Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
154/10.8TBCDR.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: PARTICIPAÇÃO EM RIXA
CONCAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
PLURALIDADE DE LESADOS
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 05/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- ALESSANDRO GNANI, La responsabilità solidale, Giuffrè Editore, Milano, 2005, p. 18.
- ANA MAFALDA CASTANHEIRA NEVES DE MIRANDA BARBOSA, Responsabilidade Civil Extracontratual, Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade, Principia, Lisboa, 2014, pp. 268, 272 e ss..
- BUSNELLI, cit apud MARCO CAPECCHI, Il nesso di causalità (Dalla condicio sine qua non alla responsabilità proporzionale, 3.ª ed., Cedam, Padova, 2012, p. 123, n. 4.
- CHRISTOPHE QUÉZEL-AMBRUNAZ, Essai sur la causalité en droit de la responsabilité civile, Dalloz, Paris, 2010, p. 29.
- CONSTANTIN KRUSE, Alternative Kausalität im Deliktsrecht – Eine historische und vergleichende Untersuchung, LIT Verlag, Berlin, 2006, que inicia a sua análise (p. 4 e ss.) por dois passos do Digesto: 9,2,51,1 e 9,2,11,2.
- ENZA PELLECCHIA, A propósito di solidarietà e di scindibilità, Responsabilitá Civile e Previdenza 1996, pp. 653 e ss..
- HASSEN ABERKANE, Du dommage causé par une personne indéterminée dans un groupe determiné de personnes, Revue trimestrielle de droit civil 1958, pp.516, 538.
- ILHAN E. POSTACUOGLU, Faits simultanés et le probléme de la responsabilité collective, Revue trimestrielle de droit civil 1954, pp.438 e ss..
- PAULO MOTA PINTO, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, vol. I, p. 674.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 490.º, 497.º, 570.º, 572.º.
Sumário :
I - A exigência, para que uma conduta seja considerada “causa”, em sentido jurídico, de que a mesma constitua uma condição sine qua non conhece excepções, nomeadamente em casos de causalidade alternativa ou concorrente.

II - Há situações em que se pode suprimir mentalmente um factor, sem que, por isso, um certo efeito deixe de ocorrer, parecendo, todavia, arbitrário, de um ponto de vista jurídico, negar-lhe relevância causal.

III - Numa agressão colectiva ou em grupo, com vários lesantes e lesados, basta reconhecer que foi a actuação em grupo a condição sine qua non do dano sofrido pelo lesado, o que permitirá responsabilizar solidariamente os membros desse grupo, possibilitando, porém, a cada um deles, provar que não causaram esse dano.

IV - Cada participante em rixa, autor de um facto ilícito, terá o dever de indemnizar os danos a outrem causados pela actuação de todos e terá direito a ser indemnizado pelos danos por si próprio sofridos, sem prejuízo da eventual aplicação do art. 570.º do CC.

V - Não se tendo apurado um grau de culpa superior de cada um dos participantes, e atendendo a que todos criaram a situação de perigo e agiram culposamente, dever-se-ão equiparar as culpas, dada a contribuição causal de cada um deles para a produção da globalidade dos danos (cf. art. 572.º do CC).
Decisão Texto Integral:
 

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO:

AA, instaurou a presente acção declarativa ordinária contra BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, pedindo a condenação de cada um dos R.R. a liquidar ao A. a quantia de € 9.231,23, acrescida de juros legais a partir da citação.

Os R.R. foram devidamente citados.

Contestaram os R.R. BB, CC e DD. Em tal articulado, além do mais, invocaram que não foram os R.R. contestantes que provocaram danos no A. e concluíram pedindo a improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido.

No âmbito desta acção n.º 154/10.8TBCDR, por despacho de 15-11-2010, foi ordenada a apensação das acções n.º 155/10.6TBCDR, 164/10.5TBCDR e 169/10.6TBCDR  

         Acção n.º 155/10.6TBCDR.

EE instaurou acção declarativa sumária contra BB, CC, DD, AA, FF, GG e HH, pedindo a condenação de cada um dos R.R. a liquidar ao A. a quantia de € 3.543,32 acrescida de juros legais a partir da citação devendo, ainda, solidariamente liquidar as despesas no Hospital ... com a sua assistência. Os R.R. foram devidamente citados. Contestaram os R.R. BB, CC e DD. Em tal articulado, além do mais, invocaram que não foram os R.R. contestantes que provocaram danos no A.. Terminaram pedindo a improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido.



         Acção n.º 164/10.5TBCDR.

         HH instaurou acção declarativa ordinária contra BB, CC, DD, EE, FF, GG e AA, pedindo a condenação de cada um dos R.R. a liquidar à A. a quantia de € 4.810,40, acrescida dos juros legais a partir da citação e a sua parte na despesa hospitalar pela assistência à A. Os R.R. foram devidamente citados. Contestaram os R.R. BB, CC e DD. Em tal articulado, além do mais, invocaram que não foram os R.R. contestantes que provocaram danos no A. Terminaram pedindo a improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido.

         Acção n.º 169/10.6TBCDR.

         FF, com os sinais nos autos, instaurou a presente acção declarativa sumária contra BB, CC, DD, EE, AA, GG e HH. Terminava pedindo a condenação de cada um dos R.R. a liquidar ao A. a quantia de € 800,00 acrescida de juros legais a partir da citação. Os R.R. foram devidamente citados. Contestaram os R.R. BB, CC e DD. Em tal articulado, além do mais, invocaram que não foram os R.R. contestantes que provocaram danos no A. Terminavam pedindo a improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido.

A Sentença recorrida considerou improcedentes todas as acções e absolveu os respectivos Réus dos pedidos contra eles formulados, por entender que os Autores não tinham feito prova do nexo causal.

Afirma-se, com efeito, na Sentença que “desconhecendo-se os concretos autores das lesões provocadas a cada um dos demandantes não pode afirmar-se a responsabilidade civil extracontratual porque sempre se exigiria a existência de um nexo de causalidade entre o acto gerador da responsabilidade e o seu autor físico (cfr. artigo 483.º, n.º 1 do C.C. ao determinar "Aquele que (...) violar ilicitamente (...)". Sublinha-se, também, que o Código Civil adoptou a teoria da causalidade adequada. Ora, “de acordo com esta orientação, para que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano não basta que o facto em concreto tenha sido a causa do dano, em termos de conditio sine qua non. É necessário que, em abstracto, seja também adequado a produzi-lo, segundo o curso normal das coisas”. Alude-se, ainda, à circunstância de a nossa lei não conter preceito equivalente ao §830 BGB e nega-se que o problema da incerteza causal possa ser resolvido por invocação do artigo 497.º do Código Civil.

Inconformados os Autores – AA, no Processo n.º 154/10.8TBCDR; EE, no Processo n.º 155/10.6TBCDR; HH, no processo n.º 164/10.5TBCDR e FF, no Processo n.º 169/10.6TBCDR – vieram interpor recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 678.º do Código do Processo Civil, pedindo a substituição da Sentença por Acórdão que:

- obrigue, no processo 154/10.8TBCDR, cada um dos Réus a liquidar ao Recorrente, AA, a quantia de 9.231,23 euros acrescida dos juros legais;

- obrigue, no processo 155/10.6TBCDR, cada um dos Réus a liquidar ao Recorrente, EE, a quantia de 3.543,32 euros acrescida dos juros legais;

- obrigue, no processo 164/10.5TBCDR, cada um dos Réus a liquidar à Recorrente, HH, a quantia de 4.810,40, acrescida dos juros legais;

- obrigue, no processo 169/10.6TBCDR, cada um dos Réus a liquidar ao Recorrente, FF, a quantia de 800 euros, acrescida dos juros legais.    

        

Fundamentação


I. De facto

Foram dados como provados os seguintes factos:
1. EE, FF, AA, BB, CC, DD, HH e GG foram condenados no âmbito do processo n.º 219/04.5GACDR do Tribunal Judicial de ... por sentença transitada em julgado, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, pela prática de um crime de participação em rixa, previsto e punido pelo artigo 151.º do Código Penal (cfr. documentos de fls. 21 a 40 e 41 a 57 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
2. Na sentença referida em 1., o Tribunal decidiu “remeter os demandantes e os demandados civis para os Tribunais Civis, ao abrigo do disposto no artigo 82.º, n.º 3 do Código de Processo Penal”.
3. Na sentença referida em 1. foram julgados provados os seguintes factos:

“1. No dia 24/12/2004, cerca 17:30 horas, em ..., freguesia ..., em ..., EE, FF e AA encontravam-se na via pública, a comporem uma ramada, quando surgiu BB transportando uma sachola as costas;

2. Ao cruzarem-se, na sequência de uma troca de palavras entre BB e AA, iniciou-se uma altercação entre eles;

3. No decurso da controvérsia que se gerou, começou a haver agressões entre todos;

4. De seguida, apareceram no local DD, HH e GG, estando também presente no local CC;

5. DD estava munido de uma sachola;

6. EE e FF também estavam munidos de uma sachola;

7. Envolveram-se todos em luta, à sacholada e à marretada;

8 . EE sofreu ferida inciso contusa do couro cabeludo na região occipital suturada com três pontos de linha na região temporo pariental direita com 14 pontos de linha. Edema na região molar e nasogenia direita. Escoriações do lábio superior com 1 cm. de comprimento, lesões estas que determinaram, como consequência directa e necessária, um período de doença de 15 dias, com 5 dias de afectação de capacidade para o trabalho em geral.

9. FF sofreu escoriações com 1 cm x 1 cm do supracílio esquerdo. Escoriação do malar direito do mesmo tamanho, Equimoses palpebrais esquerdas e conjuntivite do mesmo lado, lesões estas que determinaram, como consequência directa e necessária, um período de doença de 10 dias, com 3 dias de afectação da capacidade para o trabalho geral;

10. AA sofreu fractura afundada exposta do osso frontal parietal à esquerda com ferida infecta, lesões estas que determinaram, como consequência directa e necessária, um período de doença de 50 dias, com 50 dias de afectação da capacidade para o trabalho geral, tendo ficado internado desde 25 de Dezembro de 2005 [a referência a 2005 deve-se a evidente lapso de escrita, pois que se pretendia certamente referir a 25 de Dezembro de 2004] a 13 de Janeiro de 2005, seguido de tratamento ambulatório;

11. AA ficou com sequela de afundamento da região frontal do crânio;

12. HH sofreu fractura do osso do antebraço direito lesões estas que determinaram, como consequência directa e necessária, período de doença de 137 dias, com 6 dias de afectação da capacidade par trabalho geral e 131 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional;

13. DD sofreu ferida da região parital esquerda linear, suturada com três pontos rodeada de edema. Ferido inciso contusa  irregular do dorso bordo da mão direita, suturada com três pontos, vestígios de ferimento no dorso do nariz, lesões estas que determinaram, como consequência directa e necessária, um período de doença de 15 dias, com 10 dias de afectação da capacidade para o trabalho geral.

14. CC sofreu equimose palpebraias esquerda fortemente arroxeada; equimose do braço direito atingindo toda a parte média. Escoriações nas articulações 1.ª e 2.ª dos últimos dedos, dorso da mão e também da mão direita, no dorso do ultimo metacárpico. Escoriações dos joelhos direito e esquerdo face anterior, Ligeira escoriação do tórax do lado esquerdo com 5 cm. de comprimento, lesões estas que determinaram, como consequência directa e necessária um período de doença de 10 dias, com 3 dias de afectação da capacidade para o trabalho geral.

15. BB sofreu ferida do frontal suturada com sete pontos, ferida da região naso genian com cinco pontos, ambas lineares, inciso contusas; outra no dorso da mão direita junto ao bordo interno e outra na 1.ª falange do dedo mínimo; escoriações do dedo da mão esquerda na articulação 1.ª e 2.ª falange; equimose palpebrais com edema, lesões estas que determinaram, como consequência directa e necessária, um período de doença de 15 dias, com 7 dias de afectação da capacidade para o trabalho geral.

16. Agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que se envolviam em confrontações físicas, sendo certo que utilizaram e verificaram que eram utilizados objectos aptos a produzir lesões das quais podiam resultar, como resultaram, sérias consequências para a integridade física uns dos outros;

17. Sabiam que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal e, mesmo assim, não se abstiveram de a prosseguir. (…).

19. [BB] Ficou transtornado e aborrecido com o sucedido e teve dores.

20. CC sofreu dores no momento da agressão e nos dias seguintes.

21. DD sofreu dores na sequência das agressões. 

22. FF sofreu dores na face.

23. EE sofreu dores e mal-estar na sequência das agressões;

24. Na sequência das agressões, a vida de AA esteve em risco;

25. Sofreu dores e mal-estar profundo, temendo pela sua vida;

26. AA gastou € 19,13 em medicamentos;

27. Gastou € 56,30 em análises, exames e consultas;

28. HH sofreu fortes dores no braço partido;

29. Ficou triste por ficar inactiva;

30. Apresenta uma cicatriz de grande dimensão;

31. O Hospital …, E.P.E. prestou serviços de assistência médica a EE, HH, BB, DD e CC, no valor total de € 2.361,32;

32. O Hospital … prestou assistência a AA no dia 25 de Dezembro de 2004, consubstanciada em episódio de urgência, no valor de € 64,90;

33. Prestou serviço de internamento desde a data referida em 32) e até 13 de Janeiro de 2005, no valor total de € 7.426,25.

34. Prestou assistência em regime de ambulatório, consubstanciada em consulta no dia 27 de Janeiro de 2005, no valor de € 25,20;

38. EE aufere a quantia mensal de cerca de € 1.500,00;

44. FF esta reformado e aufere a quantia de cerca de €300,00 a título de pensão;

48. AA aufere uma quantia mensal entre os € 1.300,00 e os € 1.400,00;

49. Tem dois filhos menores a seu cargo; (…)

67. HH é doméstica;

71. GG é doméstica;

72. Vive com AA”.
4. Em consequência dos factos descritos em 3., AA foi assistido de urgência no Hospital …, em Viseu, seguindo de urgência para os Hospitais …, de onde retornou ao Hospital de …, em Viseu sendo, posteriormente, encaminhado para o Hospital de … onde deu entrada no dia 25-12-2004, pelas 15.18 horas (cfr. artigo 1.º da B.I. desta acção).
5. Após 13/01/2005, data em que teve alta de internamento no Hospital …, AA continuou em consultas externas, vigiado e medicado, em regime de ambulatório (cfr. artigo 2.º da B.I. desta acção).
6. A primeira TAC feita a AA autor mostrou uma fractura frontal direita, atingindo o seio frontal homolateral e com colecção epidural justafracturária e uma fractura parietal esquerda afundada sem aparente ferida cerebromeníngea (cfr. artigo 3.º da B.I. desta acção).
7. Ao quinto dia de internamento no Hospital …, começou a sair matéria hematopurulenta da região da ferida frontal sofrida por AA (cfr. artigo 4.º da B.I. desta acção).
8. A segunda TAC a AA evidenciou colecção purulenta subcutânea na região frontal (cfr. artigo 5.º da B.I. desta acção).
9. AA iniciou então antibioterapia endovenosa tripla durante duas semanas (cfr. artigo 6.º da B.I. desta acção).
10.  Na sequência das agressões descritas em 3., a vida de AA esteve em risco (cfr. artigo 7.º da B.I. desta acção).
11. Após a alta médica AA esteve em casa acamado, mantendo medicação durante mais duas semanas (cfr. artigo 8.º da B.I. desta acção).
12.  A consulta referida em 34. do ponto 3. dos factos provados foi uma consulta de neurocirurgia (cfr. artigo 9.º da B.I. desta acção).
13. AA tem a seu cargo a sua mulher, GG, e dois filhos (cfr. artigo 10.º da B.I. desta acção)
14. AA exerce a profissão de ladrilhador (cfr. artigo 11.º da B.I. desta acção).
15.  Em consequência dos factos descritos em 3. o A. teve despesas de deslocações no montante de € 300 (cfr. artigo 12.º da B.I. desta acção).
16. E em ambulâncias gastou a quantia de € 26,60 (cfr. artigo 13.º da B.I. desta acção).

Da acção n.º 155/10.6TBCDR.
17.  Em consequência dos factos descritos em 3. EE perdeu sangue (cfr. artigo 2.º da B.I. da acção n.º 155/10.6TBCDR).
18. E perdeu os sentidos (cfr. artigo 3.º da acção n.º 155/10.6TBCDR).
19. E temeu pela sua vida (cfr. artigo 4.º da acção n.º 155/10.6TBCDR).
20. Foi assistido de urgência no Centro de Saúde de ... (cfr. artigo 5.º da acção n.º 155/10.6TBCDR).
21. Na altura, EE era motorista (cfr. artigo 6.º da B.I. da acção n.º 155/10.6TBCDR).
22. E esteve duas semanas sem trabalhar (cfr. artigo 7.º da B.I. da acção n.º 155/10.6TBCDR).
23. EE liquidou ao Hospital …, E.P.E. a quantia de € 23,70 (cfr. artigo 8.º da B.I. da acção n.º 155/10.6TBCDR).
24. E liquidou aos Bombeiros Voluntários de ... por transporte na ambulância a quantia de €29,60 (cfr. artigo 9.º da B.I. da acção n.º 155/10.6TBCDR).
25. As cicatrizes referidas em 8. do ponto 3 dos factos provados são visíveis na cabeça de EE desde que ele use o cabelo relativamente curto (cfr. artigo 10.º da B.I. da acção n.º 155/10.6TBCDR). 

Da acção n.º 164/10.5TBCDR.
26. Em virtude dos factos referidos em 3. HH foi operada no dia 25-12-2004 (cfr. artigo 1.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR).
27.  E esteve internada no Hospital … até 29-12-2005 (cfr. artigo 2.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR)
28. Antes de ser operada HH teve de fazer exames radiológicos e ao sangue (cfr. artigo 3.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR).
29.  Após a alta, HH teve que se deslocar a Viseu para consultas no dia 03-01-2005, 28-02-2005 e 09-05-2005, no que despendeu a quantia de € 162,75 (cfr. artigo 4.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR);
30. E pagou de taxas moderadoras ao Hospital ... em … a quantia de € 10,20 (cfr. artigo 5.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR).
31.  Em consequência dos factos descritos em 3., durante 4 meses, HH não trabalhou e nada pôde fazer com o braço partido (cfr. artigo 6.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR);
32. E continua com dores no braço (cfr. artigo 7.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR);
33. E não pode pegar em pesos ou fazer maior esforço com esse braço (cfr. artigo 8.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR).
34. Vive da agricultura e do trabalho doméstico (cfr. artigo 9.º da B.I. da acção n.º 164/10.5TBCDR).

Da acção n.º 169/10.6TBCDR.
35. Nas circunstâncias referidas em 3., FF foi atingido com o ferro de uma sachola na face (cfr. artigo 1.º da B.I. da acção n.º 169/10.6TBCDR).
36. Em consequência das agressões referidas em 3., teve medo pela sua vida e integridade física (cfr. artigo 2.º da B.I. da acção n.º 169/10.6TBCDR).

 De Direito:

O presente caso tem constituído um desafio ao raciocínio jurídico há séculos ou mesmo milénios, porquanto um caso similar era já debatido no Digesto[1]. A sentença recorrida, aliás muito bem fundamentada e que bem destaca tratar-se de um caso delicado, concluiu pela inexistência de responsabilidade civil dos réus por não ser possível determinar concretamente quais as lesões que tinham sido causadas pela actuação ilícita e culposa de cada um deles. Invocando a conhecida doutrina da conditio sine qua non de que, de certo modo a chamada causalidade adequada é apenas um desenvolvimento evolução, concluiu-se que, uma vez que não podemos estar certos de que as lesões sofridas não tivessem ocorrido, de igual modo, se cada um dos réus não tivesse agido (porque poderiam ter sido causadas pelos outros réus) não seria possível afirmar em relação a todos e a cada um, um dever de indemnizar. Invocou-se igualmente na sentença recorrida a inexistência, entre nós, de norma análoga ao parágrafo 830.º do BGB.

O resultado assim atingido – não indemnizar o lesado vítima de uma agressão colectiva por este não ser capaz de demonstrar quem, de entre os vários membros do grupo, tinha causado esta ou aquela lesão concreta, já foi, efectivamente, alcançado noutros países por outros tribunais. Muitas decisões francesas dos anos 40 e 50 do século passado foram proferidas no mesmo sentido. Um dos comentadores mais críticos não deixou no entanto de observar que tais decisões feriam o bom senso.

Com efeito, importa desde logo ter presente que estamos no âmbito da responsabilidade civil e não da responsabilidade penal e que a função principal da responsabilidade civil continua a ser a da reparação do lesado. Acresce que, independentemente de não parecer possível exigir, sem quaisquer limitações ou reservas que uma conduta ilícita e culposa seja condição sine qua non de um dano para que surja a obrigação de indemnizar, o problema que aqui se coloca não é só o de causalidade (embora frequentemente seja tratado como uma questão de causalidade alternativa).

Relativamente ao primeiro aspecto importa, com efeito, destacar que embora a teoria da equivalência das condições esteja na base da própria teoria dita da causalidade adequada[2] a exigência para que uma conduta seja considerada causa em sentido jurídico de que a mesma seja uma condição sine qua non conhece, para uma boa parte da doutrina excepções, nomeadamente em casos de causalidade alternativa ou concorrente. Há, com efeito, situações em que se pode suprimir mentalmente um factor, sem que por isso um certo efeito deixe de ocorrer, parecendo todavia arbitrário, de um ponto de vista jurídico, negar-lhe relevância causal[3].

No fundo, o problema emerge também porque do que foi faticamente uma agressão colectiva ou em grupo, o direito pretende depois extrair responsabilidades individuais. Mas esta transformação do colectivo em individual não pode fazer-se de modo que deturpe a realidade e que escamoteie por completo a natureza colectiva da actuação. No passado não faltou quem sublinhasse que nestas situações em que vários agentes cometem factos ilícitos e culposos capazes potencialmente de provocarem os mesmos danos, é a actuação de todos eles que torna mais delicada e mais difícil a prova pelo lesado da imputação causal. Esta dificuldade acrescida foi até, ela própria já apresentada como um dano autónomo[4]. Mas não será preciso ir tao longe – basta reconhecer que foi a actuação do grupo a condição sine qua non do dano sofrido pelo lesado[5], o que permitirá responsabilizar solidariamente os membros desse grupo, permitindo-lhes embora, a cada um deles, provar que não causaram esse dano. Essa responsabilização solidária, emerge, no fim de contas do artigo 497.º do nosso Código Civil que afirma, precisamente, a responsabilidade solidária das várias pessoas responsáveis pelos danos (sem olvidar o artigo 490.º do mesmo Código que consagra que “se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado”).

Em Itália verifica-se uma controvérsia quanto ao âmbito de aplicação do artigo 2055 do Codice Civile, disposição muito similar à nossa. Parece-nos, contudo, que assiste razão a BUSNELLI quando este autor afirma que “longe de ser expressão da teoria da condicio sine qua non [o preceito] serve para unificar, no interesse do lesado, as várias quotas de responsabilidade em uma incindível responsabilidade solidária, que se traduz em uma obrigação subjectivamente complexa que tem por fonte unitária o facto danoso (…) imputável a várias pessoas”[6]. Atende-se aqui, em suma, à unidade do dano e à necessidade de protecção do lesado[7]. Se o dano foi causado por todos, todos devem responder (como, de resto, também resulta do próprio artigo 490.º do Código Civil) solidariamente[8] (sendo que o n.º 2 do artigo 497.º do Código Civil vai ao ponto de, tal como o preceito congénere, o artigo 2055 do Código Civil italiano, presumir iguais as culpas das pessoas responsáveis). Assim cada participante em uma rixa[9], autor de um facto ilícito terá o dever de indemnizar os danos a outrem causados pela actuação de todos e terá direito a ser indemnizado pelos danos por si próprio sofridos, sem prejuízo de uma eventual aplicação do artigo 570.º do Código Civil.

Relativamente a este último preceito e tendo presente igualmente o disposto no artigo 572.º do Código Civil, deverá atender-se a que também todos os Autores criaram a situação de perigo e agiram culposamente, mas não se pode afirmar um grau de culpa superior de cada um deles, pelo que as culpas se equiparam para este efeito. Destarte e dada a contribuição causal de cada um deles para a produção de todos os danos, cada um dos intervenientes na rixa deverá suportar um oitavo dos danos que sofreu, tendo direito ao ressarcimento quanto à parte restante.

Decisão: Revoga-se a sentença recorrida e dá-se provimento parcial aos pedidos apresentados pelos Autores

Assim, na Acção n.º 154/10.8TBCDR, cada um dos Réus é condenado a pagar a AA a quantia de € 8077,32 (oito mil e setenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros legais a partir da citação.

Na Acção n.º 155/10.6TBCDR, cada um dos Réus é condenado a pagar a EE a quantia de €3100,40 (três mil e cem euros e quarenta cêntimos) acrescida de juros legais a partir da citação devendo ainda solidariamente liquidar sete oitavos das despesas no Hospital ... com a sua assistência.

Na Acção n.º 164/10.5TBCDR, cada um dos Réus é condenado a pagar a HH a quantia de €4209,10 (quatro mil duzentos e nove euros e dez cêntimos) acrescida dos juros legais a partir da citação e a sua parte em sete oitavos da despesa hospitalar pela assistência à Autora.

Na Acção n.º 169/10.6TBCDR, cada um dos Réus é condenado a liquidar a FF a quantia de €700,00 (setecentos euros) acrescida de juros legais a partir da citação. 

Custas pelos Recorridos na proporção do decaimento

Lisboa, 19 de Maio de 2013,

Júlio Gomes (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira

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[1] Sobre o tema e a história do tratamento destes casos cfr. CONSTANTIN KRUSE, Alternative Kausalität im Deliktsrecht – Eine historische und vergleichende Untersuchung, LIT Verlag, Berlin, 2006, que inicia a sua análise (págs. 4 e segs.) por dois passos do Digesto: 9,2,51,1 e 9,2,11,2.
[2] Com efeito, a teoria da equivalência das condições constitui, como refere CHRISTOPHE QUÉZEL-AMBRUNAZ, Essai sur la causalité en droit de la responsabilité civile, Dalloz, Paris, 2010, pág. 29, “a base, a referência comum, das outras teorias jurídicas da causalidade, mesmo daquelas que ao exigir uma escolha de entre as condições, contradizem abertamente o seu princípio”.
[3] PAULO MOTA PINTO, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, vol. I,  afirma que “tendo regressado à ideia de condição sine qua non, se torna necessário reconhecer-lhe excepções, nos casos de redundância causal” referindo como exemplos, na nota 1920, da pág. 674, situações de causalidade dita alternativa e de responsabilidade do grupo, designadamente à luz do art. 151.º do Código Penal para a participação em rixa.
[4] ILHAN E. POSTACUOGLU, Faits simultanés et le probléme de la responsabilité collective, Revue trimestrielle de droit civil 1954, págs.438 e segs., pág. 441: cada um [dos agentes] é autor do facto que misturou os meios de prova, acabando por conduzir à sua total destruição”. Em suma, são os próprios agentes que tornam impossível a demonstração pelo lesado do nexo causal com a conduta individual de cada um deles. Entre nós cfr. ANA MAFALDA CASTANHEIRA NEVES DE MIRANDA BARBOSA, Responsabilidade Civil Extracontratual, Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade, Principia, Lisboa, 2014, p. 268: “A ausência de certezas quanto à causa do dano é apenas uma decorrência da complexidade da realidade que deve, de acordo com o entendimento consagrado em matéria de ónus da prova, ser suportada por aquele ou aqueles que erigiram a referida esfera de risco, que assim também abarca o próprio risco adjectivo”.
[5] HASSEN ABERKANE, Du dommage causé par une personne indéterminée dans un groupe determiné de personnes, Revue trimestrielle de droit civil 1958, págs.516 e segs., pág. 538, para quem a solução deve ser encontrada em função da responsabilidade do grupo na sua actuação colectiva.
[6] BUSNELLI, cit apud MARCO CAPECCHI, Il nesso di causalità (Dalla condicio sine qua non alla responsabilità proporzionale, 3.ª ed., Cedam, Padova, 2012, pág. 123, n. 4.
[7] ENZA PELLECCHIA, A propósito di solidarietà e di scindibilità, Responsabilitá Civile e Previdenza 1996, págs. 653 e segs., pág. 656.
[8] ALESSANDRO  GNANI, La responsabilità solidale, Giuffrè Editore, Milano, 2005, pág. 18: “todos são responsáveis porque a todos se imputa o mesmo evento lesivo”.
[9] ANA MAFALDA CASTANHEIRA NEVES DE MIRANDA BARBOSA, ob. cit., págs. 272 e segs.