Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27432/02.7TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CRÉDITO DOCUMENTÁRIO
REGRAS E USOS UNIFORMES
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
CARTA DE CRÉDITO
IRREVOGABILIDADE
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
PAGAMENTO
RECUSA
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL / CRÉDITO DOCUMENTÁRIO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Carlos Costa Pina, Créditos Documentários, pp. 55 a 81.
- Gonçalo Andrade e Castro, O Crédito Documentário Irrevogável, pp. 15 (citando VASSEUR, Droit et économie bancaires – Opérations de banque, 4ª edição, fascículo II, Paris, Les Cours de Droit, página 788), 16, 18 a 20, 306.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Anotações ao artigo 729º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 722.º, N.º2, 729.º, N.º3, 730.º.
REGRAS E USOS UNIFORMES RELATIVOS AOS CRÉDITOS DOCUMENTÁRIOS, SOBRE A FORMA ABREVIADA DE RUU (ART.2.º).
Sumário :

I - Na decisão da matéria de facto a competência do STJ encontra-se delimitada aos casos previstos no n.º 2 do artigo 722.º, 729.º, n.º 3, e 730.º do CPC, pelo que só lhe será lícito ordenar a ampliação da matéria de facto, quando isso se mostre indispensável para a decisão de direito.

II - O crédito documentário é uma obrigação complexa, na qual intervêm necessariamente as partes no contrato comercial que está na sua origem – em que o devedor pecuniário, na relação do crédito documentário, assume a designação de ordenante ou ordenador do crédito e o credor a de beneficiário – bem como o banco, que emite o crédito – banco emitente – e cuja obrigação é a de realizar o crédito uma vez que, após a sua verificação, considere correctos os documentos apresentados.

III - Além dos sujeitos referidos em II podem ainda intervir mais um banco, a quem o banco emitente (que é normalmente um banco do país do ordenante) confere a missão de comunicar ao beneficiário a abertura do crédito documentário em seu favor – banco notificador ou notificante – ou, ainda, a função de receber do beneficiário os documentos e de realizar o crédito, por conta do banco emitente (banco designado).

IV - Se um outro banco, em seu nome, assume perante o beneficiário uma obrigação de realização do crédito documentário, paralela à do banco emitente, ele designa-se banco confirmador ou confirmante.

V - Não se verifica a solicitação, pelo devedor pecuniário (T), ao banco B, da emissão de um crédito documentário a favor de um credor pecuniário (A) se o contrato comercial em que este A e T intervieram, são absolutamente dependentes de um outro e do pagamento a T por parte do devedor no segundo contrato (C) e em que o banco B apenas exercia o papel de banco notificador.

VI - Se o crédito documentário atinente ao negócio celebrado entre C e T vem a ser anulado, na sequência da resolução do negócio que a ele era subjacente, não sendo efectuados os pagamentos a T, e o banco emitente neste negócio comunicou ao banco notificador reservas à documentação apresentada naquele negócio, que não veio a ser pago, não é o banco notificador (B) responsável – perante A – pelo preço que havia sido acordado no contrato resolvido.

IV - Em tais circunstâncias o banco B não assume o papel de banco confirmador de um crédito documentário entre A e T, não assumindo qualquer obrigação autónoma, a qual, aliás, estava dependente do pagamento que não veio a acontecer no negócio celebrado entre T e C.

V - Ainda que o banco notificante assumisse a qualidade de banco emitente de um crédito documentário, justificar-se-ia a recusa do respectivo pagamento em face do conhecimento da anulação do negócio de que este estava dependente, bem assim como do conhecimento da resolução judicial do negócio subjacente, sendo hoje inequívoco não se justificar a prevalência da autonomia do vínculo assumido pelo banco em face do incumprimento da obrigação subjacente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.

AA S.A., sociedade com sede em …, Rue …, Case Postal …, CH … ... … CIC, Suiça, instaurou contra o Banco BB, S.A., com sede na Avenida ..., ..., em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que o réu fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 278.250 USD, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, à data de 12% ao ano, contados desde 21/05/2001 sobre o montante de 198,750 USD, desde 6/06/2001 sobre o montante de 39.750 USD, e desde 18/06/2001 sobre o montante de 39.250 USD, até integral pagamento.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que, no dia 10/04/2001, a autora vendeu à sociedade CC/Portugal cerca de 105 M/T toneladas métricas de pimenta negra, oriunda do Brasil, destinada a uma cliente da CC/Portugal, a sociedade DD, ..., Spa, com sede em Argel.

Foi fixado o preço unitário de 2.850 USD por tonelada métrica, com custo e frete nos portos argelinos.

Foi acordado que o pagamento seria efectuado contra a primeira apresentação de documentos, através da abertura de carta de crédito irrevogável e confirmada, pagável à primeira vista, do BB.

A AA indicou a sociedade EE como sua representante no transporte, expedição e recebimento do preço da CC.

Foram efectuados três transportes de mercadoria, em 21/05/2001 no valor de 198.750 USD, em 6/06/2001 no valor de 39.750 USD, e em 18/06/2001 no valor de 39.250 USD, perfazendo o total de 278.250 USD.

Em 22 de Junho de 2001, a EE enviou ao BB o documento de cobrança com o nº LCI - …, em nome e por conta da AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa.

Em 25 de Junho de 2001, o BB acusou a recepção da cobrança e declarou que iria proceder de acordo com as instruções da EE e Regras Uniformes Para Cobranças.

Em 2 de Julho de 2001, a EE emitiu documento no qual declara “em nome e por conta da AA que autoriza a CC a usar os documentos, mas com "irrevocable engagement from the bank", para pagar a nossa factura deduzida do valor da nota de débito nº 7".

Em 4 de Julho de 2001, a CC declarou perante o BB "assumir o compromisso de que honraremos o pagamento de USD 197.614,66 à empresa EE, valor correspondente aos documentos enviados por aquela firma ao BB com base de cobrança, que se refere ao processo LCI – 012/269357".

E aceitou e entregou ao BB uma letra de câmbio, garantindo o pagamento dos montantes em questão e recebendo deste BB a referenciada documentação.

Em 26 de Junho de 2001, a EE enviou ao BB a cobrança nº LCI –…, em nome e por conta da AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa.

Em 27 de Junho de 2001, o BB acusou a recepção da cobrança e que iria proceder de acordo com as instruções da EE e das Regras Uniformes para Cobranças.

Em 3 de Julho de 2001, a EE declara "em nome e por conta da empresa AA, que autoriza a companhia CC a usar os documentos, mas com "irrevocable engagement from the bank "para pagar a nossa factura deduzida do valor da nota de débito nº 7".

Em 5 de Julho de 2001, a EE enviou ao BB a cobrança nº LCI – …, em nome e por conta da empresa AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa.

Até hoje o pagamento não foi efectuado, nem pelo BB, nem pela CC.

O crédito documentário irrevogável e confirmado constitui uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente celebrada entre o ordenador e o beneficiário.

Citado, o réu contestou, opondo, em síntese, que está pendente uma acção (com o nº 13/2002 da 4.ª Vara Cível de Lisboa), intentada pela CC contra o ora contestante, a aqui autora AA e a sociedade EE, em que é pedido:

1 - «Ser declarado não estar o réu BB CL obrigado a efectuar o pagamento das facturas ..., … e …, enviadas à cobrança pela ré EE, em nome e representação da ré AA, e, em consequência,

2 - Ser condenado o réu BB a abster-se de efectuar tal pagamento, quer à ré EE, quer á ré AA, quer estas ajam em nome próprio, quer em nome de qualquer outra entidade».

Sendo incompatíveis os pedidos formulados nos dois processos, deve ser suspensa a instância na presente acção, instaurada em segundo lugar, até haver decisão definitiva no processo n.º 13/2002.

Deve ser chamada a intervir nos presentes autos, a título principal, ou acessório, a sociedade CC – …, SA, que, como compradora da mercadoria, seria a primeira devedora do preço.

Desconhece os termos do negócio celebrado entre a Autora e a CC.

Não efectuou os pagamentos relativos às cobranças, primeiro por estar convicto de que a reclamação do pagamento por parte da autora era abusiva e, depois, por força da acção onde se discutia se o pagamento era devido.

Resulta da carta da autora junta a fls. 43 do documento único que o preço só seria pago à autora depois de, por sua vez, a CC ter recebido da ..., o que era do conhecimento do réu, na sua qualidade de “banco notificador” do crédito documentário ordenado pela ... em favor da CC.

E este crédito documentário foi encerrado sem ter sido efectuado o pagamento, devido a divergências nos documentos.

Acresce que o produto chegou ao seu destino em condições claramente impróprias, facto que também foi trazido documentalmente ao conhecimento do réu.

Na aplicação das “Regras Uniformes para Cobranças” deve ser respeitado o princípio do respeito pela boa - fé e proibição do abuso do direito.

Esse princípio legitimava o réu a não efectuar um pagamento a quem sabia não ter direito a recebê-lo.

A autora replicou, opondo-se à suspensão da instância e à intervenção nos autos da CC e, alegando que a presente acção se funda num crédito documentário, independente do contrato principal celebrado com a CC, defendeu que não cabe aqui discutir a interpretação ou o cumprimento desse contrato.

Foi admitida a intervenção nos autos, como parte acessória, da CC – …, SA.

Esta contestou, requerendo também a suspensão da instância até haver decisão na acção com o processo n.º 13/2002 da 4.ª Vara Cível e defendeu a improcedência da acção, opondo que entre as partes não foi acordada uma remessa documentária mas antes que a CC pagaria à AA no dia em que recebesse da ..., para o que era necessário que toda a documentação a enviar a esta estivesse em ordem.

Logo que recebeu cópia dessa documentação, a CC comunicou à AA as divergências encontradas nos documentos, as quais não foram corrigidas pela AA e deram causa a que a ... não recebesse a documentação e o crédito documentário fosse encerrado sem ter sido efectuado o pagamento, pelo que não se verificou a condição – o prévio recebimento do preço pela CC - de que dependia o pagamento do preço à Autora.

Por despacho de 11/06/2004, a fls. 332 dos autos, foi determinada a suspensão desta instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção n.º 13/2002 da 4ª Vara Cível de Lisboa. Ali se ponderou que: «…analisados os pedidos formulados em ambas as acções (…), verifica-se que os pedidos são precisamente o verso e inverso um do outro, sendo que a decisão a proferir num inviabilizará, à partida, a outra acção, por ser contraditória, quase de forma necessária, com a outra acção, daí resultando que, tendo o processo pendente na 2.ª Vara Cível, 1ª Secção, sido o segundo a ser instaurado, deverá este ficar a aguardar a decisão a proferir naquele pendente na 4ª Vara, de modo a evitar decisões contraditórias…».

A fls. 397 e seguintes foi junta certidão da decisão proferida nessa acção, com nota de trânsito.

Seguiu-se a sentença, tendo a presente acção sido julgada improcedente, com a absolvição do réu do pedido.

Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 24/01/2013, confirmou a decisão recorrida.

De novo inconformada, a autora recorre de revista, apresentando as seguintes conclusões:

1ª - O acórdão recorrido deve ser revogado, com a consequente procedência da acção.

2ª - O Tribunal da Relação fez incorrecta aplicação do artigo 712º nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil, uma vez que a presente acção não pode ser decidida, tão - somente e apenas com os factos dados como provados naqueloutra acção nº 13/02.

3ª - É necessário averiguar a factualidade nova que está alegada na presente acção e que não foi alegada na aludida acção nº 13/02.

4ª - Porque são factos controvertidos e interessam à boa decisão da causa sob as várias soluções plausíveis da questão de direito, deveriam ser levados à base instrutória e submetidos a produção de prova os factos alegados pela Autora sob os artigos 25º, 44º, 45º, 53º, da petição inicial.

5ª - Na presente acção não se discute o contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a CC (a qual, aliás, não foi demandada pela Autora mas sim chamada pelo Réu BB), mas sim a obrigação autónoma do Réu BB em pagar o valor do crédito documentário à Autora.

6ª - A execução do contrato foi garantida por caução bancária prestada pela FF e contra - garantida pelo Banque BB et de la GG.

7ª - No crédito documentário aberto por ordem da CC, o aqui Réu Banco BB era o banco notificador, que tinha o encargo de notificar o crédito e, ainda, de receber e verificar os documentos e pagar ao beneficiário (a aqui Autora).

8ª - Nesse crédito documentário e após interpelação e solicitação da Autora, o Réu BB assumiu-se como banco notificador e confirmador, tendo declarado confirmá-lo, através da sua representada EE, declarando que pagaria o respectivo valor à Autora.

9ª - Essa confirmação no Crédito Documentário emitido, foi assumida pelo Réu BB, perante a representante da Autora, EE, que consistiu na assunção da obrigação de pagamento, autonomamente, do crédito documentário.

10ª - O Réu, que, inicialmente, fora indicado pelo banco emitente como notificador ou banco designado, obrigou-se, perante a representante da Autora, EE a efectuar o pagamento da quantia peticionada, independentemente das vicissitudes ou incumprimento, ou ainda, cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda.

11ª - Este compromisso e obrigação foram assumidos pelo Réu BB através de declaração de que tal obrigação era irrevogável, e que consta do documento elencado no ponto 2 dos factos provados na sentença recorrida (comunicação escrita dirigida pelo Réu à CC - …, S. A. e datada de 22 de Fevereiro de 2001).

12ª - Essa obrigação do Réu constitui uma obrigação autónoma e irrevogável, à qual não se pode contrapor o facto de a sentença proferida na acção nº 13/02 ter reconhecido a validade da resolução do contrato entre Autora e CC, pois é autónoma do contrato de compra e venda de mercadorias.

13ª - Esta obrigação do Banco BB é reforçada pela confiança que induziu na Autora ao obrigar-se perante a representante desta, EE, a efectuar esse pagamento e a cumprir as regras das RRUU.

14º - A declaração do Réu BB constitui uma assunção de dívida da CC perante a Autora (artigo 595º do Código Civil).

15ª - E, constitui ainda um contrato a favor de terceiro (artigo 443º Código Civil).

16ª - O contrato de base e subjacente ao crédito documentário (assinado e celebrado entre Autora e a CC) é um contrato de venda sobre documentos (artigos 937º e 882º nº 2 do Código Civil), bastando à Autora entregar os respectivos documentos.

17ª - O referido contrato de compra e venda datado de 10/04/01 ficou submetido, por acordo das partes à cláusula de INCOTERM "C&F" - preço líquido embarcado “(cost and freight – net shipped weight)” cfr (Factos Assentes da acção 13/02).

18ª - A EE, enquanto representante da AA, exigiu do Réu BB a obrigação e compromisso irrevogável e autónomo do pagamento do preço titulado pelos documentos no momento em que este entregasse os documentos à CC.

19ª - Como resulta dos factos dados como provados, a EE entregou ao Réu BB toda a documentação relativa aos três embarques, só depois de a CC ter declarado ao Réu BB que honraria "o pagamento de USD 197.614,66 à empresa EE e de ter entregue ao Réu BB uma livrança assinada em branco, garantindo o pagamento de tal montante.

20ª - Assim, é irrelevante a operada resolução do contrato, decretada pela CC e reconhecida pela sentença proferida na acção nº 13/02, relativamente ao fundamento da falta de envio de documentos contratuais em ordem.

O recorrido BB contra – alegou, finalizando com as seguintes conclusões:

1ª - A matéria de facto assente nos autos é mais que suficiente para se decidir, com justiça, a presente demanda, não se justificando qualquer ampliação da matéria de facto, além de que, como muito bem fundamenta o Acórdão recorrido, os factos elencados nos artigos 25º, 44º, 45º e 53º da petição inicial já estão vertidos na factualidade dada como assente pela 1ª instância.

2ª - A recorrente entende que o recorrido está obrigado a pagar-lhe o valor do preço da compra de 105 toneladas métricas de pimenta preta, que lhe foi feita pela CC, porque esta teria ordenado ao Banco recorrido a emissão a favor da recorrente de um crédito documentário, irrevogável, do valor correspondente àquele preço.

3ª - A recorrente não alega na petição inicial quaisquer factos que, mesmo que provados, alguma vez pudessem levar o Tribunal a concluir pela emissão de um tal crédito documentário.

4ª - A CC, na qualidade de vendedora, celebrou com a HH, entidade argelina, um contrato de compra e venda de 105 toneladas métricas de pimenta preta. Por sua vez, para poder vender a mencionada pimenta à HH, a mesma CC, agora na qualidade de compradora, celebrou um contrato de compra e venda dessa mesma pimenta, com a recorrente.

5ª - A CC e a HH acordaram que o pagamento do preço da pimenta preta por esta última à primeira seria feito por carta de crédito irrevogável ordenada pela HH, emitida pelo FF – BANQUE …, confirmada e pagável pela II – ... e notificável pelo Banque BB et de la GG, mais tarde substituído pelo ora recorrido, contra a apresentação de documentos.

6ª - Por sua vez, a AA e a CC acordaram que o pagamento do preço da compra da mesma pimenta por esta última à recorrente, seria feito após o recebimento pela CC do crédito documentário referido na conclusão 5ª.

7ª - Em acção em que estiveram envolvidas as mesmas entidades que são os sujeitos processuais nestes autos – Processo n.º 13/20002, ora com o n.º 13052/02, da 4.ª Vara Cível de Lisboa, provou-se que a AA receberia o preço da venda da pimenta preta que fez à CC, quando esta última lograsse receber o preço da venda que tinha feito da mesma pimenta à HH, por via do crédito documentário aludido na conclusão 5ª.

8ª - Como se refere na douta sentença da 1ª instância, "os dois contratos de compra e venda internacional eram em absoluto interdependentes um do outro e o pagamento do preço da compra e venda à AA dependia da realização do crédito documentário de que a CC era beneficiária por ordem da ...".

9ª - Em circunstâncias normais, a CC receberia o crédito documentário ordenado pela HH, de que era beneficiária, no montante de USD 299.250, valor do preço acordado para a venda da pimenta e, deste valor, entregaria à AA USD 278.250, para pagamento do preço da compra da mesma pimenta que lhe tinha feito, arrecadando a sua mais - valia, como é normal.

10ª - Estes factos, já provados nos autos referidos na conclusão 7ª, envolvendo exactamente os mesmos sujeitos processuais dos presentes autos, quanto à forma como a AA e a CC acordaram que seriam pagos os preços de um e outro contrato de compra e venda, desmentem categoricamente os factos alegados pela recorrente que constituem a causa de pedir quanto ao pedido que faz nos presentes autos contra o recorrido - o de que, alegadamente, o preço da venda da pimenta pela Apelante à CC seria pago pela emissão, pelo recorrido, de um crédito documentário a favor da recorrente, por ordem da CC, no valor do preço da pimenta vendida.

11ª – Nunca a CC solicitou ao recorrido a emissão de um crédito documentário a favor da recorrente para efectuar o pagamento a este da pimenta preta que lhe havia comprado, pois o acordo feito entre eles nunca foi esse.

12ª - E nunca o Banco recorrido emitiu a favor da recorrente qualquer crédito documentário para pagamento do preço da mencionada pimenta preta.

13ª - Por isso, a causa de pedir da recorrente nos presentes autos - a alegada emissão de um crédito documentário pelo recorrido a favor da recorrente - inexiste completamente.

14ª - Não só porque isso seria a negação da forma acordada de pagamento da pimenta pela CC à AA, provada no processo referido na conclusão 7ª, mas também porque a recorrente não alega quaisquer factos que, mesmo que provados, pudessem alguma vez levar o Tribunal a concluir pela existência da emissão dum tal crédito documentário.

15ª - Falece assim, pela base, o pedido da recorrente nos presentes autos.

16ª - Também não se consolidou a aceitação por parte do recorrido de um qualquer mandato da recorrente para proceder à cobrança documentária do preço da venda da pimenta preta à CC.

17ª - A recepção pelo recorrido dos documentos enviados pela AA, relativos à pimenta preta e seu embarque, foi feita com o único objectivo de ser desencadeado o pagamento do crédito documentário ordenado pela ..., emitido pelo FF e confirmado pela II, à respectiva beneficiária CC, para que esta de seguida pagasse o preço da compra da pimenta preta à AA e ocorreu, apenas e só, porque o Banco recorrido era o Banco notificador daquele crédito documentário. E não, porque estivesse mandatado pela AA para proceder à cobrança documentária do preço da pimenta preta por esta vendida à CC.

18ª - O recebimento pelo recorrido da documentação relativa aos embarques da pimenta, o seu envio para o Banco confirmador da carta de crédito, a recepção de comunicações deste e a sua informação ao beneficiário directo do crédito (CC) e ao beneficiário indirecto (AA) contêm-se dentro daquilo que são as funções normais do Banco Notificador dum crédito documentário.

19ª - Admitir a pretensão da recorrente de que o Banco Réu tinha uma obrigação autónoma de lhe pagar o preço da pimenta preta, seria, em primeiro lugar, a negação da forma acordada de pagamento da pimenta pela CC à AA, provada no processo referido na conclusão 7ª.

20ª - Em segundo lugar, seria fazer tábua rasa do facto de que a CC, no seguimento do acordo que fizera com a AA quanto à forma do pagamento do preço da pimenta vendida por esta última, em 28/06/2001 comunicou ao recorrido as condições em que se deveria processar o pagamento à AA, conforme documento de fls. 125 do processo referido na conclusão 7ª.

21ª - Nomeadamente, que o valor das facturas a enviar pela AA ao recorrido seria pago, conforme combinado, 10 dias após o recebimento da carta de crédito n.º …, isto é, o crédito documentário ordenado pela HH a favor da CC.

22ª - Ou seja, não foi criada nenhuma relação jurídica entre a AA, a EE e o Banco BB, que possa originar qualquer tipo de responsabilidade do recorrido.

23ª – Em 20/07/20001 para a primeira remessa de mercadorias e em 23/07/2001 para as segunda e terceira remessas de mercadorias, a II, na qualidade de banco confirmador do crédito documentário, comunicou ao recorrido, banco notificador do crédito, a existência de múltiplas discrepâncias na documentação, que consistiam na discrepância entre os documentos recebidos e o que era exigido pela carta de crédito, elencando essas discrepâncias por cada um dos embarques e fazendo ainda referência a que alguns dos documentos eram considerados "velhos".

24ª - A CC, quando se apercebeu de que as anomalias não tinham sido corrigidas nos documentos originais pela recorrente, que esta, por intermédio da Representante EE, apresentara ao recorrido, deu imediatamente conhecimento à recorrente, em 9/08/2001, das reservas formuladas pela II.

25ª - Em 9/08/2001, a II comunicou ao recorrido, enquanto banco notificador, que a HH recusava levantar as reservas formuladas, declarando que "o ordenador recusa categoricamente o levantamento das reservas que afectam os documentos".

26ª - A HH não levantou as reservas formuladas à documentação e anulou o crédito documentário.

27ª - A CC não recebeu o preço das mercadorias da HH, em virtude do crédito documentário ter sido anulado.

28ª - A CC, por carta registada de 4/10/2001, enviada à recorrente, e por esta recebida em 8/10/2001, procedeu à resolução do contrato de compra e venda da pimenta preta.

29ª - A CC invocou como fundamento da resolução do contrato o incumprimento definitivo do mesmo por parte da AA, motivado, quer pela falta de envio de documentos contratuais em ordem, quer peias deficiências constatadas nas mercadorias cuja venda constituía o objecto do contrato.

30ª - Como já referido, o único papel que foi desempenhado pelo recorrido, de acordo com a factualidade que foi apurada, foi o de ter exercido a função de Banco Notificador do crédito documentário ordenado pela HH, emitido pelo FF e confirmado pela II, de que era beneficiário a CC.

31ª – Admitindo, por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio, que o recorrido teria emitido um crédito documentário a favor da recorrente e/ou aceite o mandato da mesma para proceder à cobrança documentária do preço da venda da pimenta preta pela AA, nesse, há que considerar que o recorrido conheceu desde sempre:

a) - A forma acordada entre a CC e a AA quanto ao modo como se processaria o pagamento do preço da pimenta preta vendida pela AA.

b) - Que o crédito documentário aberto a favor da CC foi anulado, por terem sido apresentados pela recorrente os documentos com inúmeras discrepâncias, que não foram reparadas e não ter sido entregue um vasto conjunto de elementos, nomeadamente quanto à origem, certificado de qualidade e especificações várias da pimenta.

c) - Que tendo sido a AA quem comprou a pimenta na sua origem, só ela poderia arranjar os documentos e garantir as especificações técnicas e de qualidade da pimenta exigidos na carta de crédito.

d) - Que a CC não recebeu o crédito documentário.

e) - Que a CC resolveu o contrato de compra e venda celebrado com a AA.

f) - Que os presentes autos estiveram suspensos por ordem judicial até decisão do processo identificado na conclusão 7ª.

g) - Que nesse processo, o Tribunal decidiu reconhecer a validade da resolução do contrato de compra e venda da pimenta atrás mencionado e que essa decisão já transitou em julgado.

32ª - Ou seja, o recorrido está no conhecimento de prova líquida e incontroversa de que, mesmo que houvesse crédito documentário emitido pelo recorrido a favor da recorrente e/ou aceitação de mandato para cobrança documentária, a exigência do pagamento do preço da venda da pimenta preta pela AA constituiria um flagrante abuso de direito.

33ª - E que legitimaria a recusa do recorrido de fazer qualquer pagamento à AA, que assim e também por essa razão, nunca teria direito ao que reclama nos presentes autos.

34ª - Como de forma brilhante sustenta a douta sentença da 1ª instância que, com a devida vénia, nos permitimos transcrever a parte final:

"É que a resolução contratual da compra e venda entre a Autora AA e CC tem os mesmos efeitos que a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, determinando que seja restituído tudo quanto tiver sido prestado em consequência do negócio nulo ou anulado ou, como é óbvio, que já não seja prestado o que ainda o não fora em seu cumprimento (artigos 289º e 433º do Código Civil), o que leva a concluir que a Autora não tem, como é patente, o direito a receber do demandado banco o valor peticionado e que correspondia ao preço da compra venda que foi declarada resolvida.

Aliás e ainda que se entendesse - que não se entende - que a Autora seria a beneficiária de um crédito documentário irrevogável, sempre seria a presente situação uma das que determinaria sempre a sua ilegitimidade material ou substantiva de receber o valor do mesmo crédito. Com efeito, veja-se sobre a questão o Ac. do S. T.J. de 24 de Maio de 2011, citado supra e em que se refere que apenas em situações de fraude e abuso de direito ou de destruição da relação jurídica de base subjacente a um crédito documentário se poderá considerar o banco emitente do mesmo crédito exonerado da obrigação de proceder ao seu pagamento ao respectivo beneficiário. É que, na verdade, se há figura jurídica que determina a destruição da relação jurídica subjacente a um crédito documentário é a figura da resolução contratual da relação jurídica cujo cumprimento o crédito documentário visava assegurar, como se referiu supra.

Na realidade, a defender-se que se trataria de um crédito documentário irrevogável aquele de que a aqui Autora beneficiaria e que não poderia ser posto em crise pela resolução da compra e venda ao mesmo subjacente estaria a demandante a receber, pela janela, aquilo que, pela porta, lhe fora negado o direito de receber.

Por outro lado e se assim fosse, ficaria a CC na situação de, por um lado, não apenas não receber da HH - por facto imputável à aqui Autora - o preço das mercadorias à mesma vendidas e de, apesar de validamente resolvido o contrato entre a mesma e a Autora celebrado, ter de, face ao pagamento pelo Réu do valor em causa, pagar ao Réu, em momento posterior, o valor que este pagaria à Autora.

Assim e se tal fosse a conclusão, estar-se-ia a permitir uma fraude da demandante e ou um abuso de direito da mesma por, com base num crédito bancário irrevogável, vir a receber o preço da compra e venda outorgada com a CC e cuja resolução a mesma viu judicialmente reconhecida por sentença transitada em julgado, o que traduziria um resultado que a lei não permite".

35ª - Igual entendimento foi perfilhado pelo douto Acórdão recorrido, quando refere que, "independentemente disso, também não se reconhece razão à AA quando pretende que a independência da obrigação documentária em relação ao contrato de compra e venda celebrado entre ela e a CC, torna irrelevante a resolução deste contrato, já que declarada judicialmente com fundamento em incumprimento definitivo do contrato por parte da própria AA.

Admitindo-se que a independência, que é reconhecida aos créditos documentários em relação aos contratos que lhes servem de base, seja idêntica à que ocorre no âmbito das obrigações cambiárias em relação aos negócios causais, julga-se ser ponto assente que essa independência não pode, em caso algum, ser invocada para proteger o próprio incumpridor do contrato base. Essa independência visa proteger a circulação dos documentos que titulam créditos, aproveitando aos portadores de boa - fé. Não visa proteger o portador do deu próprio incumprimento. Nenhuma regra, ou princípio jurídico, justificariam uma tal situação, bem pelo contrário. Ou seja, uma vez declarado, na outra acção referida nos autos, que a aqui autora AA não é credora do preço estabelecido no contrato de compra e venda, não lhe pode ser reconhecido um crédito de idêntico montante, fundado na apresentação a pagamento das facturas emitidas para formalizar a venda".

36ª - Acompanhamos inteiramente este entendimento, que enquadra e fundamenta a total improcedência da pretensão da Autora, mesmo que existisse crédito documentário emitido pelo recorrido ou remessa documentária por aquele aceite, que nunca existiram, de forma absolutamente lapidar.

37ª - Aliás, este entendimento não pode deixar de decorrer da relevância que a doutrina e a jurisprudência crescentemente atribuem à relação substancial e ao seu conhecimento por parte dos bancos pois "é hoje dominante na doutrina e na jurisprudência a ideia de que a existência de fraude inequívoca do beneficiário confere ao banco a faculdade (ou impõe-lhe mesmo o dever) de recusar o pagamento do crédito documentário (...) por não se justificar (....) a prevalência da autonomia do vínculo assumido pelo Banco, face ao incumprimento fraudulento da relação subjacente" – Cfr. Gonçalo Andrade e Castro, Crédito Documentário Irrevogável, Porto, Página 306.

38ª - Posições idênticas têm sido assumidas no campo das cobranças documentárias, cujas Regras Uniformes publicadas pela Câmara de Comércio Internacional, estabelecem no seu artigo 1º que "os bancos intervenientes numa operação de remessa documentária devem agir de boa - fé e com razoável cuidado".

39ª - O douto Acórdão recorrido aplicou correctamente o direito à factualidade assente, não merecendo qualquer censura.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

2.

A 1ª instância considerou provados os seguintes factos, para os quais a Relação remeteu ao abrigo do artigo 713º, n.º 6 do CPC:

1º - Com data de 2 de Março de 2001, o BANCO BB ET DE LA GG emitiu documento intitulado "Contra garantia de boa execução ", com o seguinte teor:

“1 - Nós, referenciando-nos ao contrato nº PN14/12/00 concluído entre a CC …, SA (doravante CC) e ... SPA, (doravante ...) relativo ao fornecimento de uma quantidade de 105 toneladas métricas (105 TM) de pimenta negra em grão e de acordo com o artigo 12º ( ? ) comprometendo a CC à prestação de uma garantia bancária no valor de USD 14.962,50, representando 5% do valor do contrato.

2 - Nós, Banco BB e de la GG, com o capital social de 30.000.000 Euros e com sede social na Avenida …, …, …, Paris — França, representado por JJ, na qualidade de director geral com poderes que lhe foram conferidos e que justificam, solicitamos ao Banco FF que emita, sob a nossa inteira responsabilidade, uma garantia à concorrência de USD 14.962,50 a favor de ..., que cobrirá a garantia de boa execução por CC.

3 - Em contrapartida, nós Banco BB e de la GG contra - garantimos irrevogavelmente e incondicionalmente ao Banco FF a boa execução pela CC das suas obrigações contratuais e, na sua falta, o reembolso das somas devidas a título da contra - garantia.

4 - Em consequência, nós pagaremos ao Banco FF sem demora logo que seja pedido, sem poder recorrer a qualquer formalidade e sem poder opor-lhe motivo ou excepção do nosso chefe ou do nosso ordenador, o montante integral de USD 14.962,50 Euros ou outro qualquer montante remanescente devido a título desta contra - garantia, acrescida das despesas e eventuais custos de toda a natureza incorridas pelo Banco FF por altura da apresentação desta contra - garantia.

5 - Qualquer atraso ocasionado pelo depósito das somas devidas a título de contra - garantia colocará por nossa conta o pagamento no perfil do Banco FF de juros nas taxas (…), que começarão a contar a partir do oitavo dia da apresentação da contra - garantia até ao dia do pagamento efectivo. Estes juros serão capitalizados se em dívida durante um ano inteiro.

6 - Renunciamos expressamente a tirar partido de qualquer excepção obtida do contrato amigável (razão social do operador residente) e (razão social do contraente não residente) e igualmente o Banco FF justifica por telex em cifra que apresentou garantia.

7 - As comissões, despesas e taxas, decorrentes da presente contra – garantia, serão por nós suportadas a contar da data da emissão da garantia a favor do beneficiário até à cessação da presente contra - garantia como anteriormente mencionado.

8 - A presente contra - garantia entrará em vigor após a sua aceitação pelo Banco FF. Será válida até o mais tardar até 7 de Maio de 2001.

9 - Todo o litígio, devido à execução da presente contra – garantia, será submetido à competência dos tribunais argelinos e à aplicação da lei argelina" (por documento constante de fls. 48 a 51 dos autos).

2º - Por comunicação escrita dirigida pelo réu à CC e datada de 22 de Fevereiro de 2001, o primeiro comunicou a esta o seguinte:

“Assunto: Crédito Documentário a favor de V.ª Ex.ª (s)

N/Referência: LEC012/405129

Banco Emitente: II

Local: … (Paris)

S/Referência: 010213 EX743/289

Tipo de Crédito: Irrevogável

Montante: USD 299.250,00

Tolerância (%)

Dt. Validade: 28/2/2001 — France

Exc.mo Senhor

Remetemos em anexo a carta de crédito emitida pelo banco acima referenciado, a favor de V.ª Exc.ª, cuja autenticidade garantimos.

Este crédito é pagável nas caixas do banco emitente e não tem a nossa confirmação;

Este crédito é domiciliado para pagamento nas caixas do Banco BB, S. A., mas não tem a sua confirmação;

Este crédito é domiciliado para negociação junto do Banco BB, S. A., mas não tem a sua confirmação;

Este crédito tem a confirmação do Banco BB, S. A., pelo que é exclusivamente negociável por nosso intermédio.

Confirmação do nosso fax e telefonema. Chamamos vossa especial atenção para as condições desta carta de crédito.

No caso de V.ª Exc.ª (s) não estar de acordo com alguns dos termos e/ou condições da carta de crédito queira contactar directamente o ordenador com vista à rectificação ou rectificações que julguem necessárias.

Certamente com os documentos requeridos deve ser-nos enviada a presente carta de crédito para utilização.

( ? ) Aviso faz parte integrante do crédito documentário, o qual está sujeito às Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários, ( ? ) de 1993 (publicação nº 500 da CCI).

(…) os nossos melhores cumprimentos, subscrevemo-nos,

Banco BB, S. A.

(Assinatura) (por documento constante de fls. 52 dos autos).

3º - Junto com a comunicação referida em 2, o Réu enviou à CC um crédito documentário com o seguinte teor:

"BANCO BB

LISBOA PT

FROM: II FRPPXXX

...

PARIS FR

RECEBEMOS DE FF. (D1-DOTE-SDCD)

… … … – ALGERIE

UM CRÉDITO DOCUMENTÁRIO DE USD 299.250 MÁXIMO SOBRE A REFERÊNCIA 01 5000 264,NOSSO 010213EX743/289 COMO SEGUINTE TEXTO:

…..

POR ORDEM DE ...

…..

EMITIMOS O CRÉDITO DOCUMENTÁRIO IRREVOGÁVEL SEGUINTE:

NÚMERO: 01 5000264

A FAVOR DE:

EMPRESA CC

AV …. … … LISBOA

PORTUGAL

PELO MONTANTE DE: USD 299.250,00

MÁXIMO VÁLIDO ATÉ: 28/02/2001

NOS BALCÕES DE II FRANCE:

PARA PAGAMENTO À VISTA CONTRA APRESENTAÇÃO DOS SEGUINTES DOCUMENTOS:

1 - JOGO COMPLETO DE CONHECIMENTOS ORIGINAIS 3/3 MENOS UM CONHECIMENTO DE EMBARQUE LIMPO MERCADORIA A BORDO ESTABELECIDO À ORDEM DE FF NOTIFICAR ORDENADOR MARCA FRETE PRÉ PAGO.

2 - CERTIFICADO FITO SANITÁRIO EMITIDO PELAS AUTORIDADES COMPETENTES DO PAÍS DE ORIGEM (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA) CÓPIA.

3 - CERTIFICADO DE ANÁLISE ISOTÓPICA DO LOTE EXPEDIDO EMITIDO POR LABORATÓRIO ESPECIALIZADO (CÓPIA).

4 - CERTIFICADO DE ORIGEM DO PRODUTO VISADO PELA CÂMARA DE COMÉRCIO (CÓPIA).

5 - CERTIFICADO DE CONFORMIDADE ATESTANDO A CONFORMIDADE DO PRODUTO EM RELAÇÃO COM AS ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS DESCRITAS NO ANEXO N º 2 DO PRESENTE CONTRATO EMITIDO PELA EMPRESA DE SUPERINTENDÊNCIA DESIGNADA PELO COMPRADOR CONFORME ARTIGO 8º DO CONTRATO (CÓPIA).

6 - LISTA DE EMBALAGEM E NOTA DE PESO (CÓPIA).

7 - CERTIFICADO DE QUALIDADE E DE ANÁLISE FÍSICO-QUÍMICA E BACTERIOLÓGICA EMITIDA POR LABORATÓRIO ESPECIALIZADO (CÓPIA).

8 - CERTIFICADO DE INSPECÇÃO DOS CONTENTORES EMITIDO PELAS AUTORIDADES COMPETENTES DO PAÍS DO PORTO DE ORIGEM OU PELA EMPRESA DE SUPERINTENDÊNCIA ACREDITADA DESIGNADA PELO COMPRADOR CONFORME ARTIGO 8º DO CONTRATO (CÓPIA).

9 - GSP SISTEMA GENERALIZADO DE PREFERÊNCIAS.

10 - DECLARAÇÃO DE EXPORTAÇÃO MODELO EX1 OU CERTIFICADO EQUIVALENTE.

11 - FACTURA COMERCIAL EM 8 EXEMPLARES ASSINADOS, CERTIFICANDO QUE A MERCADORIA ESTÁ SEGUNDO TODOS OS PONTOS DE VISTA CONFORME À FACTURA PROFORMA NR 01/01 DE 08/01/2001 RELATIVA AO CONTRATO NR PN/14/2000 DE 18/12/2000.

12 - DECLARAÇÃO DO BENEFICIÁRIO CERTIFICANDO TER ENVIADO PARA A MORADA DO ORDENADOR POR VIA EXPRESSO (DHL, CHRONOPOST, ETC) OS DOCUMENTOS SEGUINTES:

1/3 CONHECIMENTO ORIGINAL

06 FACTURAS DEFINITIVAS (ORIGINAIS)

BEM COMO TODOS OS ORIGINAIS DOS DOCUMENTOS SUPRA MENCIONADOS + 02 CÓPIAS DE CADA.

NB

O CONJUNTO DOS DOCUMENTOS EXIGIDOS DEVEM SER ESTABELECIDOS EM NOME DA ... POR CONTA DE DI/CFT/MDN.

REFERINDO-SE A:

105 TONELADAS METRICAS DE PIMENTA NEGRA EM GRÃO COM PREÇO DE USD 2.850 A TONELADA MÉTRICA DE ORIGEM BRASIL.

ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS DO PRODUTO:

ASPECTO: GRÃOS INTEIROS SECOS DE "PIPER NIGRUM", APRESENTANDO UMA COR CASTANH4, CINZENTA OU NEGRA E UMA FACE ESTRIADA, DE QUALIDADE SÃ, PRÓPRIA E COMERCIÁVEL DESTINADA AO CONSUMO HUMANO.

ODOR E SABOR FRESCOS E PICANTES - ISENTO DE ODORES E SABORES ESTRANHOS DE BAFIO OU DE SABOR RANSO.

O PRODUTO DEVE ESTAR ISENTO DE INSECTOS VIVOS E MORTOS, DE BOLORES, DE FRAGMENTOS E DE INSECTOS VIVOS E MORTOS E DE CONTAMINAÇÃO PELOS ROEDORES VISÍVEIS A OLHO NÚ.

GRÃOS LIGEIROS: INFERIORES A 10% (M/M).

GRÃOS ABORTADOS E PARTIDOS: INFERIORES A 4% (M/M).

ANO DE COLHEITA: 2000.

ESPECIFICAÇÕES FISICO-QUIMICAS:

HUMIDADE - 13,5% MAX

TOTAL DE CINZAS (EM SECO) - 8% MAX

EXTRACTO DE ÉTER NÃO VOLÁTIL - 6,8 MIN

MATÉRIAS ESTRANHAS - 1,5% EM MASSA MAX

MASSA VOLÚMICA - 560 G/1 MIN

ESPECIFICAÇÕES MICROBIOLÓGICAS DE ACORDO COM O DECRETO INTERMINISTERIAL DE 24.01.1998 J.O. nº 35 ) A SABER:

LIBELO – N – C - NINTLT TO L

GERMES AERÓBIOS A 30ºC – 5 – 2 - 10`5

E.COLI – 5 – 2 - 10

BOLORES – 5 – 2 - 10'3

SALMONELA – 5 – 0 - Ausência

N – NÚMERO DE UNIDADES CONSTITUINDO A AMOSTRA

C - NÚMERO DE UNIDADES DA AMOSTRA DANDO VALORES ENTRE M E M.

M - NÍVEL ABAIXO DO OUAL 0 PRODUTO É CONSIDERADO COMO SENDO DE QUALIDADE SATISFATORIA.

TODOS OS RESULTADOS IGUAIS OU INFERIORES A ESTE CRITÉRIO SÃO CONSIDERADOS COMO SATISFATORIOS.

M - NÍVEL LIMITE DE ACEITAÇÃO PARA LÁ DO QUAL OS RESULTADOS NÃO SÃO MAIS CONSIDERADOS SATISFATÓRIOS, SEM CONTUDO 0 PRODUTO SER CONSIDERADO TÓXICO.

M = 10M AQUANDO DA ENUMERAÇÃO EFECTUADA EM MEIO SÓLIDO.

M = 30 M AQUANDO DA ENUMERAÇÃO EFECTUADA EM MEIO LÍQUIDO.

A - OS VALORES OBSERVADOS SÃO:

3M AQUANDO DO EMPREGO EM MEIO SÓLIDO.

= QUALIDADE SATISFATÓRIA 10M AOUANDO DO EMPREGO EM MEIO LÍQUIDO.

B - OS VALORES OBSERVADOS COMPREENDEM:

ENTRE 3M E 10M (=M) EM MEIO SÓLIDO ENTRE 10M E 30M (=M) EM MEIO LÍQUIDO

E = OUALIDADE ACEITÁVEL

C/N INFERIOR OU IGUAL ÀS CONDIÇÕES FIX4DAS

POR EXEMPLO C/N 2/5

COM 0 PLANO N=5 E C=2.

OS RESULTADOS SÃO CONSIDERADOS COMO NÃO SATISFATORIOS:

A - QUANDO C/N FOR IGUAL OU SUPERIOR ÀS CONDIÇÕES FIXADAS;

B - SEMPRE OUE OS RESULTADOS OBTIDOS SEJAM SUPERIORES A M, ESTES DEVEM SER CONSIDERADOS TÓXICOS OU ESTRAGADOS DADO QUE A CONTAMINAÇÃO ATINGE UM VALOR MICROBIOLÓGICO LIMITE OUE É FIXADO EM GERAL A: S=M.10'3.

NO CASO DOS STAPHYLOCOCCUS AUREUS, 0 VALOR NÃO DEVERÁ EXCEDER 5.10'4 GERMES POR GRAMA DE PRODUTO.

EMBALAGEM E ACONDICIONAMENTO:

O VENDENDOR COMPROMETE-SE EXPEDIR OS PRODUTOS EM EMBALAGENS CONFORMES À NATUREZA DESTAS ÚLTIMAS E NOS MEIOS DE TRANSPORTE ESCOLHIDOS.

O FORNECIMENTO DESTAS EMBALAGENS É POR CONTA EXCLUSIVA DO VENDEDOR.

ESTAS EMBALAGENS DEVEM TER UM PESO UNIFORME DE 50KG EM SACOS DE POLIPROPILENO.

O VENDEDOR DEVERÁ EXPEDIR UM LOTE DE SACOS VAZIOS REPRESENTANDO 2 POR CENTO DO NÚMERO TOTAL DA ENCOMENDA PARA PERMITIR 0 REACONDICIONAMENTO DOS SACOS DETERIORADOS DURANTE A VIAGEM.

AS EMBALAGENS EXTERIORES DEVERÃO TER AS SEGUINTES INDICAÇÕES

PAÍS DE ORIGEM DO PRODUTO

NATUREZA DO PRODUTO

PESO BRUTO

PESO LÍQUIDO

IMPORTADO POR

EXPORTADO POR

MÊS/ANO DA COLHEITA

CONSUMIR DE PREFERÊNCIA ANTES DE.

ESTAS INDICAÇÕES DEVERÃO SER INSCRITAS, BEM LEGÍVEIS, EM LÍNGUA ÁRABE E FRANCESA.

OS SACOS DEVERÃO SER EXPEDIDOS OBRIGATORIAMENTE EM CONTENTORES DE VINTE (20 PÉS).

ESSES SACOS EM POLIPROPILENO NOVOS, DUPLOS, SERÃO COLOCADOS EM CONTENTORES DE 20 PÉS, EM OUANTIDADES DE TREZENTOS (300) SACOS DE SOKGS POR CONTENTOR.

CONDIÇÕES DO CONTRATO: CFR

EMBARQUE/EXPEDIÇÃO DE PORTO BRASILEIRO

DESTINO: PORTO DE ARGEL

VIA: MARÍTIMA

ATÉ: 15/02/2001

EXPEDIÇÕES PARCIAIS: AUTORIZADAS

TRANSBORDOS: PERMITIDOS MAS COM UM SÓ CONHECIMENTO

INSTRUÇÕES ESPECIAIS:

SEGURO COBERTO PELO ORDENADOR

EM CASO DE NÃO CONFORMIDADE OU NÃO ENVIO DOS DOCUMENTOS ACIMA MENCIONADOS NOS PRAZOS EXIGIDOS, OS CUSTOS DE ESPERA DOS NAVIOS E DE ESTADIA DA MERCADORIA NO CAIS OU NUMA ZONA EXTRA PORTUÁRIA ASSIM COMO TODO O PREJUIZO DE QUALQUER AVARIA OU DE FALTA SERÃO DE CONTA DO VENDEDOR.

PLANO DE ENTREGA:

AS 105 TONELADAS MÉTRICAS SERÃO OBJECTO DE DUAS EXPEDIÇÕES TENDO COMO DESTINO O PORTO DE ARGEL.

UMA PRIMEIRA ENTREGA DE 15 TONELADAS MÉTRICAS, CUJA EXPEDIÇÃO PODERÁ TER DOMICILIAÇÕES DO PRESENTE CONTRATO JUNTO DOS BANCOS DESIGNADOS NO ARTIGO 4.

O REGULAMENTO DEVERÁ INTERVIR DESDE QUE O CRÉDITO ESTEJA OPERACIONAL.

A SEGUNDA EXPEDIÇÃO DE 90 TONELADAS MÉTRICAS SERÁ EFECTUADA NO PORTO DE ARGEL ANTES DE 15.02.2001 E APÓS A NOTIFICAÇÃO DA CARTA DE CRÉDITO OPERACIONAL AO FORNECEDOR.

GARANTIA DE BOA EXECUÇÃO:

ESTE CRÉDITO SÓ ESTARÁ OPERACIONAL APÓS RECEPÇÃO DE UMA CAUÇÃO BANCÁRIA FIXADA A 5 POR CENTO DO VALOR GLOBAL DO CRÉDITO E SUA ACEITAÇÃO PELO ORDENADOR.

A INSTRUÇÃO DANDO O CRÉDITO COMO OPERACIONAL SER-VOS-Á NOTIFICADA PELOS NOSSOS MEIOS.

DOCUMENTOS ANTERIORES À DATA DE ABERTURA DO CRÉDITO INTERDITOS.

DOCUMENTOS COM RESTRIÇÕES SERÃO SUJEITOS A UMA DEDUÇÃO DE CUSTOS ELEVANDO-SE A UDS 100,00.

MONTANTE DO CRÉDITO: DUZENTOS E NOVENTA E NOVE MIL DUZENTOS E CINQUENTA DÓLARES AMERICANOS.

CUSTOS:

TODOS OS VOSSOS CUSTOS (II FRANÇA) COMPREENDERÃO OS DE CONFIRMAÇÃO MESMO AQUANDO DA NÃO UTILIZAÇÃO, SERÃO POR CONTA EXCLUSIVA DO BENEFICIÁRIO E DEVERÃO SER…

O ARTIGO 18 C II DOS RUU, EDIÇÃO 1993, PUBLICAÇÃO 500, NÃO É APLICÁVEL.

INFORMAÇÃO DO EXPEDIDOR AO DESTINATÁRIO:

OS DOCUMENTOS DEVEM SER APRESENTADOS ATÉ 21 DIAS A SEGUIR À DATA DE EXPEDIÇÃO, MAS NA VALIDADE DO CRÉDITO.

FAVOR AVISAR COM URGÊNCIA O BENEFICIÁRIO JUNTANDO A VOSSA CONFIRMAÇÃO (II FRANÇA).

ESTE CRÉDITO ESTÁ SUJEITO ÀS REGRAS EM USO RELATIVAS AOS CRÉDITOS DOCUMENTÁRIOS DA CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL (VERSÃO 1993, PUBLICAÇÃO 500).

  

UNQUOTE

ESTE CRÉDITO SUPORTA A NOSSA CONFIRMAÇÃO E ESTÁ EXCLUSIVAMENTE DISPONÍVEL NO NOSSO BALCÃO

ESTE CRÉDITO NÃO ESTÁ OPERACIONAL.

FOI PEDIDO AO BANCO EMISSOR PARA REPETIR SOB "NB" AS "ESPECIFICAÇÕES MICROBIOLÓGICAS" E FORAM RECEBIDAS ILEGÍVEIS.

INFORMAREMOS LOGO QUE RESPONDAM.

TODAS AS VOSSAS DESPESAS BEM COMO AS NOSSAS SÃO DE CONTA DO BENEFICIÁRIO, AS NOSSAS DETALHADAS SÃO:

CONFIRMAÇÃO DE COMISSÃO: 0,7 POR CENTO POR QUARTO INDIVISÍVEL (MIN USD 270)

COMISSÃO POR ALTERAÇÕES: USD 90 CADA, SE HOUVER

COMISSÃO DE LEVANTAMENTO: 1,5 POR MIL (MIN USD 130)

TAXA DE DISCREPÂNCIAS USD 90 SE APLICÁVEL

CUSTOS DE FAX/TELEX/CORREIO

A PEDIDO DO BANCO EMISSOR, POR FAVOR NOTIFIQUE ESTA L/C AOS BENEFICIÁRIOS, SEM A VOSSA CONFIRMAÇÃO, SOMENTE CONTRA PAGAMENTO DO PRIMEIRO PERÍODO DE CONFIRMAÇÃO DE USD 2.094,75 (NOSSA CONTA NO BANCO UM INTERNACIONAL CORP. NOVA IORQUE, FNBCUS33) SOB AVISO PARA NÓS OU CONFIRMAR-NOS POR MENSAGEM TESTADA PARA QUE SEJAM PAGOS OS CUSTOS E COMISSÕES NA EVENTUALIDADE DE NÃO SER UTILIZADA AL/C.

COMPROMETEMO-NOS A EFECTUAR O PAGAMENTO DO LUCRO LÍQUIDO DENTRO DE 6 DIAS (DE TRABALHO) (FRANÇA/USA).

APÓS LEVANTAR NO NOSSO BALCÃO OS DOCUMENTOS EM ORDEM NA VALIDADE DO CRÉDITO, POR FAVOR ACUSE RECEPÇÃO INDICANDO A VOSSA REFERÊNCIA E A NOSSA 010213EX743/289.

NÃO SEGUE CORREIO DE CONFIRMAÇÃO.

CUMPRIMENTOS” (por documento constante de fls. 59 a 64 dos autos).

4º - A CC instaurou contra a AA, (aqui Autora), EE … e o BB CL — Banco BB e …, S. A. uma acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, que correu os seus termos na 4ª Vara Cível de Lisboa, primitiva 1ª Secção, sob o nº (actual) 13053/02.8TVLSB (por certidão constante de fls. 397 e seguintes dos autos).

5º - Na acção referida em 4º, a aí autora e interveniente nestes autos pedia, além do mais: a) a declaração da validade da resolução do contrato celebrado entre a mesma (CC) e a AA (contrato PEP 0104- 20), por incumprimento definitivo do mesmo contrato por esta última e à mesma imputável, resolução de 4/10/01, com efeitos em 8/10/01 e que, por isso, a aí autora (CC) tinha o direito de não proceder ao pagamento do preço nele previsto; b) que se declarasse que o BB (aqui réu) não estava obrigado a proceder ao pagamento das facturas n.os ... a …, enviadas à cobrança à ré EE, em nome e representação da AA e a condenação do banco em causa a abster-se de efectuar tal pagamento, quer à AA (nestes autos autora) quer à EE, quer agissem em nome próprio quer em nome de outra entidade (por certidão constante de fls. 397 e seguintes dos autos).

6º - No processo referido em 4º e 5º, foram considerados provados, após os trâmites normais da causa, os seguintes factos:

1 - A autora CC negociou com a ré AA o fornecimento de 105 toneladas métricas de pimenta preta, destinadas a satisfazer a encomenda da ...;

2 - As negociações culminaram no dia 10 de Abril de 2001 com a elaboração do contrato PEP 0104-20, que foi remetido à autora CC para esta o assinar e já devidamente assinado pela ré AA;

3 - O contrato foi assinado pela autora CC, em Lisboa;

4 - A ré AA, para satisfazer o contratado com a autora CC, organizou três embarques com destino ao Porto de Argel;

5 - Relativamente a cada um desses fornecimentos foi emitida uma factura pela ré AA, com os n.os ..., … e …, nos valores respectivamente de USD 198.750,00, USD 39,750,00 e USD 39.750,00;

6 - Em 21/05/01, foi efectuado o primeiro embarque, com destino a Argel e onde foram enviadas à autora pela ré AA, cópias do conjunto de documentos relativos a esta remessa;

7 - Em 08/06/2001, a autora CC recebeu da ré AA cópia de conjunto de documentos relativos ao segundo embarque;

8 - Em 18/06/01, foi efectuado o terceiro embarque, com destino a Argel;

9 - Em 1/06/01, através do fax que constitui o documento de fls. 123 e 124, a autora CC comunicou à ré AA que os documentos deveriam ser remetidos ao réu BB;

10 - Em 28/06/01, através do fax que constitui o documento de fls. 127 e 128, a autora CC comunicou à ré AA o valor dos encargos bancários resultantes das referidas alterações, no montante de USD 1.135,34, que deveriam correr por conta da AA;

11 - Em 2/07/2001, através da comunicação de fls. 130 e 131, a ré EE fez chegar ao réu BB a documentação respeitante à primeira remessa de mercadorias, fazendo menção à dedução da nota de débito no valor de USD 1.135,34 pelo que o montante a receber seria de USD 197.614,66;

12 - Em 3/07/2001, através da comunicação que constitui o documento de fls. 133 e 134, a ré EE enviou ao BB a documentação relativa ao segundo embarque no valor de USD 39.750,00;

13 - Em 5/07/01, através da comunicação que constitui o documento de fls. 136 a 138, a ré EE enviou ao réu BB a documentação relativa ao terceiro embarque, igualmente no valor de USD 39.750,00;

14 – A autora, através do documento de fls. 139, declarou ao réu BB que honraria “o pagamento de USD 197.614,66 à empresa EE, (doravante EE) valor correspondente ao dos documentos enviados por aquela firma ao BB com base de cobrança";

15 - E entregou ao réu BB uma livrança assinada em branco, garantindo o pagamento de tal montante;

16 – O réu BB respondeu à ré EE, através das comunicações que constituem os documentos de fls. 140 e 141, que “procederemos, de acordo com as vossas instruções e Regras Uniformes para Cobranças”;

17 - Nesta sequência o réu BB enviou a II - banco confirmador do crédito documentário relativo ao contrato firmado entre a autora e a ... - cópias dos documentos e entregou os originais à autora, que esta enviou, em 5/07/2001, à ...;

18 - No referido nos pontos 11,12 e 13, a ré EE agiu em nome da ré AA;

19 - Em 6/06/2001, foi efectuado o segundo embarque de pimenta enviada pela ré AA com destino a Argel;

20 – A autora, por carta registada, datada de 4/10/2001, enviada à ré AA, e por esta recebida em 8/10/2001, procedeu à resolução do contrato;

21 – A autora invocou como fundamento da resolução do contrato o incumprimento definitivo do contrato por parte da ré AA motivado, quer pela falta de envio de documentos contratuais em ordem, quer pelas deficiências constatadas nas mercadorias cuja venda constituía objecto do contrato;

22 – A autora CC celebrou, em 18/12/00, com a sociedade ..., com sede na Argélia, o contrato que consta de fls. 44 a 79, que se dá por reproduzido, no âmbito do qual se obrigou a vender 105 toneladas métricas de pimenta preta em grão;

22/A - As especificações (técnicas, de embalagem, entrega, embarque, recepção e outras) relativas ao fornecimento contratado entre a autora e a ... eram as previstas nos anexos desse contrato;

23 - O preço total das mercadorias era de USD 299.250,00;

24 - Ficou acordado que o pagamento seria feito por carta de crédito irrevogável ordenada pela ..., emitida pelo FF - …, (doravante FF), confirmada e pagável pela II - ... (doravante II) e notificável pelo BANQUE BB ET DE LA GG contra a apresentação de documentos;

25 - Ficou também acordado que os encargos bancários, no quadro da realização do contrato (alterações, prorrogações da carta de crédito...) ficariam a cargo da parte que lhes desse causa;

26 - A execução do contrato foi garantida por caução bancária prestada pelo FF e contra - garantida pelo BANQUE BB DE LA GG;

27 - Em simultâneo com a negociação deste contrato foi efectuado o referido nos pontos 1 e 2;

28 – A autora CC e a ré AA acordaram que o preço das mercadorias seria de USD 278.250,00;

29 - E que o pagamento desse preço seria feito após o recebimento pela autora CC do crédito documentário previsto no contrato celebrado entre esta e a ...;

30 - Posteriormente à assinatura do contrato referido nos pontos 1 e 2, a ré AA veio confirmar junto da autora o acordo inicial de que o pagamento se realizaria após a autora receber o valor da carta de crédito;

31 - O que fez em 12/07/01, através do documento de fls. 84, 85 e 86, que enviou à autora;

32 – A autora CC enviou à ré AA cópia do contrato celebrado com a ... e crédito documentário onde constava a lista dos documentos, em 12/02/01;

33 - E que eram originais do jogo completo dos conhecimentos de embarque.

34 - E cópia do certificado fitossanitário emitido pelas autoridades competentes do país de origem (ministério da agricultura);

35 - E cópia do certificado de análise isotópica do lote expedido emitido por laboratório especializado;

36 - E cópia do certificado de origem do produto visado pela câmara de comércio;

37 - E cópia do certificado de conformidade do produto com as especificações técnicas descritas no contrato emitido pela empresa de superintendência designada pelo comprador;

38 - E cópia da lista de embalagem e nota de peso;

39 - E cópia do certificado de qualidade e de análise físico-química e bacteriológica realizada por laboratório especializado;

40 - E cópia do certificado de inspecção dos contentores, emitido pelas autoridades competentes do país do porto de origem ou pela empresa de superintendência acreditada designada pelo comprador;

41 - E documento "GSP" (sistema generalizado de preferências);

42 - E declaração de exportação (modelo EXI) ou certificado equivalente;

43 - E factura comercial em 8 exemplares assinados, certificando que a mercadoria está segundo todos os pontos de vista conforme à factura pró-forma n.º 01/01 de 8/01/01;

44 - E declaração do beneficiário certificando ter sido enviado para a morada do ordenador por via expresso (DHL, CHRONOPOST, etc) um dos três conhecimentos de carga originais e seis facturas definitivas (originais);

45 - Por acordo entre a autora CC e a ..., o BANCO BB DE LA GG, entidade notificadora do crédito foi substituído pelo réu BB;

46 - Face à referida substituição, veio o BB, em 22/02/01, comunicar à autora que tinha recebido da II a carta de crédito que constitui o documento de fls. 87 a 89.

47 - Aquando do referido no ponto 6, a autora CC verificou a existência de anomalias em diversos documentos e a falta de outros, do que, de imediato - pelo fax de 25/05/01 (doc. fls. 115 a 118) - deu conhecimento à ré AA;

48 - As referidas deficiências consistiam em que os conhecimentos de embarque exigidos na carta de crédito não contêm as menções “à ordem de FF” e “notificar ...”;

49 - E a falta de cópia do certificado de análise físico-química e bacteriológica realizada por laboratório especializado;

50 - E a falta do documento "GSP" (sistema generalizado de preferências);

51 - E a falta de declaração de exportação (modelo EX1) ou certificado equivalente;

52 - Em 8/06/2001, a autora CC comunicou à ré AA as discrepâncias nos documentos referidos no ponto 7 e que consistiam na falta da cópia do certificado de origem do produto visado pela câmara de comércio;

53 - E falta da cópia do certificado de conformidade do produto com as especificações técnicas descritas no contrato emitido pela empresa de superintendência designada pelo comprador que foi substituída pelo certificado de qualidade e de análise físico-química;

54 - E falta a cópia do certificado de análise bacteriológica realizado por laboratório especializado;

55 – E falta a declaração de exportação (modelo EX1) ou certificado equivalente;

56 - Em 28/06/01, a autora CC comunicou ao réu BB as condições em que se deveria processar o pagamento à ré AA, conforme documento de fls. 125;

57 - Nomeadamente que o valor das facturas a enviar pela ré AA ao réu BB seria pago, conforme combinado, 10 dias após o recebimento da carta de crédito nº …, isto é, do crédito documentário da ...;

58 - E dizendo a autora CC que a ré AA iria “enviar-vos fax com essas instruções por forma a permitir o trânsito dos documentos da remessa de importação e permitir a utilização respectiva na L/C aberta a favor da CC”;

59 - E dizendo, ainda, que, ao valor a pagar à AA, deveria ser deduzido USD 1.134,34 respeitante aos encargos bancários de conta daquela, resultantes da alteração do crédito;

60 - Embora não fosse o combinado, a autora CC porque necessitava dos documentos relativos às mercadorias, válidos e conformes às exigências do crédito documentário ordenado pela ... para receber o respectivo valor e porque estava convencida que tais documentos, atendendo às reservas que havia formulado, estavam já expurgados das deficiências apontadas, consentiu na recepção da documentação;

61 - Em 20/07/01, para a primeira remessa de mercadorias e, em 23/07/01, para a segunda e terceira remessa de mercadorias, a II, na qualidade de banco confirmador, comunicou ao réu BB - banco notificador - a existência de discrepâncias na documentação, que consistiam na discrepância entre os documentos recebidos e o que era exigido pela carta de crédito;

62 - E no que respeita ao primeiro embarque os documentos estavam caducados;

63 - E que o primeiro embarque era de 75 toneladas métricas em vez de ser de 15 toneladas métricas;

64 - A factura não contém referência à factura pró-forma;

65 - O B/L (BILL OF LANDING) não estava emitido à ordem significando que os conhecimentos de embarque exigidos na carta de crédito não contêm as menções “à ordem de FF e notificar ...”;

66 - E não era apresentada nota de peso;

67 - E faltava o documento "GSP" (sistema generalizado de preferências);

68 - E faltava a declaração de exportação (modelo EXI da comunidade europeia) ou certificado equivalente;

69 - E a cópia do certificado de análise físico-química e bacteriológica realizada por laboratório especializado não está conforme ao mencionado nos termos do crédito documentário e não indicava a todas as especificações da mercadoria;

70 - E as marcas não estavam conformes com os termos do crédito documentário;

71 - E faltava o certificado de conformidade do produto com as especificações técnicas descritas no contrato emitido pela empresa de superintendência designada pelo comprador;

72 - E faltava a declaração do beneficiário certificando ter enviado para a morada do ordenador por via expresso (DHL, CHRONOPOST, etc.) de um dos três conhecimento de carga originais e seis facturas definitivas (originais);

73 - E os documentos não estavam emitidos em nome de ... por conta e ordem de DI-CFT-MDN;

74 - E os documentos referiam ano de colheita de 2001 em vez de 2000;

75 - E relativamente ao segundo embarque as discrepâncias consistiam nos documentos estarem caducados;

76 - E que tinham sido efectuados três embarques em vez de dois;

77 - E a factura não continha referência a factura pró-forma;

78 - E o B/L (Bill of Landing) não emitido à ordem significando que os conhecimentos de embarque exigidos na carta de crédito não contêm as menções "à ordem de FF e notificar ...";

79 - E não foi apresentada nota de peso;

80 - E faltava a declaração de exportação (modelo EXI) ou certificado equivalente;

81 – E faltava o documento "GSP" (sistema generalizado de preferências);

82 - A cópia do certificado de análise físico-química e bacteriológica realizada por laboratório especializado não está conforme ao mencionado nos termos do crédito documentário e não indicando todas as especificações da mercadoria;

83 – E as marcas não estavam conformes aos termos do crédito documentário;

84 - E faltava o certificado de conformidade do produto com as especificações técnicas descritas no contrato emitido pela empresa de superintendência designada pelo comprador;

85 - E faltava a declaração do beneficiário certificando ter enviado para a morada do ordenador por via expresso (DHL, CHRONOPOST, etc.) um dos três conhecimentos de carga originais e seis facturas definitivas originais;

86 - E os documentos não tinham sido emitidos em nome da ... por conta e ordem de DJ-CFT —MDN;

87 - E referiam o "ano de colheita" 2001 em vez de 2000;

88 - E quanto ao terceiro embarque as discrepâncias consistiam em que os documentos estavam caducados;

89 - E referia um embarque de 15 toneladas métricas em vez de 90 toneladas Métricas;

90 - E a factura não contém referência à factura pró-forma;

91 - E o B/L (Bill of Landing) não emitido à ordem, significando que os conhecimentos de embarque exigidos na carta de crédito não contém as menções "à ordem de FF e notificar ...";

92 - E não era apresentada nota de peso;

93 - E faltava a declaração de exportação (modelo EX1) ou certificado equivalente;

94 - E faltava o documento "GSP" (sistema generalizado de preferências);

95 - E a cópia do certificado de análise físico-química e bacteriológica realizada por laboratório especializado não estava conforme ao mencionado nos termos do crédito documentário e não indicando todas as especificações da mercadoria;

96 - E as marcas não estavam conformes aos termos do crédito documentário;

97 - E faltava o certificado de conformidade do produto com as especificações técnicas descritas no contrato emitido pela empresa de superintendência designada pelo comprador;

98 - E faltava a declaração do beneficiário certificando ter enviado para a morada do ordenador por via expresso (DHL, CHRONOPOST, etc.) um dos três documentos de carga originais e seis facturas definitivas (originais);

99 - E os documentos não estavam emitidos em nome da ... por conta e ordem da DI-CFT-MDN;

100 - E dos documentos constava «ano de colheita 2001» em vez de 2000;

101 - A autora, quando recebeu as cópias dos documentos considerados "velhos", estes estavam perfeitamente válidos, pois apenas caducavam, nos termos do crédito documentário, 21 dias após a sua emissão;

102 - Os documentos estarem "velhos" ficou a dever-se a ré AA que, sabendo da existência do prazo, os reteve injustificadamente sem ter tido o cuidado de rectificar as deficiências apontadas e criando com a sua actuação culposa novas deficiências que, face a remessa documentária, a autora não teve possibilidade de prevenir;

103 - Quando a autora se apercebeu de que as anomalias não tinham sido corrigidas nos documentos originais que a ré AA, por intermédio da Ré EE, apresentara ao réu BB, deu imediatamente conhecimento à ré AA, em 09/08/01, das reservas formuladas pela II;

104 - Em 9/08/01, a II comunicou ao réu BB que a ... recusava levantar as reservas formuladas, declarando que "o ordenador recusa categoricamente o levantamento das reservas que afectam os documentos";

105 - A ... continua sem levantar as reservas formuladas à documentação referida, reiterando a recusa de pagamento do crédito documentário;

106 - E já anulou o referido crédito documentário;

107 – A autora não recebeu o preço das mercadorias da ... através II;

108 - Em 8/08/01, a ... comunicou à autora que a mercadoria não se encontrava conforme as especificações técnicas, em virtude da existência de mofo e de elevadas taxas de humidade;

109 - E enviou à autora três cópias de documentos emitidos pelas entidades sanitárias argelinas, certificando tal facto com a afirmação constante de todos eles de que "esta mercadoria não está conforme com as regras aplicáveis para a colocação no consumo do produto";

110 – A autora, em 2/08/01, mal teve conhecimento da existência destas anomalias nas mercadorias, até antes de receber os documentos comprovativos acabados de referir, comunicou tal facto a ré AA, informando-a de que "acabamos de ser contactados pela ... com a informação de que a qualidade da pimenta preta apresenta problemas";

110/A - Por iniciativa da ré AA e a expensas suas foram então efectuadas novas análises à mercadoria por uma entidade independente, a KK, SARL, filial argelina do grupo internacional da empresa internacional de peritagem SGC, em 19 e 20 de Agosto de 2001;

111 - As análises confirmaram o teor das anteriores, concluindo a existência na mercadoria recebida de teores de mofo (ou bafio) e de humidade, superiores à norma contratual, de tal modo elevados que a tornavam imprópria para o consumo humano;

112 - Em 22/08/01, a autora protestou junto da ré AA pela situação criada, conforme fax de 22/08/01;

113 - Entre 20/08/01 e 4/10/01 e, apesar dos vários contactos desenvolvidos pela Autora, a ré AA não diligenciou pela resolução do problema;

114 - A ..., em virtude dos relatórios das autoridades sanitárias argelinas, está impedida de desalfandegar as mercadorias referidas;

115 - E considerou incumprido o contrato celebrado com a autora;

116 - A ... está a exigir da autora responsabilidades derivadas das sobre estadias e armazenagem dos contentores e outros custos por ela suportados e já reclamou do FF o pagamento da garantia bancária de boa execução do contrato prestada pela autora, garantia esta contra - garantida por uma outra contra - garantia do Banque BB de La GG;

117 – E reclamou da ré AA, entre os vários prejuízos sofridos, em virtude do incumprimento do contrato, o pagamento de despesas relativas aos custos da garantia e contra garantia bancária, despesas relativas a prorrogação do crédito documentado e despesas relativas a confirmação do crédito documentário;

118 – Pelo que remeteu à ré AA a nota de débito n.º 10, no montante de 6265,91;

119 - O peso e qualidade da mercadoria objecto do contrato - pimenta negra foram verificados, conforme atestam os certificados de conformidade emitidos pela LL, L.da, nos dias de embarque da mercadoria, no porto de Belém;

120 - Relativamente ao embarque de 6/06/01 no navio ... a análise às mercadorias (1.500 sacos de pimenta) apresentava humidade - 12,8%, total de cinzas (sem seco) - 5%, extracto de éter não volátil - 6,8%, matérias estranhas - 0% e massa volúmica - 560g/L;

121 - Relativamente ao embarque em 6/06/01 no navio ... a análise às mercadorias (1.500 sacos de pimenta preta) apresentava humidade - 12,8%, total de cinzas (sem seco) - 5%, extracto de éter não volátil - 6,8%, matérias estranhas - 0%, massa volúmica 560g/L;

122 - No que respeita ao terceiro embarque em 18/06/01 a análise às mercadorias (1500 sacos de pimenta preta) apresentava os seguintes resultados humidade - 12,8%, total de cinzas (sem seco) - 5%, extracto de éter não volátil - 6,8%, matérias estranhas - 0% e massa volúmica 560g/L;

123 - Os indicadores referidos nos pontos anteriores eram os pretendidos pela autora;

124 - O contrato de compra e venda da mercadoria celebrado entre a autora e a ré AA tinha estabelecido a condição "Cost and Freight";

125 – A autora é reconhecida internacionalmente pela sua capacidade comercial e pela transparência e lisura dos procedimentos envolvidos nas transacções que realiza;

126 - Nada semelhante ao objecto destes autos algum dia se passou com a autora em muitos anos de actividade;

127 – A autora nunca deixou de cumprir um contrato;

128 - A garantia de boa execução de contrato foi entretanto executada;

129 - Esta situação tornou-se conhecida, quer no mercado argelino, quer em todos os mercados onde actua;

130 - Motivando a desconfiança sobre a capacidade da autora de cumprir contratos;

131 - Esta situação pode vedar à autora as portas de um importante mercado como o Argelino.

7º - No processo referido em 4º foi proferida, em 2 de Fevereiro de 2010, sentença, em primeira instância, tendo sido decidido julgar parcialmente procedente, por provada, a acção e, consequentemente, proferida decisão no que ora interessa e abstraindo da decisão quanto a custas, nos seguintes termos:

Declarar válida a resolução pela Autora do contrato celebrado entre a mesma e a ré AA em 10-4-2001, com efeitos a partir de 8-10-2011;

Declarar a autora desonerada de proceder ao pagamento do preço previsto nesse contrato;

Condenar a ré AA no pagamento à autora do valor de USD 14.962,50 ou seja, da quantia em moeda nacional equivalente a esse valor no dia do pagamento, acrescida de juros, à taxa legal, desde o dia do efectivo pagamento pela autora à ... de tal montante até efectivo pagamento pela ré à autora e ainda nos encargos referentes ao accionamento da contra garantia bancária, a liquidar em execução de sentença;

Condenar a ré AA no pagamento à autora do valor de USD 21.000,00, ou seja, da quantia em moeda nacional equivalente a esse valor no dia do pagamento, acrescida de juros; à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento;

Condenar a ré AA no pagamento à autora de uma indemnização no valor de 100.000 Euros, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

No mais foi a ré AA absolvida do pedido.

Mais foram os réus EE e BB absolvidos do pedido e a ré AA absolvida do pedido de litigância de má-fé (por certidão constante de fls. 397 e seguintes dos autos).

8º - Da decisão referida em 7º, foi interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este tribunal revogado parcialmente a decisão da primeira instância (por certidão constante de fls. 397 e seguintes dos autos).

9º - Da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa foi interposto recurso de revista para o S. T. J. o qual julgou a revista parcialmente procedente, com revogação do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, repristinando a sentença da primeira instância, com excepção do segmento em que condenara a ré AA a pagar à autora CC a indemnização de 100.000 Euros a título de danos morais (por certidão constante de fls. 397 e seguintes dos autos).

10º - Em 22 de Junho de 2001, a EE enviou ao BB o documento denominado "Collection Order" (por acordo).

11º - Tal documento consistia em cobrança com o n.º LCI – …, em nome e por conta da AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa (por acordo).

12º - Em 25/06/2001, o BB acusa a recepção da cobrança e declara que irá proceder de acordo com as instruções da EE e Regras Uniformes Para Cobranças (acordo).

13º - Em 2/07/2001, a EE emite documento no qual declara “em nome e por conta da AA que autoriza a CC a usar os documentoa, mas com «irrevocable engagement from the bank» para pagar a factura deduzida do valor da nota de débito n.º 7” (por acordo).

14º - Em 4/02/2001, a CC declara perante o BB “assumir o compromisso de que honraremos o pagamento de USD 197.614,66 à empresa EE, valor correspondente aos documentos enviados por aquela firma ao BB com cobrança que se refere ao processo LCI-…” (por acordo).

15º - Em 26/06/2001, a EE enviou ao BB “collection order”, isto é, cobrança n.º LCI – …, em nome e por conta da AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa (por acordo).

16º - Em 27/06/2001, o BB acusa a recepção da cobrança e que irá proceder de acordo com as instruções da EE e das Regras Uniformes para Cobranças (por acordo).

17º - Em 3/07/2001, a EE declara, “em nome e por conta da empresa AA, que autoriza a companhia CC a usar os documentos, mas com «irrevocable engagementfrom the bank» para pagar a nossa factura deduzida do valor da nota de débito n.º 7” (por acordo).

18º - Em 5/07/2001, a EE enviou ao BB “Collection Order”, isto é, a cobrança n.º LCI – …, em nome e por conta da empresa AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa (por acordo).

19º - Através da comunicação de 4/07/2001, a CC consentiu na recepção dos documentos e declarou ao réu BB que “honraria o pagamento de USD 197.614,66 à empresa EE, valor correspondente ao dos documentos enviados por aquela firma ao BB com base de cobrança…” (por acordo).

20º - A CC aceitou e entregou ao BB uma letra de câmbio, garantindo o pagamento dos montantes em questão e recebendo deste BB a referenciada documentação (por acordo).

21º - O BB respondeu à EE, declarando que “procederemos de acordo com as vossas instruções e Regras Uniformes para Cobrança” (por acordo).

22º - Até hoje o réu não pagou à autora os montantes em causa (por acordo).

3.

Ressalvadas as questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, estando, por isso, em causa neste recurso saber:

a) – Se nos artigos 25º, 44º, 45º e 53º da petição inicial foi alegada matéria de facto que importa conhecer, por essencial para uma boa decisão jurídica do pleito;

b) – Se os factos enunciados nos pontos 10º a 22º do elenco da matéria de facto conduzem à procedência da acção, sendo irrelevante a resolução do contrato de compra e venda reconhecida na acção n.º 13/02;

c) – Se o mero incumprimento do contrato de compra e venda não justifica a recusa de pagamento por parte do réu.

4.

Se nos artigos 25º, 44º, 45º e 53º da petição inicial foi alegada matéria de facto, que importa apurar em julgamento, essencial para uma boa decisão jurídica do pleito e omitida pelas instâncias.

A recorrente pretende a ampliação da matéria de facto, tendo em conta os factos que alegou nos citados artigos da petição inicial, uma vez que tal matéria seria, em seu entender, indispensável para a boa decisão da causa.

Vejamos:

A regra contida no n.º 2 do artigo 729º do CPC conexa com as funções prioritárias atribuídas ao Supremo Tribunal de Justiça, é a de que não pode interferir na decisão da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 722º CPC, sem embargo de outras intervenções previstas no artigo 729º, n.º 3 e 730 CPC.

Assim, o n.º 3 do artigo 729ºconfere ao STJ a possibilidade de controlar a coerência lógica da decisão de facto bem como a falta dos elementos de facto, à semelhança da competência reconhecida às relações pelo artigo 712º, n.º 4, sendo certo que só lhe será lícito ordenar a ampliação da matéria de facto, quando isso se mostre indispensável para a decisão de direito.

Neste sentido, nota Lopes do Rego[1] que os poderes agora conferidos ao STJ estão “fundamentalmente orientados para um correcto enquadramento jurídico do pleito: o STJ conhece das insuficiências, inconcludências ou contradições da decisão proferida acerca da matéria de facto se e enquanto tais vícios afectarem ou impossibilitarem a correcta decisão do pleito”.

Daí que, antes de se indagar se as respostas dadas aos quesitos e a matéria especificada são insuficientes para se poder fixar com precisão o regime jurídico a aplicar, interessará analisar se a dita matéria de facto foi ou não vertida na matéria assente ou nos factos controvertidos da base instrutória.

Ora, a Relação, depois de transcrever os artigos da petição inicial, constatou, e bem, que a matéria de facto alegada nestes artigos e complementada/concretizada noutros está assente e foi vertida nos pontos 10ºa 21º da matéria de facto que integra a decisão recorrida, salvo o mais que se alega nesses artigos 25º, 44º, 45º e 53º que, por se tratar de matéria conclusiva e de direito, não constitui matéria de facto.

Assim, reforçando o afirmado pela Relação, “não constitui matéria de facto, a apurar através de prova, saber se a apresentação de documentos foi feita com base numa remessa documentária, conforme alegado no artigo 25 da petição inicial. E também não é através da produção de prova que se poderá concluir, nos termos alegados nos artigos 45º e 53º da petição inicial, que o réu BB e a CC aceitaram como bons os documentos remetidos pela autora através da EE. Essa conclusão apenas pode ser extraída de factos concretos que traduzam a alegada aceitação dos documentos como bons.

Ora, os factos concretos alegados pela autora já constam dos pontos 10º a 21º do elenco da matéria de facto, sendo com base neles que pode ser discutido se a apresentação de documentos foi feita com base numa remessa documentária e se o réu BB e a CC aceitaram como bons os documentos remetidos”, sem prejuízo evidentemente da interligação com outros factos considerados provados.

Nenhuma censura merece a Relação, ao considerar que, neste contexto, não se identifica qualquer ponto de facto que deve ser esclarecido em julgamento ou aditado à matéria de facto considerada na decisão recorrida e que, acrescentamos nós, é suficiente para a decisão jurídica do pleito, mantendo-se, consequentemente, inalterada a matéria de facto, assente como foi pelas instâncias.

Improcede, nesta parte, a revista.

5.

Se os factos enunciados nos pontos 10º a 22º do elenco da matéria de facto conduzem à procedência da acção, sendo irrelevante a resolução do contrato de compra e venda reconhecida na acção n.º 13/02;

Entende a recorrente AA, em dissonância com o decidido pelas instâncias, que o BB está obrigado a pagar-lhe o valor do preço da compra de 105 toneladas métricas de pimenta preta que lhe foi vendida pela CC, porque esta teria ordenado ao Banco recorrido a emissão a favor da recorrente de um crédito documentário irrevogável do valor correspondente àquele preço, o que conduziria necessariamente á procedência da acção, sendo, por isso, irrelevante a resolução do contrato de compra e venda reconhecida na acção n.º 13/02, transitada em julgado.

Importará relembrar que na acção que correu seus termos na 4ª Vara Cível de Lisboa sob o n.º 13/02, já definitivamente julgada, foi decidido que a CC não estava obrigada a pagar à AA o preço da compra de 105 toneladas métricas de pimenta preta, sendo a pretensão da AA nos presentes autos exactamente o seu contrário, ou seja, entende a AA que esse preço deve ser pago, se bem que pelo BB, na medida em que é titular de um crédito documentário sobre esse Banco.

Está, pois, em causa saber se a AA, ora recorrente, é titular de um crédito documentário sobre o réu BB, no montante peticionado, e se, em caso afirmativo, não é oponível a esse crédito a resolução do contrato de compra e venda, com fundamento no seu incumprimento definitivo por parte da AA.

6.

Para melhor compreensão das questões suscitadas será oportuno proceder a uma breve descrição de crédito documentário.

Além de muitas outras razões, “o comércio internacional é, caracteristicamente, um sector de tráfico jurídico em que predominam os negócios «à distância», pelo que se torna extremamente difícil assegurar a simultaneidade das prestações das partes. Tomando como paradigma a compra e venda internacional de mercadorias, fácil é constatar que a necessidade de proceder ao transporte internacional da mercadoria vendida implica que um período de tempo mais ou menos longo terá forçosamente que decorrer entre o momento em que a mercadoria é entregue pelo vendedor ao transportador e aquele em que o comprador poderá dela apossar-se e, consequentemente, verificar a sua conformidade com aquilo que foi acordado. Ora o problema que se coloca é muito simples: o vendedor pretenderá naturalmente assegurar-se, antes de expedir a mercadoria, de que o pagamento do preço será efectuado, enquanto que o comprador não quererá pagar enquanto não tiver a mercadoria em seu poder ou, pelo menos, enquanto não tiver prova segura do cumprimento da outra parte, o que é também compreensível[2]”.

“É neste quadro que surge o crédito documentário, cujo funcionamento poderemos sumariamente (…) descrever da seguinte forma: um banco compromete-se, a solicitação de um seu cliente, efectuar o pagamento de determinada quantia em dinheiro a uma outra pessoa, previamente designada, credora do cliente do banco, desde que lhe sejam apresentados determinados documentos, nos termos previamente estabelecidos[3].

O banco intervém, pois, em regra, como um intermediário no pagamento do preço que é devido por força de determinado contrato comercial internacional, maxime uma compra e venda[4]”. O crédito documentário é, pelo menos de um ponto de vista económico, uma forma de pagamento.

“O crédito documentário é, mais do que isso, uma forma de pagamento garantida. Através desta operação o vendedor (ou qualquer outro credor de um preço ou de outra obrigação pecuniária) assegura-se de que, uma vez cumprida a sua parte do acordo, o pagamento será efectivamente feito, enquanto que o comprador (ou, genericamente, o devedor) pode confiar que o banco só pagará contra a entrega pela outra parte de documentos que constituem a prova (pelo menos uma prima facie evidence) do cumprimento das suas obrigações”, isto é, que a mercadoria foi efectivamente expedida nas condições e do modo estipulado. “Para além disso, a obrigação que o banco assume é a de realizar o crédito apenas no caso de, uma vez verificados os documentos apresentados[5], os considerar correctos, sendo que essa verificação é levada a cabo por profissionais da banca, de quem o devedor pode esperar uma razoável diligência e familiaridade com estas operações[6]”.

“O crédito documentário é uma obrigação complexa, na qual intervêm necessariamente as partes no contrato comercial que está na sua origem bem como o banco que emite o crédito, podendo intervir também outros bancos, desempenhando funções específicas. A prática do comércio internacional levou à consagração de designações próprias para cada um destes actores”, que aliás adoptàmos no acórdão.

“O devedor da obrigação pecuniária (em regra, o importador de determinada mercadoria) é aquele que está na origem do nascimento do crédito documentário, pois é na sequência de solicitação sua que um banco vai assumir o compromisso de pagamento de determinada quantia à contraparte do primeiro em determinado contrato comercial internacional. Daí que ele tome, no âmbito do crédito documentário, a designação de ordenante ou ordenador do crédito”.

“O credor da quantia em causa, maxime o exportador, é aquele em benefício de quem o crédito é aberto, razão pela qual tem o nome de beneficiário”.

“O banco que, por indicação do ordenador, abre o crédito documentário em favor do beneficiário, é o banco emitente”.

“A operação de crédito documentário, na sua essência, basta-se com a intervenção destas três unidades. Na prática, porém, a regra é a da intervenção de pelo menos mais um banco, a quem o banco emitente (que é normalmente um banco do país do ordenante) confere a missão de comunicar ao beneficiário a abertura do crédito documentário em seu favor. Este segundo banco é designado banco notificador ou notificante e será naturalmente um banco do país do beneficiário, correspondente do banco emitente”.

As funções do banco notificador poderão ser mais ou menos complexas, consoante as instruções que haja recebido do banco emitente. Na verdade, o banco notificador poderá apenas encarregar-se de fazer chegar ao beneficiário o documento que titula a abertura do crédito documentário em seu favor, mas poderá também ser-lhe cometida pelo banco emitente a função de receber do beneficiário os documentos e de realizar o crédito, por conta do banco emitente, caso em que se denomina como «banco designado»”.

Quando um outro banco, para além do banco emitente, assume perante o beneficiário, em seu próprio nome, uma obrigação de realização do crédito documentário, paralela à do banco emitente, ele designa-se banco confirmador ou confirmante. De assinalar que o banco confirmador será também, em regra, banco notificador e banco designado, mas trata-se de figuras com funções distintas que podem não coincidir na mesma entidade”[7].

7.

A CC, (empresa sediada em Lisboa) celebrou, em 18/12/2000, com a ..., (empresa sediada em Argel), um contrato de compra e venda de 105 toneladas métricas de pimenta negra em grão, pelo preço de USD 299.250,00.

Desse contrato constava um anexo contendo as especificações técnicas, de embalagem, entrega, embarque, recepção e outras da pimenta objecto do contrato

Mais acordaram que o pagamento do preço da pimenta preta pela ... à CC seria feito através de carta de crédito irrevogável[8], ordenada pela ..., emitida pelo FF, confirmada e pagável pela II e notificável pelo BANQUE BB ET DE LA GG, (entretanto substituído pelo BB), contra a apresentação de documentos.

Os termos desta carta de crédito constam do facto 3º e da qual consta que a carta de crédito é pagável à vista contra a apresentação dum vasto conjunto de documentos ali devidamente explicitados e enumerados.

Na sequência do contrato de fornecimento de pimenta preta que a CC celebrou com a ..., aquela, com vista a satisfazer a encomenda da ..., manteve negociações em simultâneo com a AA e acabou por celebrar com esta, em 10/04/2001, um contrato de compra e venda da dita mercadoria, pelo preço de USD 278.250,00.

Neste contrato consta que o pagamento devia ser pago “contra a 1ª apresentação dos documentos”.

Não obstante esta cláusula escrita, provou-se que as partes acordaram que o pagamento seria efectuado após o recebimento pela CC do valor correspondente ao crédito documentário previsto no contrato celebrado entre esta e a ..., ou seja, provou-se que a AA receberia o preço da venda da pimenta preta que fez à CC, quando esta lograsse receber o preço da venda que tinha feito da mesma pimenta à ..., por via do crédito documentário acima aludido, em que o BB exerceu apenas o papel de banco notificador.

A CC comunicou ao ora réu BB as condições de pagamento por parte da ... e enviou à AA cópia do contrato celebrado com a ... e crédito documentário, onde constava a lista de documentos.

Refere, por isso, com justeza, a sentença que “os dois contratos de compra e venda internacional eram em absoluto interdependentes um do outro e o pagamento do preço da compra e venda à AA dependia da realização do crédito documentário de que a CC era beneficiária por ordem da ...”.

Em circunstâncias normais, a CC receberia o crédito documentário ordenado pela ..., de que era beneficiária, no montante de USD 299.250, valor do preço acordado para a venda da pimenta e, deste valor, entregaria à AA a quantia de USD 278.250, para pagamento do preço da compra da mesma pimenta que lhe tinha feito, arrecadando a sua mais - valia, como é normal na prática comercial.

Como salienta o recorrido BB, estes factos, já provados nos autos (Processo 13/2002), envolvendo exactamente os mesmos sujeitos processuais dos presentes autos, quanto à forma como a AA e a CC acordaram que seriam pagos os preços de um e outro contrato de compra e venda, desmentem categoricamente os factos alegados pela recorrente que constituem a causa de pedir quanto ao pedido que faz nos presentes autos contra o Banco recorrido – o de que, alegadamente, o preço da venda da pimenta pela recorrente à CC seria pago pela emissão, pelo BB, de um crédito documentário a favor da recorrente, por ordem da CC, no valor do preço da pimenta vendida.

Aliás, tendo sido emitido, como foi, um crédito documentário, ordenado pela HH junto do FF (…), emitido por este banco, a favor da CC, confirmado e pagável pela II (...) e notificável pelo Banque BB et de la Vénètie), mais tarde substituído pelo ora recorrido, destinado a pagar à CC a pimenta preta que esta iria fornecer à HH, sendo que a CC pagaria o preço da pimenta preta à recorrente, logo que recebesse o crédito documentário, de que era beneficiária, vê-se a inconsistência da tese defendida pela recorrente nos presentes autos.

Assim sendo, nunca a CC solicitou ao BB a emissão de um crédito documentário a favor da AA para lhe efectuar o pagamento da pimenta preta que lhe havia comprado, pois o acordo feito entre elas nunca foi esse.

Entretanto a mercadoria foi expedida do Brasil para Argel por três vezes, tendo a AA remetido à CC cópia da documentação relativa a cada uma dessas remessas.

Logo que recebeu essa documentação, a CC verificou a existência de anomalias em diversos documentos e a falta de outros, do que deu imediato conhecimento à AA.

A CC comunicou, ainda, à AA que os documentos deveriam ser remetidos ao BB, o que esta fez, remetendo-lhe, através da EE, os documentos de cobrança, referidos nos pontos 11º, 15º e 18º da matéria de facto.

O BB confirmou a recepção das duas primeiras cobranças e declarou que iria proceder de acordo com as instruções da EE e Regras Uniformes para Cobrança.

A EE declarou que, em nome e por conta da AA, autorizava a CC a usar os documentos, mas com “irrevocable engagemente from the bank” de pagar a factura.

Embora não fosse o combinado, a CC, porque necessitava dos documentos relativos às mercadorias, válidos e conformes às exigências do crédito documentário ordenado pela ..., para receber o respectivo valor, e porque estava convencida de que tais documentos, atentas as reservas que havia formulado, estavam expurgados das deficiências apontadas, consentiu na recepção da documentação.

Será, pois, legítimo concluir, em face dos factos provados, que a recepção pelo recorrido dos documentos enviados pela AA, relativos á pimenta preta e seu embarque, foi feita com o único objectivo de ser desencadeado o pagamento do crédito documentário ordenado pela ..., emitido pelo FF e confirmado pela II, à respectiva beneficiária CC. E isto era do interesse tanto da AA como da CC.

E ocorreu, apenas e só, porque o BB era o banco notificador daquele crédito documentário. E não porque estivesse mandatado pela AA para proceder à cobrança documentária do preço da pimenta preta por esta vendida à CC.

Recebidos os documentos, o BB enviou à II – banco confirmador do crédito documentário ordenado pela ... em favor da CC – cópias dos documentos e entregou os originais à CC, que os enviou à ....

O que aconteceu é que o Banco II comunicou ao BB a existência de discrepâncias entre os documentos apresentados, relativos aos três embarques de mercadoria, e o que era exigido na carta de crédito, do que foi dado pronto conhecimento à ora recorrente.

Entretanto, examinada na Alfândega de Argel, a mercadoria revelou-se imprópria para o consumo humano, o que foi prontamente comunicado à ora autora AA e por ela confirmado através de análises que promoveu.

Esta, como se referiu, conhecia, perfeitamente, os termos do contrato de compra e venda, celebrado entre a CC e a HH, os termos daquele crédito documentário, os documentos previstos no mesmo, de cuja apresentação dependia o pagamento do crédito e as demais condições do mesmo, pois em 12/02/2001, a CC enviou-lhe o elenco desses documentos.

Como salienta o recorrido, foi a AA quem encontrou o dono original da pimenta preta, quem contactou com o País de origem da pimenta e que a embarcou até Argel. Só ela poderia providenciar pela obtenção dos documentos e velar para que a pimenta comprada tivesse as especificações técnicas exigidas no crédito documentário e tinha todo o interesse que se cumprissem todos os requisitos, documentais e outros da carta de crédito, pois sabia que era do pagamento desse crédito documentário que dependia o recebimento por ele do preço da venda que tinha feito à CC.

A CC protestou esta situação junto da AA que, apesar dos vários contactos por aquela desenvolvidos, não diligenciou pela resolução do problema.

A ... ficou impedida pelas autoridades sanitárias argelinas de desalfandegar a mercadoria.

E, nada tendo sido alterado, a HH recusou-se a levantar as reservas formuladas à documentação e os Bancos emitente e confirmador do crédito documentário a favor da CC, referente à venda que esta sociedade fizera à ..., recusaram pagar o crédito, devido às falhas nos documentos apresentados e no preenchimento das condições previstas naquela carta de crédito.

O crédito documentário foi anulado, não tendo sido efectuado qualquer pagamento à CC, que procedeu à resolução do contrato de compra e venda celebrado entre ela e a aqui autora AA, invocando a existência de incumprimento definitivo por parte desta, motivado, quer pela falta de envio de documentos contratuais em ordem, quer pelas deficiências constatadas nas mercadorias cuja venda constituía objecto do contrato.

E intentou acção judicial em que, para além do mais, pediu o reconhecimento da validade dessa resolução e de que não estava obrigada a pagar à ora autora o preço previsto nesse contrato.

Nessa acção foi proferida decisão, já transitada, onde, designadamente, foi declarada válida a resolução pela CC do contrato celebrado entre ela e aqui autora AA em 10/04/2001, com efeitos a partir de 8/10/2011 e foi declarada desonerada de proceder ao pagamento do preço previsto nesse contrato à AA.

7.

A questão que, a seguir, se coloca é a de saber se, não obstante a resolução do contrato de compra e venda celebrado pela CC com a ..., o BB será responsável pelo pagamento do preço que havia sido acordado nesse contrato. Por outras palavras, qual a função do BB e respectiva responsabilidade.

Como atrás se referiu, o Banco recorrido, de acordo com a factualidade que foi apurada, exerceu a função de banco notificador do crédito documentário ordenado pela ..., emitido pelo FF e confirmado pela II, de que era beneficiária a CC.

Mas terá exercido simultaneamente o papel de banco confirmador de um alegado crédito documentário ordenado pela CC a favor da AA?

É certo que o ora apelado BB, tendo recebido da ora apelante AA, através da sua representante EE, as remessas documentárias para cobrança, declarou que iria proceder de acordo com as instruções da EE e as Regras Uniformes para Cobranças. E que a EE declarou autorizar a CC a usar os documentos, mas com o compromisso irrevogável do banco de pagar a factura.

É ainda certo que os documentos em causa foram entregues à CC, que os entregou à ....

Pelo que, aparentemente, estariam verificados os pressupostos dos créditos reclamados pela ora recorrente sobre o recorrido, fundados nas referidas cobranças documentárias.

Mas também resulta da matéria de facto assente que o ora recorrido BB era o banco notificador do crédito documentário ordenado pela ..., e que tinha como beneficiária a CC, destinado a assegurar a esta o pagamento do fornecimento de pimenta procedente da AA.

E nessa qualidade, o BB foi informado pela CC de que, entre ela e a AA fora acordado que o pagamento a esta seria feito depois de a CC ter recebido o crédito documentário ordenado pela ....

Para além de que o BB recebeu os documentos em causa por indicação da CC, que necessitava deles para receber o crédito documentário ordenado pela ..., e estava convencida de que os mesmos tinham sido expurgados das reservas que havia formulado.

Acontece que esse crédito documentário foi anulado sem qualquer pagamento, por não terem sido levantadas as reservas formuladas a esses documentos pelo banco emitente da garantia.

Ou seja, é absolutamente óbvio que o BB não emitiu nenhum crédito bancário a favor da recorrente por ordem da CC, com vista ao pagamento do preço da pimenta preta comprada pela CC e vendida pela recorrente AA, pois, por força do acordo feito entre a CC e a AA, esta apenas receberia o preço da venda da pimenta, depois de a CC receber o crédito documentário que havia sido aberto a seu favor por ordem da ..., emitido pelo FF e confirmado pela II.

Pretender que o Banco recorrido tinha uma obrigação autónoma de pagar à recorrente o preço da pimenta preta, seria, como assinala o recorrido, “em primeiro lugar, a negação da forma acordada de pagamento da pimenta pela CC à AA.

Em segundo lugar, seria fazer tábua rasa do facto de que a CC, no seguimento do acordo que fizera com a AA quanto à forma do pagamento do preço da pimenta vendida por esta última, comunicou ao recorrido, em 28/06/2001, as condições em que se deveria processar o pagamento à AA.

Daqui se conclui que o recebimento da documentação relativa aos embarques da pimenta, o seu envio para o Banco confirmador da carta de crédito, a recepção de comunicações deste e a sua informação ao beneficiário directo do crédito (CC) e beneficiário indirecto (AA) contêm-se dentro daquilo que são as funções normais do banco notificador dum crédito documentário.

Ou seja, não foi criada nenhuma relação jurídica entre a AA, a EE e o BB que possa originar qualquer tipo de responsabilidade do recorrido.

8.

Se o mero incumprimento do contrato de compra e venda não justifica a recusa de pagamento por parte do réu.

Ainda que por mera hipótese se entendesse que o BB teria emitido um crédito documentário a favor da recorrente e/ou aceite o mandato da mesma para proceder á cobrança documentária do preço da pimenta preta pela AA, não poderíamos esquecer que o BB desde sempre conheceu a forma acordada entre a CC e a AA quanto ao modo como se processaria o pagamento do preço da pimenta preta vendida pela AA. Conheceu também que o crédito documentário aberto a favor da CC foi anulado, por terem sido apresentados pela recorrente os documentos com inúmeras discrepâncias, que não foram reparadas e não ter sido entregue um vasto conjunto de elementos, nomeadamente quanto à origem, certificado de qualidade e especificações várias da pimenta. Sabia que, tendo sido a AA quem comprou a pimenta na sua origem, só ela poderia arranjar os documentos e garantir as especificações técnicas e de qualidade da pimenta exigidos na carta de crédito. Tinha conhecimento que a CC não recebeu o crédito documentário e que resolveu o contrato de compra e venda celebrado com a AA. Mais sabia que os presentes autos estiveram suspensos por ordem judicial até decisão do processo que com este é conexo e que, nesse processo, o Tribunal decidiu reconhecer a validade da resolução do contrato de compra e venda da pimenta atrás mencionada e que essa decisão transitou em julgado.

Estando o Banco no conhecimento de toda esta prova líquida e incontroversa, não poderia deixar de ter em consideração que a exigência do pagamento do preço da pimenta preta pela AA constituiria um flagrante abuso de direito e que legitimaria a recusa do recorrido de fazer qualquer pagamento à AA que, assim e também por essa razão, nunca teria direito ao que reclama nos presentes autos, como de forma brilhante sustentam a sentença e o acórdão recorrido, para os quais se remete.

Aliás, este entendimento não pode deixar de recorrer da relevância que a doutrina e a jurisprudência crescentemente atribuem á relação substancial e ao seu conhecimento por parte dos bancos, como realça o recorrido nas suas brilhantes alegações, pois, citando Gonçalo Andrade e Castro[9], “é hoje dominante na doutrina e na jurisprudência a ideia de que a existência de fraude inequívoca do beneficiário confere ao banco a faculdade (ou impõe-se-lhe mesmo o dever) de recusar o pagamento do crédito documentário (…) por não se justificar (…) a prevalência da autonomia do vínculo assumido pelo Banco, face ao incumprimento da relação subjacente”.

Concluindo:

I - Na decisão da matéria de facto a competência do STJ encontra-se delimitada aos casos previstos no n.º 2 do artigo 722.º, 729.º, n.º 3, e 730.º do CPC, pelo que só lhe será lícito ordenar a ampliação da matéria de facto, quando isso se mostre indispensável para a decisão de direito.

II - O crédito documentário é uma obrigação complexa, na qual intervêm necessariamente as partes no contrato comercial que está na sua origem – em que o devedor pecuniário, na relação do crédito documentário, assume a designação de ordenante ou ordenador do crédito e o credor a de beneficiário – bem como o banco, que emite o crédito – banco emitente – e cuja obrigação é a de realizar o crédito uma vez que, após a sua verificação, considere correctos os documentos apresentados.

III - Além dos sujeitos referidos em II podem ainda intervir mais um banco, a quem o banco emitente (que é normalmente um banco do país do ordenante) confere a missão de comunicar ao beneficiário a abertura do crédito documentário em seu favor – banco notificador ou notificante – ou, ainda, a função de receber do beneficiário os documentos e de realizar o crédito, por conta do banco emitente (banco designado).

IV - Se um outro banco, em seu nome, assume perante o beneficiário uma obrigação de realização do crédito documentário, paralela à do banco emitente, ele designa-se banco confirmador ou confirmante.

V - Não se verifica a solicitação, pelo devedor pecuniário (CC), ao banco BB, da emissão de um crédito documentário a favor de um credor pecuniário (AA) se o contrato comercial em que a AA e a CC intervieram, são absolutamente dependentes de um outro, em que são partes a CC e a ... e do pagamento à CC por parte do devedor no segundo contrato (...) e em que o banco BB apenas exercia o papel de banco notificador.

VI - Se o crédito documentário atinente ao negócio celebrado entre ... e CC vem a ser anulado, na sequência da resolução do negócio que a ele era subjacente, não sendo efectuados os pagamentos à CC, e o banco emitente neste negócio comunicou ao banco notificador reservas à documentação apresentada naquele negócio, que não veio a ser pago, não é o banco notificador (BB) responsável – perante a AA – pelo preço que havia sido acordado no contrato resolvido.

IV - Em tais circunstâncias o banco BB não assume o papel de banco confirmador de um crédito documentário entre a AA e a CC, não assumindo qualquer obrigação autónoma, a qual, aliás, estava dependente do pagamento que não veio a acontecer no negócio celebrado entre a CC e a ....

V - Ainda que o banco notificante assumisse a qualidade de banco emitente de um crédito documentário, justificar-se-ia a recusa do respectivo pagamento em face do conhecimento da anulação do negócio de que este estava dependente, bem assim como do conhecimento da resolução judicial do negócio subjacente, sendo hoje inequívoco não se justificar a prevalência da autonomia do vínculo assumido pelo banco em face do incumprimento da obrigação subjacente.

DECISÃO:

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2013

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Pires da Rosa

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[1] Comentários ao Código de Processo Civil, Anotações ao artigo 729º.
[2] Gonçalo Andrade e Castro, O Crédito Documentário Irrevogável, página 15, citando VASSEUR, Droit et économie bancaires – Opérations de banque, 4ª edição, fascículo II, Paris, Les Cours de Droit, página 788.
[3] Vide definição de crédito documentário constante do artigo 2º das Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários, sobre a forma abreviada de RUU.
[4] Autor e obra citada página 16
[5] Entre aqueles documentos constam normalmente a factura comercial, o título de transporte, a apólice de seguro e ainda certificados de qualidade ou de origem da mercadoria.
[6] Autor e obra citada, página 18.
[7] Autor e obra citada, páginas 18 a 20.
Vide também Carlos Costa Pina, Créditos Documentários, páginas 55 a 81.
[8] Modalidade de crédito documentário em que o banco emitente, ao emitir o crédito, assume perante o beneficiário a obrigação de o realizar contra a apresentação, por este último, dos documentos previstos, respeitadas as condições em que o crédito documentário é aberto.
[9] Crédito Documentário Irrevogável, página 306.