Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
945/22.7YRLSB.S2
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DETENÇÃO
EXTRADIÇÃO
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO/ M.D.E./ RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A Convenção CPLP, de 23-11-2005 regula – à semelhança da Lei n.º 144/99, quanto à detenção provisória no âmbito do pedido de extradição –, os prazos em que se mantém a detenção provisória ou as medidas de coacção não detentivas aplicadas à pessoa reclamada, impondo aos Estados requerentes prazos para efectuar o pedido de extradição que garantiram ir efectuar, após a detenção;
II - O procedimento processual de detenção provisória tem natureza cautelar ou instrumental do pedido de extradição, destinando-se a acautelar e a garantir que a pessoa reclamada seja entregue ao Estado requerente, desde que observados os requisitos do pedido (art. 21.º, n.º 2, da Convenção CPLP, de 23-11-2005);
III - Decorrido o prazo para formalização do pedido de extradição extinguem-se os efeitos visados com a detenção provisória, cessando de imediato as medidas de coacção aplicadas à pessoa reclamada e arquivando-se o caderno de papéis de suporte ao procedimento da detenção provisória, cuja única finalidade é a do controlo da legalidade da privação ou limitação da liberdade da pessoa reclamada com vista à efectivação da extradição.
Decisão Texto Integral:


EXTRADIÇÃO

Autos de Detenção Provisória

Processo n.º 945/22.7YLSB.S.2

I – RELATÓRIO
1. O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs o presente recurso do despacho proferido em 19/05/2022, pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que declarou “(…) extinta a instância dos presentes autos de detenção provisória, cessando, de imediato, a imposta medida - cf. Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, de 23.11.2005, artigo 10.º, n.ºs 4 e 5.”, pedindo, a final, que o referido despacho seja “(…) substituído por outro que mantenha válida a instância e fixe prazo para a apresentação do pedido formal de extradição relativamente a AA.”.


2. O arguido AA, (AA), fora detido pela Polícia Judiciária, no dia 30/03/2022, na localidade de ... - ..., na sequência de cumprimento de mandato de detenção internacional, difundido como “...”, publicada em 15/02/2022 na zona de acesso público do site da INTERPOL, como “FUGITIVO PROCURADO PARA FINS DE PROCEDIMENTO CRIMINAL”, sendo o Estado requerente, Angola – autos fls. 10 a 16, 22 e 23;

3. Comunicada a sua detenção, em 31/03/2022, nos termos do art.ºs 62.º, n.º 2 e 64.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei 144/99), o Ministério Público requereu a sua audição no TRL, ao abrigo da CONVENÇÃO DE EXTRADIÇÃO ENTRE OS ESTADOS MEMBROS DA CPLP, de 23/11/2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República, n.º 49/2008 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15 de Setembro, doravante (Convenção CPLP, de 23/11/2005), considerando ter sido a detenção efectuada com respeito pelo disposto no art.º 39.º, da Lei 144/99 e que a referida notícia fosse considerada “(…) como um pedido formal de detenção provisória”– autos de fls. 1 a 3;

4. Nesse mesmo dia 30/03/2022, no âmbito do presente processo de detenção provisória, o arguido foi ouvido no TRL, conforme art.º 54.º, da Lei 144/99, tendo declarado que  “(…) não aceita ser extraditado para Angola, nem renuncia a tal benefício (regra da especialidade), pretendendo deduzir oposição no prazo legal, uma vez que, não confiando na justiça angolana e porque se considera inocente, tendo também nacionalidade portuguesa (…) estatuto que adquiriu em 2018, decidiu por essas razões vir e permanecer em Portugal…” – autos fls. 25 a 27;

5. Após a audição do arguido, o Ministério Público considerando que o arguido possuía nacionalidade portuguesa, e essa circunstância ser causa de recusa facultativa de extradição, promoveu a sua libertação e que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo mediante TIR e apresentações semanais no posto policial próximo da sua residência. Mais promoveu que o pedido do Estado requerente fosse considerado pedido formal de detenção provisória e que “(…) consequentemente os autos aguardem por 40 dias a contar da detenção pela apresentação do pedido de extradição pelas autoridades angolanas à PGR na qualidade de autoridade central, nos termos do artº 21 nº 4 da referida Convenção” – autos fls. 25 a 27;

6. Por despacho proferido após a audição do arguido e, deferindo a promoção do Ministério Público, o TRL decidiu que “O detido foi regularmente apresentado, e vista a promoção do Ministério Público que antecede deverá aguardar os demais termos dos autos na situação proposta.”, aplicando ao arguido a medida de coação de apresentações semanais no posto policial mais próximo da sua residência. Mais determinou, tal como fora promovido, que o processo aguardasse por 40 dias “(…) a formalização do pedido de extradição, e, subsequente oposição” – autos fls. 25 a 27;

7. O despacho do TRL, assim proferido, foi comunicado a diversas entidades, entre elas, à Embaixada da República Popular de Angola, em Portugal, ao Gabinete da INTERPOL, em ..., ao Gabinete da Ministra da Justiça e à Procuradoria-Geral da República; - autos fls. 29 a 44;

8. O arguido iniciou as apresentações periódicas a partir de 27/04/2022, vindo a cumprir essa obrigação, desde então e até ao despacho de arquivamento do procedimento de detenção provisória, o despacho sob recurso – autos fls. 59, 60, 95 a 100;

9. Com efeito, por despacho de 10/05/2022, deferindo promoção do Ministério Público, o TRL determinou diligências junto do Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da PGR, para obter informação sobre o pedido de extradição a apresentar pelo Estado Requerente, Angola, tendo aquela entidade informado que relativamente ao arguido AA, “(…) as autoridades angolanas informaram que irão apresentar o competente pedido de extradição (…) e que solicitam desde já prorrogação do prazo para o efeito a fim de cumprirem cabalmente com os procedimentos a observar.” – autos fls. 63 a 65;

10. O TRL proferiu, então, o despacho recorrido, nos seguintes termos:
“Como se observa, por reporte aos autónomos presentes autos de detenção provisória (onde foi aplicada, após promoção nesse sentido pelo Ministério Público, alternativa medida de coação -apresentações periódicas em posto policial) - cf. artigo 21.º, da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, de 23.11.2005 (ratificação: RAR 49/2008 e DPR 67/2008, DR I, 178, de 15.9.2008) -, o Estado requerente não formalizou um pedido de extradição, assim não tendo sido distribuído neste Tribunal da Relação “ao cabo de 40 dias seguidos, a contar da data de notificação da sua detenção” o, inerente, e próprio, processo com adequado pedido de extradição, formulado e instruído nos termos do artigo 10.º, da mesma Convenção.
Nestes termos, declara-se extinta a instância dos presentes autos de detenção provisória, cessando, de imediato, a imposta medida - cf. Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, de 23.11.2005, artigo 10.º, n.ºs 4 e 5.
D.N. - comunicando-se à entidade policial, oportunamente se arquivando os presentes autos (pois que, se disso vier a ser caso, o pedido de extradição se deve iniciar com o competente requerimento e a prova constituída por toda a necessária documentação, sujeito a distribuição autónoma da do presente processo de detenção provisória (e não, em manifesta inversão de valor processual, por apenso a este procedimento prévio), sem prejuízo, naturalmente, de nesse requerimento inicial (ou posteriormente), a em tal haver interesse, se pedir a apensação ao, novo, processo de extradição destes autos de detenção provisória do requerido).” – sublinhados no original.

11. É deste despacho que o Ministério Público interpõe recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua fundamentação nos seguintes termos:

1- AA foi detido no dia 30 de março de 2022, pelas 8.30horas, em cumprimento de um pedido de detenção antecipada formulado pelas autoridades Judiciárias da República de Angola, pedido inserido e difundido via Interpol, (“...”), nos termos do disposto no artigo 39º, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.

2- Procedeu-se à sua audição no dia 31 de março de 2022, nos termos do disposto no art.º 54º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, tendo sido validada a sua detenção e ordenada a sua libertação, ficando o mesmo sujeito às medidas de coação de prestação de TIR e apresentações semanais no posto policial da área de residência;

3- Por ofício datado de 17/5/22, o Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da Procuradoria Geral da República deu conhecimento terem as autoridades angolanas informado que iriam apresentar o pedido formal de extradição e solicitaram a prorrogação do prazo para a sua apresentação;

4- Por despacho proferido a 19 de maio de 2022, o M.mo Juiz, considerando que o Estado requerente não tinha formalizado o pedido de extradição, nos termos do art.º 10º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, decorridos 40 dias seguidos a contar da data da notificação da sua detenção, declarou extinta a instância “dos presentes autos de detenção provisória cessando, de imediato, a medida imposta”;

5- Dispõe o artigo 21º, n.º 4 da Convenção: “A pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade se, ao cabo de 40 dias, seguidos, a contar da data da notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição”.

6-Desta norma resulta que o prazo de 40 dias aí fixado pressupõe que o extraditando se encontre detido, sendo que a consequência para a não apresentação atempada do pedido formal de extradição é a libertação do detido e não a extinção da instância, com o consequente arquivamento dos autos;

7- A norma do n.º 5 do citado artigo 21º, pressupõe igualmente a validade da instância após o decurso daquele prazo, ao dispor que: “O disposto no número anterior não prejudica nova detenção da pessoa reclamada caso venha a ser apresentado o pedido de extradição”.

8º- Não se encontram previstos, quer na Convenção, quer na Lei 144/99 prazos que regulamentem o procedimento no caso dos extraditandos não se encontrarem detidos, sendo que o processo de extradição tem caráter urgente, por força o disposto no artigo 46º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31/8;

9- Ultrapassado que seja o prazo que a Lei apenas prevê para os casos em que a detenção do extraditando se mantém, a instância deve manter-se válida e aguardar, por tempo razoável e a fixar por despacho, pela apresentação do pedido formal de extradição;

10-O despacho recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto no artigo 21º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, pelo que deverá ser substituído por outro que mantenha válida a instância e fixe prazo para a apresentação do pedido formal de extradição relativamente a AA.”.


12. Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Tendo em consideração o disposto no art.º 21.º, da Convenção CPLP, de 23/11/2005, celebrada entre os Estados Membros da CPLP, a única questão a resolver é a de saber em que prazo o Estado requerente deve apresentar o pedido de extradição quando, no âmbito do procedimento de detenção provisória para efeitos de procedimento criminal e com vista à extradição, em curso no Estado requerido, se substitui a detenção provisória por medida de coacção não detentiva da liberdade.


1. Enquadramento Legal

Como se disse no Ac. do STJ, de 30/05/2012, Proc. n.º 290/11.3YRCBR1.S1, cuja doutrina se mantém actual, “A extradição constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, através da qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por infração cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.”, sendo “(…)  regulada pelos tratados e convenções internacionais, e, na sua falta ou insuficiência, pela lei relativa à cooperação internacional (Lei nº 144/99, de 31-8), e ainda pelo Código de Processo Penal, conforme dispõem o art. 229º deste diploma e o art. 3º, nº 1, daquela Lei. A aplicação da lei interna portuguesa é, pois, subsidiária.” – no mesmo sentido, vd. Ac. STJ, de 13/04/2005, Proc. 05P745 – ambos os arestos em www.dgsi.pt.  

A cooperação judiciária internacional em matéria penal entre os Estados membros CPLP é regulada pela Convenção CPLP, de 23/11/2005, de 23/11/2005, nos termos da qual se reconheceu a importância da extradição como instrumento de entrega de pessoas que se encontrem num Estado Contratante e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou cumprimento de pena privativa de liberdade, cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente – cf. art.º 1.º da Convenção CPLP, de 23/11/2005.

Nos termos dessa mesma Convenção, a extradição pode ser recusada se “a pessoa reclamada for nacional do Estado requerido” – art.º 4.º, al. a) –, gozando de todos os direitos e garantias que o Estado requerido legalmente conceda – art.º 8.º –, e o pedido de extradição é transmitido entre autoridades centrais, sem prejuízo do recurso ao canal diplomático – art.º 9.º –.

Para assegurar o procedimento de extradição da pessoa reclamada, o Estado requerente pode solicitar a detenção provisória da pessoa a ser entregue, tal como decorre do disposto no art.º 21.º da Convenção CPLP, de 23/11/2005, cujo teor se transcreve:

Artigo 21.º - Detenção provisória

1 - As autoridades competentes do Estado requerente podem solicitar a detenção provisória para assegurar o procedimento de extradição da pessoa reclamada, a qual será cumprida com a máxima urgência pelo Estado requerido de acordo com a sua legislação.

2 - O pedido de detenção provisória deve indicar que tal pessoa é objecto de procedimento criminal, de uma sentença condenatória ou de ordem de detenção judicial, devendo consignar a data e os factos que motivem o pedido, o tempo e o local da sua ocorrência, além dos dados que permitam a identificação da pessoa cuja detenção se requer. Também deverá constar do pedido a intenção de se proceder a um pedido formal de extradição.
3 -
O pedido de detenção provisória poderá ser apresentado pelas autoridades competentes do Estado requerente pelas vias estabelecidas na presente Convenção, bem como pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL), devendo ser transmitido por correio, fax ou qualquer outro meio que permita a comunicação por escrito.

4 - A pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade se, ao cabo de 40 dias seguidos, a contar da data de notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição.

5 - O disposto no número anterior não prejudica nova detenção da pessoa reclamada caso venha a ser apresentado o pedido de extradição.

– sublinhados e negritos nossos.

Por sua vez, sobre a extradição em que Portugal seja parte, entre outros instrumentos legislativos nacionais, aplicam-se as disposições, substantivas e processuais, fixadas no regime jurídico relativo à cooperação internacional em matéria penal, Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (designadamente, os art.ºs 21.º. 29.º, 31.º a 33.º, 50.º, 54.º); da Constituição da República (art.º 33.º); do Código de Processo Penal (CPP), (designadamente art.º 229.º e seguintes e as disposições relativas à detenção e à aplicação de medidas de coacção) e do Código Penal.


2. No caso, AA foi detido provisoriamente pela Polícia Judiciária portuguesa, por ordem de um Tribunal do Estado angolano, que emitira um mandado de detenção para procedimento criminal, por aquele ser suspeito da prática de um crime de homicídio qualificado em razão dos meios, punido nos termos da legislação penal do Estado angolano com uma pena máxima de 25 (vinte e cinco anos) de prisão, tendo sido tal mandado difundido como ..., pela INTERPOL.

No âmbito de tal mandado de detenção informava-se quais as medidas a tomar em caso de detenção, sendo certo que a autoridade judiciária do país emitente garantia que, após a detenção, solicitaria a extradição do detido, “(…) em conformidade com a legislação nacional e/ou com os tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis”.

Porém, como decorre do procedimento e dos factos descritos, após a detenção e a audição pela autoridade judiciária portuguesa competente e após a aplicação ao AA, de medidas de coacção não detentivas, foi determinado que os autos aguardariam o prazo de 40 dias pelo pedido de extradição a ser requerido pelo Estado angolano, em conformidade como o disposto no art.º 21.º, n.º 4, da Convenção CPLP, de 23/11/2005 de Extradição da CPLP.

O Estado angolano nada requereu no referido prazo de 40 dias, sendo certo que só após diligências da autoridade judiciária portuguesa junto da Autoridade Central Portuguesa, foi obtida a informação de que iria efectuar o pedido de extradição, sem especificar em que prazo.

Note-se que a breve referência efectuada na comunicação vinda da Autoridade Central Portuguesa de que o Estado angolano iria “(…) apresentar o competente pedido de extradição (…) e que solicitam desde já prorrogação do prazo para o efeito a fim de cumprirem cabalmente com os procedimentos a observar.” – sublinhado nosso –, não constitui qualquer intervenção do Estado requerente no processo de detenção provisória, nem integra formalmente um pedido de prorrogação de prazo. Tal como resulta daquele ofício da Autoridade Central o seu conteúdo é meramente informativo.

Acresce que, no âmbito do procedimento de detenção provisória não se prevê uma prorrogação do prazo para efectuar o pedido de extradição. Atente-se no disposto no art.º 21.º, n.º 4 da Convenção CPLP, de 23/11/2005 que precisa “(…) se, ao cabo de 40 dias seguidos, a contar da data de notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição”, a pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade. Entende o Ministério Público recorrente que este segmento da norma deve ser interpretado no sentido de que tal prazo se aplica, unicamente, no caso de a pessoa se encontrar, efectivamente em prisão, ou seja, se se mantiver a detenção. Todavia sem razão.

As medidas de coacção são medidas processuais previstas no CPP que se destinam a assegurar as necessidades cautelares que um caso exige, devendo ser aplicadas com respeito pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação à gravidade do crime. Condicionam a liberdade pessoal dos arguidos constituídos como tal no âmbito de um procedimento penal e por isso obedecem a prazos de duração máxima ou a revisão periódica, geralmente coincidentes com os prazos de duração previstos e fixados na lei para o procedimento criminal. A sua aplicação obedece a uma equilibrada ponderação dos direitos do arguido e à necessidade de garantir sua defesa.

A medida de apresentação periódica, prevista no art.º 198.º do CPP, constitui uma medida não detentiva que condiciona fortemente a liberdade do arguido, impondo-lhe a obrigação de se apresentar a uma entidade judiciária ou a um órgão de polícia criminal, em dias e horas preestabelecidos, podendo ser cumulada com qualquer outra medida não detentiva.

No âmbito de aplicação da Convenção CPLP, de 23/11/2005 prevê-se, expressamente no seu art.º 8.º, que “(…) A pessoa reclamada gozará, no Estado requerido, de todos os direitos e garantias que conceda a legislação desse Estado.”. Tal significa que, em caso de detenção provisória para procedimento criminal e consoante as circunstâncias pessoais da pessoa detida e da gravidade dos factos que lhe são imputados, o Tribunal da Relação, competente para proceder à sua audição, avalia os pressupostos de aplicação das medidas de coacção ao detido e, se for caso disso, é também o competente para aplicar medidas de coacção não detentivas – cf. art.ºs 62,º, n.º 2 e 64.º, n.º 1 e 65.º, da Lei 144/99.

Ora, no caso sob apreciação, é o próprio Ministério Público que, reconhecendo ter o detido nacionalidade portuguesa, promove que o mesmo seja libertado e que lhe sejam aplicadas medidas de coação não detentivas e que o procedimento aguardasse o prazo de 40 dias, como previsto no art,º 21.º, n.º 4, da Convenção CPLP, de 23/11/2005, para que o Estado requerente apresentasse o pedido de extradição.

É evidente que, se decorrido o prazo de 40 dias, nada foi pedido pelo Estado requerente, extingue-se a razão para se manter o procedimento processual de detenção provisória, pois que este, pela sua natureza, se destina a acautelar e a garantir que a pessoa reclamada seja entregue ao Estado requerente, desde que observados os requisitos do pedido (art.º 21.º, n.º 2, da Convenção CPLP, de 23/11/2005).

Por isso mesmo, com vista a assegurar que os direitos da pessoa reclamada não sejam comprimidos por tempo indefinido, a Convenção CPLP, de 23/11/2005 regula – à semelhança da Lei 144/99, quanto à detenção provisória no âmbito do pedido de extradição –, os prazos em que se mantém a detenção provisória ou as medidas de coacção não detentivas aplicadas à pessoa reclamada, impondo aos Estados requerentes prazos para efectuar o pedido de extradição que garantiram ir efectuar, após a detenção.

Decorrido o prazo para formalização do pedido de extradição, extinguem-se os efeitos visados com a detenção provisória, que tem natureza cautelar ou instrumental desse pedido, cessando de imediato as medidas de coacção aplicadas à pessoa  reclamada e arquivando-se o caderno de papéis de suporte ao procedimento da detenção provisória, cuja única finalidade é a do controlo da legalidade da privação ou limitação da liberdade da pessoa reclamada com vista à efectivação da extradição.

Isso mesmo decorre da própria Convenção CPLP, de 23/11/2005, ao dispor no art.º 21.º, n.º 5, que determina que “(…) não prejudica nova detenção da pessoa reclamada caso venha a ser apresentado o pedido de extradição”. O facto de a pessoa detida na sequência do pedido de detenção provisória ser colocada em liberdade quando, no decurso do prazo de 40 dias seguidos, o Estado requerente não tiver formalizado um pedido de extradição, não preclude a possibilidade de efectivação da extradição, se e quando o pedido respectivo vier a ser apresentado.

Com efeito, a norma em questão destina-se a não prolongar indefinidamente a situação decorrente da detenção provisória, fixando-se um prazo para ser requerida a extradição. Por isso mesmo se exige que o Estado requerente deve dar garantia de que, após a detenção da pessoa visada solicitará a sua extradição.

E o disposto no art.º 21.º, n.ºs 4 e 5, da Convenção CPLP, de 23/11/2005, aplica-se a todas as situações de procedimento de detenção provisória, mesmo no caso de a detenção ter sido substituída por medidas não detentivas. Neste caso, a situação da pessoa reclamada, ainda que não se encontrando presa num estabelecimento prisional ou obrigada a permanecer numa residência com meio electrónico de vigilância, continua a se encontrar numa situação de compressão da sua liberdade, razão por que a lei refere que a mesma deve ser restituída à liberdade.

Aliás, seria absurdo que o legislador pretendesse que, decorrido o prazo para o Estado requerente formalizar o pedido de extradição na sequência de um pedido de detenção provisória, uma pessoa que se encontrasse presa pudesse ser colocada imediatamente em liberdade e sem que lhe fosse aplicada qualquer outra medida de coacção e, uma pessoa detida provisoriamente, mas posta em liberdade mediante a aplicação de medidas não detentivas, ficasse contida na sua liberdade após o decurso do prazo estipulado, até que o Estado requerente formalizasse o pedido de extradição. Efectivamente, embora o procedimento de detenção provisória possa ser considerado como uma fase prévia do processo de extradição, visando garantir que a pessoa reclamada não se subtraia à justiça do Estado requerente, a verdade é que é o pedido de extradição que formalmente dá início ao processo de extradição, sendo que o pedido é a base para definir os termos e os limites em que a extradição será ou não concedida – neste sentido, Ac. do STJ de 13/04/2005, Proc.  05P745, em www.dgsi.pt.

Tanto basta para que se conclua que bem andou o TRL ao determinar a cessação imediata das medidas de coacção não detentivas impostas a AA, detido provisoriamente para eventual procedimento criminal no Estado requerente, Angola, ao abrigo do disposto no art.º 21.º, n.º 4 da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, de 23.11.2005, declarando extinta a instância neste procedimento e determinar o arquivamento do respectivo processo, não violando o referido preceito da Convenção.

Com efeito, esgotada a finalidade do processo de detenção provisória e resolvido tudo o que há a decidir nesta instância penal, não compete ao TRL dar impulso ao processo de extradição ou instar o Estado requerente a formalizar o pedido. O processo de extradição inicia-se com o pedido formal de extradição e não com o requerimento do MP para audição do detido ou mesmo do pedido de extradição ao abrigo do art.º 50.º, da Lei 144/99 – neste sentido o citado Ac. do STJ de 13/04/2005.

Termos em que, relativamente ao procedimento de detenção provisória, independentemente do que porventura posteriormente venha a surgir, a instância extingue-se neste procedimento que tem um fim específico e natureza própria, pois, não é ainda o processo de extradição, embora lhe pertença caso venha a ser formalizado o pedido de extradição.

Por tudo o exposto, improcedem as alegações do recorrente Ministério Público.

III – DECISÃO

Termos em que, acordando, se decide:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público;
b) Sem custas.

Lisboa, 14 de Julho de 2022 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relator)

Helena Moniz (Adjunta)

Eduardo Loureiro (Presidente)