Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LEONOR FURTADO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO DETENÇÃO EXTRADIÇÃO | ||
Data do Acordão: | 07/14/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | EXTRADIÇÃO/ M.D.E./ RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I - A Convenção CPLP, de 23-11-2005 regula – à semelhança da Lei n.º 144/99, quanto à detenção provisória no âmbito do pedido de extradição –, os prazos em que se mantém a detenção provisória ou as medidas de coacção não detentivas aplicadas à pessoa reclamada, impondo aos Estados requerentes prazos para efectuar o pedido de extradição que garantiram ir efectuar, após a detenção; II - O procedimento processual de detenção provisória tem natureza cautelar ou instrumental do pedido de extradição, destinando-se a acautelar e a garantir que a pessoa reclamada seja entregue ao Estado requerente, desde que observados os requisitos do pedido (art. 21.º, n.º 2, da Convenção CPLP, de 23-11-2005); III - Decorrido o prazo para formalização do pedido de extradição extinguem-se os efeitos visados com a detenção provisória, cessando de imediato as medidas de coacção aplicadas à pessoa reclamada e arquivando-se o caderno de papéis de suporte ao procedimento da detenção provisória, cuja única finalidade é a do controlo da legalidade da privação ou limitação da liberdade da pessoa reclamada com vista à efectivação da extradição. | ||
Decisão Texto Integral: | EXTRADIÇÃO Autos de Detenção Provisória Processo n.º 945/22.7YLSB.S.2
I – RELATÓRIO “1- AA foi detido no dia 30 de março de 2022, pelas 8.30horas, em cumprimento de um pedido de detenção antecipada formulado pelas autoridades Judiciárias da República de Angola, pedido inserido e difundido via Interpol, (“...”), nos termos do disposto no artigo 39º, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto. 2- Procedeu-se à sua audição no dia 31 de março de 2022, nos termos do disposto no art.º 54º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, tendo sido validada a sua detenção e ordenada a sua libertação, ficando o mesmo sujeito às medidas de coação de prestação de TIR e apresentações semanais no posto policial da área de residência; 3- Por ofício datado de 17/5/22, o Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da Procuradoria Geral da República deu conhecimento terem as autoridades angolanas informado que iriam apresentar o pedido formal de extradição e solicitaram a prorrogação do prazo para a sua apresentação; 4- Por despacho proferido a 19 de maio de 2022, o M.mo Juiz, considerando que o Estado requerente não tinha formalizado o pedido de extradição, nos termos do art.º 10º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, decorridos 40 dias seguidos a contar da data da notificação da sua detenção, declarou extinta a instância “dos presentes autos de detenção provisória cessando, de imediato, a medida imposta”; 5- Dispõe o artigo 21º, n.º 4 da Convenção: “A pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade se, ao cabo de 40 dias, seguidos, a contar da data da notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição”. 6-Desta norma resulta que o prazo de 40 dias aí fixado pressupõe que o extraditando se encontre detido, sendo que a consequência para a não apresentação atempada do pedido formal de extradição é a libertação do detido e não a extinção da instância, com o consequente arquivamento dos autos; 7- A norma do n.º 5 do citado artigo 21º, pressupõe igualmente a validade da instância após o decurso daquele prazo, ao dispor que: “O disposto no número anterior não prejudica nova detenção da pessoa reclamada caso venha a ser apresentado o pedido de extradição”. 8º- Não se encontram previstos, quer na Convenção, quer na Lei 144/99 prazos que regulamentem o procedimento no caso dos extraditandos não se encontrarem detidos, sendo que o processo de extradição tem caráter urgente, por força o disposto no artigo 46º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31/8; 9- Ultrapassado que seja o prazo que a Lei apenas prevê para os casos em que a detenção do extraditando se mantém, a instância deve manter-se válida e aguardar, por tempo razoável e a fixar por despacho, pela apresentação do pedido formal de extradição; 10-O despacho recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto no artigo 21º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, pelo que deverá ser substituído por outro que mantenha válida a instância e fixe prazo para a apresentação do pedido formal de extradição relativamente a AA.”.
II – FUNDAMENTAÇÃO Tendo em consideração o disposto no art.º 21.º, da Convenção CPLP, de 23/11/2005, celebrada entre os Estados Membros da CPLP, a única questão a resolver é a de saber em que prazo o Estado requerente deve apresentar o pedido de extradição quando, no âmbito do procedimento de detenção provisória para efeitos de procedimento criminal e com vista à extradição, em curso no Estado requerido, se substitui a detenção provisória por medida de coacção não detentiva da liberdade. Como se disse no Ac. do STJ, de 30/05/2012, Proc. n.º 290/11.3YRCBR1.S1, cuja doutrina se mantém actual, “A extradição constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, através da qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por infração cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.”, sendo “(…) regulada pelos tratados e convenções internacionais, e, na sua falta ou insuficiência, pela lei relativa à cooperação internacional (Lei nº 144/99, de 31-8), e ainda pelo Código de Processo Penal, conforme dispõem o art. 229º deste diploma e o art. 3º, nº 1, daquela Lei. A aplicação da lei interna portuguesa é, pois, subsidiária.” – no mesmo sentido, vd. Ac. STJ, de 13/04/2005, Proc. 05P745 – ambos os arestos em www.dgsi.pt.
A cooperação judiciária internacional em matéria penal entre os Estados membros CPLP é regulada pela Convenção CPLP, de 23/11/2005, de 23/11/2005, nos termos da qual se reconheceu a importância da extradição como instrumento de entrega de pessoas que se encontrem num Estado Contratante e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou cumprimento de pena privativa de liberdade, cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente – cf. art.º 1.º da Convenção CPLP, de 23/11/2005. Nos termos dessa mesma Convenção, a extradição pode ser recusada se “a pessoa reclamada for nacional do Estado requerido” – art.º 4.º, al. a) –, gozando de todos os direitos e garantias que o Estado requerido legalmente conceda – art.º 8.º –, e o pedido de extradição é transmitido entre autoridades centrais, sem prejuízo do recurso ao canal diplomático – art.º 9.º –.
Para assegurar o procedimento de extradição da pessoa reclamada, o Estado requerente pode solicitar a detenção provisória da pessoa a ser entregue, tal como decorre do disposto no art.º 21.º da Convenção CPLP, de 23/11/2005, cujo teor se transcreve:
– sublinhados e negritos nossos.
Por sua vez, sobre a extradição em que Portugal seja parte, entre outros instrumentos legislativos nacionais, aplicam-se as disposições, substantivas e processuais, fixadas no regime jurídico relativo à cooperação internacional em matéria penal, Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (designadamente, os art.ºs 21.º. 29.º, 31.º a 33.º, 50.º, 54.º); da Constituição da República (art.º 33.º); do Código de Processo Penal (CPP), (designadamente art.º 229.º e seguintes e as disposições relativas à detenção e à aplicação de medidas de coacção) e do Código Penal. No âmbito de tal mandado de detenção informava-se quais as medidas a tomar em caso de detenção, sendo certo que a autoridade judiciária do país emitente garantia que, após a detenção, solicitaria a extradição do detido, “(…) em conformidade com a legislação nacional e/ou com os tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis”. Porém, como decorre do procedimento e dos factos descritos, após a detenção e a audição pela autoridade judiciária portuguesa competente e após a aplicação ao AA, de medidas de coacção não detentivas, foi determinado que os autos aguardariam o prazo de 40 dias pelo pedido de extradição a ser requerido pelo Estado angolano, em conformidade como o disposto no art.º 21.º, n.º 4, da Convenção CPLP, de 23/11/2005 de Extradição da CPLP.
O Estado angolano nada requereu no referido prazo de 40 dias, sendo certo que só após diligências da autoridade judiciária portuguesa junto da Autoridade Central Portuguesa, foi obtida a informação de que iria efectuar o pedido de extradição, sem especificar em que prazo. Note-se que a breve referência efectuada na comunicação vinda da Autoridade Central Portuguesa de que o Estado angolano iria “(…) apresentar o competente pedido de extradição (…) e que solicitam desde já prorrogação do prazo para o efeito a fim de cumprirem cabalmente com os procedimentos a observar.” – sublinhado nosso –, não constitui qualquer intervenção do Estado requerente no processo de detenção provisória, nem integra formalmente um pedido de prorrogação de prazo. Tal como resulta daquele ofício da Autoridade Central o seu conteúdo é meramente informativo.
Acresce que, no âmbito do procedimento de detenção provisória não se prevê uma prorrogação do prazo para efectuar o pedido de extradição. Atente-se no disposto no art.º 21.º, n.º 4 da Convenção CPLP, de 23/11/2005 que precisa “(…) se, ao cabo de 40 dias seguidos, a contar da data de notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição”, a pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade. Entende o Ministério Público recorrente que este segmento da norma deve ser interpretado no sentido de que tal prazo se aplica, unicamente, no caso de a pessoa se encontrar, efectivamente em prisão, ou seja, se se mantiver a detenção. Todavia sem razão.
As medidas de coacção são medidas processuais previstas no CPP que se destinam a assegurar as necessidades cautelares que um caso exige, devendo ser aplicadas com respeito pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação à gravidade do crime. Condicionam a liberdade pessoal dos arguidos constituídos como tal no âmbito de um procedimento penal e por isso obedecem a prazos de duração máxima ou a revisão periódica, geralmente coincidentes com os prazos de duração previstos e fixados na lei para o procedimento criminal. A sua aplicação obedece a uma equilibrada ponderação dos direitos do arguido e à necessidade de garantir sua defesa.
A medida de apresentação periódica, prevista no art.º 198.º do CPP, constitui uma medida não detentiva que condiciona fortemente a liberdade do arguido, impondo-lhe a obrigação de se apresentar a uma entidade judiciária ou a um órgão de polícia criminal, em dias e horas preestabelecidos, podendo ser cumulada com qualquer outra medida não detentiva.
No âmbito de aplicação da Convenção CPLP, de 23/11/2005 prevê-se, expressamente no seu art.º 8.º, que “(…) A pessoa reclamada gozará, no Estado requerido, de todos os direitos e garantias que conceda a legislação desse Estado.”. Tal significa que, em caso de detenção provisória para procedimento criminal e consoante as circunstâncias pessoais da pessoa detida e da gravidade dos factos que lhe são imputados, o Tribunal da Relação, competente para proceder à sua audição, avalia os pressupostos de aplicação das medidas de coacção ao detido e, se for caso disso, é também o competente para aplicar medidas de coacção não detentivas – cf. art.ºs 62,º, n.º 2 e 64.º, n.º 1 e 65.º, da Lei 144/99.
Ora, no caso sob apreciação, é o próprio Ministério Público que, reconhecendo ter o detido nacionalidade portuguesa, promove que o mesmo seja libertado e que lhe sejam aplicadas medidas de coação não detentivas e que o procedimento aguardasse o prazo de 40 dias, como previsto no art,º 21.º, n.º 4, da Convenção CPLP, de 23/11/2005, para que o Estado requerente apresentasse o pedido de extradição.
É evidente que, se decorrido o prazo de 40 dias, nada foi pedido pelo Estado requerente, extingue-se a razão para se manter o procedimento processual de detenção provisória, pois que este, pela sua natureza, se destina a acautelar e a garantir que a pessoa reclamada seja entregue ao Estado requerente, desde que observados os requisitos do pedido (art.º 21.º, n.º 2, da Convenção CPLP, de 23/11/2005).
Por isso mesmo, com vista a assegurar que os direitos da pessoa reclamada não sejam comprimidos por tempo indefinido, a Convenção CPLP, de 23/11/2005 regula – à semelhança da Lei 144/99, quanto à detenção provisória no âmbito do pedido de extradição –, os prazos em que se mantém a detenção provisória ou as medidas de coacção não detentivas aplicadas à pessoa reclamada, impondo aos Estados requerentes prazos para efectuar o pedido de extradição que garantiram ir efectuar, após a detenção.
Decorrido o prazo para formalização do pedido de extradição, extinguem-se os efeitos visados com a detenção provisória, que tem natureza cautelar ou instrumental desse pedido, cessando de imediato as medidas de coacção aplicadas à pessoa reclamada e arquivando-se o caderno de papéis de suporte ao procedimento da detenção provisória, cuja única finalidade é a do controlo da legalidade da privação ou limitação da liberdade da pessoa reclamada com vista à efectivação da extradição.
Isso mesmo decorre da própria Convenção CPLP, de 23/11/2005, ao dispor no art.º 21.º, n.º 5, que determina que “(…) não prejudica nova detenção da pessoa reclamada caso venha a ser apresentado o pedido de extradição”. O facto de a pessoa detida na sequência do pedido de detenção provisória ser colocada em liberdade quando, no decurso do prazo de 40 dias seguidos, o Estado requerente não tiver formalizado um pedido de extradição, não preclude a possibilidade de efectivação da extradição, se e quando o pedido respectivo vier a ser apresentado.
Com efeito, a norma em questão destina-se a não prolongar indefinidamente a situação decorrente da detenção provisória, fixando-se um prazo para ser requerida a extradição. Por isso mesmo se exige que o Estado requerente deve dar garantia de que, após a detenção da pessoa visada solicitará a sua extradição.
E o disposto no art.º 21.º, n.ºs 4 e 5, da Convenção CPLP, de 23/11/2005, aplica-se a todas as situações de procedimento de detenção provisória, mesmo no caso de a detenção ter sido substituída por medidas não detentivas. Neste caso, a situação da pessoa reclamada, ainda que não se encontrando presa num estabelecimento prisional ou obrigada a permanecer numa residência com meio electrónico de vigilância, continua a se encontrar numa situação de compressão da sua liberdade, razão por que a lei refere que a mesma deve ser restituída à liberdade.
Aliás, seria absurdo que o legislador pretendesse que, decorrido o prazo para o Estado requerente formalizar o pedido de extradição na sequência de um pedido de detenção provisória, uma pessoa que se encontrasse presa pudesse ser colocada imediatamente em liberdade e sem que lhe fosse aplicada qualquer outra medida de coacção e, uma pessoa detida provisoriamente, mas posta em liberdade mediante a aplicação de medidas não detentivas, ficasse contida na sua liberdade após o decurso do prazo estipulado, até que o Estado requerente formalizasse o pedido de extradição. Efectivamente, embora o procedimento de detenção provisória possa ser considerado como uma fase prévia do processo de extradição, visando garantir que a pessoa reclamada não se subtraia à justiça do Estado requerente, a verdade é que é o pedido de extradição que formalmente dá início ao processo de extradição, sendo que o pedido é a base para definir os termos e os limites em que a extradição será ou não concedida – neste sentido, Ac. do STJ de 13/04/2005, Proc. 05P745, em www.dgsi.pt.
Tanto basta para que se conclua que bem andou o TRL ao determinar a cessação imediata das medidas de coacção não detentivas impostas a AA, detido provisoriamente para eventual procedimento criminal no Estado requerente, Angola, ao abrigo do disposto no art.º 21.º, n.º 4 da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, de 23.11.2005, declarando extinta a instância neste procedimento e determinar o arquivamento do respectivo processo, não violando o referido preceito da Convenção.
Com efeito, esgotada a finalidade do processo de detenção provisória e resolvido tudo o que há a decidir nesta instância penal, não compete ao TRL dar impulso ao processo de extradição ou instar o Estado requerente a formalizar o pedido. O processo de extradição inicia-se com o pedido formal de extradição e não com o requerimento do MP para audição do detido ou mesmo do pedido de extradição ao abrigo do art.º 50.º, da Lei 144/99 – neste sentido o citado Ac. do STJ de 13/04/2005.
Termos em que, relativamente ao procedimento de detenção provisória, independentemente do que porventura posteriormente venha a surgir, a instância extingue-se neste procedimento que tem um fim específico e natureza própria, pois, não é ainda o processo de extradição, embora lhe pertença caso venha a ser formalizado o pedido de extradição.
Por tudo o exposto, improcedem as alegações do recorrente Ministério Público.
III – DECISÃO Termos em que, acordando, se decide:
Lisboa, 14 de Julho de 2022 (processado e revisto pelo relator)
Leonor Furtado (Relator) Helena Moniz (Adjunta) Eduardo Loureiro (Presidente) |