Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5928/12.2TBLRA-C.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ADOPÇÃO PLENA
TRANSITO EM JULGADO DA SENTENÇA
INCIDENTE DE REVISÃO
LEGITIMIDADE
TUTELA CONSTITUCIONAL DA ESTABILIDADE DA ADOPÇÃO
TUTELA DA FAMÍLIA BIOLÓGICA ALARGADA DO ADOPTADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA - ADOPÇÃO PLENA ( ADOÇÃO PLENA ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1990.º, 1991.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 696.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º282/2004 E 416/2011, EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
1. Decretada a adopção, por sentença transitada em julgado, não é admissível, face aos fundamentos taxativos da revisão e da legitimidade para a desencadear, que uma irmã do adoptado – que nenhuma intervenção espontânea deduziu nos procedimentos que conduziram à adopção – pretender obter um juízo rescisório do caso julgado material, decorrente de tal sentença, com base em invocadas nulidades processuais, alegadamente cometidas naqueles autos.

2. Não tem qualquer fundamento – perante o valor de estabilidade do projecto de vida delineado para o menor adoptado por sentença transitada - a pretensão de criar, no procedimento de adopção, uma espécie de litisconsórcio necessário de todos os parentes biológicos do adoptado, integrando a respectiva família alargada, em termos de a regularidade da instância no procedimento tendente à adopção implicar que o Tribunal devesse, mesmo oficiosamente, promover a intervenção e audição procedimental de todos aqueles familiares biológicos, sob pena de a omissão do chamamento a intervir determinar nulidade insanável, a qual sobreviveria à própria formação do caso julgado, sendo invocável no âmbito do incidente de revisão .

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




1. AA instaurou incidente de revisão da sentença de adopção do menor BB, invocando a norma da alínea b) do nº1 do art. 1990º do CC, alegando que:

A requerente é irmã do menor BB, nascido em 30/1/2006, sendo filho biológico de CC e de DD. No âmbito do processo promoção e protecção a favor de BB (proc. nº2733/10.4TBEVR), que se iniciou com a denúncia da requerente, foi aplicada, em 9/12/2010, a medida de acolhimento na instituição “O EE”, tendo sido autorizada a visita dos irmãos.

Face ao comportamento dos pais biológicos do menor e às vicissitudes da sua vida pessoal, a requerente teve de tomar a difícil decisão de confiar o seu irmão ao acolhimento em instituição, acreditando que poderia vir a tomar conta dele num futuro próximo, decidindo fazê-lo em Maio de 2013, vindo a saber que o seu irmão já não estava na instituição e que tinha sido adoptado.

A Requerente, a sua mandatária e os seus irmãos não foram notificados da intenção do Ministério Público de aplicar a medida de confiança judicial com vista à adopção.

Em 3/10/2011, foi proferida decisão que aplicou a favor da criança a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista no art.º 35º, n.º 1, al. g) da LPCJP (L 147/99 de 01.09).

Os progenitores não interpuseram recurso dessa decisão, não tendo tal decisão sido notificada aos irmãos da criança, identificados no processo n.º 2733/10.4TBEVR como família alargada daquele.

Nenhum dos irmãos, nem a mandatária judicial, esteve presente no debate judicial ocorrido no dia 21/9/2011, desconhecendo a intenção ou a possibilidade de vir a ser aplicada a referida medida, por total ausência de comunicação prévia, quer por parte do Ministério Público, quer por parte do Tribunal.

A audiência de julgamento decorreu sem a presença das Juízes Sociais, tendo a Mmª Juiz considerado que a ausência das mesmas não devia determinar o adiamento da diligência, decidindo que se encontravam reunidas as condições para iniciar o debate judicial, sendo o Tribunal composto apenas pelo Juiz do processo, que presidiu à diligência.

Por outro lado, a referida medida não poderia ser tomada sem que os pais ou outros familiares participassem na discussão e tivessem a oportunidade de exercer o contraditório, pois enquanto todas as outras medidas de promoção e protecção não vão além da limitação do exercício das responsabilidades parentais, a da confiança para futura adopção significa a privação, quer do exercício, quer da titularidade do poder paternal, por força do art.º 1978º-A do CC.

A decisão que aplicou ao menor Ricardo a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção violou, assim, a lei e os direitos da criança, não tendo, por isso, a virtualidade de afastar o consentimento dos familiares da criança, no caso de decisão de adopção, encontrando-se esta viciada na sua génese (arts 4º e 35º da LPCJP, art.º 9º da Convenção dos Direitos da Criança e art.16 CRP).

Contestou o Ministério Público, defendendo-se por excepção, ao arguir a ilegitimidade activa da requente, uma vez que a lei ( art. 1991º CC) não a legitima a pedir a revisão; e por impugnação alegou no sentido de que a preconizada revisão afectaria os interesses do adoptado.

Respondeu a requerente, contraditando a excepção, alegando, em síntese, que a legitimidade para a revisão da sentença de adopção não pertence apenas aos progenitores, devendo a legitimidade da requerente ser aferida nos termos do art. 197º do CPC, por ser quem interesse na observância das formalidades preteridas, que implicam nulidade processual e na garantia do contraditório, dada a prevalência do princípio da família natural.

No final, foi proferida decisão a julgar a requerente parte ilegítima e indeferir o incidente de revisão.

2. Inconformada, a requerente apelou, tendo, porém, a Relação negado provimento ao recurso – começando por definir os elementos processuais relevantes:

BB nasceu em 30/1/2006, sendo filho biológico de CC e de DD.

A requerente é irmã do menor BB.

No âmbito do processo promoção e protecção a favor de BB (proc. nº2733/10.4TBEVR), foi aplicada, por sentença de 9/12/2010, a medida de confiança na instituição “O EE”, com vista à adopção.

Em 18/5/2012, a curadoria provisória do menor foi transferida para os candidatos à adopção.

Por sentença de 9/1/2013, transitada em julgado, foi decretada a adopção plena do menor BB pelos adoptantes.

A requerente AA deduziu o incidente de revisão da sentença de adopção.

Por sentença de 21/8/2014, julgou-se a Autora parte ilegítima e indeferiu-se a revisão.

Passando, de seguida, a apreciar o mérito do recurso, considera o acórdão recorrido:

A sentença recorrida desatendeu o pedido da requerente com base em dois tópicos argumentativos: (i) falta de legitimidade activa e (ii) porque (subsidiariamente) os interesses do menor seriam consideravelmente afectados.

Objecta a Apelante dizendo que a sua legitimidade assenta no princípio da prevalência da família biológica, sendo que as nulidades cometidas no âmbito do processo de protecção não ficaram sanadas com a sentença de adopção (“ a Autora tem a legitimidade suficiente e necessária decorrente da importância que a lei lhe reserva e confere enquanto família alargada do menor, a considerar em obediência ao princípio da prevalência da família”).

A lei (art. 1989 CC) consagra o princípio da irrevogabilidade da adopção plena (“ A adopção plena não é revogável nem sequer por acordo do adoptante e do adoptado”), cuja justificação assenta no princípio da confiança e da estabilidade das relações familiares e na garantia constitucional da protecção da adopção ( art. 36 nº7 CRP).

No entanto, o art. 1990 nº1 CC prevê excepcionalmente a possibilidade de revisão da sentença de adopção, ao enunciar (alíneas a) a e) ) taxativamente as causas ou fundamentos da impugnação.

Sendo a adopção um “acto jurídico complexo” (integrado pela declaração de vontade do adoptante, os consentimentos exigidos e a sentença), e não uma declaração negocial, a lei não prevê a anulação da adopção (por falta ou vícios do consentimento), mas instituiu (excepcionalmente) a revisão da sentença, com a destruição retroactiva dos seus efeitos.

Porém, o art. 1991 do CC estabelece as pessoas com legitimidade para pedir a revisão da sentença e a caducidade do direito, sendo que a legitimidade varia em conformidade com o fundamento subjacente, e, no plano processual, a revisão é processada como incidente do processo de adopção ( art. 173-A nº3 OTM ).

Mesmo que se comprovem os fundamentos da revisão, esta não é concedida se os interesses do adoptado ficarem “consideravelmente afectados” ( nº3 do art. 1990 CC ), ou seja, se isso perigar o seu desenvolvimento, se os interesses forem seriamente ameaçados.

Pode afirmar-se que a regra é a irrevogabilidade da sentença de adopção, e a excepção a sua revisão, apenas com base nos fundamentos substantivamente previstos e pelas pessoas a quem a lei confere legitimidade.

Claro está que isto não obsta a que que a sentença não possa ser revista através do recurso extraordinário de revisão (art. 696 CPC), como resulta do art. 173-A OTM, desde que verificados os apertados requisitos legais.

A requerente, irmã do adoptado, fundamenta o pedido de revisão, não em quaisquer das causas do nº1 art. 1990 CC, mas em nulidades processuais, alegadamente praticadas no processo de protecção (ausência de notificação à requerente da medida de confiança com vista à adopção, não intervenção de juízes sociais).

Desde logo, a revisão só pode fundar-se nas causas do art. 1990 nº1 (falta ou vícios do consentimento) e jamais em alegadas nulidades processuais do processo de protecção.

Para além disso, a lei apenas confere legitimidade para o pedido de revisão às pessoas referidas no art. 1991 do CC, o que manifestamente não é o caso, porque a lei não exige o consentimento da requerente, irmã do adoptado, para a adopção.

A Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº147/99 de 1/9), assume um novo paradigma no direito dos menores, cujo art. 35 prevê um conjunto de medidas de promoção e protecção, com o objectivo, expressamente assinalado no art. 34, de afastar o perigo em que estes se encontram (alínea a/ ), proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (alínea b/), garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (alínea c/).

A medida decretada de confiança a pessoa seleccionada para adopção, prevista no art. 35 alínea g) da LPJCP, foi introduzida pela Lei nº31/2003 de 22/8, pressupõe, nos termos do art. 38-A, que se verifique qualquer das situações previstas no art. 1978 do CC, cujo espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares (por exemplo, a toxicodependência ou o alcoolismo), sendo que a “ não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação “ revela-se como requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas E o perigo exigido na alínea d) do nº1 do art. 1978 do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3º da LPCJP, conforme expressamente se remete no nº3 do art. 1978 do CC, sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável.

Neste contexto, a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção (arts. 38-A e 62-A da LPCJP), para além de afastar o perigo do menor, visa simultaneamente a “ confiança pré-adoptiva “, dispensando a acção prévia de confiança judicial destinada à adopção, significando que o instituto da adopção é agora cada vez mais orientado para protecção das crianças e dos jovens.

O grande princípio orientador da intervenção é o “superior interesse da criança” (art.3º nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, art. 4 a) LPCJP , nº2 1978 CC ) devendo atender-se a outros princípios como o da prevalência da família, o qual impõe que seja dada preferência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou promovam a sua adopção, ou seja, as executadas no “meio natural de vida “ (arts.4º g) e 35 nº3 da Lei nº147/99), porque toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica) (arts. 36, 67 da CRP, art. 7 nº1 da Convenção). Contudo, a prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objectivamente criada, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, a preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa seleccionada para adopção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança.

Tudo isto para dizer que o princípio da prevalência não confere à requerente qualquer direito subjectivo processual, pois não a investe na qualidade de “titulares de responsabilidade parentais”. Trata-se de um princípio jurídico, que actua como critério de orientação, como standard hermenêutico.

E tanto assim que a Lei da Protecção nem sequer prevê a notificação dos elementos da família alargada, nem da sua obrigatória audição, mas apenas aos pais, representantes legais, às pessoas que tenham a guarda de facto (cf. arts. 85, 104, 107), que são quem têm legitimidade para recorrer da aplicação da medida (art. 123 nº 2).

3. Novamente inconformada, a requerente interpôs revista excepcional – admitida neste STJ pela competente formação – que encerra com as seguintes conclusões:

1. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra considera, em síntese, que decretada a adopção, o princípio da prevalência da família não confere legitimidade a uma irmã do adoptado para deduzir o incidente de revisão da sentença.

2. Esta é uma questão que merece tutela adequada e digna de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pois estão em causa interesses de particular relevância social que justificam a revista excepcional.

Nas palavras do Exmo. Sr. Dr. Desembargador Teles Pereira, 1º Adjunto, em Declaração do Acórdão recorrido, não é de excluir que "a legitimação de um irmão biológico para contestar o carácter de "processo justo" do procedimento que conduziu à adopção de um seu irmão, passe pela recusa de aplicação de qualquer uma dessas normas de Direito ordinário, por referência a algum grau de protecção constitucional devida à família biológica alargada (valor que também está presente no artigo 67º, nº 1 da CRP), particularmente quando a família biológica directa ou próxima, rectius, os pais, manifestam desinteresse, são inadequados ou, mesmo desadequados à protecção da criança."

3. Os direitos da família biológica alargada consubstanciam um valor constitucionalmente relevante, que deverá conduzir a uma ponderação da questão da legitimidade para intervir no processo de adopção e ao reconhecimento de legitimidade para o procedimento de revisão, quanto mais não seja, por via de uma aplicação analógica do nº 2 do artº 631º do CPC.

4. A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção (como a da confiança a pessoa seleccionada para a adopção) só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art. 4º, g), da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afectivas.

A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adopção.

Só perante a impossibilidade de integração da criança na sua família se pode decretar medida dirigida à adopção da criança.

5. A LPCJP (Lei nº 147/99, de 1 de Setembro), que tem por objecto a promoção dos direitos a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, prevê a intervenção quando o representante legal ou quem tenha a guarda de facto da criança ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento (artºs 1º e 3º).

Essa intervenção deverá pautar-se pelos princípios orientadores enunciados no artº 4º, referenciando-se, desde logo, na al. a), o interesse superior da criança.

Na aplicação de uma medida de promoção e protecção deve também observar-se o princípio da proporcionalidade, contemplado no art. 4º, al. e), da LPCJP.

Um dos outros princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo é o da prevalência da família, o que significa que, neste domínio, deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na sua família (art. 4º, al. g), da LPCJP).

O superior interesse da criança deve ser realizado tanto quanto possível dentro do enquadramento familiar natural, da família biológica e/ou alargada.

Nesta medida, a adopção só pode surgir depois de esgotadas as possibilidades de integração na família biológica, ou então depois de constatada a impossibilidade de integração satisfatória na família alargada.

É pressuposto genérico da medida de confiança judicial com vista a futura adopção a inexistência ou o sério comprometimento dos “vínculos afectivos próprios da filiação” (corpo do nº 1 do art. 1978º do C. Civil) e só pode ser decidida nas situações descritas nas diversas alíneas do mesmo nº 1.

6. Ora o superior interesse da criança deve ser realizado tanto quanto possível dentro do enquadramento familiar natural, da família biológica e/ou alargada.

Se a lei confere à família alargada um papel primordial na vida da criança ou do jovem em perigo, obrigando a que seja equacionada a possibilidade de integração satisfatória do menor na família alargada, quando exista, então não fará sentido que um membro dessa mesma família alargada (no caso a Autora) não possua legitimidade bastante para pugnar pela legalidade de todo o formalismo conducente à adopção de outro membro dessa mesma família, no caso, o seu irmão.

E menos sentido fará, não ser dada a conhecer aos membros da família alargada, a intenção do Ministério Público de vir a aplicar a medida de confiança judicial com vista à adopção.

7. Nos presentes autos, nem a Requerente, ou a sua mandatária, ou os seus irmãos, foram alguma vez notificados da intenção do Ministério Público de vir a aplicar a medida de confiança judicial com vista à adopção do menor Ricardo.

Essa obrigação existia, em obediência à protecção e salvaguarda dos superiores interesses do menor BB.

8. A Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989, aprovada por Portugal e publicada no D.R., I série, de 12.9.1990, estabelece que todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (art. 3º nº 1).

Nos termos do nº 1 do art.º 9º da Convenção, a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária, “no interesse superior da criança”. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, “por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança” (nº 1, segundo período, do artº 9º). E o art. 20º da Convenção prevê a situação de crianças que, “no seu interesse superior”, não possam ser deixadas no seu ambiente familiar, reconhecendo-lhes o direito a protecção alternativa, que pode incluir a adopção. O art.º 21º da Convenção determina que o interesse superior da criança será a consideração primordial no domínio da adopção.

A nossa Constituição, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, consagra no art. 36º, que todos têm o direito a constituir família, tendo os pais, o direito e o dever de educação e de manutenção dos filhos, não podendo os filhos ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

Por sua vez, o art. 69, da CRP, estabelece que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, devendo, o Estado, assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

E de acordo com o preceituado no art. 3.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 01/09), a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. O nº 2 do citado preceito legal indica, a título exemplificativo, situações que podem configurar como as de criança em perigo, não se mostrando que seja necessária uma efectiva lesão, bastando tão só um perigo eminente ou provável.

E essa intervenção a fazer deverá pautar-se por princípios orientadores, enunciados no art. 4, da LPCJP, dos quais ressalta, o interesse superior da criança, no sentido que a intervenção deve atender prioritariamente aos interesse e direitos da criança, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto, tendo assim, em conta o direito da criança a um desenvolvimento normal e equilibrado, quer em termos físicos, como psíquicos, mas também considerando as suas condições específicas, os diferentes estádios de desenvolvimento e as normais vicissitudes decorrentes da interacção humana. Para além do princípio da intervenção precoce e mínima, consagra-se também o princípio da proporcionalidade e actualidade, devendo assim a intervenção ser a necessária e adequada ao perigo em que a criança se encontre, no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário para essa finalidade. Importa, ainda, ter presente, nesta intervenção, o princípio da responsabilidade parental, isto é, deverá ser orientada para que os pais assumam os seus deveres para com a criança, bem como pelo da prevalência da família, no sentido que deverá ser dada prevalência a medidas que integrem o menor na sua família, em detrimento das de colocação familiar ou institucional, no caso de se reconhecer que a inserção familiar se mostra a melhor maneira de se obter o desenvolvimento saudável e harmonioso de uma criança. Consagra-se também o princípio da obrigatoriedade da informação e o da audição obrigatória e participação, no sentido de que a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa, e têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção.

9. Nessa medida, a aplicação da medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção, prevista no art.º 35, n.º1, al g) da LPCJP, para além da verificação dos pressupostos contidos no art.º 1978 do Cod. Civil, impõe que aos pais do menor sejam dadas todas as garantias de defesa em especial o exercício do direito à audição e participação e do contraditório.

10. Tais garantias traduzem-se na obrigatoriedade do conhecimento antecipado da possibilidade de aplicação da mencionada medida e a possibilidade de poderem os interessados pronunciar-se e apresentar elementos de prova contra tal aplicação.

Quando as citadas garantias de defesa não são possibilitadas, a decisão que aplica a medida de proteção de confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção é nula, nos termos do art.º 201, n.º 1, do Cod. Proc. Civil.

Tal nulidade justifica-se pelo facto de a falta de garantia dos direitos de defesa por parte de todos os interessados (menor, pais, membros da família alargada) influírem no exame e decisão das causas, já que aqueles não tiveram oportunidade de se oporem à aplicação da medida, justificando as razões, e à apresentação de provas.

A não entender assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.º 4, a) i, 35, n.º1, g) e 104 da Lei 147/99 de 1/9, e art.º 3, e 9.º da Convenção sobre os Direitos de Criança.

11. A decisão de 03.10.2011, que aplicou ao menor a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, que aprovou a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), não foi notificada aos irmãos consanguíneos do menor e Requerentes identificados no Proc. nº 2733/10.4TBEVR, como a família alargada daquele.

Nenhum dos irmãos, nem a mandatária esteve presente no Debate Judicial ocorrido em 21-09-2011, desconhecendo a intenção ou a possibilidade de vir a ser aplicada a referida medida, por total ausência de comunicação prévia, quer por parte do Ministério Público, quer por parte da Mmª. Juiz.

Por conseguinte, nunca lhes foi dado a conhecer que a medida discutida e proposta nos autos, àquela data, fosse a de confiança a instituição com vista a adopção, como consta da Acta de Debate Judicial.

12.  A este propósito, vide o Acórdão da Relação Lisboa de 24.01.2012, no Proc. nº 3649/10.0TBBRR.L1-7, acessível em www.dgsi.pt.

"I - O atendimento dos princípios de audição e contraditório, na sua efetiva concretização, não se consubstancia em mero formalismo, antes se traduz numa atividade tida por essencial para aferir da adequação da medida ao caso concreto, na consideração do superior interesse da criança, nomeadamente levando em linha de conta as diligências probatórias que possam ser solicitadas pelos pais, na medida em que se mostrem relevantes.

II - A possibilidade de aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, deve como tal, de forma necessária ser referenciada nos autos previamente à sua aplicação, por importar num corte definitivo dos laços familiares.

III - A omissão da possibilidade da aplicação dessa medida, na inexistência de alegações escritas do Ministério Público em tal sentido, obstando, que de forma efetiva se realizasse o contraditório com a amplitude e sentido normativamente previstos, inquina a decisão que venha a ser proferida determinado sua aplicação."

E convoca-se o aresto desta Relação, de 19.04.2005, no Proc. nº 1021/05, acessível em www.dgsi.pt, a propósito da Medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção:

"1. A referida medida não pode ser tomada sem que os pais ou outros familiares participem na discussão da medida e tenham a oportunidade de exercer o contraditório.

2. Quando, num processo de promoção e protecção, se altera qualquer medida para a de confiança a pessoa ou a instituição para futura adopção opera-se uma modificação objectiva da instância, o que obriga a um chamamento ao processo dos pais e familiares como se fosse o primeiro.

3. Enquanto todas as outras medidas de promoção e protecção não vão além da limitação do exercício do poder paternal, a de confiança para futura adopção significa a privação quer do exercício quer da titularidade do pode paternal, desde que a Lei 31/03, de 22 de Agosto, a pôs no mesmo plano da decisão de confiança judicial, para fins de dispensa do consentimento dos pais do adoptando.

4. A necessidade de agilizar a adopção, respeitando o direito da criança e o seu tempo próprio, não permite esquecer o dever do Estado na protecção das famílias e dos mais carenciados, Assim, não se pode passar por cima dos procedimentos previstos na lei nem simplificar a acção social. O progresso não se faz com movimentos pendulares, mas procurando posições de equilíbrio."

13. Por outro lado, a referida Audiência decorreu sem a presença das Juízes Sociais, tendo a Mmª. Juiz considerado que a ausência das mesmas não devia determinar o adiamento da diligência, decidindo que se encontravam reunidas as condições para iniciar o debate Judicial, sendo o Tribunal composto apenas pelo Juiz do processo decisão que presidiria à diligência.

Ora, por um lado, nº 2 do art. 67 da LOFTJ, aprovada pela Lei nº 46/2011, de 24/06, quando não for possível a intervenção dos Juízes sociais, o tribunal é constituído pelo juiz singular ou pelo colectivo, conforme os casos.

Por outro lado, determina a LPCJP, no Art.115º, que o debate judicial será efectuado perante um tribunal composto por juiz, que preside, e por dois juízes sociais, e no Art. 116º, que o debate é contínuo, decorrendo sem interrupção ou adiamento até ao encerramento, não podendo ser adiado, e que terminado o debate, o Tribunal recolhe para decidir, sendo a decisão tomada por maioria de votos, votando em primeiro lugar os juízes sociais, por ordem crescente de idade, e, no fim, o juiz presidente, por força do Art. 120º.

Donde resulta inequivocamente que a competência para a decisão não pode ser tomada por maioria, se apenas há um juiz.

E se a Mmª. Juiz entendeu que o debate não podia ser adiado, então também não podia interrompê-lo, como fez, designando para continuação o dia 03-10-2011, com leitura da decisão.

Se houve continuação de debate noutro dia, então porque não foram as Juízes Sociais convocadas para tal data?

E bem assim os restantes intervenientes processuais, representados pela mandatária ?

Se foi a urgência do procedimento que determinou a dispensa das Juízes sociais e o início do debate sem a sua presença, já o mesmo não pode fundamentar uma decisão desta natureza tomada singularmente.

A referida medida não pode ser tomada sem que os pais ou outros familiares participem na discussão da medida e tenham a oportunidade de exercer o contraditório. Enquanto todas as outras medidas de promoção e protecção não vão além da limitação do exercício das responsabilidades parentais, a de confiança para futura adopção significa a privação quer do exercício quer da titularidade do poder paternal, por força do Artº 1978º-A do C.C., aquelas responsabilidades, desde que a Lei 31/03, de 22 de Agosto, a pôs no mesmo plano da decisão de confiança judicial, para fins de dispensa do consentimento dos pais do adoptando.

E se até podemos conceber que situações haja, em que as decisões podem ser tomadas por um juiz singular, já o mesmo não pode aceitar-se em relação à medida limite, prevista como último recurso.

14. A decisão de ultrapassar os formalismos, não pode pôr em causa a defesa da legalidade e do Estado de Direito.

Na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem, deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família.

E como tal, não podia o Tribunal ignorar ou desprezar a figura dos elementos da Fratria identificada.

Não são progenitores, é um facto, mas constituem a família natural do menor e demonstraram sempre interesse no bem estar do seu irmão. Tinham direito a conhecer o que estava em discussão, o que havia sido proposto e o desfecho do processo. O superior interesse da criança a tal obriga.

Pelo exposto, a decisão de aplicação ao menor BB a medida de confiança a instituição, com vista a futura adopção, violou a lei e os direitos da criança. Não tendo, por isso, a virtualidade de afastar o consentimento dos familiares da criança, no caso da Decisão de Adopção, encontrando-se esta viciada na sua génese.

Artº 4 e 35º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, Artº 9 da Convenção dos Direitos da Criança e Artº 16º da Constituição da República Portuguesa.

15. A nulidade cometida durante a formação do processo conducente à adopção, por violação dos formalismos e princípios que visam proteger o interesse do menor, não ficou sanada por via da Decisão de Adopção.

Antes pelo contrário, viciou toda a tramitação subsequente.

E a Autora tem a legitimidade suficiente e necessária, decorrente da importância que a lei lhe reserva e confere enquanto família alargada do menor, a considerar em obediência ao princípio da prevalência da família.

 
Termos em que, deve a Recorrente ser considerada com legitimidade para o pedido de revisão da adopção, com vista a ver apreciados os invocados vícios procedimentais da tramitação inicial que levou à confiança do menor com vista a futura adopção, sem a intervenção da irmã.
Assim se fazendo JUSTIÇA.

   Contra alegaram, como recorridos, o MºPº e os adoptantes, pugnando pela confirmação integral da decisão recorrido – e suscitando estes últimos a questão prévia da tempestividade do recurso, por entenderem que, tratando-se de processo urgente, não poderia a recorrente ter praticado o acto nos termos do art. 139º, nº5, do CPC, pagando a respectiva multa.

  Tal argumento é, porém, improcedente, já que aquela norma procedimental é de aplicação geral, não se vendo motivo para a respectiva aplicabilidade estar excluída nos processos que a lei qualifica como urgentes ( e que, por isso, já sofreram substancial redução dos normais prazos peremptórios para os actos das partes).

4. Importa, antes de mais, delimitar com o indispensável rigor a questão de direito efectivamente controvertida na presente revista: e ela consiste, afinal, em saber:

- se da tutela conferida à família biológica do adoptado será legítimo inferir a indispensável participação de todos os familiares próximos, integrando a família alargada do adoptado, no procedimento que conduziu à adopção, em termos de lhes dever ser notificada a intenção do MºPº de vir a aplicar a medida de confiança judicial com vista à adopção, reconhecendo-se-lhes – tal como a lei inquestionavelmente reconhece aos progenitores – todas as garantias de defesa e, em particular, o direito de audição e participação e do contraditório, implicando a prestação do consentimento dos familiares biológicos da criança no caso de decisão de adopção, sob pena de esta se encontrar viciada na sua génese ;

- e se as pretensas nulidades procedimentais ocorridas nos referidos processos – desde logo, o não exercício pelos familiares biológicos próximos do adoptado de tal invocado direito de participação – ou outros vícios de natureza processual que alegadamente inquinem a decisão que decretou a adopção ( no caso, a não participação no julgamento dos juízes sociais) podem ser invocadas pelo familiar preterido, mesmo depois do trânsito em julgado da sentença de adopção, através do mecanismo da revisão desta, conduzindo a um juízo rescisório do caso julgado.

   Considera-se que a resposta a estas questões é claramente negativa, nenhuma censura merecendo, por isso, o decidido, na especificidade do caso dos autos, pelas instâncias.

   Note-se que a tese sustentada pela recorrente implicaria a criação, no procedimento de adopção, de uma espécie de litisconsórcio necessário de todos os parentes biológicos do adoptado, integrando a respectiva família alargada; ou seja, a regularidade da instância no procedimento tendente à adopção implicaria que o Tribunal devesse, mesmo oficiosamente, promover a intervenção e audição procedimental de todos aqueles familiares biológicos, sob pena de a omissão do chamamento a intervir determinar nulidade insanável, a qual sobreviveria à própria formação do caso julgado, sendo invocável no âmbito do incidente de revisão – tal como o seriam quaisquer outras nulidades de processo que alegadamente tivessem ocorrido aquando do julgamento da causa.

   Tal tese não tem o mínimo apoio nas normas reguladoras, quer da admissibilidade de revisão da sentença de adopção e legitimação para formular o respectivo pedido (art. 1990º/1991º CC), quer da interposição do recurso de revisão (art. 696º CPC), assentes sempre numa enumeração estritamente taxativa dos fundamentos do eventual juízo rescisório do caso julgado - que manifestamente não ocorrem na situação dos autos: por outro lado – e como é evidente – a precarização da sentença de adopção que decorreria do hipotético reconhecimento de um tal direito – conduzindo a um juízo rescisório do caso julgado da sentença que decretou a adopção plena - a um leque alargado de familiares biológicos do adoptado que nenhuma intervenção espontânea curaram de deduzir oportunamente no processo, seria colidente com a indispensável estabilidade do projecto de vida do menor e de permanência dos vínculos afectivos moldados ao longo do tempo com a família de acolhimento.

   Saliente-se que esta conclusão – alicerçada, não apenas na invocação do regime legal em vigor, mas também na funcionalidade própria de uma sentença que decrete, com força de caso julgado, a adopção – é justificada por uma tendencial e quase definitiva estabilidade do projecto de vida do menor (que não pode obviamente ser, a todo o tempo, afectado pela disponibilidade ou indisponibilidade de os parentes biológicos, no momento próprio, o acolherem e dele cuidarem (como resulta do facto 45 da decisão proferida na causa principal, a fls. 20, os irmãos consanguíneos não pretendiam acolher o menor Ricardo, atenta a agressividade dos progenitores), - inconciliável com o fazer e desfazer da estabilidade do meio familiar em que o menor está inserido, ao sabor das vicissitudes da vida pessoal dos membros daquela família biológica alargada.

Esta ideia base não é obviamente afectada pelas normas constitucionais que estabelecem um núcleo essencial de protecção da família biológica, que tem naturalmente que se articular com a tutela constitucional do instituto da adopção – importando realçar que o TC tem dado relevo fundamental a tal valor de estabilidade da adopção já decretada, ao admitir a existência de limitações legítimas quanto ao exercício do direito de revisão pelos próprios progenitores do adoptado: veja-se, nomeadamente, o Ac. 416/2011, em que o TC decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 62.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, introduzido pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, interpretada no sentido de proibir a revisão, para efeitos de reapreciação da conduta e condições supervenientes dos progenitores, da medida de confiança com vista a futura adopção – afirmando-se, nomeadamente, em tal aresto:

 Em todo o caso, mesmo quem adopte uma leitura exclusivamente subjectivista dos preceitos constitucionais não pode deixar de ter em conta que o âmbito de protecção normativa do próprio artigo 36.º, n.º 6 é limitado pela sua parte final, ficando claramente excluídas da tutela constitucional todas aquelas situações em que os pais tenham incumprido os seus deveres fundamentais para com os filhos.

Ora, inserindo-se a norma sub judicio em um regime legal que se ocupa justamente de situações de crianças e jovens em risco e em que, na fase em que se põe o problema da sua eventual revisão, se deu já como comprovado judicialmente o incumprimento dos deveres dos pais para com os filhos, não pode a mesma ser qualificada como uma norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, porquanto a tutela constitucional não abrange esse tipo de situações.

Assim, a conformidade com a Constituição da proibição da revisão da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção deve ser apreciada, não de acordo com os parâmetros constitucionais previstos para uma medida restritiva de direitos, liberdades e garantias, mas apenas nos termos previstos para a produção normativa que venha dar cumprimento a imposições constitucionais, i. é segundo um critério de evidência ou de desrazoabilidade manifesta.

Ora, o factor da estabilidade da vida do menor é, só por si, suficiente para que se não possa considerar como manifestamente desrazoável que, a partir de determinado momento de um processo durante o qual, com observância plena do contraditório, se procurou, sem sucesso, proporcionar ao menor condições afectivas no seio da sua família natural, seja determinado judicialmente, de forma irreversível, a extinção das relações do menor com a família natural e a sua confiança a instituição com vista a futura adopção.

Com efeito, considerando a singularidade dessa medida bem como os requisitos legais de que depende a aplicação da mesma – colocação do menor em perigo ou manifesto desinteresse dos pais pelo filho (cf. artigo 38.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e artigo 1978.º do Código Civil) –, não é de todo desrazoável que se proíba a sua revisão para efeitos de reapreciação da conduta e condições supervenientes dos progenitores, assim se procurando evitar que o menor fique sujeito a uma indesejável instabilidade na definição da sua situação, protraindo o dia em que possa vir a encontrar um espaço familiar alternativo onde lhe sejam proporcionadas as condições afectivas a um regular desenvolvimento com vista à sua autonomia.

A tal entendimento não obsta a consideração de que a situação dos pais que havia determinado a aplicação da medida em questão se pode ter, entretanto, alterado, existindo factos supervenientes que possam aconselhar a aplicação de uma medida mais adequada à nova realidade familiar.

Antes pelo contrário. É justamente o facto de a conduta e condições dos pais não serem, de todo, estáveis, que legitima a limitação da revisão da medida aplicada, porquanto, em situações como essas, existe o risco sério de, da mesma maneira que a realidade da situação familiar se alterou num sentido positivo ela poder subitamente inverter-se, tornando-se novamente em um factor de risco para o menor.

Não é ainda desrazoável a proibição da revisão da medida em questão para efeitos de reapreciação da conduta e condições supervenientes dos progenitores da própria perspectiva da preservação da relação entre filhos e pais e da unidade familiar. É que, de outra maneira, sabendo os pais que a aplicação de uma medida com essa gravidade estaria sempre sujeita a revisão, o incentivo para que cumpram o plano de intervenção tendente à reunificação familiar acordado com as várias entidades legalmente competentes é relativamente menor àquele que existe se os pais souberem que a consequência para o incumprimento desse plano é irreversível e que têm apenas uma única oportunidade para criarem as condições consideradas necessárias para a reunificação familiar.

A tudo isso acresce que a limitação da revisão da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção vai ao encontro da imposição constitucional, constante do n.º 7 do artigo 36.º, para que a tramitação da adopção seja célere.

   Ora, tal como aos pais não é possível pôr em causa a estabilidade do projecto de vida delineado para o menor, com o argumento da alteração superveniente da sua anterior indisponibilidade para cuidar do filho, também não pode razoavelmente reconhecer-se a qualquer membro da família alargada do adoptado tal possibilidade, rescisória do caso julgado, com base num pretenso direito a uma necessária participação no processo e na invocação da nulidade que alegadamente decorreria da omissão cometida pelo tribunal.

5. Como atrás se realçou, porém, esta conclusão – claramente restritiva quanto a uma obrigatória participação no processo da família alargada do adoptado - não deve ser extrapolada da especificidade do caso dos autos, em que a ora requerente da revisão de sentença não deduziu qualquer intervenção nos procedimentos que conduziram à adopção do menor – não significando, porém, que – sendo essa intervenção espontânea e tempestivamente deduzida – os membros da família alargada do candidato à adopção não possam e devam, em determinadas circunstâncias, ser admitidos a participar no processo ,  exercendo os pertinentes direitos processuais.

   Veja-se, nomeadamente, o decidido no Ac. 282/2004 do TC, que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 20.º, n.º 1, e 67.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 164.º, n.º 1, da Organização Tutelar de Menores (Decreto‑Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 120/98, de 8 de Maio), interpretada no sentido de denegar legitimidade para intervir no âmbito do processo tutelar cível de confiança judicial de menor aos seus parentes colaterais até ao 3.º grau, que, após falecimento de ambos os progenitores do menor, o não têm a seu cargo por motivo estranho à sua vontade, apesar de manifestarem interesse em intervir espontaneamente na causa – afirmando, nomeadamente:

Assente a relevância, no caso, do direito da família dos menores (“família alargada”) à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, consagrado no artigo 67.º, n.º 1, da CRP, interessa agora apurar se o entendimento adoptado pelas instâncias respeita o direito de acesso aos tribunais que o artigo 20.º, n.º 1, da CRP, assegura a todos, não apenas para defesa dos seus direitos, mas também dos seus interesses legalmente protegidos.

A este respeito, importa salientar que, no caso dos autos, os familiares dos menores tomaram a iniciativa de formular um verdadeiro pedido de intervenção espontânea no processo, pelo que não se trata de afirmar um (claramente excessivo) dever do tribunal, no âmbito do referido processo tutelar cível, de identificar e citar, obrigatória e oficiosamente, todos os “putativos parentes do adoptando, quiçá desconhecidos ou residentes em país estrangeiro”, mas tão‑só de admitir, ou não, a intervir na causa os que manifestaram expressa e tempestivamente o interesse em nela participar, com vista a exercerem o contraditório, estando, assim, obviamente arredado qualquer risco de se “protelar indefinidamente o desfecho final da providência, ao arrepio do carácter urgente que naturalmente a exorna (artigo 34.º da OTM de 1978)”, como se expressa o acórdão recorrido.

E, por outro lado – e decisivamente –, não pode deixar de se ter em consideração, como também se salienta nas alegações do Ministério Público, que “a inexistência do referido convívio de facto não pode imputar‑se a qualquer situação objectiva e credível de desinteresse pelo destino dos menores – radicando tão‑somente em que a confiança judicial provisória foi conferida judicialmente a terceiro” (os vizinhos a quem os menores ficaram entregues quando os seus pais empreenderam a viagem em que viriam a falecer e que posteriormente requereram a sua adopção) – “imediatamente após o decesso de ambos os progenitores, sem que os ora recorrentes tivessem qualquer oportunidade de participação em tal procedimento e de exercerem efectivamente a «guarda» dos menores”. Situação de desinteresse cuja imputação ainda é mais desajustada relativamente ao primeiro recorrente, irmão mais velho dos menores, que vivia com eles e com os pais, que ainda era menor à data da morte destes, tendo vindo viver com os tios, segundo e terceiro requerentes, e que, atingida a maioridade, com estes veio requerer a possibilidade de intervir no processo, possibilidade que lhe foi negada pelas decisões das instâncias.

A situação dos presentes autos é substancialmente diferente daquela sobre que recaiu o recente Acórdão n.º 141/2004, de 10 de Março de 2004, deste Tribunal (texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que não julgou inconstitucional a norma do artigo 123.º, n.º 2, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1/9, interpretada no sentido de que atribui legitimidade para recorrer das decisões que se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e protecção a quem tiver a guarda de facto da criança ou jovem, mas não às entidades a quem tinha sido atribuída a confiança provisória do menor. É que, nesta última hipótese, a instituição em causa “apenas é chamada a intervir em colaboração com o tribunal, por incumbência deste, em termos precários e provisórios, para acolher crianças e prover ao seu sustento, educação e conforto, mas sem que lhe sejam concedidos poderes de representação e sempre sob o poder decisório do tribunal com que colaboram”, enquanto os familiares dos menores pretendem intervir como titulares de interesses autónomos, legal e constitucionalmente protegidos.

Surge, assim, no presente caso, “como manifestamente excessivo e desproporcionado” – como sustenta o representante do Ministério Público neste Tribunal – “o entendimento que conduza a condicionar a intervenção pessoal dos familiares dos adoptandos em função da existência de uma situação de «guarda de facto» do menor”, mesmo quando aqueles, “tendo conhecimento do processo, se apresentam a manifestar a vontade de nele intervirem espontaneamente, de modo a que – com os argumentos aduzidos – possam determinar uma mais exacta e ponderada valoração do «interesse do menor»”, sendo patente, por outro lado, que este “interesse directo em contradizer não é (...) alcançado através de uma hipotética e eventual audição avulsa, determinada discricionariamente pelo tribunal”. Na verdade, “os familiares próximos são detentores de um interesse próprio e directo em exporem no processo o seu entendimento e perspectiva sobre o interesse dos menores – o qual não será suficientemente acautelado e realizado através de um intervenção eventual, discricionariamente possibilitada pelo tribunal, apenas quando o entenda conveniente” – intervenção essa que, aliás, nos presentes autos nada indica ter sido determinada pelo tribunal.

Da conjugação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 67.º, n.º 1, resulta, pois, não ser “legítimo ao legislador ordinário afastar, pura e simplesmente, de qualquer intervenção no âmbito do processo tutelar cível de confiança judicial os familiares mais próximos do menor – que lhe restam, após o falecimento conjunto dos progenitores –, com o simples argumento de que – por motivos estranhos à sua vontade – não exercem a «guarda de facto» dos menores”, denegação de acesso ao tribunal que é particularmente chocante quanto ao primeiro requerente, irmão mais velho dos menores, que com eles sempre conviveu até que a morte simultânea dos respectivos progenitores determinou a sua separação.

Impedir, nesta hipótese, o direito de intervenção processual dos familiares mais próximos dos menores, que se interessaram por requerer essa intervenção, significaria negar de forma injustificada a possibilidade de actuação ou expressão dos interesses que se pretenderam prosseguir com a previsão legal, na norma questionada, da citação dos parentes dos menores para contestarem o pedido de confiança judicial, o que se revela, nesta perspectiva, atentatório do artigo 20.º, n.º 1, da CRP, quando conjugado com o preceituado no seu artigo 67.º, n.º 1.

    Ora, como é evidente o caso dos autos não tem a menor analogia com essa situação, objecto da jurisprudência constitucional – ao pretender a irmã do adoptado (que não curou minimamente de intervir espontaneamente no processo que conduziu à adopção, mostrando à época indisponibilidade para acolher o menor) vir ulteriormente deduzir , após prolação e trânsito em julgado da sentença, um pretenso direito à revisão, obviamente carecido de base legal e manifestamente inconciliável com as exigências de estabilidade e de integração no círculo familiar do adoptado.

5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando inteiramente a decisão recorrida, por não se mostrarem violadas as disposições legais e constitucionais invocadas pela recorrente.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 29 de Outubro de 2015

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor