Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A765
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: SJ200807010007651
Data do Acordão: 07/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : - O exequente não goza de legitimidade para interpor recurso da sentença de verificação e graduação de créditos quanto à impugnação do crédito de reclamante-penhorante graduado depois do seu.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. - Por apenso à execução com processo ordinário que “Empresa-A, Lda.” instaurou contra AA e BB, efectuada a penhora de um imóvel e aberto o concurso de credores, apresentou-se “Empresa-B, Lda.” a reclamar o crédito de 129.321,36 € (25.926.605$00), acrescido de juros de mora, invocando, como sua garantia, arresto sobre o mesmo imóvel, entretanto convertido em penhora.

Liminarmente admitida a reclamação, a exequente impugnou o crédito reclamado.

Após completa tramitação do processo foi proferida sentença em que se julgou parcialmente reconhecido o crédito reclamado por “Empresa-B, Lda.”, no montante de 75.143,69 euros, e se procedeu à graduação dos créditos pela forma seguinte:
1º. Custas da acção executiva;
2º. Crédito exequendo;
3º. Crédito reconhecido e reclamado por “Empresa-B, Lda.”.
4º. Crédito reclamado pelo “Banco Empresa-C, S.A.”.”

A Exequente “Empresa-A, Lda.” interpôs recurso de apelação visando a alteração da sentença mediante o indeferimento da reclamação de créditos e a condenação da Reclamante como litigante de má fé.

O Tribunal da Relação deliberou não tomar conhecimento do objecto do recurso, por falta de legitimidade da Recorrente e abster-se de proferir condenação pela invocada litigância de má fé, por insuficiência factual que a integrasse.

Interpôs, então, a mesma Exequente recurso de revista, como tal admitido, mas, neste Tribunal, recebido e mandado prosseguir como agravo, pugnando pela apreciação do mérito da apelação.
Para tanto, verteu nas conclusões:
1. O reconhecimento do crédito da reclamante Empresa-B, Lda. obsta a que mais tarde o mesmo crédito seja impugnado.
2. E se um dia os executados adquirirem património podem ser executados para pagar o remanescente do crédito da recorrente, pois dos autos consta que não foi integralmente pago, assim como o crédito agora reconhecido à Empresa-B, Lda.
3. Não sendo discutida nos presentes autos a existência do crédito ou a validade dos títulos executivos, os interesses da recorrente não ficam acautelados.
4. Acresce que a decisão destes autos pode igualmente ter interesse e influência na verificação de créditos reclamados pela Empresa-B, Lda. nos autos de falência que correm seus termos pelo 4°Juizo do Tribunal de Santa Maria da Feira sob o n.º 2440.
Ademais,
5. Não reconhecer legitimidade à recorrente, significa desconsiderar todo o esforço por si demonstrado neste e noutros processos para desmascarar o comportamento do executado AA que sempre agiu em conluio com CC para prejudicar o crédito e os interesses da Empresa-A, Lda.
6. O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 680º n.º 1 do CPC.
Não houve contra-alegações.

2. - A questão única colocada consiste em saber se, face ao critério estabelecido no art. 680º CPC, a Recorrente-exequente goza de legitimidade para interpor recurso da sentença de verificação e graduação de créditos quanto à impugnação do crédito do Reclamante-penhorante graduado depois do seu.

3. - Os elementos de facto relevantes para o conhecimento do objecto do recurso são os constantes do relatório desta peça.

4. - Mérito do recurso.

4. 1. - No acórdão impugnado decidiu-se carecer a Apelante de legitimidade para recorrer por a impugnação da decisão não encontrar suporte num interesse em agir resultante dum prejuízo real sofrido e por ela determinado, visto o crédito da Recorrente ser, segundo a mesma decisão, pago com prioridade sobre o crédito cujo reconhecimento foi contestado.

A Recorrente argumenta que o reconhecimento do crédito obsta a que mais tarde o mesmo seja impugnado, podendo os Executados adquirirem património e serem sujeitos a nova execução para pagamento do remanescente do crédito da Recorrente e do crédito reconhecido à Recorrida, acrescendo a possibilidade de a decisão ter influência na graduação de créditos reclamados pela Recorrida no processo de falência n.º 2440 e ainda ter sido desconsiderado o esforço da Recorrente no processo e para além dele, na defesa dos seus pontos de vista.

4. 2. - No art. 680º, n.º 1 CPC estabelece-se que “os recursos (…) só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “ (mas) as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”.

O regime regra, consagrado no transcrito n.º 1 do art. 680º supõe, assim, duas condições de recorribilidade ou legitimidade do recorrente: – - ser parte principal na causa e ter ficado vencido.

O concurso do primeiro desses requisitos não coloca qualquer dificuldade, pois que, sendo a Recorrente a exequente, é parte principal na acção executiva.
De notar, porém, que como contraparte se perfila um credor reclamante, o qual, na medida em que obteve reconhecimento do crédito que reclamou se encontra em situação paralela ou semelhante à da Exequente, o que, no caso, é tanto mais nítido quanto é certo ser a Reclamante exequente noutro processo que, por razão de litispendência, tem de exercer o seu direito neste processo por essa via (art. 871º CPC). Recorrente e Recorrida surgem, pois, como co-exequentes.

No tocante ao segundo requisito, importa fixar o respectivo conteúdo.

Todos estão de acordo que por parte vencida deve entender-se aquela a quem a decisão causa prejuízo, a aferir por um critério prático, em regra de natureza económica, e não puramente teórico, sendo que o que releva é «o benefício que a decisão assegura à parte e não a razão por que lho assegura», vale dizer, os fundamentos por que o faz.
«Parte vencida e parte prejudicada são, assim, conceitos equivalentes» (A. DOS REIS, “CPC, Anotado”, V, 265/266).

Como faz notar o mesmo Autor, “a legitimidade para recorrer é um aspecto particular da legitimidade das partes. O interesse directo é o requisito essencial da legitimidade (art. 27º); pergunta-se: quem tem interesse directo em impugnar a decisão por via de recurso?”
Ou, como escreve AMÂNCIO FERREIRA (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed. 127), “pressuposto necessário à legitimidade para recorrer é o gravame ou prejuízo real sofrido. Sem este não há o interesse em agir, suporte do pedido de impugnação”.

Do critério proposto resulta que legitimidade para recorrer, pressupondo um interesse directo e um prejuízo real, medida da utilidade decorrente da procedência do recurso, conduz à exclusão da parte a quem a decisão não cause um prejuízo directo e efectivo, ou seja, que apenas seja passível de sofrer prejuízo indirecto ou reflexo, eventual ou incerto.

Um tal critério acaba por não divergir do consagrado no n.º 2 do art. 680º, o que nem sequer será de estranhar, pois que esta norma visa exigir a quem não seja parte principal no processo um interesse em recorrer idêntico ao que as partes principais, em regra e pelo facto de o serem, já detêm.

Nesta conformidade, à luz destes princípios comummente admitidos em sede de fixação do conteúdo da norma do n.º 1 do art. 680º, crê-se que, perante a graduação de créditos efectuada, com prioridade de pagamento do crédito da Exequente sobre a da Reclamante, a resposta à questão suscitada vai no sentido da ausência de um real e directo prejuízo daquela.

4. 3. - Mas, importa ir mais longe e, para responder às objecções colocadas pela Recorrente, saber se as mesmas, nomeadamente o invocado prejuízo em caso de superveniência de bens e novo concurso entre a parte do crédito da Recorrente ainda não pago e o reconhecido à Recorrida, ou de falência da aceitante das letras que titulam os créditos.

O concurso de credores visa a intervenção no processo executivo dos credores com garantia real para fazerem valer os respectivos direitos de garantia sobre os bens penhorados, ou seja, a relação processual entre o credor reclamante e os restantes sujeitos processuais são limitados ao seu direito de garantia.
Na verdade, os credores reclamantes só se apresentam a fazer valer os seus direitos de crédito, com obtenção de pagamento, na medida do seu direito de garantia sobre os bens penhorados. É esse, quanto a eles, o objecto do processo.

Como consequência, dessa “consideração de que, em qualquer caso, o objecto da acção de verificação e graduação não é tanto a pretensão de reconhecimento do direito de crédito como a de reconhecimento do direito real que o garante relega o reconhecimento do crédito para o campo dos pressupostos da decisão, como tal não abrangido pelo caso julgado.
O caso julgado produz-se, pois, apenas quanto ao reconhecimento do direito real de garantia, ficando por ele reconhecido o crédito reclamado só na estrita medida em que funda a existência actual desse direito real. Verificado o pressuposto da intervenção do executado na acção, o caso julgado forma-se quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos” (LEBRE DE FREITAS, “A Acção Executiva”, 3ª ed., 275/6).

Efectuada a graduação, isto é, estabelecida a ordem de prioridades de pagamento entre os credores com garantias, exequente incluído, fica esgotado o objecto do processo e resolvida a questão da satisfação dos créditos pelo numerário obtido com a alienação dos bens apreendidos afectos á garantia dos créditos que sobre eles incidiam, sem que o respectivo montante assuma qualquer relevância para além do processo e desse escopo.

Deste modo, a prioridade da graduação afasta definitivamente qualquer interesse em discutir a existência e o montante dos créditos sobre os mesmos bens relegados para ulterior plano ou com garantia sobre outros bens, por isso que, insiste-se, o seu reconhecimento carece de relevância fora do processo em que se destinaram a funcionar pressuposto de graduação.

Ora, assim sendo, resultam desprovidos de relevância prática os argumentos invocados pela Recorrente:

Os relativos à possibilidade de os Executados adquirirem património e serem sujeitos a nova execução para pagamento do remanescente do crédito da Recorrente e do crédito reconhecido à Recorrida e de a decisão ter influência na graduação de créditos reclamados pela Recorrida no processo de falência da Sociedade aceitante das letras avalizadas pela Recorrida, porque tais eventos, como notado, apenas consubstanciariam um prejuízo, além de, naturalmente, reflexo, eventual ou incerto, sempre carecendo - obstáculo que se ergue como decisivo - de sustentação jurídica na medida da referida inoponibilidade do crédito julgado verificado, como fundamento e para efeito da graduação, fora do processo;
Os relativos à desconsideração do labor e o esforço da Recorrente no processo e para além dele, na defesa dos seus pontos de vista, por se tratar, mais ainda, de interesses indirectos ou instrumentais que a lei não releva, antes desconsidera, na ponderação do interesse e legitimidade para recorrer.

4. 4. - Nesta perspectiva, e em conformidade com os fundamentos que se deixaram alinhados, a decisão impugnada é de manter.

5. - Decisão.

Nos termos expostos, acorda-se em:
- Negar provimento ao agravo;
- Manter a decisão recorrida; e,
- Condenar a Recorrente nas custas do recurso.

Lisboa, 1 de Julho de 2008

Alves Velho (relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias