Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
576/05.6TVLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: DIREITO AO BOM NOME
LIBERDADE DE IMPRENSA
DIREITOS FUNDAMENTAIS
COLISÃO DE DIREITOS
LEI DE IMPRENSA
JORNALISTA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
EXCLUSÃO DA ILICITUDE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 149
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO, ARTIGOS 18º, 26º, 37º, 38º
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM, ARTIGO 10º
CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 70º, 483º, 484º, 496º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 524º, 706º, 722º, 729º
LEI DE IMPRENSA – LEI Nº 2/99, DE 13 DE JANEIRO
ESTATUTO DO JORNALISTA – LEI Nº 1/99, DE 13 DE JANEIRO
Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, ACÓRDÃOS DE.
– 27 DE SETEMBRO DE 2007, WWW.DGSI.PT, Nº 07B2528
– 12 DE MARÇO DE 2009 , WWW.DGSI.PT, Nº 08B2972
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ACÓRDÃO Nº 113/97, WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT
Sumário :
1. Não basta alegar que os documentos, que se pretende juntar com as alegações do recurso de apelação, se referem a factos notórios para afastar as regras relativas à junção de documentos, só possível nos termos do artigo 706º do Código de Processo Civil.
2. Para que a divulgação de um facto respeitante a determinada pessoa possa vir a gerar a obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais é necessário que seja apta a provocar danos graves.
3. A gravidade é aferida objectivamente, em função de um padrão médio de sensibilidade.
4. Tratando-se de um facto divulgado através da comunicação social, há que ponderar o impacto negativo que essa divulgação terá, atento o destinatário médio da notícia.
5. A divulgação do facto, não verdadeiro, da associação com um caso de tráfico de droga de quem, por profissão, está reconhecidamente envolvido na investigação criminal e, no momento da publicação da notícia, tutela os órgãos de polícia criminal, assume especial gravidade.
6. Nesse contexto, não pode ser invocada a qualidade de personalidade pública do visado para diminuir ou excluir a gravidade da ofensa.
7. Só se torna necessário resolver um conflito entre o direito fundamental ao bom nome e reputação e o direito fundamental de informar se, no caso concreto, a conduta potencialmente lesiva do titular deste último corresponder efectivamente ao exercício desse direito.
8. A verdade de uma concreta notícia não pode ser aferida em função de cada um dos factos isoladamente relatados, com maior ou menor correspondência com a realidade, mas da mensagem que com ela se quis transmitir ao público.
Decisão Texto Integral:



Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1.AA, Procurador-Geral Adjunto e, à data dos factos, 18 de Novembro de 2004, Ministro da Administração Interna, instaurou em 20 de Janeiro de 2005 contra BB, jornalista, CC, director do Jornal “O Crime” e Edições ..., Lda., uma acção na qual pediu a sua condenação solidária no pagamento de uma indemnização de € 50.000,00, com juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento, e a publicação da sentença condenatória.
Para o efeito, e em síntese, alegou que o seu direito ao bom nome e reputação tinha sido ofendido pela publicação de uma determinada notícia no referido jornal, com destaque na primeira página, assinada pelo primeiro réu, acompanhada de fotografias suas e atribuindo-lhe afirmações que nunca fez, com o objectivo de o relacionar com o que designaram de “Arraiolos Connection” e, consequentemente, com o tráfico de droga; em particular com DD, detida na Venezuela por suspeita de tráfico.
Contestaram CC e Edições ...., Lda. Em síntese, reconheceram a veracidade de vários dos factos alegados, nomeadamente dos que respeitavam à forma como a notícia havia sido publicada, e impugnaram outros, referindo por exemplo não ser a primeira página da autoria de nenhum dos réus; negaram que a notícia relacionasse o autor com a “Arraiolos Connection” ou com o tráfico de droga; reconheceram não terem sido proferidas pelo autor as afirmações que lhe são atribuídas, que antes resultam de um contacto que o segundo réu estabeleceu com uma sua assessora; que o mesmo segundo réu não leu o artigo (cujo conteúdo nada tem de falso) antes de ser publicado, embora tenha sabido e até interferido na feitura do mesmo; que não houve qualquer ofensa ao autor, já que o objectivo da referida notícia era dar a conhecer “a índole da suspeita DD, de se fazer passar por amiga de pessoas influentes e importantes”; que de qualquer modo é exagerado o montante da indemnização pretendida.
BB aderiu a esta defesa.
Na audiência preliminar, e como consta de fls. 104 e 107, o autor, convidado para o efeito, veio concretizar os prejuízos invocados e justificar porque considerava desnecessária a referência à sua pessoa para a notícia em causa. Os réus responderam.
Pela sentença de fls. 278, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo os réus solidariamente condenados a pagar ao autor a indemnização de € 30.000,00, com juros de mora, contados desde a sentença. Foi ainda determinado que se comunicasse a sentença à Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 485, e apenas no que agora releva, foi mandado desentranhar e restituir aos réus três documentos juntos com as alegações da apelação e julgada parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, deduzida pelos réus; mas foi mantida a condenação.

2. Inconformados, os réus recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que CC e BB apresentaram, formularam as seguintes conclusões:

“1 - O recorrido AA exerceu altas funções políticas no Estado Português, nomeadamente Ministro da Administração Interna, Director do DCIAP, Director do SIS.
2 - O jornal "O Crime" é um jornal que dedica especial atenção a factos criminosos, a escândalos políticos, a noticias sobre os mais variados crimes.
3 - E assim, noticiou factos de relevância publica relativos ao caso de cidadãs portuguesas que alugaram um avião particular para se deslocarem à Venezuela e depois foram detidas e condenadas por terem sido encontrados cerca de 400 Kgs de droga no avião, antes de levantar voo em direcção a Portugal.
4 - Os recorrentes enquanto jornalistas, noticiaram o facto em várias edições do jornal "O Crime".
5 - Tiveram conhecimento que uma das arguidas na Venezuela conhecia o recorrente, estudara no mesmo estabelecimento de ensino que o Dr. AA e tinha por hábito enviar-lhe bilhetes, ou "bilhetinhos" a felicitá-lo pelas suas colocações enquanto magistrado do Ministério Público;
6 - Pelo que contactaram o MAI e não tendo falado com o Dr. AA obtiveram esclarecimentos através da secretária do Ministro, falando em nome deste;
7 - O caso das portuguesas presas na Venezuela foi notícia recorrente nos órgãos de informação, pelo arrojo, pelo ineditismo da operação de droga, cerca de 400 Kgs de cocaína pura;
8 - Quando os recorrentes tiveram conhecimento que uma das arguidas dizia conhecer o Ministro AA e que lhe enviava bilhetes ou " bilhetinhos" quando ele ascendia na carreira decidiram saber se era verdade e noticiaram;
9 - Na imprensa tipo da do jornal "O Crime" os factos noticiosos são tratados de forma diferente das dos jornais institucionais, e é normal darem algum "salero" às notícias, tratadas de forma mais brejeira, mais populista;
10- A notícia que o jornal "O crime" publicou é basicamente verdadeira;
11- Para os leitores do jornal "O Crime" bilhetes ou "bilhetinhos" é igual, como seria igual "cartões de felicitações";
12 - No fundo o que está em causa é a aproximação da arguida – muito tempo antes de ter problemas criminais – ao agora Ministro e ex-homem forte do SIS e do DCIAP;
13 - A notícia teve interesse público, relevância noticiosa, sem ter sido sequer beliscada a honorabilidade do Ministro;
14 - Nunca os recorrentes tiveram em mente dar a entender que o Ministro estava envolvido em tráfico de droga ou em quaisquer actividades ilícitas;
15 - O tribunal de primeira instância deu um salto tremendo dando como provado que os recorrentes tinham com único objectivo "manchar a honra e dignidade, tanto profissional como pessoal do Autor".
16 - O TRL alterou esta resposta mas acabou por condenar os recorrentes;
17 - Os recorrentes estão convencidos que só o facto do Ministro ser magistrado levou à sua condenação, mas isso não pode ser;
18 - Está em causa a liberdade de imprensa num país da União Europeia, o dever de informar e ser informado;
19 - O Dr. AA poderia ter falado com o jornalista que ligou para o MAI e dar a sua versão dos factos, o que teria sido respeitado, mas decidiu mandar a secretária responder;
20 - Ora, o Dr. AA, Ministro da Administração Interna na data, ex­director do SIS e do DCIAP, não pode desconhecer que sendo actor político é sempre objecto de notícias, umas mais gratas outras menos gratas;
21 - Os recorrentes exerceram apenas um direito, o de informar, com a verdade que lhe foi dada, num caso muito polémico e público;
22 -Os documentos juntos com a motivação de recurso foram-no na sequência da condenação, sendo necessários depois da condenação, e reflectem uma realidade conhecida de todos e que o Tribunal tinha de ter em conta, pelo que a sua junção é legal;
23 - O acórdão recorrido viola o disposto nos ares 483° e seguintes e 562° e seguintes do C.Civil e o artº 10° da CEDH e art° 37° a 39° da CRP e artºs 1° a 4° da Lei de Imprensa e arº 706° do CPC.

Contra-alegou o autor, concluindo desta forma:

“1- O presente recurso padece de ineptidão, porque nas conclusões, que delimitam o âmbito do mesmo, os recorrentes não concretizam em que medida e de que forma é que o vasto conjunto de normas cuja violação é invocada fere os seus direitos e qual teria sido a correcta interpretação ou aplicação da norma violada.
2- O fundamento único do recurso de revista é, nos termos do arto 721º do C.P.C., a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável.
3- A fundamentação alegada no requerimento de recurso apresentado pelos ora recorrentes, não se baseia nem visa provar a existência de violação de qualquer norma da lei substantiva, mas sim uma reapreciação da matéria de facto que lhe seja favorável, o que está totalmente fora do escopo do recurso de revista, não cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça extrair ilações da matéria de facto assente, mas sim aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais já fixados na primeira e segunda instâncias.
4- A possibilidade de apreciação do mérito em recurso de revista, que obedece a fundamentos taxativos, pressupõe o concurso dos respectivos requisitos específicos cuja não verificação obstará, por falta de objecto, a esse mesmo conhecimento.

3. A fls. 615, foi proferido o seguinte despacho, que não mereceu qualquer resposta:


«1. Nas contra-alegações da revista, o recorrido AA sustenta que não deve ser apreciado o mérito do recurso.
Nos termos dos disposto nos artigos 704º, nº 2, 704º, nº 2 e 726º do Código de Processo Civil, na versão anterior à que, para os dois primeiros preceitos, resultou do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, convidam-se os recorrentes CC e BB a pronunciarem-se sobre o obstáculo ao conhecimento do recurso suscitado pelo recorrente.
2. Notifique o recorrente BB a comunicar se foi proferida decisão, e, sendo caso disso, qual decisão, sobre o requerimento de apoio judiciário cuja cópia juntou com as alegações de recurso.»

4. É a seguinte a matéria de facto definitivamente provada:

“1 - AA, aqui Autor, é Procurador-Geral Adjunto, tendo sido sempre um magistrado da carreira do Ministério Público, encontrando-se em 20 de Janeiro de 2005 (data da entrada da petição inicial em juízo), com licença sem vencimento de longa duração.
2 - O Autor desempenhava, em 18 de Novembro de 2004 e em 20 de Janeiro de 2005 (data da entrada da petição inicial em juízo), o cargo de Ministro da Administração Interna.
3 - Uma investigação revelou como uma suspeita de tráfico de estupefacientes, AA, se fazia passar por amiga do Autor, pessoa de carreira prestigiosa na magistratura e na política, à data dos factos Ministro, circunstâncias susceptíveis de despertar a atenção e o interesse do público.
4 - CC , aqui 2.º co-Réu, director do jornal «O Crime», contactou telefonicamente, na sexta-feira, dia 12 de Novembro de 2004, com a assessora de imprensa do Autor, EE.
5 - Com o contacto telefónico referido no facto enunciado sob o número 3, pretendia o 2.º co-Réu, CC , esclarecer as seguintes questões:
- Se o Autor era, ou não, amigo de infância da Sr.ª D.ª DD, recentemente indiciada por tráfico de estupefacientes da Venezuela?
- Se o Autor havia estado presente na cerimónia de casamento de um dos filhos da dita senhora?
6 - Pela Assessora do Autor, EE, foi respondido ao 2.º co-Réu, CC , que:
a) O Autor desmentia qualquer relação de amizade próxima ou remota, com a dita Senhora;
b) A referida Senhora – DD – tinha abordado o Autor, há cerca de 20 anos, no Tribunal de Évora, dizendo que ambos haviam frequentado o mesmo liceu;
c) A avaliar pela diferença de idades entre ambos, a terem sido colegas, nunca teriam coincidido, nem no mesmo ano, nem na mesma turma;
d) Se o Autor, hoje, visse a dita Senhora, nem a conheceria;
e) A partir do momento em que o abordou, no Tribunal de Évora, a Senhora em questão tinha-lhe enviado cartões de felicitações, quando sabia que o Autor tomava posse em novo cargo;
f) O Autor nunca tinha estado presente em qualquer cerimónia de casamento dos filhos da Senhora, uma vez que nem sabia se ela tinha filhos, ou não.
7 - A conversa telefónica referida nos factos enunciados sob os números 4, 5 e 6 não foi feita directamente com o próprio Autor.
8 - Na posse das informações descritas no facto enunciado sob o número 6, que o 2.º co-Réu, CC , transmitiu ao 1° co-Réu, BB, este redigiu uma «notícia», com a chamada de primeira página, no jornal semanário «O Crime», e assinou-a.
9 - No dia 18 de Novembro de 2004, foi publicado o n.° 1164 do jornal semanário «O Crime», sendo que no canto superior esquerdo da primeira página do jornal, em lugar de destaque, imediatamente por detrás do título do referido semanário, surge uma fotografia do Autor, com a seguinte frase como título: «Ministro AA confirma – Antiquária traficante mandava-lhe bilhetinhos» (conforme documento que é fls. 10 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido)
10 - No jornal referido no facto enunciado sob o número 9, a «notícia» tem o seu desenvolvimento na página 5, com o título: «Antiquária "perseguia" ministro com bilhetinhos», contendo ainda em destaque: «AA, Ministro da Administração Interna, confirma que foi colega de liceu da antiquária DD e que ela o chegou a contactar quando era juiz em Évora, mas que nunca foram amigos. Recorda ainda que a mulher detida na Venezuela sob suspeita de tráfico de 400 quilos de cocaína lhe enviava bilhetinhos a felicitá-lo sempre que tomava posse de um novo cargo governamental», tudo isto sob a expressão «Arraiolos Connection».
11 - O Autor nunca foi juiz em Évora – nem em qualquer outro lugar –, pois é, e sempre foi, magistrado da carreira do Ministério Público.
12 - AA nunca enviou bilhetinhos ao Autor, pois apenas lhe enviou cartões de felicitações quando o Autor assumiu cargos públicos.
13 - No jornal referido no facto enunciado sob o número 8, na página referida no facto enunciado sob o número 10, e inserida noutra fotografia do Autor, figura uma legenda contendo a seguinte afirmação: «AA confirmou que antiquária traficante de Arraiolos o chegou a contactar quando era juiz em Évora e que frequentemente lhe mandava bilhetinhos».
14 - No jornal referido no facto enunciado sob o número 9, do texto do artigo constam frases em itálico, supostamente citações do Autor, em discurso directo, tais como: «Fomos colegas de liceu, mas nunca fomos amigos ou pertencemos ao mesmo círculo de amizades» e «Cada vez que era nomeado a senhora tinha a gentileza de enviar-me os parabéns e desejar­-me felicidades».
15 - O Autor não concedeu nenhuma entrevista ao jornal «O Crime».
16 - O texto referido nos factos anteriores, que consubstancia a notícia referida no facto enunciado sob o número 8, foi assinado por BB, aqui 1.º co-Réu, e foi publicado com a autorização de CC , aqui 2° co-Réu, director do jornal.
17 - O referido nos factos enunciados sob os números 9, 10, 13 e 14 foi publicado com o conhecimento do 2.º co-Réu, CC .
18 - Com a notícia referida nos factos enunciados sob os números 9, 10, 13 e 14, visaram os Réus, única e exclusivamente, ligar o nome do Autor àquilo que o próprio jornal «O Crime» chama «Arraiolos Connection».
19 - (com a alteração determinada pela Relação) O 1.º co-Réu, BB, e o 2° co-Réu, CC tentaram criar um facto, uma ligação entre o Autor e as pessoas envolvidas naquilo que eles próprios apelidaram de «Arraiolos Connection»
20 – (Eliminado pela Relação)
21 – (…) os Réus, com a chamada de primeira página, com os títulos e com as fotografias do Autor na notícia em causa, pretendiam apenas dar azo a uma notícia escandalosa.
22 - (com a alteração determinada pela Relação) Mercê do referido nos artigos anteriores, o 1° co-Réu (BB) e 2° co-Réu (CC ) sabiam que iriam manchar a honra e dignidade, tanto profissional, como pessoal do Autor, não se tendo coibido de o fazer, apesar desse conhecimento e dessa consciência
23 - Edições ...., Limitada, aqui 3.ª co-Ré, é proprietária do jornal «O Crime», em referido no facto enunciado sob o número 8.
24 - O Autor é pessoa honrada e tido em alta consideração por todos com quem tem trabalhado e privado, sendo pessoa séria, honesta, isenta e leal.
25 - O Autor, em termos e personalidade própria, sempre pautou a sua conduta pelos mais elevados padrões morais e de exigência ética e profissional, sendo particularmente exigente com todos os seus procedimentos.
26 - O Autor sentiu-se profundamente ofendido com a publicação referida nos factos enunciados sob os números 9, 10, 13 e 14.
27 - O jornal «O Crime», referido no facto enunciado sob o número 9, publicou várias dezenas de milhar de exemplares, que foram distribuídos por todo o país.
28 - O jornal «O Crime», referido no facto enunciado sob o número 9, esteve em exposição nos escaparates dos quiosques, tabacarias e outros postos de vendas de jornais, por todo o país, com aquela primeira página.
29 - Devido ao relevo que é dado na primeira página à notícia em questão, e à colocação da fotografia do Autor na mesma, a associação da sua pessoa com o caso de tráfico de droga da Venezuela é automático.
30 - Muitas pessoas detêm-se perante os escaparates das bancas de jornais para lerem as primeiras páginas dos periódicos, não os chegando a adquirir, mas retendo na memória, naturalmente, as fotografias e os títulos que constituem essas primeiras páginas.
31 - Numerosos amigos do Autor, ao tomarem conhecimento da publicação e do conteúdo do artigo jornalístico em questão, contactaram-no, perguntando-lhe se havia dado alguma entrevista ao jornal «O Crime», e manifestando-lhe o seu apoio e repúdio por aquilo que consideraram ser um atentado ao seu bom nome e reputação.
32 - O Autor, como Magistrado, tem tido uma carreira exemplar, que contava retomar findo o exercício das funções como Ministro da Administração Interna, do XVI Governo Constitucional.
33 - Mercê do exercício da funções de Ministro da Administração Interna, e da carreira como Magistrado do Ministério Público, a associação do Autor a pessoas indiciadas pela prática de crimes graves, realizada pela publicação da notícia em causa, diminuiu a sua credibilidade perante os cidadão em geral, tanto mais sendo o Ministério Público o detentor da acção penal.”

5. Cumpre apreciar o recurso, começando pela impugnação da decisão de não admissão dos três documentos juntos com as alegações apresentadas no recurso de apelação, admissível no âmbito do recurso de revista nos termos do disposto no nº 1 do artigo 722º do Código de Processo Civil.
No corpo das alegações, os recorrentes referem-se a dois documentos, não distinguindo a quais se referem; tomam-se agora como referência os três documentos.
A decisão da Relação não merece qualquer censura.
Não só não se verifica nenhuma das hipóteses previstas no artigo 524º do Código de Processo Civil, como não se trata de documentos cuja junção se tenha tornado “necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância” (nº 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil).
Não basta afirmar que os documentos se referem a factos notórios para que a sua junção em recurso não tenha que respeitar as regras assim definidas. Os documentos concretamente em causa poderiam ter sido oportunamente juntos em primeira instância e a negligência que os recorrentes apontam à condução da sua defesa não lhes permite afastar as referidas regras.
Também não procede a afirmação de que se tornaram necessários com o julgamento em 1ª instância, porque o tribunal não tomou em consideração factos que os recorrentes consideram públicos. A sua relevância – afastada pela Relação, mas sustentada pelos recorrentes – era igual antes e depois de ter sido proferida a sentença.

6. Os recorrentes sustentam que deve ser revogado o acórdão que confirmou a sua condenação.
Não cabe no âmbito do recurso de revista a reapreciação da matéria de facto, fora dos casos previstos no nº 2 do artigo 722º e no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil. Assim, não serão analisadas as observações feitas pelos recorrentes no domínio dos factos, estando definitivamente assentes os que atrás se transcreveram.
Ambas as instâncias consideraram que os factos provados preenchem os diversos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual; e fixaram o montante da indemnização em € 30.000,00.
Ora, excluindo as considerações de facto – entre as quais se conta a manifestação da convicção de que os réus não teriam sido condenados se o autor não fosse magistrado –, resulta das alegações dos recorrentes que estes entendem que a notícia em causa nesta acção, que sustentam ser “basicamente verdadeira”, “não denigre a imagem do Dr. AA, porque nada de mal se diz com respeito a ele”; e que, ao publicá-la, estavam a “exercer apenas um direito, o de informar”, no âmbito da “liberdade de imprensa num país da União Europeia”.
Os recorrentes impugnam, portanto, o carácter ofensivo da notícia e a ilicitude da correspondente publicação; cabe, assim, saber se na realidade foi lesado o direito ao bom nome do autor e, concluindo pela afirmativa, se a ilicitude da redacção e publicação da notícia se deve considerar excluída por corresponder ao exercício, por parte dos réus, do alegado direito de informar.

7. É sabido que o direito ao bom nome e reputação é incluído pela Constituição portuguesa entre os direitos fundamentais, especificamente entre os direitos, liberdades e garantias, merecendo especial menção dentro da tutela geral da personalidade que fundamentalmente podemos retirar do seu artigo 26º (correspondente ao artigo 33º da versão originária, com diversas alterações nas sucessivas revisões constitucionais).
Igualmente se sabe que se trata de um direito amplamente protegido pela lei ordinária, nomeadamente nos termos da protecção genérica da personalidade afirmada pelo artigo 70º do Código Civil, sendo expressamente contemplado a propósito da responsabilidade civil decorrente de ofensas a direitos de personalidade, pelo artigo 484º do mesmo Código.
Resulta dos factos provados que o autor, magistrado do Ministério Público e, na data relevante, Ministro da Administração Interna, “é pessoa honrada e tido em alta consideração por todos com quem tem trabalhado e privado, sendo pessoa séria, honesta, isenta e leal”, sempre tendo pautado “a sua conduta pelos mais elevados padrões morais e de exigência ética e profissional, sendo particularmente exigentes com todos os seus procedimentos”; que o jornal que continha a notícia agora em causa “publicou várias dezenas de milhar de exemplares, que foram distribuídos por todo o país”; que “esteve em exposição nos escaparates dos quiosques, tabacarias e outros postos de venda de jornais, por todo o país”, assim sendo exibida a primeira página com a sua fotografia, em lugar de destaque (“no canto superior esquerdo (…), imediatamente por detrás do título do (…) semanário”), com a legenda “Ministro AA confirma – Antiquária traficante mandava-lhe bilhetinhos”; que as primeiras páginas dos jornais expostos nos escaparates são vistas por muitas pessoas, que não chegam a comprá-los, mas retêm “na memória (…) as fotografias e os títulos que constituem essas primeiras páginas”; que “numerosos amigos do Autor” o contactaram, “ao tomarem conhecimento da publicação e do conteúdo do artigo jornalístico em questão, perguntando-lhe se havia dado alguma entrevista ao jornal ‘O Crime’ e manifestando-lhe o seu apoio e repúdio por aquilo que consideravam ser um atentado ao seu bom nome e reputação”; que a publicação na notícia provocou a associação automática do autor “com o caso de tráfico de droga da Venezuela”; que, em virtude das funções que exercia como ministro e da sua qualidade de magistrado do Ministério Público, “a associação do autor a pessoas indiciadas pela prática de crimes graves, realizada pela publicação da notícia em causa, diminuiu a sua credibilidade perante os cidadãos em geral”.
Basta assim atentar no que ficou provado para concluir que não tem qualquer suporte fáctico a alegação dos recorrentes de que a notícia não denigre a imagem do autor, porque nada de mal se diz a seu respeito.
É certo que, para que a divulgação de um facto respeitante a uma determinada pessoa possa vir a gerar a obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, como é agora o caso, é necessário que seja apta provocar danos graves (nº 1 do artigo 496º do Código Civil); e que essa gravidade há-de ser aferida objectivamente, ou seja, em função de um padrão médio de sensibilidade, e não da especial susceptibilidade do visado (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de Setembro de 2007 ou de 12 de Março de 2009, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 07B2528 e 08B2972).
E ainda que, tratando-se de um facto divulgado através da comunicação social, respeitante além do mais a um magistrado do Ministério Público que, ao tempo, era Ministro da Administração Interna, se pondere o impacto negativo que socialmente terá essa divulgação, considerando agora o destinatário médio da notícia: deste ponto de vista, a divulgação há-de ser apta a “abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol., 4ª ed., Coimbra, 1987, pág. 486), não só no seu meio profissional, mas entre os cidadãos em geral.
Essa gravidade resulta claramente dos factos, não se tornando necessários desenvolvimentos. Salienta-se, aliás, que a divulgação da referida associação “com o caso de tráfico de droga da Venezuela” em relação a quem, por profissão, está reconhecidamente envolvido na investigação criminal e, de momento, “tutela os órgãos de polícia criminal”, como se escreveu na sentença, assume especial gravidade. A credibilidade profissional e pública do visado fica seriamente posta em causa.
Não pode, neste contexto, ser invocada a qualidade de personalidade pública do autor para diminuir – ou excluir – a gravidade da ofensa afirmada e difundida pelo jornal.
Se é certo que se possa aceitar, em circunstâncias que o justifiquem especialmente, que a notoriedade das figuras públicas seja susceptível de conduzir a uma eventual redução do âmbito de protecção do seu direito ao bom nome (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 113/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ), nomeadamente por razões de interesse público na divulgação de factos verdadeiros, também é certo que não é o caso.

8. É também indiscutível que a Constituição e a lei protegem o direito fundamental de informar, em especial quando encabeçado por jornalistas. Assim resulta, nomeadamente, da conjugação entre os artigos 37º e 38º da Constituição, o que significa, por entre o mais, que lhe é aplicável o regime definido para os direitos, liberdades e garantias (cfr. em especial o disposto no artigo 18º da Constituição), em reconhecimento do significado que a liberdade de imprensa assume no âmbito de um Estado de Direito Democrático.
A sua consagração constitucional explícita, como uma das dimensões em que se desdobra o direito de informação – direito de informar, de se informar e de ser informado –, resultou da revisão constitucional de 1982; e tem igualmente tradução, quer na Lei de Imprensa (a Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 18/2003, de 11 de Junho), quer no Estatuto do Jornalista (Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro), que incluem expressamente entre os “direitos fundamentais dos jornalistas”, na terminologia do artigo 22º da Lei de Imprensa, a “liberdade de expressão e de criação”, indissociável do direito de informar (nº 2 do artigo 1º da mesma Lei e al. a) do artigo 6º do Estatuto) e da garantia da liberdade de imprensa (nº 1 do artigo 1º e al. a) do nº 1 do artigo 2º).
Em contrapartida, a lei aponta como dever fundamental dos jornalistas (cfr. artigo 14º do Estatuto), nomeadamente, a obrigação de exercer a actividade “com respeito pela ética profissional informando com rigor e isenção” (al. a)); e o artigo 3º da Lei de Imprensa indica como objectivo dos limites (permitidos pela Constituição e pela Lei) à liberdade de imprensa a salvaguarda do “rigor e objectividade da informação” e a garantia do direito ao bom nome, a par de outros direitos de personalidade.
Da mesma forma, o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, invocado pelos recorrentes, aponta no seu nº 2 a “protecção da honra e dos direitos de outrem” como um dos limites à liberdade de expressão que proclama no nº 1.
Está assente, como se viu, que o direito ao bom nome e reputação do autor foi lesado pela notícia em discussão neste processo.
E nenhuma dúvida existe de que estão em causa dois direitos fundamentais que facilmente podem encontrar em conflito, obrigando então a uma harmonização que, em concreto, permita encontrar um modo de ajuste recíproco concordante com o núcleo essencial de cada um deles.
Essa harmonização, todavia, só se tornará necessária se, também em concreto, a conduta potencialmente lesiva do titular de um deles – agora, a redacção e publicação da notícia a que respeitam os autos – corresponder efectivamente ao exercício do direito de informar, como no caso, sustentam os recorrentes.
Se assim for, poderá eventualmente concluir-se que fica excluída a ilicitude do acto que lesou o direito ao bom nome e reputação do autor e, por essa via, afastada a obrigação de indemnizar, prevista nos artigos 483º e segs. do Código Civil, em especial no seu artigo 484º, regime aplicável também no caso de se tratar de “efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa” (nº 1 do artigo 29º da Lei de Imprensa).

8. Ambas as instâncias se pronunciaram pela negativa. Com efeito, a primeira instância, analisando os factos provados, concluiu que não, nestes termos: “ou o artigo em causa tinha como fim dar notícia da alegada relação entre o Autor e AA, e aquela era inexistente (sendo o afirmando jornalisticamente baseado em citações de um discurso que nunca existiu, e deturpando os esclarecimentos prévios prestados pela Assessora de imprensa do Autor); ou o artigo em causa tinha como fim dar notícia dos factos e das pessoas ligados a recentes detenções de cidadãos portugueses na Venezuela, por suspeita de tráfico de droga, não se compreendendo assim que a chamada da primeira página fosse feita mercê da pessoa do Autor, totalmente estranho àqueles factos, utilizando-se de novo o mesmo para ilustrar e titular o desenvolvimento da página nº 5”.
No mesmo sentido se pronunciou a Relação, afirmando que “é excessivo, irrazoável e demagógico vir acenar com o estandarte da liberdade de imprensa, o espectro da censura e do lápis azul e o direito dos cidadãos a serem informados, pois tal direito a informar e a ser informado não pode, desde logo, cobrir, justificar e proteger mentiras, fantasias ou distorções da realidade, tendo antes de se pautar por uma comunicação de factos o mais rigorosa e verdadeira que for possível ao jornalista que elabora a peça jornalística em questão e ao “media” que a publica, sendo certo que ainda aqui existem limites objectivos e subjectivos que não podem ser ultrapassados (por exemplo, revelação desnecessária, desproporcionada e/ou não autorizada de acontecimentos, afirmações ou imagens verdadeiros que caibam dentro da esfera íntima ou mesmo privada do visado).”
Na verdade, não pode considerar-se abrangida pelo direito de informar – entendido à luz do direito fundamental de informação, para cuja satisfação é manifestamente indispensável o respeito pelo dever de rigor e isenção – uma actuação que se traduziu na redacção e publicação de uma notícia que:
– indica como confirmação de factos relatados declarações que apresenta como tendo sido proferidas pessoalmente pelo autor, não obstante serem, na realidade, composição de informações recolhidas de uma sua assessora pelo segundo réu (pontos 9 e 10 da lista de factos provados); a técnica utilizada aumenta, como é manifesto, a credibilidade na veracidade desses factos e, por essa via, a ligação do autor ao “caso de tráfico de droga da Venezuela”; e está provado que “o autor não concedeu nenhum a entrevista ao jornal” (ponto 15);
– anuncia, na primeira página do jornal, em lugar de destaque, com uma fotografia do autor, a confirmação pelo próprio de que a “antiquária traficante mandava-lhe bilhetinhos” (ponto 9); ora o que está provado é que a referida senhora enviou “cartões de felicitações” quando este “assumiu cargos públicos” (ponto 12);
– inclui, na pág. 5, como título da notícia, a expressão “Antiquária perseguia ministro com bilhetinhos”, e, com destaque, a afirmação – de novo atribuída ao autor – de que a referida antiquária tinha sido colega de liceu, o tinha contactado enquanto era juiz em Évora, embora não fossem amigos, e, a propósito de novamente afirmar que lhe mandava bilhetinhos de felicitação sempre que tomava posse de cargos governamentais, se refere, sempre em destaque, à mesma senhora como “a mulher detida na Venezuela sob suspeita de tráfico de 400 quilos de cocaína”; algumas dessas afirmações aparecem como legenda de nova fotografia do autor (ponto 10);
– apresenta o autor como Juiz (ponto 10), qualidade que o autor nunca teve (ponto11);
– teve como objectivo “ligar o nome do Autor àquilo que o próprio jornal ‘O Crime’ chama ‘Arraiolos Connection’ (ponto 18), tentar “criar um facto, uma ligação entre o Autor e as pessoas envolvidas” nessa Arraiolos Connection (ponto 19), “dar azo a uma notícia escandalosa” (ponto 21);
– provoca uma associação automática da pessoa do autor ao “caso de tráfico de droga da Venezuela” (ponto 29).
Não pode, pois, de forma alguma proceder a alegação de que os réus, ao redigirem e fazerem publicar esta notícia, estavam a exercer o direito de informar; não há pois que tentar encontrar uma qualquer harmonização entre o direito ao bom nome e reputação e o direito de informar.

9. Os recorrentes afirmam ainda, nas alegações (ponto 32º), que “a notícia é verdadeira porque a secretária respondeu o que foi publicado”).
Antes de mais, cumpre recordar que a verdade do “facto capaz de prejudicar o (…) bom nome” (artigo 484º do Código Civil) não é por si só suficiente para excluir a ilicitude da sua afirmação ou difusão e, portanto, para afastar a obrigação de indemnizar pelos danos causados.
Mas cabe novamente lembrar que a divulgação de um facto verdadeiro, susceptível de lesar o direito ao bom nome de uma determinada pessoa, especialmente se essa pessoa exerce determinados cargos ou, por qualquer outra razão, tem notoriedade pública, pode encontrar justificação justamente no exercício do direito de informar por parte dos jornalistas (cfr. por exemplo Alberto Arons de Carvalho, António Monteiro Cardoso e Josão Pedro Figueiredo, Legislação Anotada da Comunicação Social, Cruz Quebrada, 2005, pág. 329; e que, nessa eventualidade, será da consideração concreta da colisão de ambos os direitos que resultará a resposta à questão de saber se assim estará ou não excluída a ilicitude.
Sucede é que a notícia que constitui o fundamento da obrigação de indemnizar nesta acção, por ter lesado o bom nome e reputação do autor, é a da “associação da sua pessoa com o caso de tráfico de droga da Venezuela”; facto que não tem rasto na prova. A verdade da concreta notícia de que se trata não pode ser aferida em função de cada um dos factos isoladamente relatados, com maior ou menor correspondência à realidade; mas da mensagem que com ela se quis transmitir ao público

10. Os recorrentes não discutem, nem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nem o montante da indemnização atribuída (posto que seja devida, naturalmente). Referem no entanto que a Relação manteve a sua condenação apesar de alterar a decisão de facto em alguns pontos (cfr. conclusões 15ª e 16ª das alegações de recurso).
Ora essa alteração não teve na verdade repercussões, nem na constituição da obrigação de indemnizar, nem no montante da indemnização. Com efeito, continua a resultar dos factos provados que os réus actuaram dolosamente, pois que “sabiam que iam manchar a honra e dignidade, tanto profissional, como pessoal, do autor, não se tendo coibido de o fazer, apesar desse conhecimento e dessa consciência”, não se encontrando sequer motivo para que a menor intensidade do dolo justifique diminuir a indemnização (cfr. artigo 496º, nº 3, do Código Civil). Nem os recorrentes o sustentam.

11. Resta, assim, confirmar os termos da condenação determinada pela primeira instância e confirmada pela Relação.
O autor pediu a publicação da decisão condenatória, como lhe é permitido pelo artigo 34º de Lei de Imprensa.

Nestes termos, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido;
b) Determinar a publicação de um extracto deste acórdão, nos termos previstos no artigo 34º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro.


Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Março de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes