Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23/05.3TBGRD.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: ADVOGADO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADOS
ÓNUS DA PROVA
PERDA DE CHANCE
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL - DIREITO DA FAMÍLIA - CASAMENTO / EFEITOS DO DIVÓRCIO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA / TÍTULO EXECUTIVO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA (EFEITOS).
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., 1039.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 73.
- Carneiro da Frada, Direito Civil. Responsabilidade civil, O Método do Caso, 100 e segs..
- Júlio Gomes, “Sobre o Dano da Perda de Chance”, Direito e Justiça, XIX, T. II, 9 e segs..
- Nuno Pinto Oliveira, Direito das Obrigações, 143 e segs., 151 e segs..
- Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 179 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 798.º, 799.º, N.º1, 1157.º, 1158.º, 1178.º, 1791.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 46.º, N.º1, AL. C), 672.º.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (APROVADO PELO DL N.º 84/84, DE 16-3,): - ARTIGO 83.º, Nº 1 D).
LOFTJ: - ARTIGO 6.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 29.04.2010, DE 28.09.2010, DE 10.03.2011, DE 14.03.2013 E, COM UM ENTENDIMENTO MAIS RESTRITIVO, OS ACÓRDÃOS DE 26.10.2010, DE 29.05.2012, DE 18.10.2012 E DE 30.05.2013, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 05.02.2013, PUBLICADOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - No cumprimento do mandato forense, o advogado não se obriga a conseguir um determinado resultado, mas tão só a utilizar diligentemente os seus conhecimentos e experiência, segundo as regras de arte, para que tal resultado se obtenha; a obrigação que assume é de meios, não de resultado.

II - Para se demonstrar o incumprimento dessa obrigação, não basta alegar a perda da acção que o advogado patrocinou: é necessário provar que este não realizou os actos em que normalmente se traduziria um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis.

III - É admitida a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade, que pressupõe: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta; e um comportamento de terceiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinária, contra o Dr. BB.

Pediu que o réu seja condenado a pagar-lhe uma indemnização no valor global de € 103.217,70, acrescida de juros.

Como fundamento, alegou que, no início do ano de 1998, recorreu aos serviços do réu, advogado de profissão, que lhos prestou, tendo, além do mais, elaborado o acordo indicado em 7º e dado instruções a CC para preenchimento de uma letra de câmbio no valor de 20.000.000$00, que serviria de meio de pagamento para o negócio referido.

Em virtude da mencionada letra não ter sido paga o aqui réu aconselhou-o a instaurar acção executiva, o que fez sob o patrocínio do réu, tendo sido instaurados embargos, que foram julgados procedentes, decisão esta que foi confirmada na Relação e no Supremo, com a consequente extinção da execução.

Para além de não ter obtido o pagamento da quantia titulada na letra foi responsabilizado pelo pagamento de € 5.606,72, de custas processuais.

O réu convenceu o autor a instaurar nova execução em ordem à obtenção do pagamento dos 20.000.000$00, usando como título executivo o acordo de pagamento, que ainda corre termos e que, independentemente de vir a receber este valor no âmbito de tal processo, facto é que se mostra prejudicado pela sua não percepção até hoje.

Sofreu prejuízos, correspondentes aos juros de mora vencidos desde a data do vencimento da dívida até hoje e que ascende a € 40.233,04 e às já mencionadas custas processuais.

Fruto da actividade do réu, ficou despojado de quantia com a qual contava para enfrentar a sua vida e respectivos encargos, tendo-se visto obrigado a vender “ao desbarato” o imóvel indicado em 53 pelo preço de € 2.500,00, quando vale pelo menos € 15.000,00, tendo ficado prejudicado em € 12.500,00. E renunciou aos bens descritos em 70, no valor de €29.877,94.

Em consequência, sentiu-se triste e amargurado, pois que também teve de recorrer a empréstimos de amigos, tem dificuldades junto da banca e do fisco, sofrendo danos morais.

Contestou o réu, tendo invocado as excepções da prescrição e do enriquecimento sem causa, e impugnou a matéria alegada pelo autor invocando factos donde resulta que a sua conduta processual não mereceu qualquer reparo.

Acrescentou que o autor não lhe pagava as provisões, despesas e honorários, razão pela qual renunciou às procurações que lhe haviam sido outorgadas.

Concluiu pela improcedência da acção e requereu a intervenção principal provocada da seguradora DD - ....

Replicando, o autor pronunciou-se sobre as excepções invocadas pelo réu, concluindo como na petição inicial.

Foi admitida a intervenção acessória da seguradora DD - ..., S.A..

Citada, a chamada veio contestar, impugnando, dizendo que as verbas peticionadas são elevadas e que o réu tratou com zelo as questões, tendo usado de todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, em conformidade com o art. 83º n.º 1 al. d) do EOA, além dos danos alegados não terem nexo causal com a actuação do réu.

Concluiu pela improcedência da acção.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu e a chamada do pedido formulado pelo autor.

Discordando desta decisão, dela apelou o autor, tendo a Relação confirmado a sentença recorrida.

Ainda inconformado, o autor pede agora revista, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1) (…)
2) O mandato judicial ou forense configura um contrato de mandato oneroso, com representação, de acordo com o estipulado pelos artigos 1157°, 1158° e 1178º, sendo os advogados constituídos responsáveis, civilmente, nos termos gerais, perante os seus clientes, em virtude do incumprimento ou do seu cumprimento defeituoso, em termos de responsabilidade contratual, por força do disposto no artigo 798°, todos do CC.
3) Da matéria de facto provada resulta (acredita-se) que o primeiro Réu violou as normas estatutárias e contratuais a que se encontrava vinculado para com o autor, mais lhe causando danos que se objectivaram: na impossibilidade de este fazer valer, na totalidade ou em parte, a sua pretensão creditória, deixando, assim, de receber o quantitativo pecuniário de € 100.000,00 (e juros respetivos), a que se tinha proposto quando passou procuração forense ao réu com vista à propositura da acção executiva com essa finalidade: e, por outro lado, na interposição de acção de divórcio, ao arrepio das regras processuais a tanto atinentes, daí resultando a perda de direitos de natureza patrimonial do autor (por cumulação indevida de pedidos).
4) A actuação do réu (melhor densificada nos factos já dados como provados no âmbito do presente processo) constitui uma omissão, ético-juridicamente, censurável do normal exercício do patrocínio judiciário; e, por outro lado, o Réu não demonstrou, como lhe cabia, que a omissão ilícita do cumprimento do meio, contratualmente, exigível, diligente e adequado, de acordo com as regras estatuárias e deontológicas da profissão de advogado, não decorreu de culpa sua, que, consequentemente, lhe é imputável, a título de culpa.
5) Como assim, o Réu violou, ilícita e culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com o autor, deixando de satisfazer, pontualmente, a obrigação de diligente e zelosa interposição de acção executiva destinada a obter o cumprimento de prestação creditória por banda do autor, bem como a interposição de acção de divórcio, de acordo com as regras processuais a tanto atinentes, sem que daí resultasse a perda de direitos de natureza patrimonial (por cumulação indevida de pedidos) – o que importa o cumprimento defeituoso da obrigação, e que o torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798° e 799°, nº 1, ambos do CC.
6) O ordenamento jurídico-civil nacional tutela o dano conhecido pela «perda de chance» ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto.
7) Ora, considerado o direito de defesa como um bem juridicamente tutelado, não só pela lei processual como pelo contrato de mandato celebrado entre o autor e o Réu, a concreta impossibilidade do seu cabal exercício, por omissão culposa deste, representa um prejuízo ou dano, em si mesmo considerado, isto é, um dano autónomo.
8) O dano da «perda de chance» deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.
9) O que expressamente se pede seja feito no presente processo.
10) O Acórdão revidendo violou, entre outras, as normas dos arts. 92° a 102º, E.O.A.; 483°, 485°, 486°, 496°, 566°, 798° e 799°, Cód. Civil.

Termos em que deve a decisão revidenda ser substituída por outra que contemple tudo quanto vem de alegar-se.

A interveniente contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

- Se há incumprimento, por parte do réu, das obrigações que para si emergiram do contrato de mandato, forense, que celebrou com o autor;

- Se se verifica e deve ser ressarcido o dano da perda de chance ou de oportunidade.

III.

Vem provada a seguinte factualidade:

1. O réu exerce profissionalmente, há mais de 10 anos e de forma ininterrupta, as funções de advogado, tendo escritório na cidade e comarca da Guarda.

2. O autor, no início de 1998, recorreu aos serviços profissionais do réu o qual, no entanto, nessa data já o patrocinava em processos em curso desde o ano de 1997.

3. Em consequência prestou ao autor diversos serviços, entre os quais a efectivação de reuniões sobre assuntos da vida do autor, bem como a elaboração de minutas de diversos contratos e a interposição de acções judiciais.

4. Assim o réu procedeu à elaboração de uma minuta de um «contrato promessa de compra e venda e acordo» relativo a um prédio denominado ..., sito em ..., em ....

5. Foi também o réu que procedeu à elaboração da minuta de um «contrato» nos termos do qual CC e esposa EE, compradores da ..., na qualidade de anteriores arrendatários da mesma quinta se declaravam devedores do aqui autor da quantia de 20.000.000$00, relativa a rendas vencidas e não pagas.

6. Nos termos de tal contrato os referenciados CC esposa EE declaravam aceitar uma letra de câmbio no valor de 20.000.000$00, com vencimento a noventa dias da data da emissão.

7. O valor constante da referida letra de câmbio e do acordo subjacente não foi pago ao autor na respectiva data de vencimento nem posteriormente.

8. Razão pela qual, uma vez mais, o aqui autor recorreu aos serviços profissionais do réu, no sentido de obter o pagamento da referida quantia.

9. O réu, para pagamento da referida quantia, instaurou, em nome do aqui autor que patrocinou, uma acção executiva contra os aceitantes e avalista da letra de câmbio.

10. Vindo tal acção a ser interposta em 19/10/1998 e tendo corrido termos sob o n.º 272/98, no 3º Juízo deste Tribunal.

11. Os executados deduziram embargos à execução, que correram por apenso à respectiva execução.

12. Os quais, por sentença de 9/2/2001, foram oportunamente julgados procedentes tendo sido determinada ainda a extinção da instância executiva instaurada pelo aqui autor.

13. De acordo com a sentença proferida a letra de câmbio em apreço, além de não conter uma ordem pura e simples de pagamento, também não fazia menção do respectivo tomador, tendo o Tribunal entendido que tal letra, enquanto título cambiário, era nula.

14. Foi entendimento do Tribunal da Comarca da Guarda que tal letra de câmbio também não valia como título executivo, enquanto documento ou escrito particular, porquanto no requerimento executivo não havia sido invocada a relação material subjacente.

15. O réu, representando o aqui autor, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual veio a ser julgado por acórdão de 20/11/2001 improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

16. Para a improcedência do recurso o Tribunal da Relação fundamentou a decisão no facto de à letra de câmbio faltar ainda um outro requisito essencial para valer como letra, a indicação do nome do sacado.

17. O réu, patrocinando o aqui autor, interpôs recurso desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 28/10/2002, negou procedência ao recurso, tendo mantido a decisão recorrida.

18. O autor não conseguiu receber a importância titulada pela letra de câmbio.

19. O aqui autor foi condenado nas custas do referido processo, as quais importaram no montante de € 5.606,72.

20. O réu, patrocinando novamente o aqui autor, interpôs uma nova acção executiva, que corre termos no Tribunal Judicial de ..., na qual o réu renunciou entretanto à procuração que o aqui autor lhe tinha outorgado.

21. Mostra-se inscrita sobre o prédio misto sito no ..., na freguesia da ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, para além do mais, sob a ap. 05 de 27/05/1998, uma hipoteca a favor da Caixa FF, para garantia do pagamento de um empréstimo no valor de esc. 18.000.000$00 e juros, até ao montante máximo de esc. 26.093.760$.

22. Mostra-se inscrita sobre o mesmo prédio, para além do mais, sob a ap. 02 de 09/02/1999, uma hipoteca a favor de GG, para garantia de pagamento de uma dívida no valor de esc. 15.000.000$00.

23. Mostra-se inscrita sob o mesmo prédio, sob a ap. 10 de 07/06/1999, uma penhora para garantia do pagamento da quantia exequenda de esc. 20.254.795$00, a favor do aqui autor e esposa.

24. Mostra-se inscrita sob o mesmo prédio, sob a ap. 3 de 10/11/2004, uma penhora para garantia do pagamento da quantia exequenda de esc. 131.062.20$00, a favor do aqui autor.

25. Por escritura pública de compra e venda, celebrada no Cartório Notarial de ... no dia 31/10/2002, o autor e HH declararam vender a II, que declarou comprar, pelo preço de € 2.500,00, o prédio rústico sito na ..., na freguesia do ..., concelho de ..., inscrito na matriz respectiva sob o art. 40º.

26. O réu prestou ao autor outros serviços, entre os quais a interposição de acção declarativa de divórcio litigioso, a qual correu termos no 3º Juízo deste Tribunal, sob o n.º 447/00.

27. Assim o réu, na qualidade de mandatário do autor, interpôs contra a então esposa HH, uma acção declarativa constitutiva de divórcio litigioso, no âmbito da qual, para além do pedido de divórcio, pediu que a ré perdesse determinados benefícios, pedindo a sua condenação a entregar tais bens ou o seu contravalor em dinheiro.

28. O Tribunal, por sentença, considerou verificada a excepção dilatória atípica de cumulação ilegal de pedidos e, em consequência, absolveu a ré esposa do autor da instância, quanto ao pedido de entrega ao autor dos bens ou o seu contravalor em dinheiro, julgou improcedente a acção de divórcio mas julgou totalmente procedente a reconvenção e decretou o divórcio entre as partes, declarando o autor como único culpado na produção do divórcio.

29. Quer na execução que correu termos no 3º Juízo deste Tribunal, quer na execução que corre termos no Tribunal Judicial de ..., os aí executados negaram a existência da dívida exequenda.

30. Alegou o autor na acção executiva instaurada no Tribunal Judicial de ... que a dívida exequenda resultava de rendas não pagas, relativas aos anos de 1993 a 1997, referentes ao arrendamento da ....

31. O autor, mandatado pelo aqui réu, no dia 02/11/1998, por apenso aos autos de execução que instaurara contra CC e mulher, instaurou um procedimento cautelar de arresto, onde peticionou o arresto dos bens vendidos.

32. Os executados deduziram oposição ao arresto, tendo sido designada data para a audiência de julgamento, actos processuais que foram notificados ao aqui réu no dia 05/02/1999.

33. Por despacho proferido no dia 18/02/1999 foi determinada a penhora de diversos bens pertencentes aos executados.

34. O réu é titular do cartão de crédito American Express n.º …, emitido pelo B… em parceria com a Ordem dos Advogados, o qual tem associado um seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.º …, em vigor desde o dia …/0…/19…, até ao montante de € 49.879,79, deduzida a franquia de € 4.987,98 por sinistro.

35. A seguradora para a qual foi transferida a sua responsabilidade civil profissional é a DD - ..., S.A.

36. O réu acompanhou a negociação prévia com vista à formalização do negócio referido em 4.

37. Da mesma forma que acompanhou a tramitação posterior que culminou na celebração da respectiva escritura de compra e venda.

38. Foi o réu quem acompanhou e assessorou tecnicamente as negociações conducentes à formalização do acordo referido em 5. e 6.

39. O réu patrocinou novamente o aqui autor na acção executiva referida em 20., desta vez usando como título executivo o acordo referido em 5.

40. O autor contava com parte da soma pecuniária objecto de execução para enfrentar a sua vida e respectivos encargos.

41. Em consequência da improcedência das suas pretensões em juízo e consequente perda da confiança existente entre ambos o autor sentiu-se triste, abalado, amargurado, apreensivo e revoltado.

42. O autor já tinha lidado com letras de câmbio, na qualidade de avalista.

43. O réu, na qualidade de fiador do autor, pagou uma dívida deste para com a CCAM de Celorico da Beira no valor de € 3.174,91.

44. O réu entre os anos de 1996 e 2002 patrocinou o autor em diversos processos judiciais, tendo no dia 15 de Novembro de 2000, patrocinado o autor numa acção laboral, movida contra a JJ, de onde recebeu a importância de seis milhões de escudos.

45. O autor recebe uma reforma mensal superior a € 1.500,00, mais concretamente de € 1.900,00.

IV.

É altura de apreciarmos as questões acima enunciadas.

1. Importa começar por referir que não se diverge da qualificação jurídica exposta nas alegações do recurso, toda ela assente (reproduzindo) a fundamentação de dois Acórdãos deste Tribunal[2].

Não foi distinta, também, a qualificação jurídica de que partiram as decisões das instâncias (excluída a segunda questão, respeitante ao dano da perda de chance, aí não referida explicitamente).

O que parece é que, subsequentemente, o Recorrente não procede a correcta interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos que enuncia.

A acção assenta na responsabilidade civil profissional do réu, sendo-lhe imputado o incumprimento culposo do mandato forense que lhe foi conferido pelo autor.

Estamos, portanto – como foi considerado nas referidas decisões, com o acordo das partes –, no domínio da responsabilidade contratual.

Entre as partes foi, na verdade, celebrado um contrato de mandato, oneroso, com representação, sujeito ao disposto nos arts. 1157º, 1158º e 1178º do CC.

Trata-se de um mandato forense, sendo, por isso, de observar na sua execução as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo DL 84/84, de 16/3, então em vigor), assumindo relevo a do art. 83º, onde se prescreve, designadamente, ser dever do advogado "estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade" – nº 1 d).

No exercício da sua actividade, os advogados gozam de discricionariedade técnica e encontram-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão (art. 6º nº 2 da LOFTJ).

Os pressupostos da responsabilidade contratual são comuns aos da responsabilidade extracontratual: o facto voluntário; a ilicitude do facto; a culpa (dolo ou negligência do autor do facto); o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano sofrido pelo lesado.

De notar, porém, que na responsabilidade contratual a ilicitude corresponde à violação de uma obrigação, através da não execução pelo devedor da prestação a que estava obrigado (cfr. art. 798º do CC).

Por outro lado, presume-se a culpa do devedor: é a este que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – art. 799º nº 1 do CC.

Mas como daí decorre, é ao credor que compete a prova do facto ilícito do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso.

É reconhecido unanimemente que, no cumprimento do mandato forense, o advogado não se obriga a conseguir um determinado resultado, mas tão só a utilizar diligentemente os seus conhecimentos e experiência, segundo as regras de arte, para que, na defesa dos interesses do cliente, tal resultado se obtenha.

Assim, a obrigação que assume é de meios, não de resultado[3].

Adverte, porém, Antunes Varela que, nas obrigações de meios, "não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão"[4].

Pois bem, no caso, o Recorrente sustenta que, da matéria de facto provada resulta que o réu violou as normas estatutárias e contratuais a que se encontrava vinculado, causando ao autor danos que se objectivaram:

- na impossibilidade de este fazer valer a sua pretensão creditória, deixando, assim, de receber o quantitativo pecuniário de € 100.000,00 (e juros respectivos);

- na interposição de acção de divórcio, ao arrepio das regras processuais a tanto atinentes, daí resultando a perda de direitos de natureza patrimonial do autor (por cumulação indevida de pedidos).

Com o devido respeito, não tem razão, o que nos parece manifesto.

Desde logo, tendo em atenção que ficou provado que o réu, patrocinou novamente o autor, interpondo uma outra acção executiva, que corre termos no Tribunal Judicial de ..., desta vez usando como título executivo o acordo referido em 5 – factos 20 e 39.

Assim, apesar do insucesso da primeira execução, fundada na letra, não pode afirmar-se, como se faz no recurso, que o autor tenha ficado impossibilitado de fazer valer a sua pretensão creditória.

Será de salientar, por outro lado, que não se provou – resposta negativa aos quesitos 4º e 6º -  que tenha sido o réu quem instruiu o devedor CC no preenchimento da letra que veio a ser executada e que foi declarada nula como título cambiário.

E se é certo que, por esse motivo, se veio a entender que essa letra de câmbio não poderia servir de título executivo, não era, então, inteiramente líquido que não pudesse valer como documento particular, quirógrafo da obrigação, nos termos do art. 46º nº 1 c) do CPC (à data em vigor) – cfr. voto de vencido no Acórdão da Relação de Coimbra, a fls. 50 – sendo bem conhecida a extensa controvérsia jurisprudencial sobre tal questão (maxime na altura em que foram proferidos as decisões no processo em causa). 

Como acima se referiu, o réu não estava obrigado a conseguir um determinado resultado, mas tão só a realizar prudente e diligentemente determinada actividade do seu saber profissional para obter esse resultado.

Ora, como se afirmou na sentença proferida na 1ª instância, "a verdade é que não se provou qualquer facto susceptível de fazer concluir que o réu não desempenhou as suas funções de forma zelosa e adequada, ou seja, que não tenha cumprido de forma adequada a sua prestação contratual, não se podendo, como é bem de ver, sustentar que essa prestação só seria adequadamente cumprida na eventualidade de «ganhar» as acções que patrocina".

Por outro lado, para ocorrer responsabilidade do réu, nesta questão relativa à execução que foi julgada extinta, sempre faltaria demonstrar um dos seus pressupostos: a existência do invocado prejuízo do autor, que teria consistido na impossibilidade de este poder fazer valer a sua pretensão creditória. Este prejuízo não se verifica, como se referiu, tendo em conta a nova execução instaurada pelo réu, em representação do autor, com base no contrato celebrado com o devedor.

No que concerne à acção de divórcio a falta de razão do Recorrente não é menos evidente.

A responsabilidade do réu decorreria, neste caso, do facto de, na petição inicial dessa acção em que patrocinou o autor, aquele ter cumulado indevidamente o pedido de que a ré perdesse determinados benefícios patrimoniais e que fosse condenada a entregar os respectivos bens ou o contravalor em dinheiro (com base no disposto no art. 1791º do CC, na redacção então em vigor).

Quanto a esse pedido, a ré dessa acção foi absolvida da instância (por cumulação ilegal de pedidos).

Ora, como é evidente, dessa decisão, de natureza adjectiva – absolvição da instância, não do pedido – não decorreria a perda dos referidos direitos de natureza patrimonial a que o autor aí se arrogava (art. 672º do CPC), não ficando o autor inibido de reclamar esses direitos em processo próprio.

Isso mesmo foi reconhecido e declarado expressamente no parecer da OA junto a fls. 566.

Não adviria daí, portanto, o prejuízo invocado pelo Recorrente.

Por outro lado, considerando a decisão que veio a ser proferida sobre o divórcio – a reconvenção foi julgada procedente, tendo o divórcio sido decretado, mas declarando-se o autor como único culpado – tem de concluir-se que o autor não podia arrogar-se o direito que havia peticionado (tendo sido declarado único culpado, ele é que poderia perder todos os benefícios recebidos, do cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento).

Quer dizer: o autor não tinha esse direito, não podendo consequentemente afirmar-se que perdeu esse direito, por via da actuação menos diligente do réu, sendo certo que, a existir esta actuação, ela nunca seria causa daquela perda.

Em suma, não existe, em qualquer das aludidas situações, fundamento para imputar ao réu a responsabilidade pelos prejuízos invocados pelo autor, que não se provaram.

2. O Recorrente aborda, de seguida, o dano da perda de chance ou de oportunidade. A sua explanação é, porém, puramente teórica, transcrevendo a fundamentação de um dos Acórdãos inicialmente referidos, sem uma única referência ao caso concreto dos autos.

Conquanto se detecte uma tendência para admitir a ressarcibilidade deste dano, quer na jurisprudência deste Tribunal[5], quer na doutrina[6], parece-nos manifesto que os elementos provados dos autos, em parte já mencionados, afastam essa possibilidade.

Como refere Rute Teixeira Pedro, esta problemática coloca-se em situações em que "um sujeito se encontra num estado que lhe propicia a possibilidade – a chance – de alcançar um determinado resultado favorável, e em que, em virtude de um comportamento de um terceiro, essa possibilidade fica irremediavelmente perdida"[7].

A ressarcibilidade desse dano depende de determinados pressupostos. Assim (continuando a acompanhar a referida Autora):

- "terá de existir um determinado resultado positivo – a obtenção de uma vantagem ou a não concretização de uma desvantagem – que pode vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresenta certa";

- "é necessário que, apesar desta incerteza, a pessoa se encontre numa situação de poder vir a alcançar esse resultado"; "a pessoa terá, portanto, de estar investida de uma chance real de consecução da finalidade esperada";

- "é indispensável que se verifique um comportamento de terceiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade, e que elimine de forma definitiva as (ou algumas das) existentes possibilidades de o resultado se vir a produzir"[8].

Assim, acrescenta a mesma Autora, "de um só golpe, o facto do agente destrói as expectativas existentes e inviabiliza a obtenção do resultado esperado. O desaparecimento do elemento intermédio traz, por arrastamento, o desaparecimento do resultado final que eventualmente se viria a verificar"[9].

Pois bem, perante esta breve caracterização, parece óbvio que as situações invocadas pelo Recorrente (que não, como dissemos, especificamente para esta questão) não quadram com a referida figura, quer na perspectiva da actuação do réu – já vimos que não é possível imputar-lhe qualquer responsabilidade pelos prejuízos invocados pelo autor –, quer do ponto de vista da perda definitiva pelo autor da oportunidade de obter a vantagem esperada nos aludidos processos (de execução e de divórcio).  

Com efeito, como vimos no ponto anterior, não pode, face à factualidade provada, imputar-se ao réu um comportamento ilícito susceptível de gerar a sua responsabilidade. Não ficou demonstrado, na verdade, que não tenha cumprido as obrigações a que estava contratualmente vinculado de forma zelosa e adequada.

Por outro lado, como decorre também do que acima foi referido, a actuação do réu não implicou para o autor a perda definitiva de qualquer chance ou oportunidade de conseguir o resultado que pretendia obter: na execução, porque entretanto foi instaurado um novo processo visando a cobrança da mesma prestação debitória (incluindo juros); no processo de divórcio, em virtude de a decisão aí proferida (absolvição da instância) não determinar a perda do direito peticionado e por, de qualquer modo, ter de se  concluir depois, ao ser declarado como único culpado, que não podia ser reconhecido esse direito ao autor.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.

V.

Em face do exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

                                        

Lisboa, 06 de Março de 2014

Pinto de Almeida (Relator)

Azevedo Ramos

Nuno Cameira

__________________
[1] Proc. nº 23/05.3TBGRD.C1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 15)
Cons. Azevedo Ramos; Cons. Nuno Cameira
[2] Proferidos na mesma data – 05.02.2013 – relatados pelos Exmos Conselheiros Alves Velho e Hélder Roque, publicados em www.dgsi.pt.
[3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 73; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., 1039; Nuno Pinto Oliveira, Direito das Obrigações, 143 e segs; entre muitos outros, os Acórdãos deste Tribunal acima citados.
[4] Ob. Cit., 101. Cfr. também Nuno Pinto Oliveira, Ob. Cit., 151 e segs.
[5] Cfr., para além dos Acórdãos de 05.02.2013, já referidos, os Acórdãos de 29.04.2010, de 28.09.2010, de 10.03.2011, de 14.03.2013 e, com um entendimento mais restritivo, os Acórdãos de 26.10.2010, de 29.05.2012, de 18.10.2012 e de 30.05.2013, todos em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Carneiro da Frada, Direito Civil. Responsabilidade civil, O Método do Caso, 100 e segs; Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 179 e segs; e, de forma mais restritiva, Júlio Gomes, Sobre o Dano da Perda de Chance, Direito e Justiça, XIX, T. II, 9 e segs..
[7] Ob. Cit., 185.
[8] Ob. Cit., 198 a 201.
[9] Ob. Cit., 203.