Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1762/18.4T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
COOPERATIVA
PROCESSO DISCIPLINAR
EXCLUSÃO DE SÓCIO
DIREITO DE AUDIÇÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 10/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A exclusão de cooperador não pode ser aplicada sem precedência de processo escrito, donde constem a indicação das infracções, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção.

II - A proposta de exclusão, a formular naquele processo, deve ser fundamentada e notificada, por escrito, ao arguido com uma antecedência de, pelo menos, sete dias em relação à assembleia geral que sobre ela deliberará.

III - A exigência do processo escrito, estruturalmente organizado e sistematizado, decorre do regime estabelecido nos arts. 25.º e 26.º do Ccoop e visa assegurar ao cooperador, arguido no processo disciplinar, não só as necessárias garantias de defesa contra propostas de exclusão infundamentadas, como ainda garantir-lhe a efectivação do direito de impugnar judicialmente a sanção, depois de deliberada pela assembleia geral.

IV - Peças avulsas não constituem processo escrito, para efeitos disciplinares, e constitui omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade a falta de audiência do arguido e a não inquirição de testemunhas no processo disciplinar, mesmo que aquele tenha prestado declarações na assembleia geral e estas se tenham recusado a depor nessa assembleia.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 1762/18.4T8LRA.C1.S1[1]


*

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:

I. Relatório

AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Supercoop – Cooperativa de Solidariedade Social, CRL, ambos melhor identificados nos autos, pedindo que seja declarada nula ou anulada a deliberação tomada na assembleia geral da ré (em 13/04/2018) que o excluiu como seu cooperador.

Para tanto, alegou, em resumo, que tal deliberação é nula ou, se assim não se entender, anulável:

- por falta ou irregularidade da convocatória, dado não ter sido enviada a todos os cooperadores;

- por ser nula ou anulável a eleição da secretária da mesa da assembleia geral, dado não constar da ordem de trabalhos a sua eleição e por a votação ter sido feita com braço no ar, quer porque a mesma faz parte do conselho fiscal;

- por nela ter participado o advogado da ré (o que não é permitido pelo Código Cooperativo);

- por a proposta de exclusão do autor de cooperador não ter sido precedida de processo escrito, visto não ter sido notificado da existência do mesmo, das infrações que lhe eram imputadas e da sua qualificação, bem como para apresentar ou requerer a sua defesa;

- por omissão da realização de diligências instrutórias essenciais para descoberta da verdade, tais como a inquirição das testemunhas por si arroladas.

Por fim, impugnou, ainda, os factos alegados na proposta de exclusão, por não corresponderem à verdade, considerando não terem ocorrido esses factos em que se veio a fundamentar a sua exclusão como cooperador da ré.

A ré contestou, por impugnação motivada, rebatendo cada um dos fundamentos alegados, concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

Na audiência prévia realizada, foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações.


Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a acção improcedente e absolver a ré do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 3/3/2020, na procedência da apelação, revogou a sentença recorrida, “decidindo-se anular a deliberação, tomada pela assembleia geral extraordinária realizada em 13/04/2018, que excluiu o autor/apelante como cooperador da ré.”

           

Não conformada, desta feita, a ré interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação com as seguintes extensas[3] conclusões:

“1.º

Reportam-se as presentes Alegações ao Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, no processo à margem identificado, julgou procedente o Recurso interposto, revogando por essa via, a decisão proferida em primeira instância.

2.º

Assim, cuida o presente Recurso, em Matéria de Direito, da alteração da decisão plasmada no Acórdão recorrido que, fazendo uma errónea aplicação da Lei e dos Princípios Normativos que a enformam, julgou inexistir um processo escrito para efeitos do art. 25.º do CCoop.

3.º

O Acórdão fundamenta a sua decisão numa divergência interpretativa do n.º 2 do art. 25.º do Código Cooperativo (CCoop), estatuindo que, e cita-se, “Esse processo escrito deve traduzir-se em algo estruturalmente organizado e sistematizado, corporizado num conjunto de peças escritas, numa lógica sequencial e temporal, onde se evidencie toda uma série de dados / elementos (incluindo as provas, designadamente documentais ou testemunhais) que servem de base e/ou exprimam a averiguação de determinado comportamento para efeitos disciplinares.”

4.º

Acrescenta, numa interpretação claramente excessiva no que à letra da lei diz respeito, que a falta desse prévio processo escrito entendido nessa aceção, distinguindo ainda o regime da nulidade, que seria eventualmente determinada pelo conteúdo da deliberação em si mesma, da anulabilidade, determinada pela falta formal daquilo que o próprio aresto define como processo escrito.

5.º

No entanto, nada disto tem correspondência na Lei.

6.º

O Acórdão em crise remete para um outro proferido no procedimento cautelar apenso, e onde alegadamente se "densificou" ou "concretizou" o conceito de processo escrito, estendendo a interpretação legal, e levando a crer que em algum lado se fala de processo como algo sistematizado e ordenado, e não como um conjunto de procedimentos que asseguram os direitos dos intervenientes, e em especial dos aí arguidos.

7.º

Ou seja, simplifica o conceito de processo como um conjunto de “papéis” ou de “escritos”, esquecendo-se, que a própria definição de processo nos leva à ideia de “método, sistema, modo de fazer uma coisa”.

8.º

O Tribunal a quo erra na sua apreciação, e acima de ultrapassa o conceito legal, ao julgar a necessidade da sistematização, pelo que erra no Julgamento da Matéria de Direito.

9.º

Isto apesar de a espaços introduzir a ideia da relevância decisiva das garantias de defesa dos interessados, referindo que o seu entendimento é o que vai ao encontro desses interesses essenciais.

10.º

Ou seja: apesar do interesse ser o da defesa das garantias, acaba apenas e só por considerar que a inexistência de um processo nos termos que ele próprio define é uma violação de garantias.

11.º

No entanto, não aponta ou sequer aflora a violação de alguma garantia.

12.º

O que se confirma pela análise da matéria de facto definitivamente assente, pelo que a afirmação avulsa constante no Acórdão da suposta impossibilidade de consultar provas mais não é do que uma conclusão sem nenhum suporte fático,

13.º

Até porque já toda a matéria era do perfeito conhecimento do recorrente, por ter sido utilizada na sua suspensão de funções, e era do interesse deles próprios não serem, uma vez mais, confrontados com as provas das graves atitudes que cometeram.

14.º

Trata-se no entanto de um problema que poderia ter sido levantado pelo Acórdão em crise, ordenando essa clarificação, mas que optou por não o fazer, dando-se como contente com a matéria de facto provada.

15.º

Ora a construção teleológica do Douto Acórdão é invertida na sua ordem natural: primeiro, define aquilo que, para ele, é um processo escrito, e depois anula a decisão, não porque a deliberação em si seja errada ou esteja em crise, mas sim porque não cabe na definição que ele próprio efetuou.

16.º

Concluindo, quando diz escolher uma de duas correntes interpretativas expostas em arestos do mesmo tribunal, ao referir, e cita-se, que a “(…) proposta de exclusão de cooperador da ré (…) é apenas dada a conhecer ao ora autor na mesma missiva que lhe foi enviada pela presidente da assembleia geral, com a convocatória da assembleia geral, a realizar cerca de 15 dias depois, cujo objeto da ordem de trabalhos era precisamente a sua exclusão de cooperador da ré (…) informando, além do mais, que poderia apresentar a sua defesa por escrito até ao dia útil anterior a essa assembleia, devendo os seus elementos de defesa probatórios serem apreciados nessa assembleia.”

17.º

No entanto, a ideia passada é desmentida pela matéria de facto que a suporta.

18.º

O que podemos retirar desta afirmação é que existe uma preocupação do Douto Tribunal, e bem, na defesa dos direitos do recorrente, e se se encontravam ou não assegurados, ao invés da preocupação formal sobre se as folhas de um caderno estão assinadas, numeradas e rubricadas.

19.º

Só que nesta parte nenhuma dúvida existe, tendo em conta a matéria de facto definitivamente assente que retrata que foi dada hipótese ao recorrente de apresentar a sua versão dos factos e a sua prova (cfr pontos 8.º, 9.º e 10.º da matéria transcrita), e que face à existência, de facto, de uma defesa apresentada e de meios de prova a necessitarem de ser produzidos, nomeadamente audição de testemunhas, a requerimento do recorrente, a assembleia foi suspensa para dar hipótese para tais direitos serem assegurados (cfr. ata transcrita no ponto 12.º da matéria transcrita) tendo continuado quase um mês depois (cfr pontos 13.º e 14.º da matéria transcrita).

20.º

Mas o que de facto relevou para a decisão em causa foi a sistematização e organização e papéis. E por isso se pergunta: porquê esta preocupação? Porque fala o acórdão em crise nas garantias de defesa, se não concretiza NUNCA qualquer falta delas?

21.º

Fosse esta uma argumentação sólida e lógica, bastaria pura e simplesmente referir que a falta de corporização dos elementos num dossier ou caderno eram suficientes para inquinar a decisão.

22.º

No entanto, o que a Lei pretendeu foi assegurar as garantias de defesa, referindo que deveriam existir a indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação de sanção, sancionando a falta de qualquer destes requisitos com uma nulidade insuprível.

23.º

Mas todos estes requisitos estão cumpridos.

24.º

Isso mesmo foi já defendido no acórdão proferido no mesmo Tribunal no processo 1761/18.4-A, onde se refere que esta “sistematização” e organização sequencial e lógica ultrapassam o conceito que a Lei define ao exigir o referido processo escrito, que mais não é do que assegurar, perante a gravidade da sanção, que todos os direitos de defesa são assegurados ao recorrido.

25.º

Daí que, no nosso entender, e face também à divergência jurisprudencial existente, seja determinante, pela sua relevância jurídica, definir qual o conceito do processo escrito existente no artigo 25.º do CCoop com vista à melhor aplicação do Direito.

26.º

O recorrido e a sua esposa foram excluídos como cooperadores da recorrente por Assembleia Geral finalizada em 13.04.2018, da qual recorreram nos termos legais, através da propositura de procedimentos cautelares para suspensão de deliberações sociais, e que deram origem, após algumas vicissitudes, aos processos 1761/18.6T8LRA-A (referente a Elsa Cristina Leitão), que correu termos no 2.º Juízo da Secção Central Cível do Tribunal de Leiria, e 1762/18.4T8LRA-A (referente ao aqui recorrente), que correu termos no 1.º Juízo do mesmo Tribunal.

27.º

Na decisão proferida em primeira instância neste processo 1762/18.4, à imagem, aliás, do que se diz na decisão de primeira instância deste mesmo processo, refere-se:

Os factos provados, a este mister, dão conta de que existem, reduzidas a escrito, as seguintes peças:

- carta enviada ao requerente, dando conta da remessa, em anexo, da convocatória para uma assembleia geral extraordinária a realizar no dia 18/03/2018, e da proposta de exclusão como cooperador a apreciar nessa assembleia, e informando-o, além do mais, de que poderia apresentar a sua defesa por escrito e que lhe seria concedido, no início da discussão do ponto da ordem de trabalhos que lhe dizia respeito, um período para apresentar em sua defesa os elementos que tivesse por conveniente, bem como lhe seria dada a oportunidade de proceder à última intervenção anterior à votação;

- proposta de exclusão;

- convocatória da assembleia;

- respetivas atas;

- defesa escrita apresentada pelo requerente.

28.º

No processo 1761/18.6T8LRA-A, condensa-se de forma clara a opinião da recorrente, quando se refere que "A lei não define o que deve entender-se por “processo escrito” e tão pouco estabelece os formalismos e procedimentos a que tal processo deve obedecer, mas, olhando ao disposto no nº 3 do citado artigo 25º, parece que o que se pretende é que os elementos aí mencionados (indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção) sejam reduzidos a escrito antes de aplicada a sanção."

29.º

Sendo decisiva a pretensão de garantir o efetivo direito de defesa do recorrido e garantir a existência de elementos escritos que permitam o controlo judicial da aplicação da sanção por via da interposição de recurso nos termos previstos no artigo 26º, nº 5, do Código Cooperativo.

30.º

Tudo isso existiu no presente caso.

31.º

Como paralelo, se olharmos para o processo disciplinar que se encontra previsto no Código do Trabalho (com vista ao despedimento do trabalhador por justa causa), também constatamos que os atos e formalidades aí previstos correspondem, no essencial, aos que aqui foram praticados.

32.º

Nos termos do artigo 353º do aludido diploma, o empregador, depois de proceder a inquérito se tal for necessário, começa por comunicar ao trabalhador a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados (foi exatamente isso que aqui aconteceu mediante o envio à Apelante da proposta de exclusão que continha também a descrição pormenorizada dos factos imputados e continha a indicação dos documentos em que se baseava essa imputação e que já eram do conhecimento da Apelante).

33.º

Nos termos do artigo 355º do mesmo diploma, o trabalhador dispõe de dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade (foi também isso que aqui aconteceu; a Apelante foi informada de que poderia apresentar a sua defesa por escrito, tendo apresentado, efetivamente, tal defesa e requerido diligências probatórias sem que haja notícia de que tivesse pedido para consultar o processo – composto pela proposta de exclusão e documentos em que se apoiava – sendo certo que já conheceria esses elementos)

34.º

Nos termos do artigo 356º do Código do Trabalho, o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito (no caso, as diligências probatórias requeridas pela Apelante foram admitidas, tendo sido decidido que a inquirição das testemunhas seria efetuada perante a Assembleia – possibilidade que não é vedada pela lei – e apenas não se procedeu a tal inquirição porque a tal se opuseram as testemunhas e a Apelante).

35.º

E por fim, nos termos do artigo 357º do Código do Trabalho, o empregador, após receção dos eventuais pareceres da comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, da associação sindical respetiva (ato que, no caso em análise, não tem lugar) e sem necessidade de qualquer outra comunicação ao trabalhador, profere a decisão de despedimento.

36.º

Assim, existe de facto processo escrito, para cumprimento do art. 25.º do CCoop.

37.º

O ponto de contacto das decisões é evidente: as garantias de defesa estão asseguradas, e todas as peças escritas estão elaboradas e são do conhecimento do recorrido.

38.º

Logo, é indiferente a propalada “sistematização”.

39.º

A lei não define o que deve entender-se por “processo escrito” e tão pouco estabelece os formalismos e procedimentos a que tal processo deve obedecer.

40.º

Salientando-se não existir qualquer alteração na matéria de facto apurada em primeira instância, e que em nenhuma altura é colocado em crise pelo Douto Acórdão no que aos factos diz respeito.

41.º

Para além dos requisitos constantes da norma legal referida, e onde se encontra a necessidade de requisitos sem os quais sem dúvida existirá nulidade do processo: (i) a indicação das infrações, (ii) a sua qualificação, (iii) a prova produzida, (iv) a defesa do arguido e (v) a proposta de aplicação da sanção, exige-se agora a referida sistematização.

42.º

O Acórdão limita-se, assim, a confirmar que todos os elementos essenciais do processo existem (matéria de facto assim pacificamente comprovada) mas entende que, por não estarem compiladas num volume, por exemplo, não poderão ser um verdadeiro processo.

43.º

Mas não define sequer quais os requisitos formais de tal processo. Tem de ter capa e índice? Têm de constar num volume rubricado ou numerado? Tudo fica por esclarecer.

44.º

Reconhece-se que mais fácil será a apreciação dos elementos recolhidos estando compilados num processo de natureza formal, mas aqui não se trata da facilidade: trata-se de retirar a conclusão segundo a qual mesmo existindo todos os elementos necessários ao processo escrito, e cumpridos os requisitos legais, determinar a sua anulação por indicação de um requisito formal não escrito.

45.º

É assim excessiva e desprovida de qualquer base legal a interpretação seguida pela decisão em crise, e em especial a conclusão segundo a qual não basta a existência dos elementos constantes do artigo 25.º do CCoop., que eram do perfeito conhecimento do requerido,

46.º

Acrescentando-se que “por processo escrito deve entender-se um conjunto de peças escritas, sequencial e logicamente organizadas, de modo a poderem ser consultadas, evidenciando um conjunto de dados adquiridos (incluindo as provas) que servem de base a uma averiguação de determinados factos”.

47.º

Salientando-se ainda que os elementos mencionados foram reduzidos a escrito antes da aplicação da sanção.

48.º

A proposta de exclusão está reduzida a escrito e está fundamentada, apoiada em documentos ali identificados, bem como os atos concretos que lhe são imputados.

49.º

Estão ali identificadas as infrações que lhe são imputadas e está identificada a prova (documental) que já eram do seu conhecimento;

50.º

O recorrido apresentou por escrito a sua defesa e a prova testemunhal que indicou não chegou a ser produzida porque as testemunhas não se disponibilizaram para tal mas também seria reduzida a escrito mediante a elaboração dos respetivos autos.

51.º

As aludidas peças e documentos escritos (a proposta de exclusão, os documentos em que ela se apoia, a defesa apresentada pelo recorrido e as atas da Assembleia onde se dá conta das diligências efetuadas no que toca à prova que por esta foi apresentada) formam, no seu conjunto, um processo escrito que antecedeu a deliberação tomada.

52.º

Ora parece ser indiscutível que as infrações imputadas estavam suficientemente individualizadas e concretizadas, e que o recorrido foi ouvido e apresentou a sua defesa.

53.º

Nada permite afirmar, nem foi alegado, que tenham sido omitidas diligências essenciais para a descoberta da verdade.

54.º

O recorrido teve efetiva oportunidade de se defender e produzir prova num processo escrito, sendo certo que apresentou a sua defesa, requereu a prova que entendeu e teve a oportunidade de inquirir as testemunhas que indicou e ainda que não lhe tenha sido notificada qualquer proposta de exclusão após a apresentação da sua defesa, tal proposta já lhe havia sido enviada em momento anterior e com a antecedência legalmente exigida.

55.º

Estiveram assim reunidos todos os elementos do referido processo escrito, e todos foram do conhecimento cabal do recorrido, pelo que não se poderá colocar em crise a sua existência com base apenas e só numa mera constatação desprovida de suporte legal da inexistência de compilação sistemática para permitir uma consulta que nem sequer é dada como pedida, razão pela qual vai mal a decisão recorrida quando determina a anulação da deliberação, violando assim o art. 25.º do CCoop.

56.º

A decisão recorrida viola assim o art. 25.º do CCoop.

57.º

Pelo que deverá ser revogada, e substituída por outra que absolva a recorrente do pedido, e confirme a deliberação validamente tomada de exclusão do recorrido como cooperador, seguindo o processo os seus legais trâmites,

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, atento o supra exposto e os fundamentos do presente recurso, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, consequentemente, com os fundamentos que deverão ser expostos e clarificados, ser a decisão proferida revogada e substituída por outra, que determine a confirmação da decisão de primeira instância e a exclusão do recorrido como cooperador, prosseguindo os autos em conformidade.

com o que farão V. Excias. a costumada

Justiça.”

O autor não contra-alegou.

O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
            Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se existiu processo  escrito prévio à exclusão do autor como cooperador da ré.

II. Fundamentação

1. De facto

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1.º A ré é uma cooperativa constituída por escritura pública outorgada em 3 de julho de 1978, na Secretaria Notarial de Leiria – cfr. escritura de fls. 28 a 39-verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

2.º A ré rege-se pelos estatutos que fazem fls. 40 a 45-verso, com as alterações aprovadas por deliberação da assembleia geral extraordinária realizada em 9 de abril de 2017 – cfr. ata de fls. 46-verso a 48, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3.º Atualmente, a ré tem o seguinte objeto social:

«a) a prossecução, sem fins lucrativos, de objetivos de solidariedade social e de ensino nomeadamente ligados ao apoio a crianças, jovens e respetivas famílias, através da manutenção de um estabelecimento destinado a ministrar o ensino compreendido no sistema educativo e estruturas socioeducativas em áreas como a educação, aprendizagem e formação, ação social e intervenção comunitária;

b) apoio a grupos vulneráveis em especial crianças e jovens, pessoas com deficiências e idosos;

c) apoio a famílias e comunidades socialmente desfavorecidas com vista a melhoria da sua qualidade de vida e inserção socioeconómica;

d) apoio direcionado para grupos alvo, designadamente em situações de doença, velhice, deficiência e carências económicas graves;

e) promoção de acesso à educação, formação e integração profissional de grupos socialmente desfavorecidos;

f) apoio domiciliário, em especial a idosos e pessoas com deficiência;

g) desenvolver outras ações que apresentem uma identidade de objetos, e nos limites do código cooperativo, para prestar serviços a terceiros» – cfr. certidão permanente de fls. 48-verso a 51-verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4.º O seu capital social é de 5.000,00€, integralmente realizado em dinheiro, constituído por títulos de capital, nominativos, no valor unitário de 25,00€ cada um, devendo cada cooperador subscrever pelo menos 3 títulos – cfr. estatutos de fls. 40 a 45-verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5.º O autor é cooperador da ré, detendo 75,00€ do capital social desta – cfr. título de capital cooperativo de fls. 52, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6.º Por carta datada de 1 de março de 2018, a presidente da mesa da assembleia geral da ré transmitiu ao autor o seguinte:

«Em anexo remeto a V. Excia. convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária a realizar no próximo dia 18 de março de 2018, pelas 18.00 horas, na sede da cooperativa, e para a qual peço a sua melhor atenção.

Remeto também a proposta de exclusão como cooperador que me foi apresentada pelo Conselho de Administração e que será objeto de análise e decisão na Assembleia.

Tendo em conta as disposições estatutárias e legais, informo-o que poderá apresentar a sua defesa por escrito, deduzindo os elementos que considere relevantes para o cabal esclarecimento dos factos relatados na proposta e da sua participação nos mesmos, que deverá ser recebida na instituição até ao dia anterior à Assembleia Geral, inclusive. Realço também que lhe será concedido, no início da discussão do ponto da ordem de trabalhos que lhe diz respeito, um período de dimensão a definir mas que seja suficiente para apresentar em sua defesa os elementos que tiver por conveniente, bem como lhe será dada a oportunidade de proceder à última intervenção anterior à votação. (…)» – cfr. missiva de fls. 52-verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7.º Com a referida carta, a presidente da mesa da assembleia geral da ré remeteu ao autor a seguinte convocatória, por si subscrita, igualmente datada de 1 de março de 2018:

«Nos termos dos artigos 24.º e 25.º dos Estatutos da Supercoop – Cooperativa de Solidariedade Social CRL, convocam-se todos os cooperadores para a Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 18 de março de 2018, pelas 18.00 horas, na sede social da instituição sita na Rua …, nº …., em …, com a seguinte ordem de trabalhos:

1 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa da cooperadora BB;

2 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa do cooperador AA.

Se à hora designada não estiverem presentes ou representados a maioria dos cooperadores será a mesma realizada meia hora depois, ou seja, pelas 18:30 horas, com a mesma ordem de trabalhos, a qual poderá deliberar com qualquer número de cooperadores presentes.» - cfr. convocatória de fls. 53, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8.º A mencionada carta vinha ainda acompanhada de uma “proposta de exclusão” do autor de cooperador da ré, datada de 28 de fevereiro de 2018, terminando essa proposta nos seguintes termos:

«Termos em que se promove a exclusão como cooperador por aplicação das disposições estatutárias e violação grave e reiterada dos deveres cooperativos, podendo, caso entenda, apresentar a sua defesa nos termos a definir pela Mesa da Assembleia Geral» – cfr. proposta de exclusão de fls. 53-verso a 55, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9.º Perante a carta e a “proposta de exclusão” referidas, o autor enviou à ré, por correio eletrónico e por carta registada com aviso de receção, a defesa que faz fls. 55-verso a 57, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10.º Tendo essa carta registada com aviso de receção sido recebida pela ré no dia 16 de março de 2018 – cfr. aviso de receção de fls. 58, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11.º No dia 18 de março de 2018 realizou-se a referida assembleia geral extraordinária da ré – cfr. ata de fls. 58-verso a 60, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12.º Dessa assembleia foi lavrada e assinada pela presidente da mesa da assembleia geral e pela secretária a seguinte ata:

«Ata número vinte / dois mil e dezoito

----No dia dezoito de março de dois mil e dezoito, pelas dezoito horas, reuniu na sua sede social sita na Rua …, número cem, Urbanização …, …, em, …, a Assembleia Geral Extraordinária da Supercoop - Cooperativa de Solidariedade Social, CRL, com a seguinte Ordem de trabalhos:----

----1- Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa da cooperadora BB:----

2- Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa do cooperador AA.----

----A Assembleia foi regularmente convocada, nos termos das disposições estatutárias aplicáveis, tendo sido expedidas cartas registadas ou entregue em mão por protocolo a convocatória aos onze cooperadores efetivos, e sido afixada copia no local usual da sede.---

----À hora de início encontravam-se presentes apenas os cooperadores CC, DD, BB e AA. Uma vez que não se encontrava ainda presente metade dos cooperadores, não estando cumprida a exigência do n.º 7 do artigo 24.º dos estatutos e de acordo com a convocatória e com as normas legais e estatutárias aplicáveis, a Presidente da Mesa informou que iria adiar o início da reunião para as dezoito horas e trinta minutos, hora em que a mesma se realizaria com qualquer número de presentes.----

----Às dezoito horas e trinta minutos encontravam-se presentes todos os cooperadores, nomeadamente CC, EE, FF, GG, DD, HH, II, JJ, KK, BB e AA, assumindo a presidência da Mesa a respetiva Presidente, CC.-----

----Esta começou por esclarecer que a lista dos cooperadores continua a ser a mesma que foi utilizada nas assembleias anteriores, existindo neste momento onze cooperadores efetivos e com o capital integralmente subscrito, e que quaisquer outras pessoas teriam já perdido a qualidade de membros efetivos por não exercerem já funções na cooperativa, de acordo com o que refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º dos estatutos.-----

----A presidente, de seguida, advertiu os presentes que iria tentar ser rigorosa na condução dos trabalhos, e que não iria permitir intervenções de quem não estivesse no uso da palavra por ela concedida. As intervenções deveriam cingir-se ao assunto a debater, para não prolongar a duração da reunião indefinidamente. Disse ainda que a reunião seria gravada-------

----Para iniciar de facto os trabalhos, a presidente referiu não estar indicado qualquer secretário, pelo que sugeriu e colocou à consideração dos presentes ser secretariada pela cooperadora DD, que se encarregaria da elaboração da ata e de outros aspetos burocráticos que fossem surgindo.------

----Colocou tal proposta de imediato, que foi aprovada por oito votos a favor e dois contra, pelo que a cooperadora DD assumiu o secretariado da reunião.-----

----Dando início aos trabalhos, questionou os presentes sobre se alguém teria algum requerimento inicial.----

----Nesta altura, a cooperadora BB dirigiu à mesa um requerimento, onde em súmula dizia não autorizar qualquer gravação, e um outro onde requeria a elaboração imediata da ata após o termo da assembleia por todos os cooperadores.-----

----De igual forma o cooperador AA entregou também um requerimento dizendo também não autorizar qualquer gravação----

----Os três requerimentos ficarão arquivados na pasta anexa a este livro de atas.---

----Em resposta ao requerido, a Presidente referiu que a ata será entregue nos prazos legais, caso seja requerida, e a gravação seria utilizada para elaborar a ata, sendo destruída no final.-----

----Leu a ordem de trabalhos e procedeu a algumas considerações prévias, dando conta dos motivos que levaram à realização da Assembleia. Disse então que a Assembleia se realiza no culminar de um processo desencadeado pelo Conselho de Administração, que determinou a exclusão dos cooperadores BB e AA essencialmente por não fazerem já parte dos quadros de pessoal da cooperativa, tal como sempre foi comum na cooperativa e se encontrava determinado nos estatutos, nunca tendo esta forma de agir sido questionada, inclusivamente pelos cooperadores que agora são objeto de tal decisão. No entanto, após terem sido notificados da exclusão, ambos reclamaram e recorreram, tendo decidido a Mesa da Assembleia que pelo menos lhes deveria ser dado direito de se pronunciarem sobre os motivos da exclusão, pelo que sugeriu ao Conselho de Administração que refizesse o processo, que deveria passar sempre pela audição prévia, o que recebeu concordância. O Conselho de Administração refez então o processo, que culminou na proposta de exclusão que agora se aprecia, e cujo contraditório se concede. Assim, os cooperadores foram notificados de que poderiam apresentar a sua defesa por escrito até ao dia útil anterior a esta reunião, o que de facto fizeram, apresentando requerimentos separados cuja cópia distribuiu aos presentes. Disse também que para além dos factos e considerações que referem na resposta, ambos requerem a produção de diligências de prova, em especial a audição de testemunhas. Informou então os presentes que iria admitir a audição de testemunhas numa sessão da Assembleia, que poderiam ser inquiridas pelos próprios e, caso a isso se disponibilizem, pelos restantes cooperadores, sempre com os limites dos factos que os próprios indicam, e que iria proceder ao pedido de elementos às entidades referidas pela cooperadora BB na sua resposta, nomeadamente à entidade bancária sobre o limite do cartão de débito da Supercoop e ao "El Corte Inglês" sobre as condições de aceitação de cheques, comprometendo-se a dar conta do resultado dessa diligencia assim que lhe chegasse resposta. Informou depois os presentes que dadas as diligências a efetuar, iria a assembleia proceder à audição dos visados, conforme previsto, e após esses atos iria suspender a assembleia, determinando desde logo a continuação para o dia treze de abril, pelas vinte horas, para conclusão da discussão dos pontos da convocatória. Referiu também que as testemunhas a inquirir deverão ser apresentadas pelos interessados no dia e hora designados, e que para não prolongar indefinidamente a Assembleia, não iria existir nova suspensão caso os elementos que se comprometeu pedir não lhe chegassem até essa data, pelo que se tal sucedesse, deveria a convicção de cada um ser formada de acordo com os meios disponíveis até então.----

----Após estas considerações, a Presidente CC entrou na análise do ponto um da convocatória, dizendo que iria conceder a palavra à cooperadora BB para dizer o que tiver por conveniente, limitando-se obviamente aos factos da proposta de exclusão, podendo desenvolver as razões de facto que apresentou na resposta escrita.------

----No uso da palavra, a cooperadora BB disse a sua defesa já tinha sido apresentada por escrito e agora irá fazer-se em tribunal, e que não compreendia porque havia de se defender se estava tudo suspenso, questionando ainda onde se encontrava escrito no Código Cooperativo que apenas poderia falar dez minutos.----

----Terminada a intervenção da cooperadora, a Presidente questionou sobre alguém pretendia usar da palavra, não tendo ninguém requerido qualquer esclarecimento.-----

----Não existindo inscrições, a Presidente da Mesa CC repetiu então que a apreciação deste ponto ficaria suspensa até ao próximo dia treze de abril, pelas vinte horas, no mesmo local.---

----De seguida, deu-se início ao ponto dois da ordem de trabalhos, tendo sido dada a palavra ao cooperador AA, de igual forma julgo não ser necessária a leitura da proposta e da resposta respetiva, pelo que irei conceder ao cooperador AA para dizer o que tivesse por conveniente, limitando-se obviamente aos factos da proposta de exclusão, podendo desenvolver as razões de facto que apresentou na resposta escrita.-------

----No uso da palavra, o cooperador AA disse que iria falar na próxima assembleia, e que não compreendia porque estava limitado em dez minutos.----

-----Terminada a intervenção do cooperador, a Presidente questionou sobre alguém pretendia usar da palavra, não tendo ninguém requerido qualquer esclarecimento.----

----Não existindo inscrições, a Presidente da Mesa CC repetiu então que também a apreciação deste ponto ficaria suspensa até ao próximo dia treze de abril, pelas vinte horas, no mesmo local. ----

----Esgotando-se assim a agenda desta reunião e tendo em conta a continuação da Assembleia na data designada, dia treze de abril, pelas vinte horas, na sede da instituição, e nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão, cerca das dezoito horas e cinquenta minutos, e dela se lavrou a presente ata, que vai ser assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pela Secretária que a elaborou.» - cfr. mesmo documento.

13.º E no dia 13 de abril de 2018 teve lugar a continuação da assembleia geral extraordinária da ré – cfr. ata de fls. 60-verso a 63-verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14.º Tendo dessa sessão sido lavrada a seguinte ata:

«Ata número vinte e um / dois mil e dezoito

----No dia treze de abril de dois mil e dezoito, pelas vinte horas, reuniu na sua sede social sita na Rua …, número cem, Urbanização …, lote …, …, em, …, a Assembleia Geral Extraordinária da Supercnop - Cooperativa de Solidariedade Social, CRL, com a seguinte Ordem de Trabalhos:------

----1 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa da cooperadora BB;-----

----2 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa do cooperador AA. ----

----A presente sessão é a continuação da Assembleia iniciada em dezoito de março de dois mil e dezoito, tendo na altura todos os presentes sido informados da necessidade desta continuação, bem como da respetiva data, hora e local.------

----À hora designada encontravam-se presentes os todos os cooperadores efetivos da cooperativa, nomeadamente os cooperadores CC, EE, FF, GG, DD, HH, II, JJ, KK, BB e AA, tendo sido dado início à continuação da Assembleia, assumindo a presidência da Mesa a respetiva Presidente, CC, e o secretariado a secretária DD. ------

----Encontravam-se também presentes, tendo pedido para assistir à Assembleia, os senhores LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV, XX e ZZ. A Presidente da Mesa informou que não poderiam ter qualquer intervenção nem participar em qualquer votação, com o que todos concordaram, pelo que autorizou a presença, nos termos do artigo 379.º n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais. ------

----Assim que a Presidente da Mesa abriu os trabalhos, os cooperadores AA e BB entregaram na mesa duas informações escritas onde davam conta da presença das testemunhas que tinham indicado para serem inquiridas no âmbito dos respetivos processos de exclusão, e onde se contavam eles próprios, mas que se tinham recusado a tal quando souberam que iriam ser inquiridas na assembleia.-----

----De seguida, a Presidente da Mesa esclareceu a todos que a seu pedido se encontrava também presente o jurista da instituição, Dr. AAA, advogado, para eventualmente a auxiliar no decurso dos trabalhos, não tendo também ele direito a intervir sem ser a seu pedido, nem a participar nas votações. ------

----Após isso, o cooperador AA entregou um requerimento onde se opunha à presença do jurista convidado, alegando que prejudicava a sua defesa e que se soubesse também tinha trazido um advogado. A cooperadora BB apresentou requerimento idêntico com os mesmos motivos. A Presidente da Mesa esclareceu que não só autorizava como a presença tinha sido por sua solicitação, o que fez nos termos do artigo 379.º n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por remissão do artigo 9.º do Código Cooperativo, e questionou se a assembleia se opunha à presença, tendo recebido nove votos no sentido de confirmar a sua autorização e dois contra, pelo que ambos os requerimentos foram indeferidos.

----De seguida, a Presidente da Mesa referiu que iria iniciar os trabalhos com a aprovação da ata da sessão anterior, conforme tinha referido nessa mesma sessão, tendo a secretária procedido à sua leitura. Recebeu duas sugestões de retificação por parte da cooperadora BB, uma dizendo que existiam mais requerimentos apresentados na sessão anterior, e outra referindo que não tinha ficado claro que as testemunhas a apresentar tivessem que ser apresentadas na Assembleia pelos interessados, e que nela seriam ouvidas. A Presidente da Mesa referiu desde logo que de facto tinham existido quatro documentos apresentados no decorrer da sessão. Destes, dois foram apresentados pelo cooperador AA, sendo um a requerer a não gravação da sessão, e outro a requerer que a elaboração da ata fosse efetuada na sala. Tais documentos tiveram a resposta que consta já da ata respetiva, e que nenhuma oposição existiu. Por seu lado, a cooperadora BB apresentou também dois documentos, um requerendo também a elaboração da ata na assembleia, cuja resposta foi dada e consta da ata respetiva, e um outro onde se solicitava à Presidente que não se ausentasse da assembleia, o que na realidade nenhuma resposta tinha por não se tratar de matéria decisória e ser meramente dilatório, pelo que não tinha ficado mencionado na ata. Referiu ainda que o problema levantado acerca da elaboração da ata ficou resolvido e esclarecido com a entrega de novo requerimento pelo cooperador AA, já após o encerramento dos trabalhos, para a recolha de cópia da ata em momento posterior, de acordo aliás com o procedimento habitual noutras assembleias da, instituição.-------

----Quanto à segunda sugestão, a Presidente da Mesa referiu que tinha a certeza de que as informações referidas pela cooperadora tinham sido bem explícitas e nenhuma objeção tinha sido levantada ou teria sido colocada qualquer questão. No entanto, e para dissipar qualquer dúvida, colocou as sugestões de correção a votação, que foram rejeitadas por nove votos contra a retificação e dois a favor. De seguida colocou a ata número vinte / dois mil e dezoito a votação, tendo a mesma sido aprovada com nove votos a favor e dois contra. ------

----Nesta altura o cooperador AA pediu de novo uma breve interrupção para entregar um outro requerimento, onde novamente se opunha à presença do jurista convidado, e que este não poderia participar nem orientar os trabalhos, requerendo que ficasse em ata. A cooperadora BB apresentou requerimento idêntico com os mesmos motivos. O requerimento foi, de imediato indeferido no que toca à presença do jurista tendo em conta que tal tinha já ficado decidido anteriormente, mas foram informados que a presença do jurista iria naturalmente constar na ata, e que não iria orientar quaisquer trabalhos ou ter qualquer participação que não constasse expressamente em ata.----

----De seguida, a Presidente referiu aos presentes que por iniciativa dos cooperadores que são visados foi sugerida a audição de testemunhas e que foi também requerida a recolha de informações junto de duas entidades por parte da cooperadora BB, tendo acrescentado que a tinha informado por escrito das diligências que tomou, enviando cópia das cartas expedidas e respetivos números de registo postal, mas não tinha recebido qualquer resposta de qualquer uma das entidades. Acrescentou que pretendia passar à audição das testemunhas perante os cooperadores presentes, dizendo que desses depoimentos seriam lavrados os autos respetivos. As testemunhas seriam inquiridas pelos interessados em assembleia, conforme tinha já ficado decidido na sessão anterior. ------

----Nesta altura, e ainda como ponto prévio à audição de testemunhas, pediu a palavra o cooperador AA, repetindo que as testemunhas se encontravam presentes na instituição, mas esclareceu que não iria proceder a qualquer audição caso ela fosse feita na assembleia, por oposição dele próprio e das testemunhas, não tendo especificado qualquer outra condição. Para o mesmo efeito pediu a palavra, a cooperadora BB. A Presidente da Mesa esclareceu então que os termos da audição de testemunhas tinham ficado definidos na sessão anterior, que não tinha existido qualquer oposição, e que até se poderia equacionar que fosse efetuada apenas na presença dos cooperadores efetivos, mas estes teriam sempre que formar a sua opinião. A Presidente perguntou então de novo se pretendiam ouvir as estremunhas mesmo nessa condição, tendo ambos os interessados prescindido desse direito. A cooperadora BB pediu de novo a palavra, e no seu uso disse que não autorizava que se falasse com as testemunhas, que não estava previsto no Código Cooperativo que se pudessem ouvir testemunhas, e que ali ninguém percebia nada de cooperativas, acrescentando que ouvir as testemunhas que apresentou seria coartar os seus direitos de defesa.------

----Seguidamente, a Presidente da Mesa referiu que não existiam mais atos de prova ou instrução requeridos, tendo os interessados BB e AA confirmado tal facto, pelo que deu a palavra à cooperadora BB para alegar o que tivesse o conveniente antes de se proceder á votação. A cooperadora disse que não pretendia acrescentar mais nada.----

----Após isto, a Presidente da Mesa deu a palavra ao cooperador AA para o mesmo efeito, que no seu uso referiu que não percebia porque estava a ser excluído, que não tinha sido convocado para a assembleia das contas, que esta exclusão só estava a ser feita para que ele não participasse, e que não compreendia que estivesse a ser excluído por um processo disciplinar, que foi julgado improcedente, e que enquanto decorria o recurso foi despedido por dois motivos diferentes que são incompatíveis, nomeadamente por uma extinção do posto de trabalho. Disse também que ele e a cooperadora BB estavam a ser excluídos por não terem uma atividade profissional, mas o Sr. BBB, a D. NN e a D. ZZ não tiveram processo de exclusão, e como tal continuavam a ser cooperadores.------

----Seguidamente, e porque mais ninguém pretendia usar da palavra, a Presidente da Mesa disse que se iria passar às votações das propostas, informando que as mesmas seriam efetuadas através de voto pessoal e secreto, com o depósito dos respetivos boletins em urna fechada. Foram distribuídos dois boletins diferentes a cada um dos cooperadores, um para cada proposta de exclusão, com exceção dos cooperadores visados nas propostas, que não votaram na proposta da sua própria exclusão. --------

----Os cooperadores foram chamados uninominalmente para depósito dos votos, o que fizeram, com a exceção da cooperadora BB, que forçou o depósito do seu voto em ordem diferente à que tinha sido estabelecida e estava a ser seguida pela Mesa, tendo após esse facto dito para a Secretária DD a expressão “Tu não mandas, não é como tu queras, é como eu quero."----

----Após o termo das votações, a urna foi aberta na presença de todos, e procedeu-se à separação de votos e contagem dos mesmos.-----

----Quanto ao resultado das deliberações, a primeira proposta, de exclusão da cooperadora BB, foi aprovada com nove votos a favor e um contra, pelo que esta deixou de fazer parte desta cooperativa com o termo da reunião.-----

----Também após a contagem dos votos, a segunda proposta, de exclusão do cooperador AA, foi aprovada com nove votos a favor e um contra, pelo que também ele deixou de fazer parte desta cooperativa com o termo da reunião.------

----De seguida, após ter informado os presentes dos resultados das votações, perguntou a Presidente da Mesa se algum dos presentes queria proceder a verificação dos votos, não tendo recebido qualquer resposta, pelo que prosseguiu referindo que deviam os cooperadores agora excluídos proceder à entrega dos títulos, e que, por indicação do Conselho de Administração, tinha já na sua posse para entrega a cada um dos visados dois cheques no montante de setenta e cinco euros cada, correspondente ao valor dos títulos, tendo estes recusado a recebe-los.----

(…)

----Uma vez que se encontrava esgotada a ordem de trabalhos, e nada mais havendo a tratar, foi encerrada, cerca das vinte horas e cinquenta e cinco minutos, e dela se lavrou a presente ata, aprovada nos termos descritos, e que vai ser assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pela Secretária que a elaborou. --------» - cfr. mesmo documento.

15.º A convocatória da assembleia geral extraordinária de 18-03-2018 apenas foi comunicada aos cooperadores CC, EE, FF, GG, DD, HH, BB, AA, II, KK e JJ.

16.º Sendo cada um destes cooperadores da ré titular de 75,00€ do capital social desta.

17.º BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, TT, LL, NN, OO, SS e ZZ são portadores de títulos de participação do capital social da ré, possuindo os correspondentes títulos nominativos.

18.º Nenhuma das pessoas referidas em 17.º foi formalmente declarada excluída de cooperadora da ré ou foi notificada de que havia perdido a qualidade de membro efetivo da ré.

19.º A ré nunca restituiu a qualquer dessas pessoas os valores dos respetivos títulos representativos do capital social.

20.º O autor pretende trabalhar para a ré, designadamente como professor.

21.º A presença do advogado da ré na sessão da assembleia geral extraordinária de 13-04-2018 influiu no funcionamento dessa sessão.

22.º Não foram ouvidas num processo escrito as testemunhas indicadas pelo autor na sua defesa.

23.º O autor apresentou as testemunhas na sessão da assembleia geral extraordinária de 13-04-2018.

24.º Tais testemunhas recusaram-se a ser inquiridas em plena assembleia, na presença dos cooperadores da ré, por considerarem que desse modo estariam nervosas e intranquilas.

25.º Tendo-se as duas últimas testemunhas ausentado do local.

26.º A direção da cooperativa apenas reconhece a existência de 11 cooperadores, que foram todos convocados e se encontravam presentes na assembleia.

27.º Tal é do conhecimento do autor.

28.º Durante anos sempre as convocatórias eram expedidas ou entregues por protocolo às mesmas pessoas, normalmente elaboradas pelo próprio autor.

29.º O autor participou em assembleias realizadas nestes termos, com as mesmas pessoas convocadas.

30.º Na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º dos estatutos de 2015 refere-se que perdem a qualidade de cooperadores aqueles que deixem de nela prestar serviço.

31.º O autor era casado com BB e eram ambos membros do conselho de administração da ré.

32.º Os detentores de títulos de capital da cooperativa aceitaram assistir à assembleia sem qualquer intervenção nem direito de voto.

33.º Na primeira sessão da assembleia, a presidente da mesa informou qual seria o método a utilizar quanto à inquirição das testemunhas, sem oposição.

34.º O autor sabia das condições em que seria inquiridas as testemunhas.


2. De direito

Como se referiu na questão acima enunciada, neste momento, está apenas em causa a invocada falta de processo escrito a preceder a deliberação da assembleia geral, de 13/4/2018, que excluiu o autor, ora recorrido, como cooperador da ré, que esta insiste ter existido, contrariamente ao decidido no acórdão, por esta via impugnado, agora em apreciação.

O actual Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31/8, com a alteração introduzida pela Lei n.º 66/2017, de 9/8 (com início de vigência em 19 de Agosto de 2017), aqui aplicável, dispõe no seu art.º 25.º, sob a epígrafe “Regime disciplinar”, que:

1 - Podem ser aplicadas aos cooperadores as seguintes sanções:

a) Repreensão;

b) Multa;

c) Suspensão temporária de direitos;

d) Perda de mandato;

e) Exclusão.

2 - A aplicação de qualquer sanção prevista no número anterior é sempre precedida de processo escrito.

3 - Devem constar do processo escrito a indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção.

4 - Não pode ser suprida a nulidade resultante de:

a) falta de audiência do arguido;

b) insuficiente individualização das infrações imputadas ao arguido;

c) falta de referência aos preceitos legais, estatutários ou regulamentares, violados;

d) omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.

5 - (…)

6 – A aplicação das sanções referidas nas alíneas d) e e) do n.º 1 compete à assembleia geral.

7- (…).

Por sua vez, estatui o art.º 26.º, do mesmo diploma, sob a epígrafe, “Exclusão”, que:

1 - A exclusão de um membro tem de ser fundada em violação grave e culposa prevista:

a) No presente código;

b) Na legislação complementar aplicável ao respetivo ramo do sector cooperativo;

c) Nos estatutos da cooperativa ou nos seus regulamentos internos.

2- Quando a causa de exclusão consista no atraso de pagamento de encargos, tal como estiver fixado nos estatutos, torna-se dispensável o processo previsto no n.º 2 do artigo anterior, sendo neste caso, obrigatório o aviso prévio, a enviar para o domicílio do faltoso, sob registo, com a indicação do período em que pode regularizar a sua situação.

3 - A proposta de exclusão é fundamentada e notificada por escrito ao arguido, com uma antecedência de, pelo menos, sete dias, em relação à data da assembleia geral que sobre ela delibera.

4- (...)

5- Da deliberação da assembleia geral que decida a exclusão cabe recurso para os tribunais.

6- (…)”.

Destas duas normas, no que respeita à sanção da exclusão, única que importa aqui considerar, resulta o seguinte regime:

A exclusão - que terá de assentar no fundamento aludido no n.º 1 do art.º 26.º (violação grave e culposa) - não pode ser aplicada sem precedência de processo escrito, do qual constem a indicação das infracções, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da medida de exclusão (cfr. art.º 25.º, n.ºs 2 e 3).

Este procedimento visa assegurar ao cooperador, arguido no respectivo processo, não só as necessárias garantias de defesa – de natureza substantiva e de índole processual - contra propostas de exclusão infundamentadas, como também garantir-lhe a efectivação do direito, conferido pelo n.º 5 daquele art.º 26.º, de impugnar judicialmente a sanção, quando deliberada pela assembleia geral.

E fá-lo de tal modo que comina, para a ocorrência de qualquer dos vícios enunciados no n.º 4 do supra transcrito art.º 25.º - seja a falta de audiência do arguido, a insuficiente individualização das infracções que lhe são imputadas, a falta de indicação dos preceitos legais, estatutários ou regulamentares violados ou a omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade – com nulidade do processo, sendo tal nulidade insuprível.

Com o mesmo objectivo de protecção e salvaguarda dos direitos do cooperador, arguido em processo tendente à sua exclusão, dispõe ainda o n.º 3 do art.º 26.º que a proposta de exclusão a exarar no processo será fundamentada e notificada por escrito ao arguido com uma antecedência de, pelo menos, sete dias, em relação à data da assembleia geral que sobre ela deliberará.

Daqui resulta, a nosso ver, de forma clara e inequívoca, que a sanção de expulsão é a mais grave, e que, tal como as restantes, deve ser sempre precedida de um processo escrito, onde deve constar a “indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção”.

A lei é clara ao impor a existência de um “processo escrito”, prévio à deliberação da assembleia geral que aplique a sanção de exclusão, devendo aquele conter a “indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção”.

A lei não define o conceito de “processo escrito”, para este efeito, mas não há dúvida que o impõe, como resulta do regime acima referenciado e também parece aceitar a própria recorrente.

A questão coloca-se, mais exactamente, na definição desse conceito.

Temos como correcta a definição adoptada no acórdão recorrido, que, por sua vez, adoptou a que havia sido utilizada pela mesma Relação (de Coimbra) no acórdão de 26/3/2019, processo n.º 1762/18.4T8LRA-A.C1 (relativo ao recurso interposto pelo autor, aqui recorrido, da decisão proferida nos autos de procedimento cautelar de suspensão da deliberação, aqui em causa, fundamentalmente com os mesmos fundamentos), disponível em www.dgsi.pt. Escreveu-se aí o seguinte:

Por processo escrito, neste âmbito, deve entender-se um conjunto de peças escritas, sequencial e logicamente organizadas, de modo a poderem ser consultadas, evidenciando um conjunto de dados (incluindo, obviamente, as provas, designadamente documentais ou testemunhais) que servem de base a uma averiguação de determinado comportamento ou prática de alguém.”

E também concordamos com a justificação que foi dada no acórdão recorrido para seguir tal entendimento, nos termos que seguem:

«Subscrevemos tal entendimento, desde logo, porque é aquele que mais se aproxima da expressão literal “processo escrito”, o que transmite a ideia, de que terá que ser algo estruturalmente organizado e sistematizado, corporizado por peças escritas numa lógica sequencial e temporal.

Depois porque esse entendimento, é reforçado pelo n.º 3 do citado art.º 25º ao dizer expressamente “devem constar do processo escrito a indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção, e ainda pelo próprio n.º 4 desse mesmo preceito legal, ao cominar com nulidade insuprível a falta das diligências instrutórias ali indicadas (entre as quais consta a audição daquele), essenciais para descoberta da verdade, a par ainda da insuficiente individualização das infrações imputadas ao arguido ou da falta das referências aos preceitos legais, estatutários ou regulamentares violados.

Por fim, depois ainda porque é esse entendimento que vai ao encontro da lógica dos interesses subjacentes a tais normativos, e dos quais sobressai o fito de conceder ao arguido as mais amplas garantias de defesa no âmbito do respetivo processo (particularmente quando está em causa a aplicação da sanção disciplinar mais grave), quer através da permissão do acesso ao mesmo para saber das provas em que se consubstancia a “acusação” dos factos que lhe são imputados, quer mesmo possibilitando-lhe, antes mesmo da submissão da sua apreciação e decisão pela assembleia geral, a produção prévia de provas com vista a infirmar essa imputação. (No sentido defendido, além do supra citado acórdão, apontam ainda André Almeida Martins in “Código Cooperativo, Almedina, 2018, págs. 149/150 e 158”, coordenado por Deolinda Meira e Maria Elisabete Ramos, bem como o parecer … junto aos autos (subscrito por dois ilustres professores, no Instituto Politécnico do Porto/ISCAP/CEOS.PP, Deolinda Meira e Tiago Martins Fernandes - cfr. fls. 126/134 do processo físico), e Ac. do STJ de 23/09/2003, proc. 02B2465, e Ac. da RL de 23/02/2017, Proc. 335-16.0T8VPV.L1-8, disponíveis em www.dgsi.pt)».

A recorrente insurge-se contra este entendimento, sustentando que as peças documentais escritas avulsas são bastantes para considerar que existiu processo escrito, no seguimento do que havia sido entendido na sentença que o acórdão recorrido apreciou e revogou e noutro acórdão da mesma Relação – 1.ª Secção - que cita, de 2/4/2019, proferido no processo n.º 1761/18.6T8LRA-A.C1, referente ao recurso interposto por outro cooperador da ré no âmbito de um procedimento cautelar, e cuja cópia juntou aos autos com o recurso de revista.

Com o devido respeito por esse entendimento, afigura-se-nos que não tem razão.

As peças documentais avulsas a que faz referência não estão, como é lógico, organizadas e sistematizadas em termos de poderem ser consideradas “processo escrito” e, assim,  permitir ao autor/arguido o cabal exercício dos seus direitos de defesa.

A “proposta de exclusão” como cooperador da ré, enviada ao autor, por carta de 1/3/2018, juntamente com a convocatória para a assembleia geral extraordinária em que a mesma seria analisada e votada, designada para o dia 18 seguinte, e a comunicação da possibilidade de apresentar a defesa até ao dia anterior, com possibilidade de apresentar os elementos que tivesse por convenientes na própria assembleia, bem como a sua apresentação nos termos indicados, não suprem a falta de processo escrito, muito menos as nulidades cometidas, as quais são, de resto, insupríveis como consta do n.º 4 do citado art.º 25.º.

É certo e seguro que o procedimento adoptado, com “proposta de exclusão”, sanção máxima, sem prévia audiência do autor/arguido, sem prévia produção de prova indicada pela sua defesa e sem inquirição das testemunhas que também indicou e que se recusaram a depor por não terem a privacidade necessária à prestação do depoimento, não tem cobertura legal. Usando uma expressão popular, “é pôr o carro à frente dos bois”. De que valia a produção de prova nos termos propostos se a decisão, ou proposta de decisão, já estava tomada?

O aludido regime previsto na lei sofreu, no caso em apreço, violento entorse de tal modo que, não só afectou a obrigatoriedade de redução a escrito das diligências processuais, como também omitiu diligências essenciais ao apuramento da verdade, traduzidas, desde logo, na falta de audiência do arguido.

Na verdade, como se escreveu no acórdão deste Tribunal de 23/9/2003, já citado, cuja doutrina é aqui aplicável, ainda que proferido na vigência do anterior Código Cooperativo, “a exigência de processo disciplinar escrito implica necessariamente a nomeação, pelo órgão competente, de um instrutor para assegurar a realização das diligências instrutórias necessárias e a formalização destas em auto”.

No caso em apreço, não se mostra que tenha sido nomeado, pois que foi dado logo notícia ao autor da “proposta de exclusão” apresentada pelo Conselho de Administração.

Ainda assim, o autor apresentou defesa no prazo concedido, requerendo diligências e arrolou testemunhas.

Impunha-se, face a esta actuação do recorrido, arguido no processo disciplinar, que as provas indicadas fossem produzidas, nomeadamente,  procedendo o instrutor do processo à inquirição das testemunhas e apreciasse, depois, os depoimentos produzidos, bem como analisasse todos os documentos obtidos, com referência aos factos constantes da nota de culpa (que não se mostra existir), para concluir se estes factos - todos ou alguns - resultavam infirmados, por força dos aludidos depoimentos e dos elementos obtidos, ou se se mantinham intocados. “Após a realização desta diligência e ponderação dos seus resultados é que o instrutor deveria, se fosse caso disso, exarar no processo proposta de exclusão, devidamente fundamentada, a qual, se assumida pela Direcção, deveria ser notificada ao arguido com, pelo menos, sete dias de antecedência em relação à data da assembleia geral que sobre tal proposta viesse a deliberar” (último acórdão citado).

Nada disto foi feito.

As testemunhas não foram inquiridas e o autor não foi notificado da “proposta de exclusão”, vindo apenas a ser notificado, por carta datada de 1/3/2018, para a assembleia geral, marcada para 18/3/2018, destinada a apreciar, discutir e votar tal proposta.

É certo que, nessa assembleia geral, além do mais, a mesa deu a palavra ao arguido que prestou declarações. Mas as testemunhas que arrolou não chegaram a ser inquiridas, nessa sessão, nem na que foi designada para continuação da assembleia – 13/4/2018 -, as quais se recusaram a depôr na assembleia geral, tendo o autor prescindido do seu depoimento nas condições impostas. Porém, tal não supre a irregularidade cometida, traduzida na falta da sua inquirição no processo disciplinar, que, traduzindo a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, equivale, ainda, no âmbito do direito disciplinar em geral, à falta de audiência do arguido. Acresce que o processo escrito, dada a finalidade, acima assinalada, não pode ser substituído por declarações orais prestadas na assembleia geral.

Não se pode, pois, deixar de concluir que foram omitidas, no processo disciplinar instaurado ao arguido, ora recorrido, diligências essenciais para a descoberta da verdade e que se reconduzem mesmo à falta de audiência do arguido, constituindo tais vícios nulidades insupríveis, nos termos do n.º 4, alíneas a) e d), do art.º 25.º do Código Cooperativo.

Quer isto dizer que carecem de fundamento as explanações em contrário avançadas pela recorrente nas conclusões da revista, nomeadamente sob os n.ºs de 4.º, 5.º, 7.º a 15.º, 17.º a 21.º, 23.º, 30.º a 38.º, 45.º, 47.º, 51.º a 56.º, não fazendo sentido a invocação das normas do Código do Trabalho, por não terem aqui aplicação, visto que, nos casos omissos, é aplicável o Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente os preceitos aplicáveis às sociedades anónimas (cfr. art.º 9.º do Código Cooperativo), sendo que aquelas também não prescindem do respectivo processo e de um instrutor para realizar as diligências requeridas e tidas por necessárias.

O recurso deve, pois, improceder, com a consequente manutenção do douto acórdão recorrido.


Sumário:


1. A exclusão de cooperador não pode ser aplicada sem precedência de processo escrito, donde constem a indicação das infracções, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção.
2. A proposta de exclusão, a formular naquele processo, deve ser fundamentada e notificada, por escrito, ao arguido com uma antecedência de, pelo menos, sete dias em relação à assembleia geral que sobre ela deliberará.
3. A exigência do processo escrito, estruturalmente organizado e sistematizado, decorre do regime estabelecido nos art.ºs 25.º e 26.º do Código Cooperativo e visa assegurar ao cooperador, arguido no processo disciplinar, não só as necessárias garantias de defesa contra propostas de exclusão infundamentadas, como ainda garantir-lhe a efectivação do direito de impugnar judicialmente a sanção, depois de deliberada pela assembleia geral.
4. Peças avulsas não constituem processo escrito, para efeitos disciplinares, e constitui omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade a falta de audiência do arguido e a não inquirição de testemunhas no processo disciplinar, mesmo que aquele tenha prestado declarações na assembleia geral e estas se tenham recusado a depôr nessa assembleia.

III. Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em negar a revista e manter o acórdão recorrido.


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Custas pela recorrente (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).


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Lisboa, 21 de Outubro de 2020

            Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.

            Fernando Augusto Samões (Relator, que assina digitalmente)

            Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

            António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)

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[1] Do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Central Cível de Leiria – Juiz 1.
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Que não se mandaram sintetizar, nos termos do art.º 639.º, n.º 3, do CPC, porque raramente é observado o convite e por uma questão de celeridade processual.