Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
276/13.3T2VGS.P1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
CAUSA PREJUDICIAL
CONHECIMENTO NO SANEADOR
TRÂNSITO EM JULGADO
RECURSO DE APELAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / RECURSOS / APELAÇÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de declaração, p. 662;
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª edição, Almedina, p. 200 e 201;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. III, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 139;
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, p. 43 e 44;
- Lebre de Freitas, Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, ROA 2006, Ano 66, Vol. III, in https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8 ; Código de Processo Civil, Anotado, Vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 394;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 305;
- Maria José Capelo, A Sentença Ente a Autoridade e a Prova, p. 324;
- Miguel Teixeira de Sousa, Objecto da Sentença e Caso Julgado Material, BMJ, n.º 325, p. 171 a 179.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 581.º, 629.º, N.º 2, ALÍNEA A) E 644.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-03-2008, PROCESSO N.º 08B402;
- DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 644/08.2TBVFR.P1.S1;
- DE 20-06-2012, PROCESSO N.º 241/07.0TLSB.L1.S1;
- DE 15-01-2013, PROCESSO N.º 816/09.2TBAGD.C1.S1;
- DE 22-02-2018, PROCESSO N.º 3747/13.8T2SNT.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A  decisão proferida no despacho saneador que julgou improcedente a invocada  exceção do caso julgado,  não transita em julgado, pois dela  não há recurso autónomo, nos termos  do artigo 644º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil,  não estando, por isso, o Tribunal da Relação,  em sede do  recurso de apelação, nem está o Supremo Tribunal de Justiça impedido de reapreciar esta questão  nos termos do disposto no artigo 629º, nº 2 , alínea  a) do mesmo código.

II.  A exceção de caso julgado material comporta um efeito negativo, consistente na inadmissibilidade das questões abrangidas por caso julgado anterior voltarem a ser suscitadas, entre as mesmas partes, em ação futura, tendo como requisitos a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, nos termos do artigo 581.º do Código de Processo Civil.

III. Diferentemente, a autoridade do caso julgado tem, antes, o efeito positivo de impor a primeira decisão  à segunda decisão de mérito.

IV. Não obsta à identidade de sujeitos a circunstância dos autores terem intervindo em ação anterior apenas na qualidade de herdeiros habilitados  do falecido réu, na medida em que eles são portadores do mesmo interesse substancial  quanto à relação jurídica em causa, atuando  com o mesmo interesse jurídico daquele réu.

V. Não tendo sido discutida em ação anterior a questão  da  área e confrontações de determinado imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial, não tendo, por isso, esta questão sido objeto de apreciação por parte do Tribunal, não constitui uma tal decisão  precedente lógico  do pedido de reconhecimento da área daquele  imóvel e das suas confrontações formulado numa segunda ação.

Decisão Texto Integral:

I. Relatório

1. AA e mulher, BB intentaram ação comum contra CC e marido, DD, pedindo a condenação destes a reconhecerem que o autor é comproprietário (na proporção de 10/27) e legítimo possuidor do prédio rústico, sito G..., freguesia de F......., Concelho de V----s, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 992 e  descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº 0000000000,  bem como a pagarem-lhes  indemnização pelos prejuízos decorrentes de ofensa a tal direito,  no montante  de € 450,00, a título de  danos patrimoniais, e em quantia a liquidar, relativa a danos não patrimoniais.


2. Os réus contestaram, excecionando o caso julgado, fraude à lei e erro na forma do processo e  impugnando parcialmente os factos alegados pelos autores  na sua petição.

Deduziram ainda reconvenção, pedindo a condenação dos autores a reconhecerem a propriedade dos reconvintes sobre o prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, com dependências e quintal e descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº 5..../1...., a absterem-se de perturbar o exercício desse seu direito, bem como no pagamento  das quantias de € 3.500,00 e de € 3.000,00, a título de  indemnização, por danos patrimoniais  e não patrimoniais, respetivamente.

3. Os autores replicaram, concluindo  pela  improcedência das invocadas exceções e impugnando parte dos factos alegados na reconvenção, cuja improcedência sustentaram.

4. Após audiência prévia, foi proferido despacho saneador que conheceu das  exceções aduzidas pelos réus, seguido da indicação do  objeto do litígio e da  enunciação dos  temas da prova.

5.  Realizada  audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a  ação parcialmente procedente e a reconvenção improcedente e, em consequência, decidiu:

a) Declarar que o autor AA é proprietário, na proporção de 10/27, de um prédio rústico situado em G..., freguesia de F......., Concelho de V----s, composto de terra de cultura, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº 0000000000, com inscrição da aquisição da fracção a seu favor pela Ap. 1 de 2007/08/22, prédio este inscrito na respectiva matriz sob o artigo 992, o qual confronta a norte com a via pública e a sul com um prédio, pertencente à ré CC, descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº5.....1.....;

b) Condenar os réus a reconhecerem a propriedade do autor referida em a) e a reconhecerem o direito de o autor o limpar, cuidar, cultivar, demarcar e exercer todos os demais direitos inerentes à sua condição de proprietário;

c) Absolver os réus da restante parte do pedido;

d) Absolver os autores/reconvindos da totalidade do pedido reconvencional.

6. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os réus para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em  8 de Novembro de 2018, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.


7. Inconformados, de novo, com esta decisão, dela interpuseram os réus recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo a Formação de Juízes a que alude o art. 672º, nº3 do CPC, rejeitado  a revista excecional sustentada na al. a) do nº1 do at. 672º, relativamente à alegada ineptidão da petição inicial e com o fundamento na alegada contradição acerca do modo como foi apreciada a questão  do litisconsórcio necessário relativamente ao pedido de condenação  no pagamento de indemnização.

E, no que concerne à apreciação da admissibilidade do recurso  sustentado na alegada violação do caso julgado, determinou a distribuição como revista nos termos gerais.


8. Os réus  terminaram as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem apenas na parte  não prejudicada pela inadmissibilidade  da revista excecional:

« (…)

VIII. Havendo uma decisão transitada em julgado que decidiu e condenou os aqui recorridos a reconhecer o direito de propriedade dos recorrentes sobre uma casa e terreno com uma área de 5.068 m2, tal obsta a que, numa nova ação proposta por estes últimos, se questione o direito de propriedade com a área de 5.068 m2 dos recorrentes.

(…)

XI.    Verifica-se nos autos a exceção do caso julgado.

XII.   A decisão que indeferiu a exceção do caso julgado e proferida no despacho saneador não foi acertada e por isso deverá ser alterada.

XIII. Como ambas as partes têm os seus prédios registados e existe sobreposição de áreas, a presunção do artº 7º do CRP não é de aplicar.

       (…)

XXII. A sentença deve ser revogada e, consequentemente, serem os Réus absolvidos dos pedidos formulados pelos autores e estes condenados nos pedidos formulados pelos reconvintes.

XXV. A douta sentença recorrida violou o disposto no artº 1311º do Código Civil e nos artsº 5º, 410º, 413º e 615º do Código de Processo Civil».

Termos em que requerem  seja revogado o acórdão recorrido e a sua substituição por outro que acolha a pretensão dos recorrentes.


9. Os autores responderam, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem apenas  na parte em que foi admitida  a revista:

« (…)

11ª- Também não se verifica a excepção do caso julgado, questão que, desde logo foi decidida em sede de Audiência Prévia ocorrida em 17 de novembro de 2016, como consta dos autos, e, relativamente à qual não foi interposto, tempestivamente, pelos réus (ora recorrentes), qualquer recurso, pelo que a mesma transitou em julgado, e, por isso, tem força obrigatória dentro do processo (caso julgado formal), pelo que, legalmente, não pode voltar a ser apreciada (artigos 595º nº 3 primeira parte e 620º do cpc).

12ª- De todo o modo, como facilmente se intui, na presente acção e na acção invocada pelos réus, estavam em causa, entre outras matérias, o reconhecimento da propriedade de prédios distintos e diversos.

13ª- Também não se verificava a tríplice cumulativa de identidade entre sujeitos, pedido e causa de pedir.

14ª- Os recorrentes trouxeram ao processo uma versão deturpada da realidade factual, sendo certo que a decisão do processo 439/06.8tbvgs fez referência à área que os réus reclamam, mas compulsadas as peças processuais, constata-se rapidamente, “que o objecto do litígio não incidia na área do imóvel ou nas suas confrontações, as quais, aliás, nem sequer tinham sido alegadas ou referidas por parte dos aí autores (aqui réus/reconvintes), sendo que o que estava em causa naquela outra acção era a ocupação pelos progenitores da ré/reconvinte de parte do imóvel e a “referência á área que surge na respectiva sentença não tem o significado e alcance que os réus lhe pretendem atribuir, existindo, além do mais, uma sequência de documentos que, conjugados entre si - e sem prejuízo dos restantes elementos - demonstram o imóvel de que a ré é efectivamente proprietária não tem as características alegadas nos autos, sendo ainda certo que toda a prova produzida vai no sentido de que, as confrontações são aquelas que resultaram provadas nos presentes autos, para além de resultar provado que o autor marido manteve, na sua posse, a partir da escritura de doação o imóvel descrito sob o nº 5..../1......"

15ª- A questão foi também devidamente escalpelizada pelo Tribunal da Relação do Porto que faz a diferenciação entre excepção do caso julgado e autoridade do caso julgado, referindo que não há identidade de pedidos entre a presente acção e a acção invocada pelos recorrentes, pelo que não se verifica a excepção do caso julgado, e analisa se a autoridade do caso julgado, na acção invocada pelos recorrentes, interfere na presente acção, para concluir que não.

16ª- No Tribunal da Relação do Porto constatou-se também que aquilo que estava em causa na acção invocada pelos recorrentes era a reivindicação do seu prédio (deles recorrentes) de quem o ocuparia indevidamente e, diferentemente, o que está em causa na presente acção é uma questão bem diferente: a questão da tentativa de apropriação pelos recorrentes de parte do prédio que pertence em compropriedade aos autores, com base na alegação (deles recorrentes) de que essa parcela faz parte do seu prédio, concluindo que a menção (na sentença invocada pelos recorrentes) à área do seu prédio como sendo de 5.068 m2, não passa de uma remissão para o prédio tal como está descrito na conservatória, nunca podendo ter o alcance vinculativo de que gozaria se nessa acção tivesse sido discutido se era, ou não, essa a área do prédio.

17ª- e, de facto, esta é que é a questão, pois que naquela acção invocada pelos recorrentes nunca se discutiu nem a área do seu prédio (deles recorrentes), nem as suas confrontações, pelo que, estar ----ra a considerar (na presente acção), como certa, ser essa a área daquele prédio, e impor essa conclusão no presente processo, sem que naquela acção se tenha averiguado, minimamente, se aquela área era a correcta, e onde é que começava e acabava aquele prédio, além de uma violência, seria uma profunda injustiça, e aí sim, seriamos conduzidos a uma decisão INJUSTA e até IRRACIONAL, precisamente pelo facto de nenhum Tribunal (e já agora, nenhuma outra entidade, porque como sabemos na maior parte dos casos a área dos prédios é inscrita nas matrizes prediais e depois nas Conservatórias do Registo Predial, por simples declaração dos interessados, e muitas vezes também não são corrigidas quando existem modificações) ter averiguado qual era a área e as confrontações correctas daquele prédio (dos recorrentes).

18ª- O Tribunal da Relação do Porto vem ainda dar uma achega quanto ao valor a dar a tal descrição, dizendo-se claramente que, por causa de litígios com o presente, vem-se entendendo que a presunção do artigo 7º do Código do Registo Predial não abrange a área, confrontações e ou limites do imóveis registados, citando os acórdãos do STJ de 20-05-2010 (António Sobrinho), de 07-04-2011 (Serra Batista), de 14-01-2010 (Custódio Pinto Montes) e de 08-10-2009 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).

19ª- Pelo que, também por aqui se deve concluir, carecerem os recorrentes de qualquer razão, quando pretendem que o STJ afirme que “tendo havido uma decisão transitada em julgado que decidiu e condenou os aqui recorridos a reconhecer o direito de propriedade dos recorrentes sobre uma casa e terreno com uma área de 5.068 m2, obsta a que, numa nova acção proposta por estes últimos, se questione o direito de propriedade com a área de 5.068 m2 dos recorrentes”, desde logo porque a questão nem sequer é essa como pretende fazer crer os recorrentes de forma completamente ardilosa.

(…)

29ª- Ora, de todo, a questão da área e das confrontação do terreno dos recorrentes não foi discutida nem resolvida na acção que eles invocam, porque, pura e simplesmente essa questão não estava sequer em discussão, pelo que o Tribunal (daquela primitiva acção) não indagou minimamente essa questão, porque tal não lhe era pedido … não era esse o objecto da causa, pelo que se conclui que também aqui que deve soçobrar o recurso dos recorrentes não devendo este STJ alterar o sentido das decisões já anteriormente tomadas que consideraram (e bem, quanto a nós) não existir qualquer nulidade por não existir excepção de caso julgado».


Termos em que pugnam pela improcedência do recurso.


10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



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II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões  que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim,  a única questão a decidir consiste em saber se a decisão definitiva proferida na ação  que correu termos na Comarca do Baixo Vouga – Aveiro – Juízo de Grande Instância Cível, sob o nº 439/06.8TBVGS constitui caso julgado obstativo da instauração e/ou do  conhecimento de mérito da presente ação.



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III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Factos provados:


1 – O autor é proprietário, na proporção de 10/27, de um prédio rústico situado em G..., freguesia de F......., Concelho de V----s, composto de terra de cultura, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº 5.....1....., com inscrição da aquisição da fracção a seu favor pela Ap. ... de 2007/08/22, prédio este inscrito na respectiva matriz sob o artigo 992, o qual confronta a norte com a via pública e a sul com o prédio descrito na mesma conservatória sob o nº5.....1..... (art. 1º da petição inicial).


2 – O prédio de que o autor é proprietário, na proporção indicada, foi adquirido pelo mesmo por doação dos seus pais, EE e mulher FF, através da escritura pública de doação de 20/08/1993, outorgada no Cartório Notarial de V...., estando aí identificado como verba nº 9 (art. 2º da petição inicial).


3 – Desde 20/08/1993, o autor, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua e ininterrupta e de modo pacífico, tem mandado fresar e limpar o referido terreno, o que sempre fez na convicção de ser o seu legítimo dono (art. 6º da petição inicial).


4 – Na mesma escritura de doação de 20/08/1993, outorgada no Cartório Notarial de V----s, a ré mulher, CC, recebeu por doação o prédio aí identificado como verba nº 1.., com a seguinte descrição: “Casa de ......, logradouro, pátio e quintal e dependências no lugar de G..., com a área de cinco mil e sessenta e oito metros quadrados, a confrontar do norte com GG, do sul com rua, do nascente com HH e do poente com II, não descrita na dita Conservatória, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 35 (…)” (art. 7º da petição inicial).


5 – Tal prédio da ré CC, com a composição actual referida em 15, confronta a norte com o prédio do autor (art. 9º da petição inicial)

6 – Em data não concretamente apurada, os réus abriram um portão num muro que construíram no limite norte do prédio referido em 4, que deita directamente para o prédio do autor (art. 10º da petição inicial).


7 – Em Junho de 2010, os autores procederam à colocação de pedras no prédio referido em 1, por forma a impedir a passagem por parte dos réus (art. 12º da petição inicial)


8 – Os réus entraram no terreno do autor e retiraram essas pedras (art. 13º da petição inicial)


9 – Do mencionado prédio da ré nunca fez parte qualquer área integrante do prédio do autor, sendo que tal prédio, doado à ré mulher, sempre confrontou a norte com o prédio do autor (arts. 18º e 19º da petição inicial).


10 – A linha divisória entre os dois prédios sempre se situou no local onde os réus construíram o muro referido em 6 (art. 20º da petição inicial)


11 – O que fizeram inicialmente sem deixar nenhum portão, que só posteriormente abriram nesse muro (art. 21º da petição inicial).


12 – Face ao comportamento dos réus mencionado em 6, os autores procederam à construção de uma parede em tijolo a tapar o portão atrás referido, com o objectivo de os impedir de entrarem no prédio descrito em 1 (art. 1º da petição inicial, art. 50º da contestação e art. 7º da réplica)


13 – E em 27 de Setembro de 2013, através do seu mandatário, os autores notificaram os réus, através do envio de uma carta registada com aviso de recepção, devidamente recepcionada pelos mesmos, de que se deviam abster de qualquer tipo de comportamento que pusesse em o direito de propriedade do autor (documento de fls. 34 e 35 cujo teor se considera integralmente reproduzido) (art. 27º da petição inicial)


14 – Os réus destruíram a parede em tijolo que os autores haviam construído (art. 28º da petição inicial, art. 51º da contestação e art. 7º da réplica).


15 – A ré é proprietária do imóvel composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, com dependências e quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº 5.....1..... (art. 1º da contestação).


16 – Está inscrita a favor da ré a aquisição do prédio mencionado em 15 (art. 3º da contestação).


17 – A adquiriu a propriedade do prédio (respectivo terreno) supra aludido através da escritura de doação referida em 4 (art. 4º da contestação).


18 – Os ora réus intentaram, no ano de 2006, uma acção contra os seus pais, EE e FF que correu termos na Comarca do Baixo Vouga – Aveiro – Juízo de Grande Instância Cível, sob o nº 439/06.8TBVGS, para que os mesmos fossem condenados a reconhecerem aos aqui réus, o direito de propriedade sobre o imóvel referido em 15 (art. 21º da contestação).


19 – Por razão do óbito do pai da ora ré, e por via de incidente de habilitação, os ora autores substituíram, na pendência daqueles autos, o falecido EE (art. 22º da contestação).


20 – Na referida acção foi proferida sentença, já transitada em julgado, que condenou os ali réus (aqui autores) a reconhecerem que os ora réus são proprietários do imóvel aludido em 15, sendo feita referência, na decisão, à área que resultava da descrição mencionada em 4 (art. 24º da contestação).


21 – Os réus, através do seu mandatário, escreveram uma carta ao ora autor para o mesmo proceder à retirada das pedras supra mencionadas, nos termos que resultam do documento de fls. 97 e 98 cujo teor se considera integralmente reproduzido (arts. 45º e 46º da contestação).


22 – O autor não acatou o pedido dos réus, tendo estes últimos mandado retirar as pedras em questão (arts. 47º e 48º da contestação).


NÃO PROVADOS


Não se provou a restante factualidade em discussão, designadamente a seguinte:

a) - Há cerca de 3 anos, mais precisamente no Verão de 2010, os réus utilizaram o prédio do autor, para transportarem variados materiais de construção, atravessando todo o terreno do mesmo autor, de norte para sul, ou seja, do carreiro público (que se situa a norte do prédio do autor) para a sua moradia que, então, andavam a construir/reconstruir (art. 11º da petição inicial).


b) - Os autores despenderam 300,00 € na aquisição das pedras referidas em 7 (parte restante do art. 12º da petição inicial).


c) - Em Agosto do ano de 2013, os réus entraram novamente no prédio do autor e arrancaram e retiraram (ou mandaram arrancar e retirar) do local onde os mesmos se encontravam cravados já desde 1993, os marcos de cimento que o autor tinha colocado juntamente com a sua irmã JJe o seu tio KK e que delimitavam a quota parte do terreno de cada um deles (art. 14º da petição inicial)


d) - E voltaram a cravar esses marcos mais para nascente, a alguns metros (cerca de 3,50m) do local em que eles estavam, (art. 15º da petição inicial)


e) - Dizendo e apregoando, então, a quem quisesse ouvir, que aquele terreno fazia parte do quintal da sua casa de habitação (art. 16º da petição inicial)


f) - Na construção da parede de tijolos referida em 12, despenderam os autores a quantia de cerca de 150,00 € em materiais de construção e mão-de-obra (art. 26º da petição inicial).

g) - Fruto da situação descrita em 6, 8 e 14, os autores passaram a andar pensativos, introvertidos, tristes, desgostosos, incomodados, “stressados”, a dormir e comer mal (art. 6º do articulado de aperfeiçoamento apresentado pelos autores).


h) - O prédio que foi doado à ré mulher, referido em 4 e que actualmente tem a composição referida em 15, confronta do norte com caminho e possui a área de 5.068 m2 (parte restante do art. 1º da contestação).


i) - Prédio que tem as características exaradas no croquis/levantamento topográfico que corresponde ao documento nº 2 junto com a contestação (art. 2º da contestação).


j) - Os réus, por si e antepossuidores, vêm, há mais de 30 e 20 anos, vêm utilizando esse prédio – com a confrontação e área alegadas pelos réus reconvintes - à vista de toda a gente, designadamente das gentes da V----s (arts. 6º e 7º da contestação).


k) - Cuidando da sua integridade (art. 8º da contestação).


l) - Nele fazendo obras e benfeitorias, designadamente muros de vedação (art. 9º da contestação).


m) - Plantando produtos hortícolas, árvores e flores e cuidando do quintal (art. 10º da contestação).


n) - E colhendo frutas (art. 11º da contestação).


o) - Pagando os respectivos impostos, nomeadamente o Imposto Municipal sobre Imóveis (art. 12º da contestação).


p) - Todos estes factos foram reconhecidos pelos pais dos ora autores e são do conhecimento destes últimos (art. 13º da contestação)


q) - Tendo os réus actuado sem violência (art.14º da contestação).


r) - De forma contínua (art. 15º da contestação).


s) - Em nome próprio e com ânimo de dono (art.16º da contestação).


 t) - E de forma de todos conhecida (art.17º da contestação).


u) - O que têm feito sem oposição de quem quer que seja (art. 18º da contestação).


v) - Pelo menos desde a doação de 20/08/1993, os reconvintes, por si e já antes dessa data, há mais de 20 anos, através dos seus antepossuidores (os seus pais) a quem sucederam na posse, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua e ininterrupta, de modo pacífico, têm praticado no prédio com as características referidas no art. 1º da contestação (mormente, confrontações e área alegadas pelos reconvintes), todos os actos de posse atinentes com a sua condição de proprietário e possuidor, nomeadamente, têm cuidado, ocupado, mandando semear o terreno, fresar, lavrar e colher as culturas, bem como têm construído benfeitorias, nomeadamente muros de vedação, têm pago os respectivos impostos sobre o mesmo, o que sempre fizeram na convicção de serem os seus legítimos donos (art. 40º da contestação).


w) - Os autores/reconvindos colocaram, pelo menos, 6 pedras de grande porte no prédio dos reconvintes (na área assinalada pela letra A) do croquis junto com a contestação como documento nº2), incluindo uma área desse prédio frente ao portão que dá acesso à parte norte do mesmo (arts. 42º e 43º da contestação).


x) - Impedindo os reconvintes de usarem e utilizarem esse portão que lhes permite aceder à parte norte do seu prédio (art. 44º da contestação).


y) - Na contratação do serviço de remoção das pedras referidas em 7, os réus despenderam a quantia de 3.000,00 € (art. 49º da contestação).


z) - Os reconvintes tiveram de despender a quantia de 500,00 € na contratação da demolição da parede referida em 12 e 14, remoção dos detritos e limpeza do respectivo terreno (arts. 53º e 54º da contestação).


aa) - Por força do comportamento dos reconvindos, os reconvintes ficaram impedidos de, pelo menos 3 meses, transitar a pé ou com viaturas da parte sul da propriedade referida em 15 para a sua parte norte (art. 58º da contestação).


bb) - E como tal impedidos de acederem à parte norte do prédio pelo portão/passagem supra referida (art. 59º da contestação).


cc) - Os reconvintes sentem-se indignados, tristes, nervosos e revoltados por os reconvindos não terem acatado a sentença supra referida em 20 (art. 60º da contestação).


dd) - E por terem impedido os reconvintes de passarem da parte sul do prédio para a parte norte (art. 61º da contestação).


ee) - E de não terem podido, durante, pelo menos 3 meses, usar a totalidade da sua propriedade como sempre o fizeram (art. 62º da contestação).



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3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se única e exclusivamente com a questão   de  saber se a decisão definitiva proferida na ação  que correu termos na Comarca do Baixo v..... – Aveiro – Juízo de Grande Instância Cível, sob o nº 439/06.8TBVGS,  constitui caso julgado obstativo da instauração e/ou do  conhecimento de mérito da presente ação.



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3.2.1. Antes, porém, de entrarmos na apreciação desta matéria, importa decidir a questão prévia suscitada pelo autores.

Sustentam estes, nas suas contra alegações,  que, tendo os réus invocado,   na sua contestação, a exceção do caso julgado  e tendo o Tribunal de 1ª instância, no despacho saneador, apreciado de forma  expressa e concreta, esta exceção, julgando-a improcedente,  o acórdão recorrido não podia, nem pode este Supremo Tribunal  reapreciar  tal questão por a referida  decisão ter transitado em julgado por falta de recurso.

Mas, em nosso entender, não lhes assiste qualquer razão.

Senão vejamos.

Dispõe o art. 595º,  nº 1, al. a),  do CPC, que o despacho saneador  destina-se a conhecer  «das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos  constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente», estabelecendo o seu  nº 3 que « no caso previsto na alínea a) do nº 1, o despacho constitui, logo que transite caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas»  

Por sua vez, sob a epígrafe Apelações autónomas, estabelece o at. 644º, nº 1 do CPC que «1. Cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a  procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.

2. Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;

b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;

c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;

f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;

g) De decisão proferida depois da decisão final;

h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;

i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.

3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão».

No dizer de Abrantes Geraldes[2], este artigo distingue as decisões sujeitas a recurso imediato [as  previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 e no seu  nº 2] daquelas  cuja impugnação é relegada  para momento ulterior, ou seja, daquelas  que apenas podem ser impugnadas juntamente  com o recurso que venha a ser interposto de algumas das  decisões previstas no n.º 1 ( máxime da decisão final ou do despacho saneador com o conteúdo previsto na al. b) do nº1) ou, se este não existir (por não ser admissível ou por não ter sido apresentado), em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado, desde que a impugnação tenha interesse autónomo para a parte ( nº4).

Daí ter-se por certo que, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 deste art. 644º, não há recurso autónomo da decisão  que, ao abrigo do disposto no art. 595º, nº 1, al. a) do CPC, conheceu da exceção dilatória do caso julgado, julgando-a improcedente.

Significa isto, no caso dos autos, que os  réus inconformados com a improcedência da exceção dilatória de caso julgado só podiam apresentar  a respetiva impugnação  no recurso da sentença final.

Vale tudo isto por dizer que  a decisão proferida no despacho saneador que apreciou e decidiu, de forma concreta, a exceção do caso julgado, julgando-a improcedente, não transitou em julgado, pois dela  não há recurso autónomo, nos termos  do citado art. 644º, nºs 1 e 3 , e que, por isso, o acórdão recorrido não estava impedido de a  reapreciar em sede do  recurso de apelação  interposto pelos réus nem está este Supremo Tribunal impedido de fazê-lo, nos termos do disposto no art. 629º, nº 2 , al. a) do CPC.


3.2.2. Vejamos, então, se a decisão definitiva proferida na ação  que correu termos na Comarca do Baixo V.... – Aveiro – Juízo de Grande Instância Cível, sob o nº 439/06.8TBVGS, instaurada pelos ora réus contra os seus pais, EE e FF constitui caso julgado obstativo da instauração e/ou do  conhecimento de mérito da presente ação.



*

3.2.2.1. Estamos, pois, em face de dois efeitos distintos da mesma realidade jurídica – o caso julgado material ( cfr. arts. 619º e 621º  do CPC).

Segundo a noção dada por Manuel de Andrade[3], o caso julgado material « consiste  em a definição dada à relação jurídica controvertida se impor a todos os tribunais ( e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição  da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão».

A força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, ainda segundo o mesmo autor[4], assenta na necessidade de garantir o prestígio dos tribunais, que ficaria seriamente comprometido « se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente».

Impõe-se por razões de «certeza ou segurança jurídica», pois, sem a força do caso julgado, cairíamos « numa situação de instabilidade jurídica ( instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa - fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas».

E tem por finalidade, no dizer do mesmo Professor[5], obstar  a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas), a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por anterior decisão e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados.

Todavia, enquanto que a exceção de caso julgado comporta  um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda ação, obstando a nova decisão de mérito da causa e impondo ao juiz a absolvição do réu da  instância  ( cfr. art. 576º, nº 2 do CPC),  a autoridade do caso julgado tem, antes, o efeito positivo de impor a primeira decisão  à segunda decisão de mérito[6].

Dito de outro modo e nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[7], a exceção de caso julgado tem por finalidade «evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita  na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante  não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto  duas vezes de maneira diferente ( Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica ( Zweimal) ».

 Diversamente,  « quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição  no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente».

Caraterizando a exceção de caso julgado, diremos que a mesma, de acordo com o disposto no art. 580.º do CPC, pressupõe uma identidade entre os objetos dos dois processos e implica sempre, nos termos do art. 581º, nº1 do mesmo código, a   identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

E segundo ainda o estabelecido neste artigo,  « Há  identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica» ( nº 2); «  Há identidade de pedido quando numa e noutra se pretende o mesmo efeito jurídico» ( nº 3 ) e « Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico» ( nº 4).

De realçar não ser unânime o entendimento de que, quanto à autoridade de caso julgado, tem que verificar-se a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir  estabelecida no art. 581º do CPC.

 Com efeito, enquanto para alguns doutrinadores,  designadamente para Alberto dos Reis[8], a autoridade de caso julgado  requer a verificação da tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, outros há  que defendem que a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação desta tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente  quanto a questões  que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.

Nesta última linha e quanto  à identidade objetiva, escreve Castro Mendes[9] que « (…)  se não é preciso entre os dois processos identidade de objecto ( pois justamente se pressupõe que a questão que foi num thema decidendum seja no outro  questão de outra índole, máxime fundamental, é preciso que a questão se renove no segundo processo em termos idênticos».

Do mesmo modo, considera Lebre de Freitas que « (…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida».

Também sustenta Miguel  Teixeira de Sousa[10],  que  « não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».

Assim, nesta linha de entendimento, na qual que se posiciona a maioria da jurisprudência, escreveu-se  no Acórdão do STJ, de 15.01.2013 ( processo nº 816/09.2TBAGD.C1.S1)[11], que «o alcance e autoridade do caso julgado não se pode limitar aos estreitos contornos definidos  nos arts. 580 e 581º do CPC, para a exceção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos  a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam notoriamente  presentes».

E afirmou-se, no recente acórdão do STJ, de 22.02.2018 (  revista nº 3747/13.8T2SNT.L1.S1) [12], que « a  autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa» e  abrange, « para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado».


*



3.2.2.2. Por sua vez, resulta da factualidade dada como assentes  nos pontos 18 a 20  e da certidão  constante de fls. 166 a 204, designadamente da sentença proferida na referida ação nº 439/06.8TBVGS, que:


i) Os ora réus, DD e mulher, CC, instauraram  ação  que correu termos na Comarca do Baixo V....,  Aveiro, Juízo de Grande Instância Cível, sob o nº 439/06.8TBVGS, contra EE e FF, pedindo a condenação destes a:

1. reconhecer  o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 35 e descrito na Conservatória  do Registo Predial  sob o n 000000000004, composto por casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, destinada a habitação, pátio, logradouro, quintal e dependências, com a área total de 5.068m2, sito na Rua ....., ..., ....., 3..., V----s;

2. entregar a parte desse prédio  ( dependências) que ocupam;

3. a pagar € 25,00 por cada dia decorrido entre 16.01.2006 e a entrega da parte  do prédio que ocupam.

Como fundamentos destes pedidos  invocaram a aquisição do direito de propriedade sobre o referido prédio por usucapião e por escritura de doação celebrada no dia 20 de Agosto de 1993, no Cartório Notarial de V----s, em que foram doadores os réus, EE e FF, pais da autora, CC.

Mais alegaram que os réus, EE e FF, ocupavam uns anexos e/ou dependências situados entre a casa de habitação e o quintal do prédio, neles habitando e que recusavam-se a proceder à sua entrega.


ii) Tendo o réu, EE falecido no decurso da referida ação, foram habilitados os seus herdeiros (  FF; LL e mulher, MM;  NN e marido,OO, PP e mulher, QQ; AA e mulher, BB; RR marido, SS; JJ e marido, TT; CC e marido, PP, para, em substituição daquele, prosseguir a ação.


iii) Na sentença proferida na  ação nº 439/06.8TBVGS, em 13.06.2013,  transitada em julgado, foram equacionadas as questões de saber se os aí autores, DD e mulher, CC, eram titulares  do direito de propriedade sobre o referido prédio  e se era  legítima  a ocupação  que os réus,  EE e FF, vinham fazendo das dependências situadas entre a casa de habitação e o quintal do prédio, nelas habitando.


iv)  Nesta sentença considerou-se  que os autores, DD e mulher, CC, para além de gozarem da presunção de propriedade prevista  no artigo 7º do Código de Registo Predial -  porquanto provado ficou que « está  inscrita a seu favor, no registo predial, a aquisição, por doação, do direito e propriedade  sobre o  prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 35 e descrito na Conservatória  do Registo Predial  sob o nº 000000000004, composto por casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, destinada a habitação, pátio, logradouro, quintal e dependências, com a área total de 5.068m2, sito na Rua ...., ..., G..., 3..., V----s - , lograram provar  os factos demonstrativos da sua aquisição derivada ( por doação) e originária ( por usucapião) do direito de propriedade sobre o mencionado prédio.

Mais se considerou que, resultando dos factos dados como provados que « a autora obrigou-se, na doação, enquanto filha  dos réus, a cuidar destes, providenciando-lhes alimentação, vestuário, alojamento e tratamento médico em caso de doença ( cf. Facto provado nº 13); que o prédio em questão foi, desde 1970, o local de residência  dos réus ( cf. Factos provados  nºs 16 e 17); os réus  continuaram a ocupar parte do prédio depois da doação, habitando numa das dependências  do mesmo ( facto provado nº 9)» e  que  « tais factos  criaram nos réus a legítima expectativa de que enquanto fossem vivos, a autora e os demais filhos lhes assegurassem alojamento e lhe providenciassem os demais cuidados essenciais (…) » , o exercício  do direito dos autores era ilegítimo, por constituir abuso de  direito nos termos do art. 334º do C. Civil .

E, com base nesta fundamentação,  decidiu esta sentença  condenar «os réus  a reconhecerem que os autores são titulares  do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 35 e descrito na Conservatória  do Registo Predial  sob o n 000000000004, composto por casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, destinada a habitação, pátio, logradouro, quintal e dependências, com a área total de 5.068m2, sito na Rua da ...., ...., G..., 3..., V----s, absolvendo os réus do demais peticionado.

3.2.2.3. Na presente ação:

1. Os  autores,  AA e mulher, BB formularam contra os  réus, CC e marido, DD, os seguintes pedidos:

a)   se declare que o autor é  dono e legítimo possuidor, na proporção de 10/27,  do prédio rústico situado em G..., freguesia de F......., Concelho de v----s, composto de terra de cultura, a confrontar do norte com carreiro público, do sul  com EE, do nascente com UU e do poente com VV, descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº 0000000000;

b) Os réus sejam condenados a tal reconhecer e, consequentemente, a absterem-se de qualquer comportamento que ponha em causa o direito de propriedade do autor relativamente  ao seu prédio, nomeadamente reconhecendo-lhe o direito de o limpar, cuidar, cultivar, demarcar e exercer todos os demais direitos inerentes à sua  condição de proprietário;

c) Os réus sejam condenados a indemnizar os autores dos prejuízos sofridos causados pelas suas ações violadoras do direito  de propriedade, na quantia  já liquidada de 450,00 €, referente a danos patrimoniais , e ainda  da quantia  que o Tribunal venha a arbitrar, a título de danos não patrimoniais.

Como fundamentos destes pedidos,  alegaram, em síntese, que:

- O identificado prédio, na proporção indicada, foi adquirido pelo autor, por doação dos seus pais, EE e mulher, FF, através da escritura pública de doação de 20.08.1993, outorgada no Cartório Notarial de V----s;

-Nessa mesma escritura de doação, a ré mulher,  CC, recebeu o prédio  aí identificado  como verba nº 14, com a seguinte descrição:

« Casa de rés do chão, logradouro, pátio,  quintal e dependências,  no lugar de G..., com a área de 5.068m2,  a confrontar do note com GG, do sul  com rua, do nascente com HH e do poente com II, não descrita na dita Conservatória e inscrita na matriz predial  urbana sob o nº 3..»

-  Tal prédio da ré CC confronta, a norte com o prédio do autor;

- Em data que o autor  não consegue precisar, os réus abriram um portão no muro que construíram no limite norte do seu prédio, que deita directamente para o prédio do autor;

- No Verão de 2010, os réus utilizaram o prédio do autor, para transportarem variados materiais de construção, atravessando todo o terreno do autor, de norte para sul, pelo que os autores procederam à colocação de pedras de grande porte, que adquiriram  por cerca de €300,00;

- Os réus retiraram essas pedras  e, em Agosto de 2013, entraram novamente no prédio do autor e retiraram  do local onde se encontravam cravados, desde 1993, os marcos de cimento que delimitavam a quota-parte do respectivo terreno, voltando a cravar esses marcos mais para nascente, a cerca de 3,50 m;

- do referido prédio da autora  nunca fez parte qualquer área integrante do prédio  do autor;

- Em Setembro de 2013, os autores procederam à construção de um muro em blocos de cimento, com o objectivo de  impedir os réus  de entrarem no seu prédio, que os réus destruíram em Outubro de 2013, causando prejuízos no valor de € 450,00.


2. Os réus deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos autores a:

a) reconhecerem  o direito de propriedade dos réus sobre o prédio  urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, com dependências e quintal, com a área total de 5.068 m2, sito na Rua d......, ........., 3... v----s, a confrontar do norte com caminho, sul com Rua --------------, nascente com XX  e Poente com KK, inscrito na matriz sob o artigo 1073 da actual União das freguesias de F....... e C......... e descrito  na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº 5.....1.....;

b) pagar aos réus  as quantias de € 3000,00 e € 500,00, referentes a danos patrimoniais causados e de € 3000,00, a título de danos não patrimoniais.


Como fundamento destes pedidos  alegaram factos demonstrativos do seu direito de propriedade sobre o referido imóvel bem como da prática pelos autores de atos que impedem os réus de usar a totalidade do seu prédio.  


3. Na sentença proferida nos presentes autos, em 26.02.2018,  transitada em julgado, foram equacionadas as questões respeitantes ao:

« a) Reconhecimento da propriedade dos móveis que os autores e réus/reconvintes vêm, reciprocamente, peticionar;

b) Danos  não patrimoniais e patrimoniais sofridos pelos litigantes e respectivo ressarcimento.»


4. Nesta sentença e no que concerne à primeira questão, considerou-se que, atendendo ao modo como a ação e a reconvenção foram configuradas, a discordância das partes residia  na confrontação dos respectivos prédios, pois enquanto os autores defendem que  o imóvel descrito  na Conservatória  do Registo Predial de V----s  sob o nº 00000000 confrontava, do lado sul, com o prédio descrito  na mesma Conservatória   sob o nº 00000000 os réus sustentam que este último prédio, inscrito a favor da ré, confronta do lado norte com a via pública e com  o primeiro imóvel, cuja aquisição está inscrita a favor do autor marido    

Mais considerou que, no caso concreto e mesmo sem levar em consideração a problemática inerente à área real dos imóveis – que teria de ser apurada a partir das respectivas confrontações - ,  certo é terem  os autores logrado  provar que o imóvel  descrito  na Conservatória  do Registo Predial de V----s  sob o nº 00000000 confrontava, do lado sul, com o prédio descrito  na mesma Conservatória   sob o nº 00000000  e que, tal como resulta dos factos dados como não provados e supra descritos nas alíneas h) a z) do ponto 3.1,  os réus  não lograram demonstrar  que este seu  prédio tem a área e confrontações alegadas em sede de contestação/reconvenção.

E, com base nesta fundamentação  concluiu estar vedado aos réus entrarem  no prédio  que pertence ao autor marido e abrirem o portão no muro por eles construído, decidindo:

« a) Declarar que o autor AA é proprietário, na proporção de 10/27, de um prédio rústico situado em G..., freguesia de F......., Concelho de V----s, composto de terra de cultura, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº 0000000000, com inscrição da aquisição da fracção a seu favor pela Ap. ... de 2007/08/22, prédio este inscrito na respectiva matriz sob o artigo 992, o qual confronta a norte com a via pública e a sul com um prédio, pertencente à ré CC, descrito na Conservatória do Registo Predial de V----s sob o nº......1.....;

b) Condenar os réus a reconhecerem a propriedade do autor referida em a) e a reconhecerem o direito de o autor o limpar, cuidar, cultivar, demarcar e exercer todos os demais direitos inerentes à sua condição de proprietário;

c) Absolver os réus da restante parte do pedido;

d) Absolver os autores/reconvindos da totalidade do pedido reconvencional»


3.2.2.4. Ora,  analisando  este quadro factual à luz do regime jurídico supra traçado no ponto 3.2.2.1 e indagando da verificação da exceção dilatória do caso julgado, diremos, desde logo, ser notória a identidade das partes, pois a isso não obsta a circunstância  dos ora autores terem intervindo  na ação nº 439/06.8TBVGS, apenas na qualidade  de herdeiros habilitados  do falecido réu, EE[13], na medida em que eles são portadores do mesmo interesse substancial  quanto à relação jurídica em causa, atuando  com o mesmo interesse jurídico daquele réu[14].

Porém, o mesmo já não vale dizer  quanto  à causa de pedir[15], pois se é certo estarmos perante duas ações reais, a verdade é que os fundamentos das pretensões formuladas  na ação nº 439/06.8TBVGS  radicam em factualidade bem diversa da subjacente à decisão proferida na presente ação.

E também não se verifica uma identidade quanto aos pedidos formulados.

Com efeito, consistindo o pedido  no efeito prático-jurídico que o autor pretende obter com base no estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa e aceitando como certa a doutrina de que,  para a sua diferenciação,  não se poderá deixar de atender « ao objecto da sentença e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem» [16] , havendo, por isso, que seguir um critério orientador segundo o qual, « deve vedar-se a possibilidade de ocorrer, com a sentença que venha a ser proferida, uma contradição decisória»[17], diremos que, cotejando os pedidos  formulados numa e noutra ação, não sofre dúvidas de que estamos perante diferentes pedidos.

É que, enquanto na ação  nº 439/06.8TBVGS, não se questionava nem a  área nem as confrontações  do prédio reivindicado pelos aí autores (e ora réus), pretendendo estes obter dos então réus, EE e mulher, FF, a restituição das dependências que fazem parte daquele mesmo prédio e que aqueles  réus vinham usando para sua habitação, na presente ação o efeito prático- jurídico pretendido pelos autores, é, no essencial,  o reconhecimento da aquisição ( originária e derivada) do seu direito de propriedade  sobre prédio rústico, descrito  na Conservatória do Registo Predial de V----s  sob o nº 00000000 e das respetivas confrontações, designadamente com o prédio dos réus, descrito  na mesma Conservatória   sob o nº 00000000.

E, por parte do réus reconvintes, é, fundamentalmente,o  reconhecimento da aquisição ( originária e derivada) do  direito de propriedade  sobre prédio urbano descrito  na mesma Conservatória   sob o nº 00000000 com a área  de 5.068m2  e com as confrontações alegadas na contestação/reconvenção.

Daí termos por certo não se verificar a exceção dilatória de caso julgado, na medida em que  não se verifica nenhuma coincidência entre os pedidos e as causa de pedir numa e noutra ação, pelo que nenhuma censura merece, nesta parte, o acórdão recorrido.



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3.2.2.5. Mas  temos também por  certo  não decorrerem da decisão proferida na referida ação  nº 439/06.8TBVGS quaisquer efeitos de caso julgado, nos termos do art. 619º, nº 1 do C.P. Civil, o qual dispõe que « Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º ».

É que  não obstante  a  sentença proferida na ação nº 439/06.8TBVGS ter decidido  condenar «os réus  a reconhecerem que os autores são titulares  do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 35 e descrito na Conservatória  do Registo Predial  sob o n 000000000004, composto por casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, destinada a habitação, pátio, logradouro, quintal e dependências, com a área total de 5.068m2, sito na Rua ...., ..., ...., 3..., V----s», a verdade é que não podermos deixar de concordar com o acórdão recorrido, quando corroborando a posição defendida pelo Tribunal de 1ª Instância,  afirma  que a  menção feita à área  de 5068m2, « não passa  de uma remissão para o prédio tal como está descrito na conservatória, nunca podendo ter o alcance vinculativo de que gozaria se nessa acção tivesse sido discutido ser ou não essa a área o prédio», sendo certo constituir jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que a presunção do artigo 7º do Código de registo Predial « não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados»[18]

Com efeito, não tendo sido discutida, na ação  nº 439/06.8TBVGS, a questão da  área  e confrontações do prédio urbano descrito na Conservatória  do Registo Predial  sob o nº 000000000004, não tendo, por isso, esta questão sido objecto de apreciação por parte do Tribunal, não se vê como pode uma tal decisão constituir  precedente lógico indiscutível  dos pedidos formulados na presente ação, pelo que, à luz das considerações teóricas acima expostas, não podemos reconhecer a uma tal decisão qualquer  efeito de autoridade de caso julgado material relativamente a estes mesmos pedidos.

De resto sempre se dirá ter sido este o entendimento acolhido pelos recorrentes, pois só assim se compreende que tenham formulado, em sede de contestação/reconvenção pedido de reconhecimento da aquisição ( originária e derivada) do  direito de propriedade  sobre prédio urbano descrito  na mesma Conservatória   sob o nº 00000000 com a área  de 5.068m2  e com as confrontações alegadas.

Por tudo isto e porque, tal como já se deixou dito, condição essencial é que o objeto de uma anterior ação se inscreva  como pressuposto indiscutível,  no objecto da uma posterior ação, o que se verifica no caso em apreço, fácil se torna concluir  que a autoridade de caso julgado formado pela sentença a proferida na ação nº 439/06.8TBVGS não se estende aos pedidos formulados na presente ação sob a alíneas a) da ação e reconvenção.

Termos em que improcedem também, neste particular, as razões dos recorrentes.  


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal  em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas  da revista  ficam a cargo do recorrentes.



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Supremo Tribunal de Justiça, 6 de junho de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina  Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] In,  “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018- 5ª edição, Almedina, págs. 200 e 201.
[3] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, 305, 
[4] In, “ Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 306.
[5] Neste sentido, vide, Manuel de Andrade, in, Noções Elementares, Coimbra Editora, 1979, 318.
[6] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 23.01.2014 ( revista  nº 3076/03.5TVPRT.P1.S1)
[7] In, “Objecto da Sentença  e Caso Julgado Material”, publicado no BMJ, nº 325, págs. 171ª 179.
[8] In, “ Código de Processo Civil, Anotado, Vol. III, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 139.
[9] In,  “ Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, Edições Ática, págs. 43 e 44.
[10] In  obra e local citados.
[11] No mesmo sentido, cfr. Acórdãos do STJ, de 13.12.2007 ( processo nº 07ª3739); 06.03.2008 ( processo nº 08B402)  e de 23.11.2011 ( processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1), todos publicados in www dgsi.pt/stj.
[12] No sentido exposto, vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 20/06/2012 (processo 241/07.0TLSB.L1.S1), acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[13] Cfr. Maria José Capelo, in, “ A Sentença Ente a Autoridade  e a Prova”, pág. 324.
[14] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 09.07.2015 ( processo nº 896/09) e de 22.02.2015 ( processo nº 915/09), acessíveis in www. dgsi. pt/stj .
[15] Entendida  como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se na factualidade alegada pelo impetrante como fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC. Neste sentido, cfr. Lebre de Freitas que, in “Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil” Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in ROA 2006, Ano 66, Vol. III, acessível na Internet https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8, afirma que : «(…) embora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, está hoje abandonada a ideia de que ela se possa delimitar segundo critérios meramente naturalísticos, o que a conduziria à impossibilidade de a circunscrever em termos jurídicos. Fora o caso de concurso de normas meramente aparente, dois complexos de factos, cada um dos quais integre a previsão duma norma jurídica constitutiva de direitos, só constituirão a mesma causa de pedir se o núcleo essencial das duas normas for o mesmo». Também Miguel Teixeira de Sousa, “Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica”, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 395 e ss. (395, 401-402), afirma que « A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico. É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir.  (…)

Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.»              

Cfr. ainda,  entre outros, o Acórdão do STJ, de 24.04.2013 ( processo nº 7770/07) e de 14.12.2016 ( processo nº 219/14), acessíveis in www. dgsi. pt/stj . 
[16] Cfr. Lebre de Freitas, in “ Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora,  pág. 394.
[17] Neste sentido, cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Parte Geral e Processo de declaração, pág. 662.
[18] Cfr, entre outros, Acórdãos do STJ, de 08.10.2009;  de 20.05.2010 e  de 07.04.2011, todos acessíveis in www. dgsi.pt/stj.