Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
028228
Nº Convencional: JSTJ00002684
Relator: ROBERTO MARTINS
Descritores: ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195303240282281
Data do Acordão: 03/24/1953
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 18-04-1953 ; BMJ 36 ,111
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1953
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: D 12008 DE 1926/07/29 ARTIGO 54 PAR1 PAR2.
CPP29 ARTIGO 645 ARTIGO 649 ARTIGO 669 PARUNICO.
CPC39 ARTIGO 770.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1950/05/17 IN BMJ N19 PAG187.
ACÓRDÃO RC DE 1937/01/06 IN GRL ANO47 PAG286.
Sumário :
A sanção do paragrafo 2 do artigo 54 do Decreto n. 12008, de 29 de Julho de 1926, e aplicavel quando o notificado não faça a declaração, esclarecimento e publicação previstos no corpo do artigo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:

Pelo acordão de folhas 75 e seguintes, a Relação de Lisboa confirmou a decisão de folhas 20, pela qual, nos termos do disposto no artigo 54 do Decreto n. 12 008, de 29 de Julho de 1926, foi aplicada ao notificado A, a multa de 500 escudos, com suspensão do jornal .... pelo prazo de dois meses, com o fundamento de que a lei exige esclarecimento terminante, quer dizer, decisivo, por forma a não permitir equivocos que envolvam difamação ou injuria para quem quer que seja, e o esclarecimento prestado pelo notificado não obedece a estes requisitos.
Porque este acordão se encontra em manifesta oposição com o proferido pela Relação de Coimbra, de 6 de Janeiro de 1937, publicado na Gazeta da Relação de Lisboa, ano 47, a paginas 286, quanto a interpretação do artigo 54 e seus paragrafos do citado Decreto n. 12 008, o digno Procurador da Republica junto da Relação de Lisboa, a requerimento do arguido e em obediencia ao disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, interpos este recurso extraordinario para o Supremo Tribunal de Justiça, a fim de se fixar jurisprudencia.
Verificada a oposição e que os acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação, foi mandado seguir o recurso, que, de facto, seguiu os seus termos regulares, cumprindo agora decidir.
Nenhuma duvida se levanta, com efeito, quanto a terem sido os dois acordãos proferidos no dominio da mesma legislação e quanto a existencia da oposição.
Quanto ao fundo da questão.
No acordão da Relação de Coimbra foi decidido que a lei prescreve unicamente que a declaração se faça no mesmo lugar em que foi feita a publicação ofensiva e que, se o esclarecimento não satisfaz o requerente, se continua a considerar-se ofendido, tem de lançar mão da acção criminal ou civil para se desafrontar ou indemnizar.
E no acordão de folhas 75 se decidiu que o requerido so podia ser isento de pena se houvesse declarado de maneira inequivoca que as frases apontadas pelo requerente não diziam respeito a este nem tinham o proposito de injuriar ou difamar.
Enquanto o acordão da Relação de Coimbra da ao paragrafo 2 do artigo 54 do decreto citado um significado meramente formal, isto e, no sentido de que basta a declaração ser publicada no mesmo local em que forem publicadas as frases equivocas para que o requerido seja isento da pena, no acordão de folhas 75 a forma da declaração exigida no paragrafo 2 respeita ao proprio conteudo dela.
Assim, a questão a resolver resume-se em decidir qual a interpretação a dar ao paragrafo 2 do artigo 54 do Decreto n. 12 008, tendo em vista o corpo do mesmo artigo.
Vejamos.
Dispõe-se no artigo 54 que, "quando em algum periodico houver referencias, alusões ou frases equivocas que possam implicar difamação ou injuria para alguem, podera quem nelas se julgar compreendido notificar, nos termos dos artigos 645 e 649 do Codigo de Processo Penal, o autor do escrito, se for conhecido, e, na sua falta, o editor da publicação ou o director do periodico, para que declare terminantemente por escrito, no prazo de cinco dias, se essas referencias, alusões ou frases equivocas dizem ou não respeito ao requerente, as esclareça e de publicidade pela imprensa a mesma declaração e esclarecimento.
Tratando-se de imprensa periodica sera feito no mesmo lugar em que foi feita a publicação".
E no paragrafo 2 estatui-se: "se o notificado deixou de fazer a declaração ou não a fizer pela forma indicada neste artigo, incorrera na multa de 500 escudos, que lhe sera imediatamente imposta pelo juiz, o periodico sera suspenso por dois meses e o queixoso tera direito a acção criminal e civil".
Destas disposições legais ha que inferir-se, numa justa interpretação, que a notificação a que elas se referem tem as seguintes finalidades: a) Apurar se as referencias, alusões ou frases equivocas dizem ou não respeito ao requerente da notificação; b) Esclarecer essas alusões e frases equivocas por forma a compreender-se claramente o que elas quiseram significar ou atingir; c) Publicar-se pela imprensa a declaração e o esclarecimento feito.
E isto o que resulta claramente do corpo do artigo 54 citado.
A simples publicação de qualquer declaração, sem se atender ao seu conteudo, de nada serviria e ate podia agravar mais a situação, por se fazerem novas declarações ambiguas. Seria um absurdo que não podia estar no pensamento do legislador.
O esclarecimento a que se refere o artigo 54 citado tem de ser aceitavel pelo juiz, que e quem tem de impor ou não a penalidade do paragrafo 2 do mesmo artigo.
A expressão "pela forma indicada neste artigo", do paragrafo 2 referido, compreende não so a forma, restritamente considerada, mas ainda a satisfação das demais exigencias feitas no corpo do artigo. Como assim, não pode aceitar-se a doutrina do acordão da Relação de Coimbra. Mas tambem não e inteiramente de aceitar-se a doutrina do acordão da Relação de Lisboa que pretende que so podia o requerido ser isento de pena se houvesse declarado de maneira inequivoca que as frases não diziam respeito ao requerente nem tinham o proposito de o injuriar ou difamar.
A notificação a que se refere o artigo 54 so pode ter lugar quando as referencias, alusões ou frases são equivocas, pois, se são claras, ainda que ofensivas, o caminho a seguir não e o da notificação, mas a competente acção civel e penal.
Feita a notificação, no caso de serem equivocas as frases publicadas, tres casos se podem dar:
1 - O notificado declara por escrito e publica que as referencias, alusões ou frases não dizem respeito ao requerente nem contem qualquer proposito de injuria ou difamação. Neste caso, a questão morre, ficando o notificante inibido de propor as acções penal e civel (paragrafo 1 do artigo 54);
2 - O notificado não faz a declaração. Neste caso, incorre na sanção prevista na 1 parte do paragrafo 2 do artigo 54;
3 - O notificado não faz a declaração pela forma indicada no corpo do artigo, isto e, pelo modo e nos termos indicados no artigo. Incorre na mesma sanção em que incorre no 2 caso.
Mas, e aqui reside o fulcro da questão, em que consistem essa forma, esses modos ou esses termos?
Em face de uma publicação ou de um escrito equivoco, não se sabendo bem a quem ele respeita nem, ao certo, o que se queria dizer com ele, a notificação tem por fim forçar o notificado a declarar se tinha ou não querido visar o requerente e o que, com toda a clareza (terminantemente), queria dizer e ainda a publicar a declaração que faça e o devido esclarecimento. E o que a lei exige, e nada mais.
Cumprida a notificação nestes termos, ja o requerente ficara tendo base, que ate então não tinha, para a competente acção civil ou penal.
A notificação visa a desfazer o equivoco num caso que pode importar difamação ou injuria para o requerente.
Feita a declaração e dados os esclarecimentos, o requerente ficara colocado na mesma situação em que estaria se do escrito tivesse logo e directamente resultado, com a maior clareza, se ele se referia ou não ao requerente e se, pelo seu conteudo, continha ou não, elementos seguros para se poder no meio competente debater e decidir se houve ou não injuria ou difamação.
A lei não exige que na declaração o notificado se retracte. A notificação tem por fim, como se disse: verificar por declaração terminante do requerido se ele se referia ao requerente e ainda a obrigar o requerido a esclarecer o que escreveu, para se apreender claramente o que ele quis dizer e atingir com o escrito.
A lei não quis forçar o requerido a declarar - e muitas vezes o faria descabidamente - que as suas frases não tinham proposito de difamar ou injuriar.
Como justamente notou o excelentissimo Procurador-Geral da Republica, a notificação não foi nem podia ser ordenada para conseguir o perfeito esclarecimento de um escrito equivoco e que, na sua forma equivoca, podia originar ou implicar, como diz a lei, difamação ou injuria. Conseguido o esclarecimento bastante, se o requerente da notificação entender que e caso de difamação ou injuria ou para pedir indemnização, fa-lo-a pelos meios competentes, com a base que por virtude da notificação ficou ao seu dispor.
Na decisão deste recurso não e forçoso seguir a doutrina de um ou de outro dos acordãos em oposição.
O que ha e que fixar a doutrina a seguir, fixando-se a justa interpretação do paragrafo 2 do artigo 54 da Lei de Imprensa (Decreto n. 12 008). E, embora o recurso fosse interposto a requerimento do arguido, a verdade e que visa apenas a fixar doutrina para o futuro, e não a alterar o acordão recorrido.
Se visasse tambem a altera-lo, a lei permitiria que o recurso pudesse ser interposto pelo interessado, e não o permite. Apenas lhe confere o direito de requerer ao Ministerio Publico que recorra para fixar-se jurisprudencia.
Assim se entendeu no assento de 17 de Maio de 1950, publicado no Boletim Oficial, n. 19, a folhas 187.
Assim, pelos fundamentos expostos e para o fim unico de se fixar jurisprudencia, nos precisos termos do disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, tira-se o seguinte assento:
"A sanção do paragrafo 2 do artigo 54 do Decreto n. 12 008, de 29 de Julho de 1926, e aplicavel quando o notificado não faça a declaração, esclarecimento e publicação previstos no corpo do artigo".
Sem imposto.



Lisboa, 24 de Março de 1953

Roberto Martins (Relator) - Rocha Ferreira - Campelo de Andrade - Jaime de Almeida Ribeiro - Raul Duque - Beça de Aragão - Lencastre da Veiga (Votei o assento, mas não acompanhei o tribunal quanto a não remessa do processo a Relação, para cumprimento da mesma providencia. No acordão de 17 de Maio de 1950 (Boletim do Ministerio da Justiça, ano 19, pagina 187), donde, tambem, saiu assento, entendeu-se que apenas havia a considerar a fixação da jurisprudencia; a revisão do assunto, ao longo do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, mostra, porem, que não ha somente que atender a essa uniformização da jurisprudencia, mas tambem ao efeito do recurso quanto a decisão recorrida, que não transitou. Para isto, bastara ponderar que o mesmo recurso, embora extraordinario deve ser apresentado no prazo que a lei assinala e que o Procurador da Republica pode interpo-lo oficiosamente, como o deve interpor desde que lho requeira a parte a qual a decisão da Relação desfavoreceu - assistente ou reu.

E o paragrafo unico do mesmo artigo 669, reportando-se, expressamente, não so ao artigo 669, mas, igualmente, ao seu paragrafo, e mais uma confirmação do criterio referido.
Recurso para o tribunal pleno, para obter decisão restrita ao conflito de jurisprudencia, com abstracção do caso concreto, e unicamente o do artigo 770 do Codigo de Processo Civil, o qual, por isso, pode ser interposto depois do transito em julgado do acordão de que se recorre) - Piedade Rebelo (Vencido em parte, tendo votado que o processo baixasse a Relação, a fim de ser aplicada a doutrina do assento, com o fundamento de o presente recurso ter sido autorizado não so no interesse geral, mas tambem das partes, so assim se explicando que tanto o acusador particular como o acusado possam solicitar a interposição do recurso, que esta so possa ter lugar antes do transito em julgado da decisão recorrida e que o recurso suba, como sempre se tem feito, nos proprios autos e, portanto, no efeito suspensivo) - Julio M. de Lemos (Vencido, pelos mesmos fundamentos do voto precedente) - A. Cruz Alvura (Vencido relativamente ao esclarecimento e a subsistencia da decisão recorrida.
O artigo 54 trata da equivocidade quanto ao visado e quanto ao significado do escrito, mas distingue a declaração relativa ao visado do esclarecimento acerca das expressões e os seus paragrafos so se referem aquela declaração. A distinção e manifesta, pela referencia aos dois actos e por o "terminantemente" so reger o "declare". A falta ou insuficiencia do esclarecmento deixam o requerente da notificação em relação a ambiguidade e as acções penal e civil nas mesmas condições que a falta de declaração, mas o que não podem e determinar a cominação do paragrafo 2, pois são estranhas aos pressupostos desta. Como declarei quanto ao assento de 17 de Maio de 1950, votei que, embora o artigo 669 do Codigo de Processo Penal não tenha dado as partes legitimidade para o recurso, reconheceu-lhes interesse para o provocarem.
Esse reconhecimento e a falta nesse artigo de disposição semelhante a do artigo 770 do Codigo de Processo Civil levam a revogar a decisão pendente, não transitada, e que se julga contraria ao direito de quem legalmente provocou o recurso) - Jaime Tome (Vencido, nas mesmas condições do voto imediatamente anterior) - Bordalo e Sa (Vencido quanto ao assento tirado, pelas razões, na parte respectiva, do voto do Excelentissimo Conselheiro Alvura, mas votei que o assento não se aplicava ao acordão dos autos, que, assim, não ficou revogado) - Jose de Abreu Coutinho (Vencido, nos termos constantes do voto que antecede, do excelentissimo Conselheiro Bordalo e Sa).