anos de idade.

105 - Casou quando tinha 16 anos e tem 3 filhos desta relação conjugal, com idades compreendidas entre os 12 e os 20 anos de idade.

106 - Descreve o contexto familiar como equilibrado e coeso.

107 - No campo laboral trabalhou, pontualmente, em actividades de limpeza em habitações particulares e dedica-se, essencialmente, às actividades domésticas e cuidados dos filhos.

108 - Economicamente, o agregado familiar depende do vencimento como pedreiro do marido da arguida, de carácter irregular e de acordo com as solicitações de trabalho e ainda do rendimento social de inserção e das prestações familiares num total de cerca de € 615,00 mensais.

109 - Desde há cerca de 15 anos de sofre, para além de outras, de doença de natureza oncológica.

110 - Localmente não existem referências negativas ao comportamento social e inserção da arguida, com um convívio social centrado na família constituída e no núcleo familiar de origem.

111 - Não confessou os factos e não tem antecedentes criminais.

112- O arguido GG é o mais novo de dois filhos de um casal que constituiu um contexto familiar estruturado e organizado e lhe proporcionou adequadas condições de desenvolvimento.

113 - Frequentou a escola, tendo concluindo o 9º ano de escolaridade, e frequentou um curso de profissional de técnico de informática, que não concluiu.

114 - Iniciou o percurso profissional na área da informática, mas trabalhando por curtos períodos, tendo posteriormente trabalhado em actividades de empresa do pai da companheira, na área da restauração, animação turística e desportos náuticos, que este desenvolve essencialmente na Ilha do Pico.

115 - Há cerca de seis anos estabeleceu relação de namoro com a arguida HH e vivem em união de facto desde há cerca de 3 anos.

116 - O casal reside em habitação cedida pela família do arguido, sendo as famílias de ambos a garantir algum suporte económico, face à instabilidade profissional de ambos.

117 - Em contexto prisional apresenta adequada adaptação e comportamento, integrado em actividades ocupacionais e a frequentar a escola para obtenção do 12º ano de escolaridade.

118 - Por decisão de 03.09.2008, foi condenado em pena de multa pela prática, em 25.08.2008, de um crime de condução sem habilitação legal.

119 - Não confessou os factos.

110 - A arguida HH é a mais velha de duas filhas de um casal que apresentava um seio familiar caracterizado pelo afecto e apoio entre todos os elementos do agregado, que subsistia com equilibradas condições socioeconómicas, resultantes dos rendimentos da actividade do progenitor, que geria uma colectividade do meio residencial, onde a progenitora também veio a colaborar profissionalmente.

111- Estudou até ao 11º ano após o que se dedicou à obtenção de uma especialização na área da fotografia, que concluiu em 2012.

112 - Desde então desenvolve actividade na área como freelancer e, mais recentemente, como empregada no ramo do comércio de vestuário.

113 - Sazonalmente colabora na exploração de actividades relacionadas com o turismo rural, desportos náuticos e venda ambulante de refeições que o progenitor desenvolve nos ....

114 - Actualmente trabalha também num estabelecimento de restauração.

115 - Aos dezassete anos de idade estabeleceu uma relação de namoro com o co-arguido GG, com quem passou a viver maritalmente passados quatro anos, tendo o casal ficado a morar num imóvel dos sogros.

116 - Os seus tempos livres tendem a ser passados com a família nuclear, bem como no convívio com pares do meio residencial.

117 - Tem uma ligação mais próxima com o arguido EE e não mantinha um relacionamento de proximidade com a generalidade dos restantes arguidos.

118 - Não se revê nas acusações que lhe são imputadas.

119 - Não confessou os factos e não tem antecedentes criminais.»

            1.2. Não ficou provado que:

- O arguido AA, quando a(s) encomenda(s) contendo produto estupefaciente chegava[m] à estação dos CTT onde exercia funções disso dava conhecimento ao arguido EE;

- Os arguidos CC e DD, após terem levantado/recolhido a encomenda contendo “haxixe”, a(s) entregavam ao arguido EE;

- O arguido EE era o destinatário final do produto estupefaciente contido nas encomendas recebidas pelos arguidos CC e/ou DD e que se encarregava de o vender a terceiros, obtendo vantagens pecuniárias que distribuía por todos os arguidos;

- A arguida DD recebia da arguida BB a quantia de € 50,00 por encomenda levantada contendo produto estupefaciente;

- A canábis referida no ponto 23 foi adquirida pelo arguido GG, a mando e pagamento do arguido EE;

- O Tablet apreendido à arguida DD foi adquirido com dinheiro proveniente da venda e recolha de produto estupefaciente;

- O dinheiro apreendido em casa dos arguidos AA e BB era proveniente do exercício da actividade de venda de produto estupefaciente a terceiros;

- O arguido Sérgio não tinha rendimentos conhecidos;

- O arguido GG, à data da sua detenção, se encontrava desempregado e os bens que lhe foram apreendidos foram obtidos com dinheiro que lhe adveio da actividade de cedência de produto estupefaciente a terceiros;

- O arguido EE distribuía a terceiros as substâncias estupefacientes e que distribuía com os restantes arguidos as vantagens pecuniárias que obtinha;

- Todos os valores em numerário apreendidos aos arguidos provêm da actividade do tráfico de estupefacientes;

- os equipamentos informáticos, computadores, tabletes, discos rígidos, máquinas fotográficas e de filmar, objectivas e demais equipamentos foram adquiridos pelos arguidos com dinheiro proveniente da venda e transacção de produto estupefaciente;

- com exclusão do veículo identificado no ponto 50 dos factos provados, os restantes veículos automóveis e motociclos apreendidos no âmbito destes autos foram utilizados pelos arguidos que os detinham para a actividade de tráfico de estupefacientes e foram adquiridos com as vantagens que obtiveram com a venda a terceiros de tais substâncias;

- os arguidos EE, FF, GG e HH sabiam que o arguido AA

se utilizava da sua qualidade de funcionário dos CTT para controlar a chegada, recepção e entrega/levantamento das encomendas contendo canabis que eram remetidas do continente português.

            Não se provaram quaisquer outros factos.»

            2. Motivação:

«A convicção do tribunal resulta da apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com os restantes elementos de prova existentes nos autos, tudo apreciado à luz das regras de experiência comum.

Todos os arguidos optaram por não prestar declarações.

Da prova produzida concluiu o tribunal que a versão dos factos constantes na acusação não se provou na íntegra.

De facto, da acusação consta que todos os arguidos actuavam em conjugação de esforços e de intenções, de acordo com plano entre todos estabelecido, sendo o arguido EE o elemento central e dirigente desta actividade.

Contudo, o tribunal deu como provada a actuação conjunta de dois grupos de pessoas distintas, actuando cada um destes grupos autonomamente e de acordo com um plano previamente estabelecido.

Assim, temos um primeiro grupo constituídos pelos arguidos AA, BB, CC, DD e GG e um segundo grupo constituído pelos arguidos EE, FF, GG e HH.

No que respeita ao primeiro grupo de pessoas referido, ele resulta evidente dos contactos telefónicos estabelecidos entre os arguidos AA e BB (casados um com o outro), entre esta e a arguida DD e entre esta e o arguido CC, seu companheiro – vd. todo o Apenso I, onde se encontram as transcrições das intercepções telefónicas efectuadas a estes arguidos -, sendo o arguido GG o elemento exterior que remete a canabis de Lisboa para esta ilha.

Como resulta dos autos, as intercepções telefónicas ao arguido AA tiveram início no decurso do mês de Julho de 2015 e desde logo nos apercebemos que os arguidos AA e BB esperam encomendas – como expressamente é referido pela arguida BB (vd. fls. 49 do apenso I - que chegarão via CTT as quais serão levantadas/entregues a alguém que terá de estar disponível às indicações do arguido AA que, por ser funcionário dos CTT na estação onde a encomenda chegará, pode verificar/controlar a chegada e determinar a maneira de actuação do destinatário, ou seja, esperar pela entrega ou deslocar-se à estação dos CTT e solicitar a entrega – vd. fls. 5, 8 a 10, 16, 46, entre outras do Ap. I.

Por outro lado, dessas mesmas escutas se verifica que estes arguidos rodeiam a sua actuação de especiais cuidados, quer no exterior das instalações, nas ruas/estradas, verificando se está a acontecer algum controlo policial (operação stop) – vd. afirmação da arguida BB na transcrição de fls. 10 e do arguido AA a fls. 11 e 13 -, quer no interior das instalações, através do arguido AA – vd. fls. 15 e 16 -, verificando/controlando se alguma encomenda é recolhida/descoberta pelas autoridades policiais ou em que momento é preparada para ser entregue ao destinatário – vd. fls. 18.

Toda esta actividade do arguido AA tem por finalidade a não detecção pelas autoridades policiais das encomendas contendo substâncias estupefacientes – vd. fls. 10, 11, 13, 15, 16.

Verifica-se também de tais intercepções telefónicas que, em regra, há sempre mais de uma encomenda remetida de cada vez – fls. 6, 15, 52 – o que é por alguma forma confirmado com a apreensão de três encomendas em 07.09.2015.

A actuação em conjunto destes arguidos resulta também da conjugação dos contactos telefónicos entre eles estabelecidos – sendo que o arguido António apenas contactava com a arguida BB e era esta quem contactava com a arguida DD, que também contactava com o seu companheiro, o arguido CC – nomeadamente aquando da chegada de alguma encomenda, tal como se verifica a fls. 15, 75, 77, 79, 87 e 19, relacionado com encomenda(s) chegada(s) em 13.08.2015, de fls. 43, 135, 173, relativa a encomenda de 04.09.2015, e de fls. 44, 46, 139, 141, 137, 48, entre outras, relativa às encomendas apreendidas em 07.09.2015.

A este propósito são muito explícitas as conversas estabelecida entre os arguidos AA e BB, transcritas a fls. 48 e 54 a 56 e entre as arguidas BB e DD transcritas a fls. 147 a 150, onde se verifica que as indicações de actuação dadas pelo arguido AA são transmitidas à arguida DD através da arguida BB.

O derradeiro elemento deste grupo é o arguido GG que tinha como função obter/ remeter, de Lisboa, encomendas contendo canabis

Tal como resulta do relatório do exame pericial que se encontra a fls. 2411 e seg.s, foi determinado como “muitíssimo provável”, ou seja, com uma probabilidade que se aproxima da certeza, que foi este arguido quem remeteu as três encomendas contendo canabis apreendidas em 07.09.2015, razão pela qual deu o tribunal tal facto como provado.

Estas encomendas eram recebidas/levantadas pela arguida DD e pelo arguido CC, segundo as indicações fornecidas pelo arguido AA – vd. fls. 15, 19 - que procedia ao controlo da chegada de tais encomendas à estação dos CTT onde trabalhava.

Este controlo por parte deste arguido, pese embora não estivesse encarregue desse tipo de serviço, era-lhe perfeitamente acessível, como explicitou a testemunha JJ, responsável pelo centro de distribuição postal de .., que referiu a este propósito que a mala postal é aberta numa sala comum, onde se efectua a separação do correio, a fim de distribuir por cada um dos carteiros e/ou outros funcionários encarregues de outros serviço, nomeadamente encomendas. Só depois de cada funcionário ter na sua posse as cartas/encomendas de que está incumbido de fazer chegar ao destino final, é que efectua, isoladamente, a preparação da distribuição. Até esse momento tudo é feito em conjunto.

Disse ainda esta testemunha que, a partir do ano de 2015, começou a ouvir alguns comentários, quer de colegas de trabalho, quer de pessoas estranhas aos serviços, que o arguido AA estaria relacionado com o tráfico de substâncias estupefacientes, nomeadamente por ele mexer em encomendas/volumes chegados para distribuir, as quais eram destinadas a terceiras pessoas, sendo certo que não fazia parte das suas funções.

Disse ter chegado a confrontar o arguido em algumas dessas ocasiões, para as quais apresentava explicações que a testemunha foi aceitando.

O controlo das encomendas, até à chegada à estação dos CTT em .., era feito através do sistema público disponibilizado pelos CTT, via internet.

Contudo, para que pudesse ser feito por tal forma, era necessário ter o número de registo de cada uma das encomendas. Tal informação só poderia ter origem no expedidor – o arguido GG – que, directamente ou através de terceira pessoa, o que não foi apurado, a fazia chegar aos arguidos AA, BB ou DD – vd. fls. 37, onde a arguida BB refere que terá o número no “histórico” do telefone mas, confirmando depois que o não tem, tal número é-lhe fornecido pelo arguido AA (vd. fls. 41), ou as instruções da arguida BB à arguida DD, na sequência da apreensão de uma das encomendas, para que esta apagasse tudo do histórico, o que indicia que também ela teria acesso a tais números (vd. fls. 141).

O modo como estes arguidos obtinham o número de registo de cada uma das encomendas não foi apurado. Porém, certo é que eles os obtinham.

A actividade desenvolvida por este grupo de arguidos foi interrompida a 07.09.2015 com a intercepção/apreensão de 3 encomendas, cuja chegada foi avisada à arguida DD pela arguida BB – vd. fls. 133 – mas que de facto, chegaram mais tarde.

Na posse do número de registo de uma das encomendas e tendo-se verificado que o seu destinatário era o arguido CC, com residência em casa dos pais deste, foi montado dispositivo tendo em vista a sua apreensão e detenção dos arguidos, factos que foram relatados pelas testemunhas LL, MM, NN e OO, todos inspectores da polícia judiciária que participaram na detenção dos arguidos CC e DD, quando estes foram buscar a encomenda a casa dos pais daquele e, posteriormente, à apreensão das outras duas encomenda remetidas pelo arguido GG, as quais ainda se encontravam na estação dos CTT.

Os arguidos AA e BB, nas declarações que prestaram aquando do primeiro interrogatório judicial, negaram a prática dos factos.

Contudo, a reacção destes arguidos nos contactos telefónicos que estabeleceram um com o outro quando se aperceberam que uma das encomendas tinha sido descoberta, é de tal modo elucidativo que dispensa qualquer comentário. Basta ler as transcrições de fls. 44 a 73 onde se verifica ter o arguido AA referido à arguida BB o modo como esta e a arguida DD deveriam reagir perante as autoridades policiais; a tentativa de substituição do conteúdo da encomenda por embalagens de produtos de higiene pessoal; o receio de serem denunciados pela arguida DD quando o arguido AA verificou que esta se encontrava detida nas instalações da polícia judiciária, sitas junto às da GNR.

O arguido CC, que negou qualquer envolvimento nos factos que lhe são imputados aquando do primeiro interrogatório judicial, confirmou que a encomenda apreendida lhe vinha endereçada mas que o seu destinatário final era a arguida BB, que tinha combinado tudo com a arguida DD, nomeadamente o destinatário e a morada, porque havia sempre alguém lá em casa. Esclareceu este arguido que no dia em que a encomenda foi apreendida, a sua irmã, residente na morada de destino, lhe telefonou a avisar que tinha sido entregue uma encomenda, pelo que combinou com a DD irem lá buscá-la, tendo tomado algumas precauções, face aos avisos da arguida BB que alguma coisa poderia não estar bem. Disse ainda o arguido que desconhecia o conteúdo da (s) encomenda(s), afirmação que não mereceu credibilidade, quer pelas afirmações da arguida DD, que disse que “para o fim” começou a suspeitar que algo não estava bem face ao número de encomendas recebidas ao longo de várias semanas, quer ainda porque, se fosse um favor feito por um amigo a outro, não havia razão para o arguido CC pagar à irmã por tal favor, para além de sentir necessidade de justificar/explicar o conteúdo das encomendas – vd. fls. 145.

Assim, face a este conjunto de elementos, para além de outros não referidos mas como o facto do arguido AA estar na posse do registo de uma das encomendas remetidas para o arguido CC, pessoa com quem não se relacionava e com quem não falava, segundo referiu no seu interrogatório judicial, dúvidas não teve o tribunal em dar como provados os factos relativos à actuação deste conjunto de arguidos.

No que respeita ao segundo grupo de arguidos temos uma actuação muito semelhante à dos referidos anteriormente.

De facto, o arguido EE obtinha nomes e moradas para onde os arguidos GG e HH deveriam remeter as encomendas contendo substâncias estupefacientes, nomeadamente canabis.

As encomendas eram remetidas, recebidas e assim a substância estupefaciente chegava a esta ilha, mais concretamente ao arguido EE.

Como se verifica pela fotografia de fls. 19 do apenso III, a arguida HH remeteu de Lisboa uma encomenda com destino à arguida FF.

Que foi a arguida HH quem remeteu a encomenda não suscita quaisquer dúvidas face às conclusões do já referido exame pericial de fls. 2411 – muito provável ter sido esta arguida quem manuscreveu as etiquetas onde constavam os nomes e moradas do remetente e o destinatário, sendo a etiqueta de “boas festas” manuscrita pelo seu companheiro, o arguido Bruno.

E também não há dúvidas que esta identificação e residência do destinatário foi sugerida e fornecida pela arguida FF, como resulta da transcrição da intercepção telefónica que se encontra a fls. 48 – “Metes ... lá fora” –, 46 e 58 (a morada … é ...) do apenso II, sendo que o envio desta encomenda foi previamente acordado entre todos os arguidos, especialmente os arguidos EE e GG – vd. transcrição de fls. 40 e 42 do apenso II.

Face às informações recolhidas através das intercepções telefónicas foi possível identificar/localizar a encomenda remetida em 17.12.2015, com o registo ... que, depois de aberta, se verificou que tinha canabis no seu interior – vd. fotografias de fls. 19 a 27, do apenso III.

Esclareceu a já referida testemunha NN que a encomenda foi recolocada no circuito a fim de que fosse levantada pela destinatária, a arguida FF, o que não chegou a acontecer.

De facto, como resulta das várias e longas conversas havidas entre os arguidos EE e FF – vd. transcrições de fls. 1232 a 1236, 1239 a 1260 – esta tinha receio de levantar a encomenda por temer que tivesse sido descoberto seu conteúdo, tendo mesmo telefonado para o serviço de atendimento cliente dos CTT Expresso para tentar saber do conteúdo da encomenda ou tentar aperceber-se se algo de errado se estava a passar, nomeadamente a intervenção das autoridades policiais – vd. transcrições de fls. 1262 a 1268 – após o que se deslocou à estação dos CTT onde, disse ao arguido Sérgio, identificou agentes policiais, pelo que abandonou o local, recusando-se a levantar a encomenda – vd. transcrições de fls. 1275 a 1292 e impresso dos CTT, assinado pela arguida, a fls. 43, do apenso III.

No que respeita à encomenda apreendida que foi remetida para casa de RR, há que atentar que a morada desta foi fornecida pelo arguido OO ao arguido GG, tendo também sido combinado o envio de uma outra encomenda para casa do arguido EE e ainda uma terceira, bem como a quantidade de “placas” que deveria conter cada uma de tais encomendas – vd. fls. transcrição de fls. 1305 a 1307.

Como resulta da já referida perícia laboratorial, foi o arguido GG quem manuscreveu os remetentes e destinatários de tais encomendas.

Resulta manifesto das transcrições das intercepções telefónicas que o arguido GG adquiria a canabis e que o arguido EE lhe pagava tais aquisições acrescida de um valor, não apurado, para pagamento do “serviço” prestado – vd. transcrições de fls. 1308 a 1323 e de 1514 a 1523 -, sendo que, por vezes, o arguido GG adiantava, pelo menos, parte do dinheiro.

Os pagamentos eram efectuados, essencialmente – ocorreu uma situação em que o arguido EE efectuou o pagamento da prestação de serviços da NOS ao arguido GG (apenso II, fls. 54) -, através de depósitos em numerário efectuados nas contas bancárias de que os arguidos GG e HH eram titulares – vd. transcrições de fls. 1510 e 1512 e extractos das contas bancárias destes dois arguidos, de fls. 1579 a 1631 e 1660 a 1667 - para além de outras pessoas, como SS.   

Da análise do extracto da conta dos arguidos GG e HH no Banco ..., verifica-se que, ao longo de todo o ano de 2013, foram efectuados depósitos em numerário de valores que oscilavam entre os € 1.300,00 e os € 9.000, ou seja, quantias relativamente avultadas para a movimentação “normal” da conta, sendo que, se não no mesmo dia, nos dois ou três dias seguintes, eram efectuados levantamentos, também em numerário, de valores iguais ou idênticos aos dos depósitos.

 A partir do ano de 2014 continua a verificar-se a existência de muitos depósitos em numerário, esporadicamente de valores da mesma grandeza referida mas agora, em regra, de valores muito inferiores, a oscilarem entre os € 250,00 e os € 700,00, se bem que, por vezes, efectuados mais do que um no mesmo dia, ou em dias seguidos, sendo depois seguidos de levantamentos vários, alguns no mesmo dia, sempre efectuados em caixas ATM, se bem que, por vezes, com dois cartões de acesso a tais equipamentos.

Como resulta dos talões de depósito apreendidos ao arguido EE – vd. fls. 1075 – foram efectuados dois depósitos na conta bancária de que os arguidos GG e HH são titulares no Banco ..., um no dia 14.01.2016, no valor de € 500,00 e outro no dia 20, do mesmo mês, no valor de € 250,00. Estes valores, como resulta extracto de fls. 1631, foram levantados da conta, pela totalidade, logo no mesmo dia, ou no dia seguinte, em máquinas ATM.

Também no dia 14.01.2016, o arguido EE efectuou um depósito em numerário, no valor de € 500,00, na conta de que o arguido GG é titular no ..., que, nesse mesmo dia, foi levantado, tendo ocorrido situação semelhante no dia 15.01.2016 – fls. 1076 e 1667.

O mesmo se diga relativamente ao depósito efectuado pelo arguido EE, em 14.01.2016, no valor de € 500,00, na conta de SS – vd. fls. 1077 e 1659.

Para além dos elementos já referidos, teve ainda o tribunal em consideração na formação da sua convicção o documento de fls. 244, as fotografias de fls. 249 a 259, 275 a 291, 1030 a 1034, 1481 a 1483, 1558 e, do apenso III, fls. 19 a 27, os relatórios dos exames periciais de fls. 1161 e 2174, relativamente à natureza das substâncias estupefacientes, os autos de busca e apreensão de fls. 248, 271, 274, 297, 326, 1027, 1041, 1073, os certificados de registo criminal de fls. 2896 a 2905 e os relatórios sociais de fls. 3003, 3007, 3010, 3020, 3023, 3026, 3030 e 3204

A versão apresentada pela acusação, como já se referiu, é no sentido que todos os arguidos actuavam em conjunto, sendo o arguido EE a figura central.

Pese embora a existência de alguns indícios nesse sentido - como seja o arguido GG, que enviou encomendas para os dois conjuntos de pessoas, aparentemente sem relação entre si; o arguido AA tinha na sua posse, quando foi detido, o número de registo de uma das encomendas, na certeza que apenas do arguido GG poderia vir tal informação; entre este arguido e a sua companheira HH existia, com o arguido EE, um relacionamento especial/privilegiado, que vai para além da mera actividade de tráfico de substâncias estupefacientes como resulta das conversas havidas entre os arguidos EE e GG, e a arguida HH esta refere no relatório social de fls. 3205; o arguido AA tinha o número de telefone do arguido EE e este, aquando da detenção da arguida BB, ligou-lhe várias vezes para o telemóvel – certo é que não se provaram factos concludentes nesse sentido.

De facto, é fácil verificar que o arguido EE actua de forma muito cuidada, evitando falar ao telefone; utilizando vários destes aparelhos; chamando frequentemente à atenção a arguida FF para que não tenha determinado tipo de conversas, eventualmente comprometedoras, ao telefone; pedindo ao arguido GG para falar “do outro” telefone; raramente recebendo encomendas com estupefacientes na sua residência; não procedendo à sua venda directa a consumidores mas apenas através de terceiros; os cuidados tidos na forma de pagamento, para além do mais.

Este modo de actuar acarreta como consequência, tendo em conta a forma como a investigação se desenvolveu, a quase impossibilidade de conseguir uma prova segura nesse sentido, razão pela qual foram tais factos foram dados como não provados.

Também não foi feita qualquer prova que os arguidos EE, FF, GG e HH tinham conhecimento que o arguido AA se utilizava das funções que exercia na estação dos CTT para controlar a chegada, recepção e entrega das encomendas remetidas de Lisboa.

Também não foi dado como provado que a generalidade dos bens apreendidos aos arguidos foram por estes adquiridos com os proventos obtidos com o tráfico de estupefacientes.

Na realidade, a acusação circunscreve a actuação dos arguidos desde meados de Agosto de 2015 até às datas das suas detenções. Pese embora existam algumas referências, nomeadamente no que respeita aos arguido EE, GG e HH que as suas actuações sejam anteriores a tal data, certo é que o Tribunal, para além de delimitado pelo objecto do processo, não pode extrapolar eventuais proventos, que são ignorados, para além das referidas datas.

Atentas as regras de experiência, para além da ausência de qualquer prova nesse sentido, não é crível que os arguidos, nestes períodos considerados – Agosto a Setembro de 2015 para os arguidos AA, BB, CC, DD e GG e Dezembro 2015/Janeiro 2016 para os arguidos EE, FF, GG e HH, ou mesmo considerando a totalidade do período de tempo compreendido entre Agosto de 2015 e Janeiro de 2016 -, tenham conseguido obter vantagens que lhes tenham permitido a aquisição de todos os bens apreendidos, para além que foi feita prova que, pelo menos alguns deles, foram adquiridos em período anterior.»

            3. Questão prévia:

  Inadmissibilidade do recurso interposto pelo arguido AA

      Suscita o Ministério Público neste Supremo Tribunal a questão da inadmissibilidade do recurso interposto pelo arguido António Mourão da Silva Santos, nos termos do disposto no artigo 400.º, alínea f), do CPP.

            Assiste razão ao Ministério Público.

           De facto, este arguido foi condenado em 1.ª instância na pena de 8 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado.

           O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso que o mesmo arguido interpôs, tendo confirmado integralmente a decisão da 1.ª instância.

  Revisitando considerações que se teceram nos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 21-06-2017, e de 27-09-2017, proferidos no processo n.º 585/15.7PALGS.E1.S1 – 3.ª Secção[4], no processo n.º 52/14.6TACBT.G1.S1 – 3.ª Secção[5], respectivamente, e nos recentes acórdãos de 07-02-2018, proferido no processo n.º 66/12.0PAETZ.E2.S2 – 3.ª Secção[6], e de 2-05-2018, proferido no processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1 – 3.ª Secção (inédito), relatados pelo agora relator, a pena aplicada ao recorrente é de medida não superior a 8 anos de prisão.

O artigo 400.º do CPP, regendo sobre as «Decisões que não admitem recurso», na redacção actual, conferida pela Lei n.º 20/2013, dispõe no seu n.º 1, alínea f), que não admitem recurso as decisões «de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

No caso presente, verifica-se que a condenação do arguido na pena de 8 anos de prisão decretada na decisão proferida na 1.ª instância foi integralmente confirmada no acórdão da Relação de que se recorre – dupla conforme –, pelo que é insusceptível de recurso em conformidade com o disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), a contrario, e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP.

O instituto da «dupla conforme» radica, como se sabe, na constatação de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito.

Cumprindo dizer que esta solução da irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1.ª instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República.

O direito ao recurso foi expressamente incluído pela Lei Constitucional n.º 1/97 como uma das garantias de defesa em processo criminal. Assim, como notam J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, explicita-se que «em matéria penal, o direito de defesa pressupões a existência de um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas. Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto»[7] .

Por via de regra, o direito ao recurso não exige o seu exercício em mais de um grau, e é decidido por um tribunal superior àquele de que se recorre, constituindo jurisprudência firme e reiterado do Tribunal Constitucional não considerar inconstitucional a circunstância de haver dupla conforme depois de ter havido redução da pena num acórdão da relação, nos termos do art. 400.° n.º 1, alínea f), do CPP e, por isso, não poder haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em terceiro grau de jurisdição em matéria penal - Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 2/06, de 13.1.2001, n.º 20/2007, de 17.01.2007, e n.º 645/2009 de 15.12.2009.

A este propósito, pode ler-se no acórdão n.º 64/2006 do Tribunal Constitucional[8]:

«Como repetidamente o Tribunal tem afirmado, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal. Não se pode, portanto, tratar a questão de constitucionalidade agora em causa na perspectiva de procurar justificação para uma limitação introduzida pelo direito ordinário a um direito de recurso constitucionalmente tutelado.

A norma que constitui o objecto do presente recurso, e que define, nos termos expostos, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, releva, assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador.

Como se afirmou no acórdão n.º 640/2004, não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada.

A norma em apreciação não viola, pois, qualquer direito constitucional ao recurso ou qualquer regra de proporcionalidade.»

Decidindo-se:

«[…] Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1ª Instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite»

Também no acórdão n.º 645/2009 o Tribunal Constitucional decidiu:

«[…] Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.»

            Na mesma linha, o acórdão n.º 659/2011 decidiu:

            «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirma a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão».

 Este último acórdão merece especial destaque no caso sub judice em que o recorrente suscita também questões de nulidade do acórdão do Tribunal da Relação – acórdão recorrido.

            Lê-se naquele acórdão do Tribunal Constitucional:

           

 «Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1." instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. (…) Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379º nº 2, e 414°, n.º 4, do Código de Processo Penal).

            Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.° n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objecto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

    Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

  Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objecto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.

    O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objecto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controlo, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.

    Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos.

   Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objecto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32. °, n.º 1, da Constituição».

  A decisão sumária n.º 114/2014, (proferida no âmbito do processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1 desta 3.ª Secção), transpondo as razões expostas no acórdão n.º 659/2011, decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação ao qual seja imputada uma nulidade».

  O Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 290/2014, indeferiu a reclamação para a conferência então deduzida, tendo-se considerado que:   

    «Ainda na vigência de redacção anterior à reforma de 2007, o Acórdão n.º 390/2004 (que se encontra disponível in www.tribunalconstitucional.pt.), teve oportunidade de, a propósito da alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, decidir no seguinte sentido:

    “Sendo assim, não decorre forçosamente da garantia constitucional de um duplo grau de jurisdição que haja de ser sempre admissível o recurso para o tribunal superior nos casos em que o tribunal de recurso se pronuncie, pela primeira vez, sobre questões que influam na decisão da causa (ressalvando-se o recurso de constitucionalidade para o órgão jurisdicional específico não enquadrado na hierarquia dos tribunais) ou nos de, ao proferir a decisão, incorrer na violação de lei processual ou procedimental que seja sancionada com o estigma da nulidade.

    Nada impõe que se leve a autonomização da questão da nulidade da decisão em relação à questão de fundo tão longe que seja constitucionalmente exigível a existência de um 2º grau de jurisdição especificamente para esta questão, considerando o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal por via de recurso, a possibilidade de arguir as nulidades perante o órgão que proferiu a decisão, quando aquele recurso não existir, e, como no presente caso, a existência de duas decisões concordantes em sentido condenatório (o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

    É claro que o legislador poderia, na sua discricionariedade legislativa, admitir esse recurso, mesmo nas hipóteses em que o fundamento deste resida na arguição de nulidades processuais, assim ampliando o âmbito material do direito de recurso, mas a sua inadmissibilidade não será constitucionalmente intolerável.

    Nesta perspectiva, poder-se-á dizer que, em caso de recurso relativo a decisão condenatória, seja com fundamento em nulidades processuais, seja com fundamento em erros de julgamento atinentes ao fundo da causa, o seu objecto apelante de um terceiro grau de jurisdição será sempre o acórdão condenatório em si próprio. É certo que, quando o fundamento do recurso se consubstancie em uma causa de nulidade do acórdão condenatório, não poderá afirmar-se ter sido exercida a garantia do duplo grau de jurisdição por uma forma definitiva. Mas uma tal situação apenas demanda, numa perspectiva de garantia constitucional do acesso aos tribunais que o recorrente convoca (art.º 20º da CRP), que esse mesmo grau de jurisdição se possa (deva) pronunciar de modo formalmente válido sobre o objecto do recurso. Nesta perspectiva ganha todo o sentido a possibilidade de o tribunal recorrido poder suprir as nulidades e de o tribunal ad quem apenas conhecer delas quando, sendo admissível o recurso, aquele o não tenha feito ou não as haja atendido (art.º 379º, n.º 2, e 414º, n.º 4, do CPP; cf., no domínio do processo civil, o art.º 668º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Deste modo, a apreciação de nulidades de acórdão condenatório não postula a necessidade de existência de mais um grau de recurso. A reclamação perante o órgão jurisdicional que exerce o segundo grau de jurisdição configura-se, assim, como um instrumento jurídico adequado de garantir o acesso aos tribunais, na sua dimensão de direito a obter uma decisão formalmente válida, que é a dimensão que o recorrente aqui questiona.

 Aliás, admitindo-se a constitucionalidade das normas que prevêem a existência apenas de um duplo grau de jurisdição, mesmo quando está em causa a “bondade” do julgamento efectuado, maiores razões existem para não se terem por desconformes com a Lei Fundamental aquelas disposições que limitam o recurso ao mesmo segundo grau de jurisdição em caso de existência de nulidades da decisão, que advêm essencialmente da violação de regras processuais ou procedimentais, quando está aí garantido o direito de reclamação para apreciação dessas nulidades para o órgão jurisdicional que exerceu o último grau de jurisdição”».

   Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 25-02-2015, proferido no processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1 – 3.ª Secção, onde se referencia extensa jurisprudência sobre este tópico, «o regime resultante da actual redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão».

           O princípio da dupla conforme, impeditivo de um terceiro grau de jurisdição e segundo grau de recurso, que não pode ser encarado como excepção ao princípio do direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, «é assegurado – afirma-se no mesmo acórdão – através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais».

   

            Nesta conformidade, como justamente se decidiu no acórdão do STJ de 11-04-2012, proferido no Processo n.º 3989/07.5TDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção, «estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam».

A admissibilidade ou não de determinado recurso é questão prévia ao conhecimento do mesmo já que só pode conhecer-se de qualquer recurso depois de ser admitido no tribunal a quo e o tribunal ad quem considerar que essa admissão é válida.

Na verdade, como se dá conta no acórdão do STJ, de 27-04-2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 – 3.ª Secção, «sendo o recurso inadmissível, tudo se passa como se não tivesse sido admitido, apesar de ter sido admitido na 1.ª instância e nessa medida, se o acórdão se prefigura irrecorrível na parte criminal, óbvio é, que das questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá o STJ conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal».

No mesmo sentido, pode citar-se o acórdão de 26-06-2014, proferido no processo n.º 160/11.5JAPRT.C1.S1 - 5.ª Secção, constando do respectivo sumário[9]:

«I - Nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, não há recurso para o STJ sempre que o acórdão da Relação confirme o acórdão de 1.ª instância proferido no âmbito do mesmo processo e sempre que a pena aplicada na Relação não exceda os 8 anos de prisão.

II - Para saber da admissibilidade (ou não) do recurso deverá analisar-se individualmente as penas parcelares, fazendo uma clara separação entre o momento da determinação da pena em relação a cada crime, e o momento da determinação da sanção em relação ao concurso. Esta separação é permitida pela lei no âmbito do regime do conhecimento superveniente do concurso já depois do trânsito em julgado (parcial) das penas parcelares (cf. art. 78.º n.º 2 do CP e art. 472.º do CPP) - o nosso CP permite-nos perceber que a determinação da pena do concurso de crimes constitui um ponto a decidir distinto e autónomo dos outros. Também o momento de determinação da culpabilidade é distinto do momento de determinação da sanção - em sede de sentença o CPP assim o distinguiu (veja-se os arts. 368.º e 369.º do CPP); e também se admite que haja caso julgado parcial relativamente a cada uma das penas que estejam fixadas na sentença - cf. art. 403.º, n.º 2, al. f), onde se admite a possibilidade de limitação do recurso a uma parte da decisão, considerando como sendo “autónoma, nomeadamente, a parte da decisão que se referir: (...) f) dentro da questão da determinação da sanção, a cada uma das penas ou medidas de segurança”. É assim admissível que se considere haver caso julgado relativamente aos crimes e penas parcelares correspondentes, independentemente do caso julgado relativo à determinação da pena em sede de concurso de crimes (sublinhado agora).

III- Toda a decisão referente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, incluindo questões conexas como a violação do princípio in dubio pro reo, invalidade das provas, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violação do n.º 2 do art. 30.º do CP, qualificação jurídica dos factos, consumpção entre os crimes em concurso, violação do princípio da proibição da dupla valoração, reincidência e medida das penas parcelares, já conhecidas pela Relação, não são susceptíveis de recurso para o STJ, por força dos arts. 400.º, n.º 1, als. c) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.»

Como também se decidiu no acórdão de 25-06-2015, proferido no processo n.º 814/12.9JACBR.S1 - 5.ª Secção[10]:

«Tem sido jurisprudência constante deste STJ, de que se comunga, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do art. 379.° do CPP».

No mesmo sentido, referência também para o acórdão de 13-01-2016, proferido no processo n.º 174/11.5GDGDM.L1.S1 – 3.ª Secção, que o ora relator subscreveu como adjunto, em cujo sumário se pode ler:

«[…]

III - Atento o disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, em caso de concurso de crimes ou das questões que lhes respeitem só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida. Atentas as molduras penais das penas parcelares aplicadas, a irrecorribilidade da decisão decorre também do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, nos termos do qual não é admissível recurso de acórdãos condenatórios, proferidos em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, tendo em atenção que as penas de prisão parcelares aplicadas na Relação não excedem 5 anos e foram proferidas em recurso não é admissível recurso para o STJ dessa decisão.

IV - Tal vale também para as situações, como é o caso, em que são arguidas proibições de prova, decorrente de valoração de prova produzida em eventual violação do direito ao silêncio do recorrente. Apesar do STJ reiteradamente afirmar que o eventual uso de um método proibido de prova é uma questão de direito de que deve tomar conhecimento, ainda que em última análise se reporte à fixação da matéria de facto, já que podem estar em causa direitos, liberdades e garantias essenciais para o cidadão, logo condiciona essa apreciação à recorribilidade da decisão final do processo onde se verificou a situação: se a decisão final for irrecorrível, o respectivo trânsito em julgado só permite avaliar essa questão nos estritos pressupostos e limites do recurso extraordinário de revisão. Pelo que é inadmissível o recurso na parte relativa à apreciação da alegada valoração de prova proibida, sendo de rejeitar, nos termos dos arts. 432.º, n.º 1, al. b), 400.º, n.º 1, als. e) e f) e 420.º, n.º 1, al. b), ex vi art. 414.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP, ficando o recurso circunscrito à medida concreta da pena única aplicada aos arguidos, superior a 8 anos de prisão».

Referencie-se igualmente o acórdão de 04-05-2016, proferido no processo n.º 1101/12.8TDPRT. P1. S1 – 3.ª Secção, extraindo-se do respectivo sumário:

 

«I - De acordo com o preceituado no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção introduzida pela Lei 48/07, de 29-08, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, o que significa, como este STJ vem entendendo, de forma constante e pacífica, só ser admissível recurso de decisão confirmatória da relação no caso de a pena aplica...r superior a 8 anos de prisão, que estejam em causa penas parcelares ou singulares quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo.

II - Pelo que, no que concerne aos crimes de corrupção e respectivas penas parcelares aplicadas ao arguido X estamos perante decisão condenatória de 1.ª instância confirmada pelo tribunal da relação, sendo estas penas não superiores a 8 anos de prisão, motivo pelo qual a decisão é impugnada no que respeita àquelas penas parcelares aplicadas ao arguido X.

III - Estando o STJ impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação por aqueles dois crimes, está também impedido de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por tais crimes, tendo o acórdão recorrido quanto aos mesmos transitado em julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão. De outra forma estar-se-ia a violar o princípio non bis in idem (art. 29.º, n.º 5, da CRP).»

            Bem como o acórdão de 16-06-2016, proferido no processo n.º 200/08.5PAESP-A.P1.S1 – 3.ª Secção, nos termos do qual, «[t]endo o tribunal de 1.ª instância condenado o recorrente em quatro penas parcelares não superiores a 8 anos, penas estas inteiramente confirmadas pelo tribunal da relação, é patente a inadmissibilidade do recurso relativamente às mesmas e questões subjacentes a elas. Sendo o acórdão recorrido, irrecorrível na parte criminal, óbvio é que das questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, enfim das questões referentes às razões de facto e de direito da condenação em termos penais, não poderá o STJ conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do STJ».

Resulta do exposto, constituindo este o entendimento sedimentado no Supremo Tribunal de Justiça, que estão subtraídas ao conhecimento deste Tribunal, nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP, todas as questões relativas ao crime de tráfico de estupefacientes por cuja prática foi o arguido, ora recorrente, condenado, e respectiva pena aplicada, não superiores a 8 anos, sendo que se verifica, quanto a ela uma situação de «dupla conforme» condenatória.

           

Irrecorrível o acórdão da Relação na parte em que confirma as pena aplicada por tal crime, ficarão de fora do recurso interposto quaisquer questões a eles relativas.

Abrangido pela irrecorribilidade, igualmente fica também prejudicado o conhecimento das alegadas omissão de pronúncia, da «ausência de fundamentação», da nulidade das intercepções telefónicas, da nulidade da acusação e da decisão condenatória, da «violação flagrante do princípio da livre apreciação da prova».

A restrição assinalada quanto à impossibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça conhecer da medida da pena parcelar aplicada quando se está perante penas de prisão não superior a 8 anos e foi confirmada em recurso pelo Tribunal da Relação vale igualmente para as situações em que são arguidos vícios consubstanciados em erro de julgamento da matéria de facto provada, relativos à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou ao erro notório na apreciação da prova, previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP.

Efectivamente, é entendimento uniforme que «o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista», sendo «inadmissível o recurso do arguido no segmento em que visa o reexame da matéria de facto sob a alegação de que a prova foi incorrectamente apreciada e que o acórdão da relação enferma de vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e do erro notória na apreciação da prova» - acórdão de 04-07-2013 (Proc. n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1 – 3.ª Secção), convocado no acórdão de 25-03-2015, proferido no processo n.º 244/10.7JAAVR.C1.S1 – 3.ª Secção, citando-se ainda os acórdãos de 05-12-2012, processo n.º 704/10.0PVLSB.L1.S1 – 3.ª Secção, e de 06-02-2013, proc. n.º 593/09.7TBBGC.P1.S1 - 3.ª Secção.

Sendo o recurso interposto pelo arguido António Mourão da Silva Santos inadmissível, obviamente que tudo se passa como se não tivesse sido admitido.

E, apesar de ter sido admitido irrestritamente no Tribunal da Relação – tribunal a quo – a respectiva decisão não vincula, como estabelece o artigo 414.º, n.º 3, do CPP, o tribunal superior.

Em conclusão:

Em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP, não é admissível o recurso interposto pelo arguido quanto às questões referentes ao crime de tráfico de estupefacientes agravado por cuja prática foi condenado em pena de prisão não superior a oito anos, pelo que é rejeitado por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto nos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP.

4. Recurso do arguido GG

4.1. Admissibilidade

O arguido GG foi condenado em 1.ª instância pela prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C anexa ao referido diploma legal, nas penas parcelares de 6 anos e 9 meses de prisão e de 5 anos e 3 meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi-lhe ali fixada a pena única de 9 anos de prisão.

O Tribunal da Relação, no âmbito do recurso para aí interposto pelo arguido, revogou aquela decisão e condenou-o pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 8 anos de prisão.

Tendo presentes as considerações que se teceram no exame da questão da inadmissibilidade do recurso do arguido AA e do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, poder-se-ia considerar igualmente inadmissível o recurso interposto pelo arguido GG tendo em conta que a pena aplicada pela Relação não é superior a 8 anos de prisão se se entendesse que a decisão sob recurso é confirmatória – dupla conforme –, na vertente in mellius, da decisão proferida pela 1.ª  instância.

           A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem considerando pacificamente que a verificação de «dupla conforme», ou seja, a confirmação pelo tribunal da Relação da decisão da 1.ª instância é sem dúvida uma presunção de «boa decisão», sendo compreensível que o legislador, numa tal situação, dispense novo recurso. Sendo que a confirmação não pode significar uma coincidência ou identidade absoluta entre as duas decisões, mas sim uma identidade essencial, mas não necessariamente total, entre as elas. 

            E tem-se entendido ainda que não deixará de haver confirmação quando o tribunal superior desagrave a situação do condenado, quer por absolvição de algum dos crimes imputados ao recorrente, quer por desqualificação do crime imputado (com ou sem modificação da matéria de facto), quer ainda por redução de alguma pena parcelar ou somente da pena única. Em qualquer destes casos, há uma confirmação (para melhor, do ponto de vista do arguido) da decisão condenatória[11].

           Como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-01-2018, proferido no processo n.º 239/11.3TALRS.L1 – 3.ª Secção[12], relatado pelo Ex.mo Conselheiro Adjunto, a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões, pressupondo apenas a identidade essencial entre elas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido no quadro da mesma qualificação jurídica e tomando como base a mesma matéria de facto. Há confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, o que se traduz na chamada confirmação in mellius.

            No caso presente, o Tribunal da Relação unificou os dois crimes de tráfico de estupefacientes em que o arguido fora condenado na 1.ª instância num só crime de tráfico, remediando, segundo cremos, a «expressa violação do disposto no artº 358.º e 359.º do CPP» já que o arguido fora acusado pela prática de um único crime de tráfico de estupefacientes. Recorde-se que o arguido fora acusado, e pronunciado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado.

           Perante o reordenamento ou requalificação jurídico-penal da matéria de facto operada no acórdão do Tribunal da Relação, não se poderá dizer que tenha havido confirmação da sentença condenatória da 1.ª instância, ainda que in mellius, pois, na verdade, a Relação não se limitou a reduzir a pena por certo crime, mas a qualificar diversamente dois crimes até aí autónomos.

            Observam-se, entre as duas decisões, um relevante elemento de desconformidade o que nos permite concluir pela não verificação da dupla conformidade das mesmas.

            Como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal de 13-03-2014, proferido no processo n.º 6271/03.3TDLSB.L1.S1 - 5.ª Secção[13]:~

            «II - O art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, impede o recurso de decisões da Relação que «confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos». A razão de ser da irrecorribilidade nos casos de dupla conforme assenta no facto de, perante a mesma factualidade, as instâncias se terem pronunciado da mesma maneira. Ou seja, terem chegado à mesma solução jurídica, donde se deduz não dever continuar a pôr-se em questão a justiça que foi feita. Não será assim se entre as duas decisões existirem elementos relevantes de desconformidade.

            III - Quando as decisões em apreço qualificam diferentemente os factos, ou quando, por maioria de razão, alteram esses factos, tais decisões mostram-se discrepantes, a ponto de cada uma delas surgir fragilizada, o que legitima a dúvida sobre a solução a que se chegou em qualquer das sentenças. A conformidade tem que ser uma conformidade no essencial da solução jurídica do caso, face aos mesmos factos. Portanto, quando os factos são alterados ou a qualificação passa a ser outra, ultrapassou-se a barreira da segurança que justifica a recusa de uma terceira apreciação.»

           Perante o exposto, considera-se admissível o recurso interposto pelo arguido GG.

            4.2. Delimitação do objecto do recurso

           Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do Tribunal Superior.

           

           Perante as conclusões do recurso, o arguido ... submete a reexame as seguintes questões:

- Nulidade das intercepções telefónicas e buscas delas decorrentes;

- Nulidade da acusação;

- Vícios do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e/ou c), do CPP;

- Qualificação jurídico-penal dos factos;

- Medida da pena.

           Como «questão prévia», suscita o recorrente a nulidade do acórdão de que se recorre por omissão de pronúncia (impugnação da matéria de facto);

            5. Omissão de pronúncia

           Suscita o recorrente, como questão prévia, a nulidade do acórdão recorrido «por omissão de pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, dado que ao contrário do que lhe foi pedido não apreciou a matéria de facto, não obstante o recorrente ter cumprido na íntegra os requisitos do artigo 412º do C.P.P.».

            De acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse conhecer.

            Em comentário a esta disposição, refere OLIVEIRA MENDES:

           «A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar»[14].

            O acórdão recorrido não se pronunciou expressamente sobre a questão que o recorrente suscita pela simples e singela razão de a pretendida «impugnação da matéria de facto dada por provada» não ter obedecido ao que é prescrito no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, nos termos do qual quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: [a] os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; [b] as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; © as provas que devem ser renovadas.

            No caso da gravação da audiência, as especificações no caso da alínea b) do citado artigo 412.º, fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.

           Ora, o recorrente, como muito bem considera o Ministério Público na 1.ª instância na resposta ao recurso (fls. 5174), secundado pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, «não indicou, como lhe competia (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP), com o auxílio dos suportes técnicos, as concretas passagens que justificam decisão diversa, inseridas num contexto mínimo que permita ao tribunal “ad quem” enquadrar tais passagens na globalidade da prova».

           O que o recorrente faz, afirma-se com todo o acerto na dita resposta, é juntar a gravação da prova obtida em audiência, de forma acrítica, na esperança de que o tribunal ad quem encontre as passagens que se ajustam à sua pretensão. Não por acaso, o recorrente, com a motivação do recurso interposto perante a Relação, para além de um excerto que transcreve e que, segundo ele, «demonstra à saciedade a nulidade das escutas telefónicas efectuadas», junta «a transcrição integral da prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento».

           Perante esta situação de manifesta, patente e flagrante omissão das especificações impostas nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412.º do CPP, não merece qualquer censura o facto de o Tribunal da Relação não ter procedido ao pretendido reexame da matéria de facto, entendimento que, conforme já decidiu o Tribunal Constitucional, não enferma de inconstitucionalidade (v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004)[15].

           E, precisamente porque não lhe foi efectuado qualquer pedido específico nesse sentido, o Tribunal da Relação, limitou-se a conhecer do recurso nos segmentos que, de forma sintética, elencou a fls. 5401, nomeadamente a insuficiência da matéria de facto e contradição entre factos, ou seja, baseada no texto da própria decisão recorrida (5403-5405).

           Aliás, como igualmente salienta o Ministério Público neste Tribunal, «a “questão prévia” que o recorrente introduz fugazmente no 2.º parágrafo das conclusões (5449), não tem qualquer suporte no texto da motivação, o que sempre conduziria à impossibilidade desta Alta Instância dela tomar conhecimento (na impossibilidade dessa ausência ser aperfeiçoada)».

           Perante o exposto, e não se vislumbrando necessárias outras considerações, indefere-se a questão prévia suscitada, improcedendo a pretendida nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

            6. Da nulidade das intercepções telefónicas e buscas delas decorrentes

            Em reedição, praticamente na íntegra, do que alegara perante o Tribunal da Relação, no recurso interposto para essa instância, continua o recorrente a insistir na nulidade das intercepções telefónicas que tiveram lugar no inquérito.

           O artigo 187.° do CPP consagra a admissibilidade da intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, como meio de prova, desde que ordenadas ou autorizadas, por despacho judicial, relativamente aos crimes enumerados nos n.os 1 e 2 do mesmo preceito, «se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter».

           O artigo 188° do mesmo Código determina as formalidades a que estão sujeitas as intercepções e gravações como meio de recolha de prova.

            Os citados normativos estabelecem um regime de autorização e controlo judiciais, e «sistema de catálogo», em que a escuta telefónica é reservada exclusivamente a tipos criminais que pelas suas características tornam tal meio de recolha de prova particularmente apto à investigação ou que, pela gravidade dos interesses em jogo podem justificar a adopção de uma medida consensualmente vista como portadora de um elevado potencial de «danosidade social»[16].

            Tais normas estão em consonância com o artigo 34.°, n.os 1 e 4 da Constituição da República.

            Registe-se que a questão da nulidade do despacho que autorizou a realização das intercepções telefónicas levadas a cabo neste processo foi oportunamente suscitada pelos arguidos AA, BB e EE, arguição que, enquanto questão prévia, foi apreciada e conhecida pelo Tribunal Colectivo no acórdão então proferido.

            Transcreve-se o que, então, se consignou:

            «Questão prévia:

     Os arguidos AA, BB Santos e EE suscitaram a questão da nulidade do despacho que autorizou a realização das intercepções telefónicas levadas a cabo nestes autos alegando, em síntese que:

           - previamente ao referido despacho de autorização não foram realizadas pelos órgãos de polícia criminal quaisquer diligências de investigação;

    - a apreciação da necessidade de recurso às intercepções telefónicas afere-se no momento em que tal meio de obtenção de prova é solicitado ;

     - inexistindo elementos fácticos anteriores não se pode concluir pela existência de indícios e da impossibilidade de os recolher com recurso a outros meios de obtenção de prova que não as intercepções telefónicas;

   - razão pela qual na decisão de autorização de tal meio de obtenção de prova não está fundamentada a absoluta necessidade de recurso às intercepções telefónicas;

    - bem como não se exibe ponderação dos princípios da adequação e da necessidade na determinação do meio de obtenção de prova que ordenou ;

           - o que acarreta a nulidade de tal despacho e a violação do disposto nos artº 32º , nº 8 , 34º , nº 4 e 18º , nº 2 , todos da Constituição da República Portuguesa .

           Concluem pedindo que o despacho que autorizou a realização das intercepções telefónicas colhidas nestes autos seja declarado nulo e, consequentemente, não seja o conteúdo de tais intercepções apreciadas pelo tribunal.

            O M. P. tomou posição pugnando pela inexistência da invocada nulidade ou violação de qualquer princípio constitucional.

           Com interesse para a apreciação da questão referida há que atentar no disposto nos artºs 18º, nº 2, 32º, nº 8, 34º, nº 4, todos da Constituição da República Portuguesa, que dispõem:

            Artigo 18º (Força jurídica)

1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

            Artigo 32º (Garantias de processo criminal)

1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.

            Artigo 34º (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência)

4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.

E ainda nos artºs 126º, nº 3, 187º, nº 1 e 190º, todos do Cód. Do Processo Penal, a saber:

            Artigo 126º (Métodos proibidos de prova)

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

Artigo 187º (Admissibilidade)

1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;

b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;

Artigo 190º (Nulidade)

Os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade.

            Porque concordamos inteiramente com a posição jurisprudencial assumida no acórdão do STJ de 26.03.2014 [[17]], que versa sobre questão idêntica à ora em apreço, vamos seguir de perto tal decisão.

           “Prescreve o nº 8 do referido artigo 32 da Constituição da República, que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Por tal forma se convoca a nulidade qualquer prova que tenha sido obtida em contravenção com aqueles direitos de dignidade constitucional e se comina a impossibilidade de tais elementos serem valorados no processo. Estamos perante o núcleo essencial das proibições de prova que veio a conformar, e determinar, o legislador ordinário ao consagrar, no artigo 126 do Código de Processo Penal, os denominados métodos proibidos de prova.

           Todavia, é nítido o diferente recorte que assumem, no preceito citado, e em termos de tonalidade ético-normativa, a proibição de provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física, ou moral, das pessoas em relação àquelas que têm por fundamento a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Se, na primeira hipótese, estamos perante uma proibição absoluta, insusceptível de qualquer concessão, pois que está em causa o próprio núcleo dos direitos de personalidade, já no segundo caso é a própria norma -ao referir os casos ressalvados na lei- que admite a compressão de direitos constitucionais, porquanto tal é razoável e admissível, numa lógica de proporcionalidade, é e exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal.

            As proibições de prova dão lugar a provas nulas (artigo 32, nº 8, da Constituição da República). Porém, a nulidade das provas proibidas obedece a um regime próprio, distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo que distingue dois tipos de proibições de provas consoante atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana.

           Refere Paulo Pinto Albuquerque (Comentário ao Código de Processo Penal 4ª Edição, Lisboa Universidade Católica Editora pag 335 e seg): ‘a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo 126, nº 1 e 2 do CPP é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126, nº 3 é sanável pelo consentimento do titular do direito.

… Em síntese, o artigo 126, nº 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o nº 3 prevê nulidades relativas de prova.’

            Podemos sintetizar dizendo que a interdição de prova é absoluta no caso do direito à integridade da pessoa e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34°-2 e 4), quando desnecessária, desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos (art. 18°-2 e 3).

            Aprofundando o regime das proibições de prova uma referência importante a estabelecer é a divisão entre nulidades processuais e proibições de prova. Nesta tarefa é pressuposto que o processo penal se configura necessariamente como justo no sentido de que circunscreve a forma de obter a verdade material no respeito da legalidade o que não é mais do que a manifestação do exercício do contraditório. Na verdade, é consabido o princípio de que só uma verdade adquirida por forma processualmente válida é admissível num Estado de Direito.

            …

           Existe, na verdade, uma destrinça fundamental entre nulidade processual e meio proibido de prova que se reflecte no respectivo regime jurídico.

           … Estamos em crer que a distinção a estabelecer arranca do facto de as proibições de prova derivarem, fundamentalmente, das opções constitucionais em matéria de investigação penal e de protecção dos direitos, liberdades e garantias individuais. Assim, o cerne da delimitação da área da prova proibida inscreve-se no texto constitucional, seja na identificação das provas absolutamente proibidas seja, sobretudo, na identificação das provas relativamente proibidas que a Constituição autoriza. A compreensão dos mecanismos constitucionais de restrição dos direitos liberdades e garantias é o ponto essencial da mesma distinção.

    Por seu turno a nulidade processual vai ancorar em razões de índole processual que não estão directamente ligadas com a norma constitucional.

            Concorda-se, assim, com Martins de Oliveira (Da autonomia do regime de proibições de prova em Prova Criminal e Direito de Defesa, Coimbra, Edições Almedina, 2010 pag 257 e seg.) quando refere que: - a) As proibições de prova têm como fundamento básico o princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto as nulidades se reportam à legalidade e a questões formais ou ligadas à economia processual; b) O desvalor jurídico das proibições de prova produz-se ex lege, sem necessidade de qualquer acto posterior, o que não acontece com as nulidades, que têm de ser declaradas; c) As proibições de prova resistem ao caso julgado, havendo lugar a recurso extraordinário de revisão quando se descubra que foi utilizada uma prova proibida, enquanto as nulidades, mesmo as insanáveis, se consolidam na ordem jurídica com o trânsito em julgado; d) A arguição das proibições de prova não está sujeita a qualquer prazo, o que não sucede com as nulidades, que por vezes têm de ser arguidas em prazos muito curtos; e) A concepção do regime das proibições de prova serve-se de conceitos indeterminados para abranger todo o tipo de situações que diminuam os bens jurídicos por elas tutelados, ao passo que o regime das nulidades é taxativo, sendo nulo apenas o acto que a lei cominar expressamente com a nulidade (artigo 118.°, nº 1).

           Em consonância com o mesmo Autor, conclui-se que as proibições de prova não são uma subespécie de nulidade. São uma espécie de invalidade, tal como o são, também, as nulidades.

            …

            É justamente em função da gravidade e natureza da violação dos bens jurídicos que pretendem proteger, que as proibições de prova merecem um tratamento diferenciado.

            Aqui chegados importa efectuar uma destrinça, fundamental no caso vertente, que se situa na diferença entre ilegalidade formal e substancial.

            …

            Na verdade, uma coisa é a autorização judicial, que corporiza a ultrapassagem de um direito constitucionalmente assegurado em função de outros interesses igualmente legítimos e outra, totalmente distinta, é o incumprimento de regras formais, ou procedimentais, em relação a uma autorização já concedida. Aqui não está em causa nenhum dos pressupostos que informaram o juízo de proporcionalidade formulado pelo juiz ao conceder a respectiva autorização judicial para “quebra” de uma garantia constitucional, mas única, e simplesmente, uma regra procedimental que visa conformar a forma como aquela autorização judicial se concretiza processualmente, ou seja, uma regra de produção de prova.

            …

            Os direitos fundamentais cuja violação está no núcleo do regime de proibições de prova não são colocados em causa por uma decisão incorrectamente fundamentada, mas sim se tal decisão não respeitar os pressupostos substanciais que são pressuposto da admissibilidade daquele meio de obtenção de prova.

            …

            Porém, a falta de fundamentação da decisão, a existir, apenas poderia conduzir à existência duma nulidade processual.

           Como refere Carlos Adérito Teixeira (Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e novos problemas Revista do CEJ 1º Semestre de 2008 número 9 pag 293) o regime aplicável às intercepções é o das proibições de prova a que alude o nº3 do artigo 126, e que este convoca um regime diverso do número 1. Refere o mesmo que consequentemente, haverá que distinguir, caso a caso, à luz do parâmetro conceptual, os vícios que constituem verdadeiras proibições de prova (190.°,126.°, e nº3 3 do 118.° do CPP e art. 32.° nº 8 da CRP) das nulidades ou mesmo irregularidades. Na verdade, embora o legislador tenha cominado a nulidade para "os requisitos e condições" dos dispositivos que antecedem o art. 190.°, A verdade é que o art. 188.° Mostra-se muito "regulamentador", havendo inúmeros aspectos formais que ali se subsumem e em face do que se afigura distorcer os conceitos, associando meras formalidades a violações de "limites materiais".

            …

  A separação de regimes que têm subjacente a substância e a forma está patente no domínio específico das escutas telefónicas, na diferenciação entre o desrespeito pelos arts 187º ou 188.° que deve conduzir à aplicação de um regime sancionatório diverso entre si. Na verdade, poder-se-á dizer que o primeiro destes artigos assume uma maior importância, dado definir o catálogo de crimes em relação aos quais o uso deste meio de obtenção da prova pode ser autorizado, bem como os demais requisitos cumulativos. Trata-se, assim, de uma norma nuclear na matéria e que, como refere André Lamas Leite (ibidem) exprime, de forma mais directa, o difícil equilíbrio entre a boa administração da justiça e o respeito pelos direitos fundamentais envolvidos. Daí que a violação do art. 187.° deva implicar uma sanção mais radical : a «inutilização» do material probatório assim recolhido.

  Diversamente no art. 188.° estamos apenas perante matéria procedimental que não contende com aqueles direitos. O momento decisivo em que estes foram colocados em causa surgiu com a autorização e verificação da existência dos respectivos pressupostos.

            …

            a falta de fundamentação implica a inexistência dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e só a falta absoluta de fundamentação determina a sua nulidade. Efectivamente não padece desse vício a decisão que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada ou como referia Alberto dos Reis «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto».

            …

   Deste modo, se conclui que a nulidade da decisão não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente, ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.”.

   Na sequência do requerimento formulado pelo M. P. tendo em vista a autorização das intercepções telefónicas das conversações estabelecidas pelos arguidos AA e EE, para além de outros considerandos, e atendendo apenas no que ora importa, foi proferido o seguinte despacho:

  Em primeiro lugar, como requisito formal é necessário, desde logo, que as escutas estejam preordenadas à perseguição de um dos crimes “catálogo” previstos no elenco taxativo do n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal.

           Este elenco contém em si um juízo de proporcionalidade constitucionalmente consagrado.

            Estamos, aqui, perante aquilo a que designa na dogmática do Direito probatório Penal por princípio da indispensabilidade.

            No caso em apreço, de acordo com os elementos de prova referidos na promoção que antecede, resulta devidamente indiciado que os suspeitos AA e EE se encontram inseridos numa organização de venda e distribuição de produto estupefaciente na ilha ..., ocupando uma posição destacada na organização da rede de tráfico e evidenciando comportamento social desadequado da sua precariedade/condição laboral – cfr. informação de serviço de fls. 3 a 12 e de fls. 16 a 21.

            Considerando a natureza do ilícito em investigação – crime de tráfico - em acordo com as diligências de inquérito; e o modo de execução imputado e indiciado aos suspeitos quanto à aquisição, distribuição e venda de produtos estupefacientes; existe uma forte probabilidade de os mesmos comparticiparem em organização criminosa inerente aos factos indiciados.

           Neste seguimento, encontram-se sinalizadas condutas e padrões de comportamento dos suspeitos que consubstanciam indícios de tráfico ou conexão com a actividade de tráfico de estupefacientes investigada nos autos.

            Deste modo, sindicando um evidente nível de concretização das suspeitas, encontra-se preenchido o crime tipo da alínea b) do art.º 187.º, n.º 1 do C.P.P.

            Em segundo lugar, inerente à admissibilidade de tal meio de obtenção de prova estão, também, os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade, na medida em que o acesso a estes dados só pode ser ordenada ou autorizada se o fim pretendido com as mesmas não puder ser alcançado mediante o recurso a outros meios de obtenção de prova menos gravosos e repete-se, havendo razões para crer que tal diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

           Afigura-se-nos que o nível de organização e secretismo inerente a este tipo de factos conexionado com o modus operandi indiciado e imputado aos suspeitos na presente investigação leva a crer que o apuramento dos factos com recurso a outros elementos de prova menos invasivos se prevê manifestamente inviável e de modo a comprometer a efectividade da acção penal e da realização dos fins da investigação.

           As investigações estão numa fase crucial quanto à identificação dos presumíveis e principais autores do tráfico, sendo certo que o modo de cometimento dos factos não permite a aquisição daquela informação através de outros meios de prova, como sejam, por exemplo, a prova testemunhal ou acções de mera vigilância.

         Ademais, considerando a natureza do crime, os contactos telefónicos apresentam-se como meio privilegiado de actuação da conduta ilícita, urgindo a aquisição de suporte probatório bastante por essa via.

           Numa palavra de síntese, e face ao que vem dito, as diligências requeridas são indispensáveis para o prosseguimento dos autos, sendo proporcionadas e adequadas aos fins visados, justamente o apuramento da identidade e a punição dos suspeitos AA e EE, resultando inequivocamente demonstrado que o recurso a outra diligência não terá cabal e suficiente eficácia relativamente aos factos que se pretendem apurar.

            Assim sendo, há razões para crer que a diligência se afigura indispensável para a descoberta da verdade, ou que a prova seria, de outro modo, impossível ou muito difícil de obter, pelo que está observado o princípio da subsidiariedade e proporcionalidade, porquanto nenhuma outra diligência de prova menos gravosa permitirá prosseguir o objectivo visado com a investigação. E a escuta é um meio idóneo para tal.

            Em terceiro lugar, nos termos do n.º 4 do artigo 187.º, do C.P.P., é necessário delimitar a recolha e registo de dados, definindo o âmbito objectivo e subjectivo da diligência.

           Neste aspecto, os dados a recolher encontram-se circunscritos a um determinado n.º de telemóveis e utilizadores concretos.

            No mais e no que tange à conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares, o art.º 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, que transpôs a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, foi manifesta e suficientemente cumprido neste despacho, designadamente quanto à competência jurisdicional; fundamentação e enunciação do princípio de indispensabilidade de obtenção da prova, no sentido da promoção que antecede, devendo as operadoras telefónicas respectivas colaborarem em conformidade facultando os elementos requeridos.

            A promoção do Ministério Público merece, neste aspecto, o respectivo deferimento.

Da análise deste despacho há que concluir que que foi ponderado:

  - Haver indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, ou seja, um dos crimes de “catálogo” referidos no nº 1, do artº 187º, do CPP, fazendo-se referência aos elementos existentes nos autos de onde é possível extrair tal conclusão;

 - os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade, na medida em que os então suspeitos se encontravam inseridos numa organização de venda e distribuição de produto estupefaciente na ilha Terceira, produto esse que seria introduzido nesta ilha através de encomendas postais provenientes do continente português, sendo os contactos entre os intervenientes de tal actividade estabelecidos, preferencialmente, ou mesmo exclusivamente via contacto telefónico, quanto mais não seja pelo facto de existir o oceano Atlântico de permeio, sem esquecer o secretismo inerente a este tipo de factos, como resulta das regras de experiência comum, e que o modo de cometimento dos factos não permite a aquisição daquela informação através de outros meios de prova, como sejam, por exemplo, a prova testemunhal ou acções de mera vigilância.

   Deste conjunto de elementos se concluiu pela verificação dos pressupostos legalmente exigidos.

            A questão ora suscitada surge porque, no entender dos arguidos, a realização das intercepções telefónicas não foi precedida de qualquer outra investigação e, nessa medida, não existiam nos autos elementos suficientes para se proceder à legalmente exigida ponderação entre o respeito pela vida privada e telecomunicações dos arguidos e o interesse do Estado no funcionamento da justiça penal.

           Salvo o devido respeito por entendimento diferente, não nos parece que assim tenha sido.

            Na realidade, como resulta dos autos, estes tiveram início com uma “Informação de Serviço”, elaborada por elementos da polícia judiciária, dando conta que o arguido AA, carteiro nos CTT, seria responsável pela entrega de encomendas contendo produto estupefaciente, o que foi corroborado por comunicação escrita duma responsável regional dos CTT – vd. fls. 3 e 14.

           A quem se destinavam tais encomendas, era então desconhecido, tendo-se vindo a apurar que o destinatário seria o arguido EE, pese embora não figurasse como tal nas encomendas, tal como resulta do “Relato de Diligência Externa” – vd. fls. 16.

            Certamente que estas informações terão sido obtidas no âmbito das diligências que foram realizadas – deslocação aos locais e contacto com fontes privilegiadas -, pelo que há que concluir que, previamente, foram realizadas outras diligências.

            Acresce que, relativamente ao arguido EE, apenas cerca de um mês depois das informações iniciais foi possível apurar qual o número de telefone que utilizava nos contactos que estabelecia com o continente português – vd. fls. 43 - o que, certamente, terá acontecido no âmbito das diligências que foram, entretanto, realizadas.

            Parece-nos, pois, poder afirmar que a intercepção telefónica não foi a primeira diligência realizada.

            Mas, ainda que assim não fosse, não nos parece que a lei impeça que tal suceda.

  Tudo depende da natureza e concretas circunstâncias dos factos/crime que se pretenda apurar e, feita a apreciação dos elementos existentes, concluir, ou não, que a obtenção de tais elementos de prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

            Do que ficou exposto, somos levados a concluir que o despacho em apreço não padece de qualquer vício, bem como não viola qualquer princípio constitucional, independentemente de se poder considerar que poderia/deveria ser mais explícito.

            Certo é que nele são patentes e evidentes as razões que levaram ao deferimento da realização das intercepções telefónicas, depois de apreciados os elementos existentes e ponderados os requisitos legalmente exigidos.

  Assim sendo, entendemos serem válidas as intercepções telefónicas efectuadas, pelo que o seu conteúdo será objecto de apreciação em sede de motivação da factualidade imputada aos arguidos.»

    Esta decisão, bem como o despacho do Juiz de Instrução que aparece transcrito, mereceu total concordância no acórdão sob recurso.

Dão completa resposta às objecções formuladas pelo agora recorrente no sentido da nulidade das intercepções telefónicas.

   Consultado o processo, inexistem quaisquer elementos ou fundamentos que permitam suportar ou indiciar a infracção das regras e disposições, substantivas ou formais, enunciadas nos artigos 187.º e 188.º do CPP.

   Todos os despachos judiciais que autorizaram as intercepções telefónicas realizadas encontram-se sustentados, contrariamente ao que o recorrente alega, por sólida fundamentação, sendo claramente perceptíveis as razões que, em face do artigo 187.º do CPP, motivaram tais decisões, permitindo o escrutínio de tal decisão[18].

  Por outro lado, os autos revelam que houve um conhecimento efectivo das escutas levadas a cabo com o consequente controlo judicial das mesmas. A título de exemplo, demonstrativos do cumprimento das regras e procedimentos legais, e porque aí é referenciado o arguido GG, vejam-se os autos de transcrição de conversações de fls 11500 a 1525, promoção do Ministério Público de fls.1529-1530 e despacho judicial de fls. 1538 (5.º volume).

   Improcede a invocada nulidade das escutas telefónicas bem como das subsequentes buscas que delas decorreram.

            7. Da nulidade da acusação

   Suscita o recorrente nas conclusões 49.ª e 50.ª a nulidade da acusação contra si deduzida, dizendo que «a mesma se mostra conclusiva, porquanto a mesma não refere especificamente quais os actos praticados pelo recorrente».

            É manifesto que não lhe assiste razão.

            A acusação deduzida pelo Ministério Público cumpre todos os requisitos impostos pelo artigo 283.º, n.º 3, do CPP.

 Cumprindo sublinhar, citando-se MAIA COSTA, que as eventuais nulidades das alíneas a), b) e c) da citada disposição legal, sendo simultaneamente motivo de rejeição da acusação, por serem integráveis no conceito de “acusação manifestamente infundada”, nos termos do artigo 311.º, poderiam ter sido objecto de arguição junto do juiz de instrução no âmbito da instrução[19], o que o arguido, agora recorrente, não fez.

Interessa ainda frisar que outros arguidos requereram efectivamente a instrução, extensiva aos demais arguidos, tendo sido proferida a decisão instrutória (fls. 2751-2768), nos termos da qual foram pronunciados todos os arguidos «nos termos precisos [da] acusação».

            Ou seja, a acusação foi objecto de comprovação judicial.

   Aliás, como se refere no acórdão recorrido, «a improcedência desta questão [relativa à invalidade das escutas telefónicas] acarreta a falência da questão suscitada sobre a nulidade da acusação, que assenta em prova válida».

            Improcede, pois, a invocada nulidade da acusação.

            8. Dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP

   Considera o recorrente que o acórdão recorrido «comete um erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, al. c), ou, mais correctamente, tem lugar um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a), n.º 2 do art. 410.º do CPP» (conclusão 50.ª).

O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conforme dispõe o artigo 434.º do CPP, somente reaprecia matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento (oficioso) dos vícios previstos no artigo 410.º, n.os 2, alíneas a) a c), e 3, do CPP.

Desta feita, e retomando as considerações tecidas no acórdão deste Supremo Tribunal de 02-03-2016 (Proc. n.º 81/12.4GCBNV.L1.S1 – 3.ª Secção), relatado pelo agora relator, ao Supremo Tribunal de Justiça está-lhe vedado proceder à análise crítica da prova testemunhal ou documental produzida nos autos, substituindo-se às instâncias na valoração dos meios de prova e na fixação da matéria de facto provada e não provada.

Veja-se neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006 (Proc. n.º 4356/06 - 5.ª Secção)[20]:

«I. Tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. II. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido.»

 

Como repetidamente este Supremo Tribunal tem afirmado, e aqui se reitera, decidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, de que o Supremo Tribunal de Justiça deva conhecer oficiosamente.

Tem-se entendido, de modo pacífico, que os vícios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º do CPP não podem constituir objecto do recurso de revista a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça e que este tribunal deles somente conhece ex oficio, quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso sub judice[21].

Conforme entendimento firmado no citado acórdão de 01-02-2017:

«Quando a Relação haja levado a cabo uma reapreciação dessa matéria mercê da sua invocação pelos sujeitos processuais no recurso para aí interposto «a discussão está encerrada por força dos limites de competência entre aquelas duas espécies de tribunais superiores, pois é na Relação que, em regra, se encerra a discussão do facto»[[22]].

Consequentemente, «é inadmissível o recurso [para o STJ, interpolação] no segmento, em que visa o reexame da matéria de facto sob a alegação de que a prova foi incorrectamente apreciada e que o acórdão da Relação enferma dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação ou do erro notório na apreciação da prova» [[23]].

Posto isto, não é admissível um recurso interposto de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação para este tribunal, na parte em que convoca a reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto, quer em termos amplos, quer por erro de julgamento (erro na apreciação da prova), quer no quadro dos vícios do artigo 410.º do CPP.

Impõe-se apenas conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.os 2 e 3 do CPP, porque o conhecimento destes vícios não constitui mais do que uma válvula de segurança a utilizar naquelas situações em que não seja possível tomar uma decisão (ou uma decisão correcta e rigorosa) sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, por se fundar em manifesto erro de apreciação ou ainda por assentar em premissas que se mostram contraditórias e por fim quanto se verifiquem nulidades que não se devam considerar sanadas.

Desta feita e no seguimento do entendimento supra vertido, impõe-se oficiosamente verificar se a decisão recorrida padece dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 e 3 do CPP.

Como decorre expressamente deste normativo, os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, todos eles relativos ao julgamento da matéria de facto, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Em particular, no que respeita aos vícios invocados pelo recorrente:

Quanto ao vício previsto pela alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, o mesmo só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.

Quanto ao vício previsto pela alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, o mesmo só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa.

Assim o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na citada disposição, verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se verifica faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou absolvição. Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto.

Quanto ao vício previsto pela alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, o mesmo verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio.

Revertendo para o acórdão recorrido, entendemos que o mesmo não padece dos apontados vícios.

No que respeita ao vício da alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, de modo algum podemos concluir que a matéria de facto dada como provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. Cumpre referir que este vício não deve ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP), subtraída aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

A matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido é suficiente para fundamentar a decisão de condenação do arguido, ora recorrente.

Da decisão recorrida consegue-se entender o raciocínio lógico e coerente que levou o tribunal recorrido, face à factualidade dada como provada, a decidir pela condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.

Pelo exposto, consideramos que a factualidade dada como provada afigura-se suficiente e adequada para fundamentar a solução de direito encontrada no acórdão recorrido.

Relativamente ao vício previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP:

O erro notório na apreciação da prova consiste num vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental. Para ocorrer este vício, as provas evidenciadas pela simples leitura do texto da decisão têm que revelar claramente um sentido e a decisão recorrida extrair ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.

É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o mesmo cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.

Se a discordância do recorrente for apenas quanto à forma, isto é, como o tribunal valorou a prova e decidiu a matéria de facto, tal traduz-se em impugnação de matéria de facto apurada - que se integra em objecto de recurso sobre a matéria de facto – a exercer em recurso interposto para a Relação, e por isso não podem vir repristinar, ainda que em crítica ao acórdão recorrido - o da Relação - por extravasar os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 434.º do CPP).

Conforme se elucida no acórdão deste Supremo Tribunal de 12-03-2015, proferido no processo n.º 724/01.5SWLSB.L1.S1 - 3.ª Secção:

«O erro notório na apreciação da prova só ocorre quando se retira de um facto dado como provado, algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou, quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, notoriamente violadora das regras da experiência comum e da lógica, que ressalta à vista de qualquer pessoa de formação média, perante a simples leitura da decisão recorrida. O recorrente impugna a convicção do tribunal, com a valoração feita das provas, mas tal desiderato não se confunde com os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, que têm de resultar do texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos exteriores à decisão. Erro de julgamento sobre valoração das provas só em recurso da matéria de facto pode ser questionado. Sendo que o tribunal competente para a apreciação do facto é exclusivamente o Tribunal da Relação, como resulta do disposto no artigo 428.º do CPP.»

Seguimos a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, que defende que o vício de erro notório na apreciação da prova, tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem usar elementos externos à própria decisão[24] - a não ser factos contraditados por documentos que façam prova plena – documentos autênticos – cfr. defendido, entre outros, no acórdão de 25-06-2009 (Proc. n.º 4262/06 - 3.ª Secção)[25], e no acórdão de 06-10-2010 (Proc. n.º 936/08.0JAPRT.P1.S1 - 3.ª Secção), onde se lê:

«Os vícios da matéria de facto que integram as categorias das alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 410º do CPP, não obstante a diversidade de elementos, revertem todos a inconsistências no domínio da prova, ou mais precisamente, no processo lógico e racional de formação da convicção sobre a prova.

O “erro notório na apreciação da prova” constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.

A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas e apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum”. Em síntese de definição, estes são os elementos que hão-de conformar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do mencionado vício.

O vício tem de resultar, como se salientou, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.

Para avaliar da não arbitrariedade (ou impressionismo) e da racionalidade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão

O Tribunal Colectivo, como decorre da motivação da decisão quanto à matéria de facto, que oportunamente se transcreveu, explicitou de forma clara e coerente o processo de formação da sua convicção.

Do texto da decisão proferida na 1.ª instância, confirmada no acórdão recorrido, e apenas dele, em conjugação com as regras da experiencia comum, não se extrai manifestamente qualquer um dos vícios enunciados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, nomeadamente dos que o recorrente invoca, supra caracterizados.

O recorrente está é a impugnar a formação da convicção do tribunal recorrido na valoração da prova produzida e examinada, pondo em causa a livre apreciação da prova, sendo que tal não se coaduna com a apreciação dos vícios do artigo 410.º do CPP.

O que o recorrente pretende, sob a capa da invocação dos indicados vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, é afirmar que a decisão recorrida deveria ter extraído da prova produzida uma conclusão diferente daquela que consta da mesma.

Estamos, assim, verdadeiramente, perante impugnação da matéria de facto, que se encontra excluída do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, como impõe o artigo 432.º do CPP.

Em suma, em todo o recurso apresentado, o recorrente sindica a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido, não concordando com a mesma, e sob a invocação do artigo 410.º do CPP, pretende que o Supremo Tribunal de Justiça altere a decisão da matéria de facto.

Ora, não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça reapreciar a prova para sindicar a valoração que o tribunal recorrido fez das provas, nomeadamente dizendo se andou bem ou mal na valoração que fez. Estaria, então, este Supremo Tribunal a funcionar como segunda instância de recurso sobre a matéria de facto, em clara violação do disposto nos artigos 434.º e 428.º do CPP.

Face ao exposto, resulta do texto do acórdão do Tribunal Colectivo, confirmado no acórdão recorrido da Relação, que o mesmo se encontra suficientemente fundamentado seja quanto à decisão da matéria de facto, seja quanto à matéria de direito, completamente coerente com a factualidade dada como provada e não provada, não padecendo de qualquer vício a que alude o n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto.

9. Ainda neste capítulo, invoca o recorrente a violação do princípio in dubio pro reo.

            De novo, sem qualquer fundamento.

No que respeita à violação deste princípio, retomando o desenvolvimento efectuado no acórdão deste Supremo Tribunal de 27-04-2017, proferido no processo n.º 452/15.4JAPDL.L1.S1 - 3.ª Secção[26], relatado pelo ora relator:

O princípio in dubio pro reo é um princípio geral, estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, assumindo, como tal e como qualquer outro princípio jurídico, a natureza de uma questão de direito de que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, deve conhecer.

O princípio in dubio pro reo significa, segundo PAULO DE SOUSA MENDES, que «a dúvida sobre os pressupostos de facto da decisão a proferir deve ser valorada a favor da pessoa visada pelo processo»[27].

De acordo com este princípio, citando-se MARIA JOÃO ANTUNES, «o tribunal deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido, quando fica aquém da dúvida razoável, apesar de toda a prova produzida»[28]. A dúvida que fique aquém da razoável deverá ser valorada, prossegue a mesma autora, de forma favorável ao arguido, tanto mais que este se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.

Convocando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 08-01-2014 (Proc. n.º 7/10.0TELSB.L1.S1 – 3.ª Secção), associou-se a este princípio a natureza exclusiva de «princípio referente à prova dos factos, ligado à sua valoração pelas instâncias, com o fundamento de que escapam a este STJ a refracção das provas na convicção do julgador, os elementos influentes na sua formação que só ele pela sua subtileza, atenção, emoção e inteligência pode apreender, proporcionados pela oralidade e imediação. O princípio valia ao nível da dúvida razoável com relação aos factos, desde que se alcançasse que o tribunal incorreu naquele estado e não o declarou seja porque não atentou na sua sucumbência seja porque era uma consequência de erro notório na apreciação da prova e não extraiu a consequência derivada da sua infracção.

O princípio serve para controlar o procedimento do tribunal quando teve dúvidas em termos de matéria de facto e não para controlar as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve.

Como se refere no citado acórdão:

«Baseado no princípio constitucional da presunção de inocência (art.º 32.º n.º 2, da CRP), constituindo um limite normativo da livre convicção probatória, assume vertente de direito, passível de controle deste STJ, quando ao debruçar-se sobre o conjunto dos factos, procura detectar se se decidiu contra o arguido, não declarando a dúvida evidente já porque esta resultava de uma valoração emergente da simples texto da decisão recorrida por si ou de acordo com as regras da experiência, de acordo com aquilo que é usual acontecer, já por incurso em erro notório na apreciação da prova.- cfr. Ac. do STJ, de 8.7.2004, P.º nº 111221/04 - 5.ª Sec.

Nesta conformidade este STJ tem afirmado, nem sempre com uniformidade, o seu teor de princípio de direito, por ele controlável, de afirmação de regra de decisão, pilar de uma convicção sã e escorreita, que só o é quando o juiz ele próprio já não tem dúvidas, no dizer de Eberardt Schmidt, pois que se se lhe suscitam várias possibilidades que, conscientemente, não logra remover, trilha ainda o caminho da incerteza, deve actuar o princípio».

Neste conspecto, devendo ser o princípio in dubio pro reo configurado como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova, certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática. Para PAULO DE SOUSA MENDES, [o] princípio só diz respeito à prova da questão-de-facto»[29].

Nesta perspectiva, como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-04-2011 (Proc. n.º 7266/08.6TBRG.G1.S1 – 3.ª Secção), «a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República».

Em sentido muito próximo, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-06-2012 (Proc. n.º 442/08.3GALSD.P1.S1 - 5.ª Secção»[30].

Em suma, como lapidarmente se refere no acórdão de 29-05-2013, proferido no processo n.º 344/11.6JALRA.E1.S1 – 3.ª Secção, «o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido».

Ora, compulsadas, tanto a decisão recorrida, como também a decisão da 1.ª instância, não se detecta, tendo em atenção, nomeadamente, a fundamentação da matéria de facto, qualquer dúvida quanto aos factos que se devia dar por provados ou não provados.

A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de incerteza, de dúvida, quanto aos factos dados como provados e não provados.

Como não é manifestamente o caso, «o recorrente só pode pretender que, apesar de o Colectivo da 1.ª instância [tal como o Tribunal da Relação] não ter tido dúvidas sobre o que considerou provado, deveria tê-las tido» (acórdão de 27-02-2014 (Proc. n.º 160/10.2GCVFR.S1 - 5.ª Secção)[31]. Mas isso, lê-se neste acórdão, «não constitui qualquer vício da decisão recorrida, mas antes discordância do recorrente para com ela».

Ora, a divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal recorrido é irrelevante.

Como também, a este propósito, se considera no acórdão de 06-12-2006, proferido no proc. n.º 06P3651 – 3.ª Secção, «o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão impugnada resulta, por forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, posto que, saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista».

            Ora, da conjugação e ponderação de toda a prova produzida no processo, resultou a certeza da prática pelos arguidos, de entre os quais o agora recorrente, dos factos dados como assentes pelo que não faz sentido falar em violação do princípio in dubio pro reo.

   Não ocorreu, pois, no caso vertente, qualquer violação do princípio do in dubio pro reo.

            Não existem quaisquer outras nulidades que importe conhecer.

           

            10. Qualificação jurídico-penal dos factos

  O arguido-recorrente fora condenado em 1.ª instância, recorde-se, pela prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

 O Tribunal da Relação, no acórdão sob recurso, numa reapreciação jurídico-penal da matéria de facto provada referente a este arguido, condenou-o pela prática de um único crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pela referida disposição legal,

  Sustenta agora o recorrente que deverá ser alterada a qualificação jurídica dos factos dados como provados, considerando que eles «encontram enquadramento jurídico no artigo 25.º e não no artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em virtude dos meios utilizados, da modalidade da acção e da quantidade e qualidade da substância» (concussão 52.ª).

A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que dispõe[32]:

«1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar fabricar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas ou substâncias, ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.»

Esta previsão legal contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando «um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação».

Consagra-se no citado artigo 21.º, n.º 1, um tipo de crime que, tem sido sistematicamente caracterizado como um crime de perigo comum e abstracto.

Convocando-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454):

«A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

 Crime de perigo abstracto é o crime que não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para casuar um perigo para um desses bens jurídicos. Os tipos de perigo abstracto descrevem acções que, segundo a experiência conduzem á lesão não dependendo a perigosidade do facto concreto mas si de um juízo de perigosidade geral

 É, assim, de um crime de perigo que tratamos, e de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos designadamente de carácter pessoal, reconduzidos à saúde pública. Finamente é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstancias necessárias para causar um perigo desses bens jurídicos.»

O artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 prevê o crime de tráfico de menor gravidade, estabelecendo que:

«Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

   a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V a VI

   b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.»

Como justificação, em temos dogmáticos, da existência deste tipo legal, tecem-se importantes considerações no acórdão de 19-11-2008, há pouco citado, retomadas no acórdão de 18-02-2016, proferido no processo n.º 35/14.6GAAM – 3.ª Secção, que importa apreender:

 «Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de “considerável diminuição de ilicitude”.

As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios; na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. Na sua essência o que pretende é estabelecer-se a destrinça entre realidades criminológicas distintas que, entre si, apenas têm de comum o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão. Na verdade, o legislador sentiu a aporia a que era conduzido pela integração no mesmo tipo leal de crime de condutas de matriz tão diverso como o tráfico internacional envolvendo estruturas organizativas integradas e produto de quantidades e qualidades muito significativas e negócio do dealer de rua, último estádio de um processo de comercialização actuando isoladamente, sem estrutura, e como mero distribuidor. Num segmento intermédio, mas nem por isso despojado, em abstracto, de significativa ilicitude situa-se o tráfico interno, muitas vezes com uma organização rudimentar (e com tendência a uma compartimentação cada vez maior dificultando a investigação).

Função essencial na interpretação do tipo em questão assume a referência feita pelo legislador no proémio do D.L. 430/83 quando já aí demonstrava a sensibilidade á diversidade de perfis de actuação criminosa dizendo que “Daí a revisão em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer o papel essencial que os dealers de rua representam no grande tráfico. Haverá assim que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que ao invés se force ou use indevidamente uma atenuante especial”.

A relevância de tal pressuposto também é adequada para a prossecução de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º)».

O crime de tráfico de menor gravidade caracteriza-se, assim se tem considerado, por constituir um minus relativamente ao crime matricial, fundamental, ou seja, ao crime do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, apresentando-se, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-11-2014 (Proc. n.º 99/14.2YRFLS – 3.ª Secção), como «um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».

Como também já se dava nota no acórdão de 20-01-2010 (Proc. n.º 18/06.GAVCT.S1 – 3.ª Secção), constitui jurisprudência constante deste Supremo Tribunal o entendimento de que o privilegiamento do crime de tráfico dá-se exclusivamente, em função de uma considerável diminuição da ilicitude do facto.

Como se considera no citado acórdão de 05-11-2014, «a aferição de qualquer situação de tráfico no sentido de saber se se deve ou não qualificar como de menor gravidade não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito.

Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) àquele tipo privilegiado, como vem defendendo este Supremo Tribunal, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo (v. acórdão do STJ de 20-12-2006, proferido no processo n.º 3059/06 – 3ª Secção).

Como este Supremo Tribunal tem entendido, o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão[33].

Os critérios de proporcionalidade que devem estar ínsitos na definição das penas constituem também, como justamente se salienta no acórdão deste Supremo Tribunal de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454), um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».

Acresce, como se pondera no acórdão do Supremo Tribunal de 13-04-2005 (Proc. n.º 05P459), «a densificação da noção de “ilicitude consideravelmente diminuída”, tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular dos casos submetidos a julgamento».

A qualificação diferencial entre os tipos base (artigo 21º, nº 1) e de menor intensidade (artigo 25º) «há-de partir, lê-se no mesmo acórdão, da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso em avaliação, não obstante, segundo modelos objectivos e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária.

A gravidade à escala assim delineada encontra tradução na conformação da acção típica, enquanto não prescinde de a ilicitude, ou seja o demérito da acção típica, na sua expressão de contrariedade à lei, ser consideravelmente reduzida, um acto de repercussão ética de menor gravidade, em função da consideração, além do mais, dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias ou preparações – alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

Essa ponderação, tal como este STJ tem repetidamente afirmado, não prescinde, antes exige, uma valoração global do evento, sem fazer avultar um seu elemento em detrimento do outro».

Perante as considerações que vêm de se expor, dir-se-á, em síntese conclusiva, que o que distingue o crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, do crime previsto no artigo. 25.º do mesmo diploma, reside na menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo.

Segundo a lei, constituem factores relevantes dessa menor ilicitude, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a modalidade e circunstância em que a conduta é realizada, a qualidade e quantidade do produto vendido, entre outros factores que se revelem no caso concreto que possam diminuir a ilicitude da conduta realizada.

Refira-se também que, perante um tipo legal que apresenta o já referido espaço alargado de indeterminação quanto à caracterização da ilicitude como diminuta, se justifica o recurso à jurisprudência para que, com alguma constância e previsibilidade, se possa determinar o que integra a menor ilicitude num comportamento de tráfico de estupefacientes.

Neste domínio, tem-se considerado que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento (neste sentido, o acórdão do STJ de 07-12-2011, proferido no processo n.º 111/10.4PESTB.E1.S1 – 5.ª Secção), avaliando não só a quantidade, como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o «posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina» [acórdão do STJ de 15-04-2010 (proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1 – 3.ª Secção)], a inexistência de uma estrutura organizativa, a ausência de recurso a qualquer técnica ou meio especial, a actuação numa matriz de simplicidade (v. acórdão do STJ de 19-11-2008, já citado).

Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de 02-10-2014, proferido no processo n.º 45/12.8SWSLB.S1 – 5.ª Secção, constituem, entre outros, factores relevantes da menor ilicitude da conduta punida no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a qualidade e a quantidade do produto traficado, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do lucro da venda para aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de clientes contactados e o posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina.

Como também se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal de 26-09-2012 139/02.8TASPS.S1 – 3.ª Secção:

«O crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito.

   A título exemplificativo, indicam-se no preceito como índices, critérios, exemplos padrão, ou factores relevantes, de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspectiva global, uma mais ampla e correcta percepção das acções desenvolvidas (actividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental, do artigo 21.º, n.º 1.»

A aplicação do artigo 25.º, que encerra um específico tipo legal de crime, tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

Como pondera MARIA JOÃO ANTUNES, o artigo 25.º «exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras fixadas nos artigos 21º e 22º, sob pena de a reacção criminal ser, à partida, desproporcionada», sendo que o legislador «consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adoptando a denominada técnica dos exemplos padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substrato a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição»[34].

O artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93 constituirá uma «válvula de segurança do sistema», destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial[35].

No caso presente, de acordo com a factualidade provada, é inequívoco que este arguido, ora recorrente, em comunhão de esforços e vontades com outros, «de forma concertada», como consta da decisão da 1.ª instância, expediu, de Lisboa para os ... – Terceira, para outras pessoas várias encomendas postais contendo canábis, com a finalidade de cederem ou venderem a terceiras pessoas (factos provados n.ºs 26 e 52).

A quantidade da referida substância atingiu um valor total de quase 10,500 quilogramas.

A matéria de facto fixada nos n.os 10, 11, 12, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 36, 37, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 52 é bem reveladora da actividade ilícita desenvolvida, com densidade e reiteração e com um apreciável nível de organização e de coordenação no domínio do tráfico de estupefacientes.

Essa reiteração e organização e demais circunstâncias em que tal actividade foi executada pelo agora recorrente e, bem assim, a movimentação de significativas quantidades de estupefacientes remetidas por via postal para os ..., revelam uma acentuada ilicitude, obstando, manifestamente, contrariamente ao que o recorrente pretende, à subsunção da sua conduta no quadro do crime de tráfico de menor gravidade prevenido no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

Como judiciosamente refere o Ministério Público neste Tribunal, «embora se trate de canábis, certo é que, quer o organizado processo de envio e recepção do estupefaciente, com a participação do arguido António Santos, funcionário dos CTT, quer, sobretudo, a quantidade traficada é de todo incompatível com a menor gravidade prevista no artigo 25.º, do DL 15/93.

 Não é despiciendo recordar o elevado lucro que reveste o tráfico nas Ilhas, face à grande disparidade de preços em relação ao continente».

 

A correcta qualificação jurídico-penal da conduta do recorrente terá de se realizar através do tipo matricial contido no artigo 24.º, n.º 1, daquele diploma legal, como as instâncias decidiram.

Improcede também nesta parte o recurso.

11. Da medida da pena

11.1. O arguido, agora recorrente, foi condenado na pena de 8 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

           Nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, não podendo ser ultrapassada a medida da culpa, conforme prescreve o n.º 2 do mesmo preceito.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Acompanhando-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-07-2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção)[36], «defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.º, n.os 1 e 2, do CP), então a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens»[37].

           

A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida»[38].

Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo da repressão penal, compete-lhe, como já se consignou, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar no caso concreto.

Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal, na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.

Na verdade, há que sublinhar que estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991, destaca, precisamente, a pluralidade de bens jurídicos postos em causa por este tipo de ilícitos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública»[39].

            Da factualidade provada resulta com clareza que o arguido se inseriu numa organização e estabeleceu uma logística apta à remessa para os ... de estupefacientes, concretamente canábis.

Regista-se, da matéria de facto provada, a remessa desse estupefaciente em três ocasiões, com utilização do serviço postal, através do envio de encomendas contendo tal produto, com o peso total de 10.236,700 gramas.

A actividade em causa foi levada a cabo em 1 de Setembro de 2015, em data não apurada, mas anterior a 17 de Dezembro do mesmo ano, e no decurso do mês de Janeiro de 2016.

Tal actividade ilícita envolveu outros arguidos e não restam dúvidas de que ela obedeceu a um esquema engenhosamente engendrado. Como é salientado no acórdão da 1.ª instância, a remessa das encomendas pelos arguidos Bruno e Andreia «era também rodeada de especiais cuidados na medida em que eram remetidas de diversos locais, com diversos tipos de embalagem e com a identificação de remetentes diferentes, tudo com a finalidade de evitar o suscitar de qualquer suspeita e, no caso de alguma encomenda ser detectada, impossibilitar/dificultar a identificação do remetente».

Da análise dos factos, constata-se um elevado grau de ilicitude expressa no modo reiterado em que o agora recorrente desenvolveu a actividade de tráfico de estupefacientes, a forma organizada da actividade de tráfico.

Constata-se igualmente uma culpa intensa, numa atitude de revelia perante normas fundamentais à vida em comunidade, nem sequer se observando, da parte deste arguido, arrependimento pelos factos cometidos.

Por outro lado, há que atentar na natureza e qualidade do estupefaciente objecto da actividade de tráfico – canabis –, não se observando a presença de substâncias mais agressivas e nefastas, como sucede com as designadas «drogas duras».

Efectivamente, como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 04-01-2017, proferido no processo n.º 967/15.4JAPRT.P1.S1 – 3.ª Secção, que o agora relator subscreveu como adjunto, «apesar de o Decreto-Lei n.º 15/93 não aderir totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “a gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social».

Neste sentido, se orientou também o acórdão deste Supremo Tribunal de 30-11-2017, proferido no processo n.º 3466/11.0TALRA.C1.S3 - 3.ª secção, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Adjunto.

O recorrente não tem antecedentes criminais relativamente a ilícitos da natureza do crime aqui em apreço; regista-se a condenação em 2008 numa pena de multa pelo crime de condução sem habilitação legal.

Vem sendo salientado pelo Supremo Tribunal de Justiça que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência deste fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.

Estamos, na verdade, perante um tipo de crime onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de protecção de bens jurídicos são prementes, pois o sentimento jurídico da comunidade apela a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor ansiando também por uma diminuição deste tipo de criminalidade e por uma correspondente censura de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas.

Tudo ponderado, tendo em atenção os critérios legais enunciados e a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de tráfico de estupefacientes, tendo presente que na actividade de tráfico desenvolvida pelo recorrente não se observa a presença de produtos estupefacientes mais agressivas e nefastas, com um maior grau de lesividade, como sucede com as designadas «drogas duras» (cocaína e heroína), tendo ainda presentes as penas aplicadas aos restantes arguidos, consideramos que uma pena de 7 (sete) anos de prisão respeita tais critérios, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado (finalidade de prevenção geral de integração), mostra-se ajustada à culpa do recorrente pelos factos praticados e responde às necessidades de prevenção especial de socialização.

Conclui-se pelo parcial provimento do recurso interposto.

III – DECISÃO

           

     Termos em que os Juízes que compõem a 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça acordam em:

1. Rejeitar, por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), 420.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP, o recurso interposto pelo arguido AA.

2. Julgar inexistentes as nulidades suscitadas pelo arguido GG.

3. Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido GG, sendo condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

    Custas pelo recorrente AA, sendo ainda condenado ao pagamento de 4 UCs, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP.       

           

            Não são devidas custas pelo recorrente GG (artigo 513.º, n.º 1, do CPP).

            SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 21 de Novembro de 2018

             (Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Manuel Augusto de Matos (Relator)

---------------------


[1]   No relatório do acórdão recorrido, página 2, este arguido é indicado como «----», tal como no dispositivo do mesmo acórdão, dispositivo que, nesta parte foi objecto de rectificação por deliberação de 26-04-2018, passando a figurar o nome completo «EE».
[2] Entre outros, ac. STJ de 11 de Dezembro de 2003, Processo n.º 2293.03, 5ª, n.ºs 6.12 a 6.14 e respectiva nota de rodapé
[3] No mesmo sentido: Ac. STJ de 29.04.04, proc. n.º 1114.04, 5ª, onde se decidiu que respeitados os parâmetros legais de doseamento concreto, existe sempre uma margem de liberdade do juiz praticamente insindicável.
[4]              Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Junho de 2017.
[5]              Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Setembro de 2017.
[6]              Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Fevereiro de 2018.
[7]              Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 516.
[8]  Disponível, como os demais acórdãos do Tribunal Constitucional que se citarem, em www.tribunalconstitucional.pt
[9]              Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais, Janeiro – Dezembro de 2014, Assessoria Criminal.
[10]            Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais, Boletim Anual – 2015, Assessoria Criminal.
[11]             V. acórdão do STJ de 09-03-2017, proferido no processo n.º 2148/13.2JAPRT.P2.S1 - 5.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2017.
[12] Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais que se citarem sem outra indicação.
[13]             Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2014. V., no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 11-02-2010 (Proc. n.º 516/08.0PCAMD.L1.S1 – 5.ª Secção.
[14] ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA e ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 1132.
[15]             V. acórdão do STJ de 23-01-2008 (Proc. n.º 1135/07).
[16]  V. MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, p. 275.
[17]             Acórdão proferido no processo n.º 15/10.0JAGRD.E2.S1 – 3.ª Secção, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Santos Cabral.
[18]             V. os extensos comentários aos artigos 187.º e 188.º do CPP do Conselheiro SANTOS CABRAL em Código de Processo Penal Comentado, cit., pp. 726-764, doutrina que foi perfihada no acórdão do Tribunal Colectivo.
[19]             Código de Processo Penal Comentado, cit., p. 951.
[20]             No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 01-02-2017, proferido no processo n.º 470/08.9GALSD.P1.S1 – 5.ª Secção.
[21]             Neste sentido, vide, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-11-2014 (Proc. n.º 249/11.0PECBR.C1.S1), de 07-05-2014 (Proc. n.º 250/12.7JABRG.G1.S1), de 18-06-2014 (Proc. n.º 659/06.5GACSC.L1.S1), de 02-10-2014 (Proc. n.º 87/12.3SGLSB.L1.S1), bem como os acórdãos, acessíveis in www.stj./jurisprudencia/sumários de acórdãos/Criminal - Ano de 2014, de 13-02-2014 (Proc. n.º 160/13.0TCLSB.L1.S1), de 27-02-2014 (Proc. n.º 1572/11.0JAPRT.P1.S2), de 10-04-2014 (Proc. n.º 431/10.8GAPRD.P1.S1), de 14-05-2014 (Proc. n.º 42/11.0JALRA.C1.S1), de 18-09-2014 (Proc. n.º 1299/09.2PBLRA.C1.S1), e de 25-09-2014 (Proc. n.º 384/12.8TATVD.L1.S1).
[22]             Cfr Código de Processo Penal Comentado, de Henriques Gaspar et alii., 2ª ed. pag. 1273.
[23]  Cfr acórdão STJ de 2015.04.09, proc 353/13.0PAPNI.L1.D1.
[24]             Neste sentido, entre outros, os acórdãos de 19-05-2010 (Proc. n.º 459/05.0GAFLG.G1.S1 - 3.ª Secção), e de 04-12-2003 (Proc. n.º 3188/03- 5.ª Secção).
[25] Acessível in www.stj.pt/jurisprudência/sumários de acórdãos/Criminal - Ano de 2009.
[26]             Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, n.º 232 – Abril de 2017.
[27]   Lições de Direito Processual Penal, 2015, Almedina, p. 222.
[28]             Direito Processual Penal, 2016, Almedina, p. 171.
[29]             Ob. e loc. cits.
[30]             Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Ano de 2012.
[31]   Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Ano de 2014.
[32]             Acompanha-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-10-2016 (Proc. n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1 – 3.ª Secção, relatado pelo agora relator, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Boletim anual – 2016, Assessoria Criminal, retomado no recente acórdão de 18-09-2018, proferido no processo n.º 8/15.1GGVNG.P1.S1 – 3.ª Secção, inédito.
[33]V. acórdãos do STJ de 10-09-2014 (Proc. n.º 278/12.7GBSCD.C1.S1 – 3.ª Secção, e de 05-11-2014, já citado no texto, que agora se acompanha.
[34] Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª instância, Comentários, 1993, pág. 296.
[35]  LOURENÇO MARTINS, Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável.
[36]  Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais que se citarem sem outra indicação.
[37]    Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 44.
[38]             Idem, ibidem.
[39]   Doutrina reafirmada nos acórdãos n.os 10/99, de 10 de Fevereiro de 1999, e 319/2012, de 20 de Junho de 2012, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.