Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2429/07.4TBSTB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA
CONTRATO-PROMESSA
EFICÁCIA REAL
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
EFICÁCIA EXTERNA DAS OBRIGAÇÕES
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
BOA FÉ
CULPA IN CONTRAHENDO
TERCEIRO
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO-PROMESSA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / VALOR DA CAUSA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, 1994p. 43.
- Mário Júlio de Almeida Costa, “A eficácia externa das obrigações, entendimento da doutrina clássica”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Henrique Mesquita, vol. I, p. 521.
- Menezes Cordeiro e outro, Da Boa fé no Direito Civil, Colecção Teses, Coimbra Almedina, 1997 reimpressão; Tratado de Direito Civil, VII, Direito das Obrigações: Contratos. Negócios unilaterais, Almedina, Coimbra, 2014, pp.656-57.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, p. 341.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 413.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 306.º, 678.º, N.º 1.
D.L. N.º 303/07, DE 24-08: - ARTIGO 11.º.
D.L. N.º 355/81, DE 31-12, POSTERIORMENTE ALTERADO PELO D.L. N.º 130/98, DE 18-4: - ARTIGOS 30.º A 32.º.
LEI N.º 52/2008, DE 20-08: - ARTIGO 31.º, N.º3.
LOFTJ, NA REDACÇÃO DADA PELA LEI N.º 3/99, DE 13-1: - ARTIGO 24.º, N.º 1.
Sumário :
I - Ao invés do que sucede no contrato de alienação ou oneração de coisa determinada que tem eficácia real, o contrato-promessa, em regra, apenas goza de eficácia obrigacional, restrita às partes contratantes, criando para os promitentes uma obrigação de vir a contratar que se traduz numa mera prestação de facto.

II - Só assim não será se for atribuída à promessa eficácia real, caso em que a mesma produzirá efeitos em relação a terceiros, prevalecendo sobre todos os direitos que, no futuro, se constituam em relação ao bem prometido alienar, desde que, para tanto, se verifiquem os requisitos previstos no art. 413.º do CC.

III - Em consequência, tendo sido celebrado um contrato-promessa, sem eficácia real, que teve por objecto a compra e venda de um direito real de habitação periódica a constituir sobre um determinado prédio e tendo o promitente-comprador, posteriormente, dado em cumprimento esse mesmo prédio a um terceiro, aquela promessa seria, em princípio, inoponível a este.

IV - Todavia, tendo esse terceiro, aquando da celebração da dação em cumprimento, conhecimento da referida promessa e tendo-se comprometido, através de cláusulas que, ao abrigo da autonomia da vontade, foram insertas na escritura de dação, a desenvolver os melhores esforços no sentido de negociar com os promitentes-compradores das fracções autónomas do referido prédio de forma a obter a extinção dos respectivos contratos dos direitos reais de habitação periódica e a negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas unilaterais de compra respeitantes aos referidos direitos, tais cláusulas têm de ser entendidas como tendo eficácia de protecção para terceiros sob pena de ficarem esvaziadas de conteúdo.

V - Nada tendo feito o terceiro, adquirente do prédio, no sentido de salvaguardar os interesses e direitos do mencionado promitente-comprador, deve o mesmo ser responsabilizado perante este por esse incumprimento já que, ao ter assim procedido, violou os referidos deveres acessórios que, na base das exigências de boa fé, sobre si recaíam.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


1- AA  

intentou,em 2010-02-07 contra

BB - CONSTRUÇÕES, S.A. (citada conforme fls. 384 e

revel) e

CAIXA CC, S.A.,

acção de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação da Caixa CC a reabrir o Empreendimento Turístico DD e ainda a entregar ao Autor o título de DRHP para o registo ou não sendo possível, em alternativa a condenação da Caixa CC e da BB a indemnizarem o Autor no valor do preço pago pela aquisição de uma semana de férias no referido empreendimento ou seja 4.120,02EUR, devendo proceder-se à correcção monetária e condenar as Rés a pagarem ao Autor os respectivos juros vencidos e vincendos que se fixam em 4.047,68EUR, 350,00EUR/ano relativos à não usufruição do seu direito de férias no empreendimento até integral solução estando já vencidos 1.750,00EUR, devendo, no caso de não reabertura do Empreendimento fixar-se a indemnização condigna nunca inferior a 15.000,00EUR e ainda uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 9.750,00EUR já vencida e 750,00EUR/ano até decisão.



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2 - Para tanto e em síntese alegou que:

•  Em 11/09/1991 o Autor e a Ré BB celebraram um contrato-promessa de constituição e de compra e venda do direito real de habitação periódica, por escritura pública, tendo por objecto a 7.ª semana da unidade 202 do Apartamento TO Tipologia 2 de DD contrato constituído por 9 cláusulas, pelo preço de 700.000$00 a que corresponde 3.491,60EUR, sendo estipulada a quantia de 140.000$00 a que corresponde 698,32EUR a título de sinal e principio de pagamento, um reforço de sinal que deveria ser prestado até 15/10/1991 no valor de 140.000$00 a que corresponde 698,32EUR, sendo a quantia remanescente paga em 24 prestações mensais iguais de 22.930$00 a que corresponde 114,37EUR cada as quais incluía encargos financeiros, vencendo-se a primeira em 1574/1991, tendo em 20/5/1991 sido enviado ao Autor cartão de membro fundador n.° 201, tendo o preço acordado para o DRHP sido integralmente pago até 14/7/1994 (art.°s 1 a 36)

•  Em 8/11/1993 a BB informou o Autor por carta que cedeu a exploração hoteleira do empreendimento DD a uma empresa constituída e vocacionada para esse fim a Aparthotel EE, Lda, tendo o Autor solicitado à BB em 10/2/1994 que lhe enviasse o título de DRHP para registo, insistindo em 9/12/1994 e a sua inscrição no RCI conforme lhe fora prometido e a renovação do cartão de Membro Fundador que caducara em Abril de 1994, em 16/1/1995, 13/2/1995, 16/2/1996 voltou a insistir e em 16/12/1996 o Autor foi informado pela BB de que por escritura notarial realizada no dia 6/11/1996 fora efectuada a transacção do Aparthotel para a Caixa CC e para qualquer assunto relacionado com o Empreendimento contactasse a Caixa CC (art.°s 37 a 45)

•  A BB era devedora de várias quantias à Caixa CC e nessa medida a BB efectuou a esta uma dação em cumprimento de vários bens, entre os quais o Hotel Apartamento EE, ficando estabelecido na clª 9.ª desse acordo que a Caixa assumiria a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços no sentido de negociar com os promitentes compradores das fracções autónomas por forma a obter a extinção que se torna necessária para o prédio objecto daquela dação poder ser submetido à exploração em regime de direito real de habitação periódica suportando a Caixa as indemnizações a que haja lugar em função da referida extinção dos contratos-promessa de compra e venda em que haja acordo e na clª 10.ª a Caixa assumiu a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas unilaterais de compra respeitantes aos direitos reais de habitação periódica. Em 19/3/07 o Autor solicitou à Caixa que lhe emitisse o título de DRHP para registo, a Ré respondeu que estava para análise em 16/3/98 o Autor insistiu, a Caixa respondeu que as acções de normalização ainda decorriam, em 26/3/199 o Autor insistiu a Caixa respondeu em 20/4/1999 dizendo que aguardava resultado de vários requerimentos de vistoria solicitados à Câmara com vista à realização da escritura notarial que sustentasse a adequação do empreendimento aos requisitos da legislação do DRHP bem como do requerimento à Direcção Geral de Turismo de certidão da existência do empreendimento, a 4/2/2000 a Caixa solicitou ao Autor o envio da cópia do contrato-promessa e demais documentação no prazo de 20 dias entendendo-se na omissão do Autor que este não invocava qualquer direito sobre a matéria, o Autor satisfez o pedido em 1/3/2000, não foi enviado o título um ano depois, o Autor voltou a insistir em 3/12/02 a Caixa responde em 3/12/03 dizendo que o Hotel se encontra encerrado temporariamente desde 15/11/02 em virtude da extinção por caducidade do contrato de cessão de exploração celebrado como FF..., não pretendendo a Caixa, face à perspectiva de comercialização conceder a sua exploração a qualquer entidade, referindo, ainda a Caixa que todos os acordos ou contratos celebrados que envolvam a utilização de fracções autónomas do prédio ou estadia no Hotel não são da responsabilidade da Caixa que nunca constituiu ou prometeu constituir DRHP a favor de qualquer entidade, quer directamente quer através da assunção de posição contratual nos contratos-promessa de aquisição de DRHP, nem aceitou promessa unilateral de aquisição desses direitos e que por isso o Autor não poderia utilizar o referido empreendimento ou fracções autónomas dos imóveis a ele afectos, o que reiterou por carta de 22/1/03 (art.°s 46 a 66).

•  O Autor procurou ajuda junto da DECO que interpelou por diversas vezes a Caixa para se pronunciar sobre o sucedido ao que a Caixa respondeu que os referidos contratos-promessa não eram oponíveis a terceiros, neste caso à Caixa CC, mas que, ainda assim, se encontrava a analisar uma solução para os consumidores lesados com a dação, a Deco fez outras diligências que se revelaram infrutíferas (art.°s 67 a 73)

•  O contrato do Autor não tem eficácia real porque a BB e a Caixa sempre estiveram a agir de má fé não entregando o título de DRHP para registo, as Rés nunca informaram o Autor de quaisquer dificuldades na condução do processo de emissão do título, sendo que a Caixa aquando da dação tinha conhecimento da existência dos contratos-promessa e foi o conhecimento de alguns contratos bem como o cumprimento da obrigação assumida nos termos da cla 10.ª da escritura de doação que estiveram na origem de um pedido da Caixa a todas as pessoas indicadas no mapa de conta corrente de clientes de DRHP, não tendo ao Autor sido formulado qualquer pedido, sendo que os contratos-promessa são ónus obrigacionais para efeitos da claa ll.a, pelo que a Caixa estava obrigada a proporcionar o gozo do direito que o Autor integralmente pagara, pelo que a Caixa deve diligenciar no sentido de colocar o Empreendimento em funcionamento o que vai de encontro ao que assumiu aquando da celebração da escritura de dação, sendo o Autor alheio aos problemas surgidos com a FF entidade que explorava o Empreendimento, nem tem que ser prejudicado portal(art.°s74al01)

•  Em virtude a actuação de má-fé das Rés o Autor tem direito às quantias referidas nos art.°s 102 a 113, a BB nunca tratou do assunto com seriedade, nunca respondendo às missivas que o Autor lhe dirigiu, nunca esclareceu o Autor das suas eventuais dificuldades financeiras e tinha a obrigação contratual de o fazer na medida em que recebeu a totalidade do preço e as despesas de manutenção durante os anos em que geriu o Empreendimento, sempre escondeu do Autor que iria entregar o Empreendimento à Caixa para liquidação de eventuais dívidas, só sabendo o Autor da dação pela carta de 16/12/1996, a Caixa assumiu o compromisso de desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas unilaterais de compra respeitantes aos direitos reais de habitação periódica, mas não o fez, a Caixa celebrou o contrato de exploração do Empreendimento com FF, mas sempre com intenção de encerrar o Empreendimento, pois se a relação com FF não correu bem contratava outra empresa não descurando os compromissos que assumira aquando da dação, como descurou não enviando ao Autor o título para registo, sabendo a Ré que se o fizesse o Autor registava o título e passaria a ter um direito real sobre o imóvel (art.°s 102 a 134)

•  O período de 16 anos decorrido desde a celebração do contrato-promessa foi mais do que suficiente para se celebrar o contrato definitivo, mas isso não aconteceu por culpa das Rés que nunca tiveram intenção de o celebrar sempre ludibriando o Autor com o intuito de receberem o preço do contrato e as despesas de manutenção, o Autor, com o encerramento do Empreendimento viu-se privado do gozo que até aí tivera, tendo que o fazer noutro local e despender mais dinheiro para tal, teve o Autor em razão da actuação das Rés aborrecimentos graves e tratamento médico e medicamentoso por irritação e angústia mau estar e insónias devendo ser fixado por cada ano um valor compensatório na ordem de 750,00EUR/ano no momento liquidado em 9.750,00EUR,estando o direito do Autor salvaguardado pela caução a que legalmente o promitente vendedor estava obrigado (art.°s 135 a 165).

3 - Devidamente citadas para a causa a Ré Caixa veio

-excepcionar a incompetência territorial por em virtude da clª 9.ª e do art.° 74 do CPC ser competente o Tribunal de Lisboa por ser o da sede da Ré,

- impugna os factos alegados sob 1,2, 4, 10, 11, 15, 16 18a 22, 24 25, 27 a 36, 38 a 47, parcialmente 67 a 73, 74, parcialmente em 75, 76 a 81, 83, 88, 89 a 91 e parcialmente 92, 94, 96 a 99, 101, 102, 104 a 113, 114, 115, 117, 119 a 123, 131, 138 a 144 e

- motivadamente diz:

•  Não tinha conhecimento da existência do contrato-promessa de constituição e de compra e venda do direito real de habitação periódica que constitui o doc. 1 a partir da 4.ª à 12.ª folha, à data em que outorgou com BB a escritura de dação em cumprimento, mas apenas da promessa unilateral de compra em nome do Autor que ora junta, não tendo enviado ao Autor o título de DRHP porque não era sua obrigação, o Autor não adquiriu bem algum no Hotel Apartamento EE nem a Caixa CC assumiu ou aceitou proporcionar ao Autor o gozo de um bem que este a não adquiriu, uma vez que o contrato de dação em cumprimento constitui em relação ao Autor res inter alios (art.°s 1 a 38)

•    A Caixa CC e a BB outorgaram a escritura de dação em cumprimento em 6/11/96, o Autor poderia ter exigido judicialmente da BB o cumprimento das respectivas obrigações contratuais, muito tempo antes da escritura de dação, pois a BB tinha ou até 6 meses após a conclusão do imóvel ou até 3 meses após o pagamento integral do preço para entregar ao Autor o título, tendo mediado mais de 2 anos até à escritura de dação sem que o Autor tivesse intentando qualquer procedimento contra a BB, tendo esperado 13 anos para intentar esta acção (art.°s 39 a 53)

•  Em 31/10/02 caducou o contrato de cessão de exploração do empreendimento DD devendo a FF por força da caducidade entregar à Caixa CC nessa altura a posse do dito empreendimento, o que não ocorreu, tendo a FF despojado os apartamentos dos blocos B, C, D, de todo o respectivo recheio, o que motivou acção de indemnização contra a mesma que só terminou em Dez. de 2006 por transacção, estando os edifícios muito degradados a precisar de obras na ordem dos 2.000.000,00EUR para viabilizar a exploração hoteleira, pelo que a condenação da Caixa CC a reabrir o empreendimento corresponderia a uma gravíssima violação do princípio da proporcionalidade; a entrega total só ocorreu em 11/5/06 e durante esse lapso de tempo a Ré não conseguiu fazer aquilo que querida que era vender o estabelecimento hoteleiro bem como o imóvel onde o mesmo se situa no estado físico e situação jurídica em que se encontram, não fazendo parte do objecto social da Caixa CC explorar estabelecimentos hoteleiros e mesmo que o quisesse fazer até 2006 não o pode fazer em razão da atitude da FF; o encerramento do estabelecimento hoteleiro desde Outubro de 2002 não ficou a dever-se a qualquer incumprimento contratual da Ré muito menos a qualquer incumprimento da Ré para com o Autor perante o qual nenhuma obrigação a Ré assumiu (art.°s 54 a 70).

A Ré BB foi citada na pessoa do Presidente do Conselho de Administração GG aos 10/7/02 (cfr. fls. 384) e não contestou.

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4 - Por decisão de 21/10/2010 a Vara de Competência Mista do Tribunal de Setúbal declarou-se territorialmente incompetente e competente o de Sesimbra, para onde os autos foram remetidos, onde aos 24/2/2011 foi proferido despacho(fls. 442) no qual foi fixado o valor de 19.667,00 € e saneou o processo e fixou os factos tidos como provados, elaborando-se base instrutória com os que subsistiam como controvertidos.


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5 - Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, em 13/5/2013, que, julgando a acção parcialmente procedente, absolveu a CGD dos pedidos contra si formulados e condenou a Ré BB a pagar ao Autor 4.140,02EUR mais juros de mora, 1.500,00EUR e 2.500,00EUR a título de danos morais.

6 -Inconformado, recorreu desta decisão o Autor.


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7- A Relação julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida.


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8. É desta decisão que em 2014-09-29 foi interposta revista (fls.675) – pelo A. , que encerra as alegações com as seguintes conclusões:

1 - A Ré Caixa CC assumiu as obrigações decorrentes do disposto nas Cláusulas 9ª e 10ª da escritura da dação celebrada com a BB.

2 - A R. Caixa CC conhecia a existência do acordo mencionado em A) quando celebrou a escritura mencionada em D) (14°) conhecendo este doc. e não apenas o doc. junto com o doc. 1 da contestação (15) o que confirmou nos autos e perante o A. em missivas que lhe remeteu.

3 - Na escritura de dação celebrada entre as RR. em 6/11/1996 a Caixa CC assumiu a responsabilidade de desenvolver esforços para negociar as melhores condições decorrentes do contrato-promessa celebrado entre A. e R. ( cla 10ª). E nada fez!

4 - Tal terá de se entender como assumindo as obrigações decorrentes do referido contrato, sob pena de se entender que tal cláusula seria inócua.

5 - Impõe-se o entendimento de que a Caixa CC, mesmo que não tenha assumido tal posição, o que por mera hipótese se admite, criou legitimas espectativas ao A. de que os seus direitos lhe mereciam o devido respeito, tornando a Caixa CC responsável pelo ressarcimento dos danos causados pelo não efectivação de tais direitos (principio da boa fé e da culpa in contrahendo).

6 - Num caso, ou noutro, a Caixa CC deveria ter sido condenada a ressarcir o A. solidariamente com a R. BB, até porque lhe competia a prova de que não teve culpa no incumprimento (art° 414° do CPC).

7- A douta decisão violou pois o disposto nos art°s 414°, 607, 615° n° 1 c) e d) do CPC, e art°410° e 498° do C.C., pelo que deve decidir-se pela condenação da Ré Caixa CC.

Neste Termos

Deve o douto Acórdão ser revogado ou anulado condenando-se a Ré Caixa CC solidariamente com a R. BB nos termos definidos na douta sentença.

Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:

O valor da causa encontra-se fixado em 19.677,70 € com a prolação do douto despacho saneador em 25.01.2011, desde há muito transitado em julgado.

Atenta a lei aplicável aos presentes autos - Lei 3/99 de 13.01 - afigura-se à ré que o interposto recurso não deverá ser admitido.

Com efeito, nos termos do art. 24° n° 1 da Lei 3/99 de 13.01 o valor da alçada do Tribunal da Relação situa-se em 30.000,00 €, pelo que o valor da presente causa situa-se dentro deste limite tratando-se consequentemente de uma decisão irrecorrível.

A não ser assim entendido - o que só por mera cautela de patrocínio se admite -então não enxerga a Caixa CC, S.A. razões para que se revogue o douto Acórdão prolatado com data de 11.09.2014, no qual se revê.


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9 - Matéria de facto:

1. Foi celebrado um acordo escrito denominado de "contrato promessa de constituição e de compra e venda do direito real de habitação periódica", composto por 9 cláusulas e assinado pelo Autor, como segundo outorgante e assinado por terceira pessoa na qualidade de sócio Gerente da sociedade BB, aqui 1ª Ré, na qualidade de primeira outorgante, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (72 a 81 verso dos autos) - Alínea A) da matéria de facto provado;

2. Do acordo consta a assinatura do legal representante da Ré BB datada de 11.09.1991 e a assinatura do Autor data de 7.11.1991 - Alínea B) da matéria de facto assente;

3. Do aludido acordo constam designadamente as seguintes cláusulas:

a. Cláusula Quarta: "Identificação dos DRHP comprados", "a primeira outorgante promete vender e o segundo outorgante promete comprar os direitos de habitação periódica, cujas fracções temporais se iniciem às 16 horas de sábado de cada ano abaixo indicados terminem à mesma hora do sábado seguinte, e que venham a ser constituídos sobre a parcela habitacional a seguir identificada: 1.1. - 07- TO - 28,20m2 - 2 piso - 202";

b. Cláusula Quinta: "O preço acordado para o DRPH é de Esc 700.000$00, o qual será pago nos termos seguintes: a) A quantia de Esc. 140.000$00 a título de sinal e de princípio de pagamento, obrigando-se a promitente vendedora a dar correspondente quitação em documento autónomo, após recebimento efectivo; b) A quantia de Esc. 140.000$00, até 15.10.1991, como reforço de sinal; c) A quantia restante, ou todo o preço quando não haja sido convencionada entrada inicial, em 24 prestações mensais, iguais, no montante de Esc. 22.930$00, cada uma, as quais incluem também os encargos financeiros decorrentes do seu diferimento no tempo e que foram calculadas pelo método de rendas constantes, vencendo-se a primeira em 15.11.1991 e as restantes no mesmo dias dos meses subsequentes. (...)"-Alínea C) da matéria de facto assente;

4. Por escritura denominada de "Dação em cumprimento", efectuada no notariado privativo da Caixa CC, SA foi celebrado entre Caixa CC, SA, e BB, SA, datada de 6.11.1996, e em "cumprimento da totalidade da dívida de três mil quatrocentos e dezasseis milhões e oitocentos e vinte e três mil quinhentos e noventa e dois escudos, a BB dá à Caixa (...)", o "hotel Apartamento EE, abrangendo "a transmissão de todas as respectivas licenças e alvarás bem como todo o mobiliário e equipamento" - Alínea D) da matéria de facto assente;

5. Nessa mesma escritura consta em 9º, "A Caixa assume a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços no sentido de negociar com os promitentes-compradores das fracções autónomas que constam do documento que fica arquivado a instruir o presente instrumento, com a designação de "clientes propriedade horizontal" (...) de forma a obter a extinção dos respectivos contratos, extinção que se torna necessária para o objecto desta dação, poder ser submetido à exploração em regime de direito real de habitação periódica, suportando a Caixa as indemnizações que haja lugar em função da referida extinção dos contratos promessa de compra e venda em que haja acordo. Para efeito a BB confere aqui à Caixa CC os poderes necessários para promover as negociações anteriormente referidas" - Alínea E) da matéria de facto assente;

6. E no ponto 10° do mesmo acordo "A Caixa assume ainda a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas unilaterais de compra respeitantes aos direitos reais de habitação periódica identificados num outro documento que fica também arquivado e a instruir o presente instrumento, com a designação de "Mapa conta corrente de clientes DRHP" (...)" - Alínea F) da matéria de facto assente;

7. Por escrito e desde 19 de Março de 1997 e até ao fim do ano de 2002, o A. tem solicitado, por diversas vezes, à Caixa CC., que lhe emitisse o Título de DRHP para registo, sendo que a mesma nunca procedeu a tal entrega - tendo o Autor e a Ré Caixa CC trocado entre si as missivas constantes dos docs. 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48,49 e 50, juntos com a petição inicial, e que se dão por integralmente reproduzidos - Alínea G) da matéria de facto assente;

8. A Ré Caixa CC remeteu ao Autor, carta datada de 3.12.2002, constante do documento 51 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no sentido de o informar designadamente que: "O Empreendimento Turístico denominado "Hotel Apartamento EE", instalado no prédio urbano sito em …, Lote número …, Freguesia de Santiago, Concelho de Sesimbra, da titularidade da Caixa CC, e cuja entidade exploradora era a sociedade denominada "FF - Gestão Hoteleira, S.A.", se encontra desde 15 de Novembro de 2002 encerrado, temporariamente, em virtude da extinção por caducidade em 31 de Outubro de 2002 do contrato de cessão de exploração celebrado com aquela sociedade, não pretendendo a Caixa CC., à presente data, conceder a sua exploração a qualquer entidade, face à perspectiva da sua comercialização (...)". Todos os acordos ou contratos celebrados, incluindo a FF - Gestão Hoteleira, S.A., que envolvam a utilização de fracções autónomas do prédio urbano acima identificado ou estadia no Hotel Apartamento EE não são da responsabilidade da Caixa CC, não assumindo nem tendo assumido esta Instituição qualquer compromisso de continuidade em relação aos eventuais acordos/contratos de uso de semanas a título de DRHP ou a qualquer outro título (...). A Caixa CC nunca constituiu ou prometeu constituir DRHP a favor de qualquer entidade, quer directamente, quer através da assunção da posição contratual nos contratos-promessa de aquisição de DRHP celebrados com a BB - Construções, S.A., nem aceitou qualquer promessa unilateral de aquisição de DRHP (...)" Atento o exposto, V. Exa. Não poderá utilizar o referido Empreendimento ou fracções autónomas dos imóveis a ele afectos" - Alínea H) da matéria de facto assente;

9. No seguimento da missiva mencionada supra, o Autor em Dezembro de 2002, respondeu à Ré Caixa CC nos termos constantes do doc. n.° 52 junto com a petição inicial, fls. 161 -Alínea I) da matéria de facto assente;

10. Em 22 de Janeiro de 2003, a R. Caixa CC respondeu por escrito, com o teor da carta constante como doc. n.° 53, da petição inicial, fls. 163, nos termos que se dão por integralmente reproduzidos - Alínea J) da matéria de facto;

11. A Deco e a Caixa CC encetaram diversas comunicações, tendo a Caixa CC respondido nos termos constantes do doc. n.° 55 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido -Alínea L) da matéria de facto assente;

12. O autor, relativamente ao acordo mencionado em A), procedeu aos seguintes pagamentos:

a. 140.000$00 atinente à entrada inicial, com quitação em 15.04.1991

b. 14.000$00 de despesas com processamento do contrato n.° 394 do empreendimento DD, com quitação em 14.04.1991

c. 140.000$00, com quitação em 15.10.1991 d. 45.860$00, para pagamento das prestações de Novembro e Dezembro de 1991, com quitação em 30.12.1991

e. 45.860S00, para pagamento de duas prestações, com quitação em 07.05.1992;

f. 22.930$00, para pagamento de uma prestação, com quitação em 04.06.1992;

g. 68.790$00, com quitação em 15.07.1992

h. 68.790$00, com quitação em 31.12.1992

i. 26.100$00, de taxa de manutenção de 1993

j. 137.580$00, das prestações de Outubro de 1992 a Março de 1993, com quitação 31.05.1993

k. 45.860S00, de pagamento de duas prestações, com quitação em 30.11.1993.

1. 68.790$00, de pagamento de duas prestações, com quitação 17.02.1994

m. 45.860$00, de pagamento de duas prestações, com quitação em 7.07.1994

n. 27.405$00, pagamento de taxa de utilização, com quitação em 14.07.1994 - Artigo 1º da

Base Instrutória;

13. O Autor terminou o pagamento do valor acordado em Julho de 1994 - Artigo 2º da Base Instrutória;

14. Em 08 de Fevereiro de 1993 a R. BB informou o A., por carta, que cedeu a exploração hoteleira do empreendimento DD a uma empresa constituída e vocacionada, para esse fim - Aparthotel EE, Lda - Artigo 3º da Base Instrutória;

15. Desde 10 de Fevereiro de 1994, e por diversas vezes, o A. solicitou por escrito à R. BB que lhe enviasse o Título de DRHP e bem assim, a renovação do cartão de Membro Fundador, que caducara em Abril de 1994, sendo a última missiva do ano de 1996 - Artigo 4º da Base Instrutória;

16. Nunca lhe tendo sido entregue pela Ré BB o peticionado documento - Artigo 5º da Base Instrutória;

17. Em 16 de Dezembro de 1996, o A. foi informado, pela R. BB, da escritura mencionada em D), de acordo e nos termos do teor do doc. n.° 39 junto com a petição - Artigo 6º da Base Instrutória;

18. O A. ficou impedido de usufruir do espaço no referido Hotel desde 15.11.2002 - Artigo 7º da Base Instrutória;

19. O Autor celebrara o contrato para passar uma semana de férias no período correspondente à sétima semana de cada ano - Artigo 11º da Base Instrutória;

20. O Autor se quiser passar férias na sétima semana de cada ano tem de o fazer noutro local e despender dinheiro para tal - Artigo 12° da Base Instrutória;

21. O autor teve necessidade de tratamento médico e medicamentoso por sentir irritação e angústia, bem como mal-estar e insónias, devido à situação do apartamento e não entrega do título - Artigo 13° da Base Instrutória;

22. A Ré Caixa CC desconhecia a existência do acordo mencionado em A) quando celebrou a escritura mencionada em D) - Artigo 14° da Base Instrutória;

23. Apenas conhecendo a Ré Caixa CC, o doc. junto como doc. n.° 1 da contestação, de fls. 192 e ss - Artigo 15° da Base Instrutória;

24. Para promover a reabertura do empreendimento, a fim de proceder a reparações de manutenção e de conservação, a Ré Caixa CC teria de despender pelo menos a quantia de 2 milhões de euros - Artigo 16º da Base Instrutória;

25. O encerramento do empreendimento sucedeu em 31.10.2002 por ter atingido o termo do acordo de cessão de exploração com a sociedade FF - Gestão Hoteleira, S.A. -Artigo 17° da Base Instrutória;

26. Apesar do referido em 25. Supra, a FF, SA recusou-se a entregar o Bloco A do Empreendimento - Hotel Apartamento EE, apenas o tendo feito em 11.05.2006, após a acção judicial - Artigo 18º da Base Instrutória;

27. No Bloco A funcionam os serviços gerais como recepção, escritório, atendimento, central telefónica e lavandaria, comuns aos demais blocos do empreendimento - Artigo 19º da Base Instrutória;

28. A FF quanto aos blocos B, C e D retirou o recheio, ar condicionado, cadeiras, camas, sofás, mesas, candeeiros, talheres, toalhas, lençóis, cortinados, cobertores, almofadas, tapetes e TV's - Artigo 20° da Base Instrutória.



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10 - O mérito da causa:

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil.


As questões a resolver são as seguintes:

A. Admissibilidade do recurso.

B. Contrato com eficácia protectora de terceiros



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A - Admissibilidade do recurso

Por manifesto lapso de que nos penitenciamos, demos como assente que a presente acção deu entrada em 7-2-2010, quando a mesma deu entrada 19-4-2007. Tal lapso deveu-se ao facto de termos atentado à data da entrada no Tribunal de Sesimbra após o Tribunal de Setúbal se ter declarado incompetente.

Reapreciando, tendo sido fixado o valor da presente acção no despacho saneador em 19.667,00 €.(fls. 442), fixou-se, assim, definitivamente, o valor da causa – art. 315.º do CPC(306º do NCPC).

Valor este que está compreendido no valor da alçada do Tribunal da Relação, na vigência desta acção – art. 24.º, nº 1 da LOFTJ, na redacção dada pela Lei 3/99, de 13/1, já que o aumento dos valores das alçadas introduzido pela reforma de 2007 só tem aplicação aos processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2008 (artº 11º do D.L. 303/07 de 24/08).

Sendo a admissibilidade dos recursos, por efeito das alçadas, regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (art. 31.º, n.º 3 da Lei n.º 52/2008, de 20-08), o que bem se compreende por razões de segurança e tutela das expectativas das partes.

Assim tendo a acção como já foi dito, entrado em Juízo em 19-4-2007 e, considerando que o valor da alçada das Relações se encontrava então fixado 14.963,94 €, o recurso é admissível, por estarem preenchidos os requisitos da recorribilidade a que se refere o citado art. 678.º, n.º 1.



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B - Contrato com eficácia protectora de terceiros

Na sentença defendeu-se que o direito real de habitação periódica foi instituído pelo DL 355/81 de 31/12,posteriormente alterado pelo DL 130/98 de 18/4, regime que vigorava à data da celebração do contrato-promessa dos autos, sujeito a um regime próprio regulado nos art.°s 30 a 32, que são normas especiais, vinculando-se a BB perante o Autor a constituir o direito real de habitação periódica sobre a fracção identificada no contrato-promessa, obrigação que não cumpriu não concretizando o negócio prometido.

Na escritura de 6/11/96 o que está em causa é uma dação em pagamento e não uma cessão de posição contratual da BB para a Caixa CC, pois não decorre dos termos da dação em cumprimento que a Caixa CC aceitasse suceder na posição contratual da Ré BB.

A clª 10ª da escritura de dação contém apenas uma obrigação de meios por parte da Caixa CC e face à BB de negociar com o Autor.

A Relação entendeu que o credor dessa obrigação é sem dúvida alguma a BB e não os promitentes-compradores de DRHP que têm, face ao contrato de dação, a expectativa da negociação dos seus contratos. Contudo à míngua de factos alegados e correspondente prova sobre a execução da obrigação de constituição do prédio em direito real de habitação periódica mediante a competente escritura, desconhece-se se houve ou não culpa da Caixa CC na inexecução dessa obrigação e porque a execução do cumprimento desse contrato e das correspondentes obrigações não é objecto de discussão desta acção não é possível sequer presumir a culpa nesse eventual incumprimento. E a aferição desse incumprimento era essencial para aferição da violação dos deveres acessórios perante os promitentes compradores dos DRHP e pela culpa da Caixa CC no incumprimento da obrigação de meios de negociação das promessas.

Vejamos:

O contrato-promessa cria para o promitente uma obrigação de vir a contratar, cujo objecto é uma prestação de facto, gozando apenas de eficácia meramente obrigacional, restrita, por conseguinte, às partes contraentes, ao invés do contrato prometido, quando se trate de contrato de alienação ou oneração de coisa determinada, que tem eficácia real.

O regime da eficácia real da promessa está previsto no artigo 413.º do Código Civil, actualizado no seu n.º 2 com a nova redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho.

É, assim, legalmente admitido que a promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou sobre móveis sujeitos a registo, produza efeitos em relação a terceiros, desde que se verifiquem os seguintes requisitos:

    • Constar a promessa de escritura pública ou documento particular autenticado, salvo se para o contrato prometido a lei não exigir escritura ou documento particular autenticado, porque nesse caso basta um documento particular com o reconhecimento das assinaturas;
    • Os promitentes expressamente atribuírem eficácia real;
    • Serem inscritos no registo os direitos emergentes da promessa.

Conferindo-se efeitos reais ao contrato, a promessa subjacente, enquanto não for revogada, declarada nula ou anulada, ou não caducar, prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que no futuro se constituam em relação ao bem prometido alienar.

Perante terceiros, o contrato-promessa com eficácia real tem efeitos idênticos ao do contrato prometido (como se na data da sua celebração se houvesse realizado a alienação ou oneração definitivas).

Na falta de registo legalmente exigido, o contrato-promessa manterá apenas a sua eficácia obrigacional (entre as partes contratantes) e o estipulado não pode ser oposto a terceiros, nem destes pode ser exigido qualquer indemnização pelo facto da sua violação.

Já devidamente registado, os direitos emergentes do contrato podem ser opostos a terceiros. No caso mais frequente da compra e venda de imóveis, se o contrato-promessa tiver eficácia real e for violado, não obstante a coisa já ter sido alienada a um terceiro, pode ser interposta pelo promitente-comprador uma acção de execução específica (neste caso, terá de ser interposta contra o promitente vendedor e contra o terceiro adquirente) para obter uma sentença que fará prevalecer os direitos emergentes do contrato-promessa sobre os efeitos jurídicos da compra e venda posteriormente celebrada.

A ter ainda em consideração que o objecto do contrato-promessa, para ter eficácia real, tem de incidir sobre uma promessa de contrato definitivo com eficácia real transmissiva ou constitutiva (não podem ter eficácia real, por exemplo, e entre outros, os contratos-promessa de comodato, de prestação de serviços, de trabalho e de arrendamento).

Daqui decorre que se o contrato promessa tivesse sido registado não haveria dúvidas que o direito do A. estaria assegurado.

Sucede que tal não aconteceu e que disso mesmo tinha conhecimento a R. Caixa CC.

Deste modo importa assim debruçarmo-nos sobre a razão de ser e as implicações daí resultantes da inclusão das cláusulas 9ª e 10ª (9ª, "A Caixa assume a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços no sentido de negociar com os promitentes-compradores das fracções autónomas que constam do documento que fica arquivado a instruir o presente instrumento, com a designação de "clientes propriedade horizontal" (...) de forma a obter a extinção dos respectivos contratos, extinção que se torna necessária para o objecto desta dação, poder ser submetido à exploração em regime de direito real de habitação periódica, suportando a Caixa as indemnizações que haja lugar em função da referida extinção dos contratos promessa de compra e venda em que haja acordo. Para efeito a BB confere aqui à Caixa CC os poderes necessários para promover as negociações anteriormente referidas" - Alínea E) da matéria de facto assente;

10ª-"A Caixa assume ainda a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas unilaterais de compra respeitantes aos direitos reais de habitação periódica identificados num outro documento que fica também arquivado e a instruir o presente instrumento, com a designação de "Mapa conta corrente de clientes DRHP" (...)" - Alínea F) da matéria de facto assente;)

Daí que importe procurar resposta para a pergunta que já a Relação equacionou qual seja a de que se resultará das referidas cláusulas, o dever por parte da Caixa CC de salvaguardar a sua integridade pessoal e patrimonial, por forma poder concluir-se que sob o manto protector estão os promitentes compradores dos DRHP?

A Relação entendeu que não dada a míngua de factos alegados e correspondente prova sobre a execução da obrigação de constituição do prédio em direito real de habitação periódica mediante a competente escritura, desconhece-se se houve ou não culpa da Caixa CC na inexecução dessa obrigação e porque a execução do cumprimento desse contrato e das correspondentes obrigações não é objecto de discussão desta acção não é possível sequer presumir a culpa nesse eventual incumprimento; e a aferição desse incumprimento era essencial para aferição da violação dos deveres acessórios perante os promitentes compradores dos DRHP e pela culpa da Caixa CC no incumprimento da obrigação de meios de negociação das promessas.

Afigura-se-nos no entanto que não é necessário alargar tanto o âmbito das referidas cláusulas passando pela constituição do prédio em direito real de habitação periódica para apreciar e satisfazer ou não as pretensões do Autor.

Na verdade este pediu de facto a condenação da Caixa CC a reabrir o Empreendimento Turístico DD e ainda a entregar ao Autor o título de DRHP para o registo ,mas tal  não sendo possível, em alternativa a condenação da Caixa CC e da BB a indemnizarem o Autor

-no valor do preço pago pela aquisição de uma semana de férias no referido empreendimento ou seja 4.120,02EUR, devendo proceder-se à correcção monetária e

- condenar as Rés a pagarem ao Autor os respectivos juros vencidos e vincendos que se fixam em 4.047,68EUR, 350,00EUR/ano relativos à não usufruição do seu direito de férias no empreendimento até integral solução estando já vencidos 1.750,00EUR, devendo, no caso de não reabertura do Empreendimento fixar-se a indemnização condigna nunca inferior a 15.000,00EUR

- e ainda uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 9.750,00 EUR já vencida e 750,00EUR/ano até decisão.

No caso a R. Caixa aquando da celebração da dação em pagamento tinha conhecimento do contrato promessa, pelo que abusa do direito de liberdade contratual quando adquirindo o prédio e comprometendo-se a desenvolver os melhores esforços no sentido de negociar com os promitentes-compradores das fracções autónomas, nada fez no sentido de salvaguardar os interesses e direitos do A. ([1])

É certo que a actuação da R. ao adquirir o prédio frusta o direito do autor, mas também é certo que não está demonstrado que esta actuação da R. tivesse tido em vista deliberadamente a frustração desse interesse, que permitiria desencadear a eficácia externa das obrigações. Mas não é neste âmbito, o da eficácia externa das obrigações ,que a solução para este caso se deve procurar, mas pela via  da responsabilidade civil baseado no “contrato com eficácia de protecção de terceiros”.

Para além disso, os deveres acessórios que vigoram entre as partes podem abranger a tutela da posição de terceiros, situação que tem designada na doutrina por “contrato com eficácia de protecção em relação a terceiros”748. Esta situação ocorrerá sempre que o terceiro apresente posição de tal proximidade com o credor, que se justificará a extensão relação a ele do círculo de protecção do contrato. Têm sido apontados a este propósito os exemplos de fornecimentos defeituosos a determinados empresários, que vêm a causar danos nos seus trabalhadores, ou arrendamento da habitação sem condições, que vem a lesar os familiares do inquilino. Não se trata nestes casos de um contrato a favor de terceiro (art. 443°), uma vez que o terceiro não adquire qualquer direito à protecção, sendo apenas tutelado pelos deveres de boa fé, que a lei impõe relação às partes, e cuja violação lhe permite reclamar indemnização pelos danos sofridos.

Também neste caso essa indemnização não corresponde aos pressupostos da responsabilidade delitual, uma vez que não se reconduz a deveres genéricos de respeito, nem aos da responsabilidade obrigacional uma vez que o devedor, em relação ao terceiro, tem apenas uma relação de protecção. Estamos aqui manifestamente também no âmbito da terceira via da responsabilidade civil.([2])

Deste modo teremos que divergir do acórdão recorrido quando defende que não há elementos para condenar a Caixa CC na indemnização por não ter factos suficientes para o incumprimento.

Na verdade o contrato estabelecido entre a Caixa e a BB surge como acto (efectivo) de autonomia privada, nada impondo à Caixa as referidas cláusulas 9ª e 10ª que esta quis assumir.

Resulta assim inequivocamente que do contrato derivam deveres de protecção para terceiros, já que das referidas estipulações contratuais decorre uma intenção protectora de terceiros. Outra interpretação seria esvaziar de conteúdo as referias cláusulas que, sublinhe-se mais uma vez, surgiram de geração espontânea, e não foi essa a intenção dos contratantes, já que como referimos supra estamos perante uma relação obrigacional que não real.

Neste sentido como nota o acórdão recorrido LARENZ defende um alargamento dos deveres acessórios de protecção a terceiros, na base das exigências da boa fé. Haveria deste modo um dever legal mas semelhante aos resultantes dos contratos, sendo que os deveres protectores de terceiros existiriam na formação de uma relação de confiança que envolveria o terceiro e o devedor na situação obrigacional em si. O fundamento da eficácia protectora de terceiros reside a título provisório na boa fé e o seu efectivo desenvolvimento deve ser integrado com os aspectos respeitantes à culpa in contrahendo e aos deveres acessórios em geral; a eficácia protectora dos terceiros não reside apenas em deveres de protecção no que se tudo se reconduziria à responsabilidade civil por factos ilícitos, antes o princípio do contrato e o respeito pela ordem jurídica implicam que a par dos deveres primários de prestação devem ser observados outros acessórios, como os deveres de informação e lealdade (cfr. Menezes Cordeiro e outro in Da Boa fé no Direito Civil, Colecção Teses, Coimbra Almedina, 1997 reimpressão).

Ainda segundo este professor([3]) “ a protecção de terceiro surge quando, em face de um contrato: alguém que, nele, não seja parte, tenha uma proximidade visível, perante a prestação principal e em face do credor, a prestação principal em causa, pela sua natureza, venha bulir com o terceiro ou possa conduzir a isso; o terceiro tenha, em termos de razoabilidade, uma confiança legítima no bom desenrolar dessa prestação

Na doutrina e na jurisprudência alemãs a consciência da independência desses deveres em relação ao nível da prestação, possibilitou o alargamento quanto aos sujeitos activos e passivos desses deveres, passando a reconhecer-se como titulares activos desses deveres de protecção certos terceiros em atenção à sua exposição fáctica ou típica aos riscos de danos pessoais ou patrimoniais advenientes da execução de um determinado contrato, os quais o devedor deveria prevenir. O contrato com eficácia de protecção para terceiros exprime a ideia de que certos negócios envolveriam determinados terceiros sob o seu manto protector, conferindo-lhes um direito indemnizatório, não por violação de algum dever de prestar pois este só existe entre as partes mas por desrespeito de um dever de salvaguardar a sua integridade pessoal ou patrimonial: simetricamente o credor da relação obrigacional poderia ter a sua esfera patrimonial ou pessoal defendida não apenas pela cominação de deveres de protecção à contraparte, mas também pela extensão destes a certos terceiros em razão da proximidade deles à sua esfera e concomitante possibilidade de aí interferir danosamente (cfr. Carneiro da Frada obra citada pág. 43).



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Caixa de texto: 11-DECISÃO:
Nesta conformidade decide-se julgar procedente a revista condenando-se a R. Caixa CC solidariamente com a R. BB nos termos definidos na sentença.
Custas pela recorrida. 
Notifique.



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Lisboa, 2016-1-21


João Trindade (Relator)

Tavares de Paiva

Abrantes Geraldes (vencido)

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Declaração de voto:

1. A promessa unilateral de compra do direito real de habitação periódica (DRHP) que é invocada pelo A. para sustentar os pedidos que formulou na presente acção tem como contraparte a sociedade BB, SA, entidade que aceitou a outorga desse contrato e recebeu os quantitativos que foram pagos pelo A.

Não gozando tal promessa de eficácia real, a mesma é inoponível à Caixa CC que posteriormente, por via da dação em pagamento, veio a adquirir daquela o direito de propriedade sobre o prédio em que se integrava a fracção autónoma a que respeitava tal promessa, atenta a regra geral que decorre do art. 406º do CC.

Vem o A. reclamar da Caixa CC a condenação no pagamento do valor que entregou à BB por conta do preço da aquisição do DRHP, assim como uma indemnização por danos não patrimoniais.

Entendo que tais pretensões não deveriam ser acolhidas, como foi decidido pelas instâncias.


2. Sem embargo da regra geral constante do art. 406º do CC, não está afastada do nosso ordenamento jurídico a possibilidade de se produzirem determinados efeitos perante terceiros, como especificamente é salvaguardado pelo segmento final do preceito.

Assim ocorre designadamente com o contrato a favor de terceiro, nos termos dos arts. 443º do CC, figura que, porém, não encontra espaço de aplicação no caso concreto, na medida em que exige um circunstancialismo que não se verificou: a assunção pela Caixa CC de uma “obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro” (nº 1). Outras situações são enunciadas por Antunes varela, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª ed., pág. 161, que envolvem certos direitos pessoais de gozo ou vínculos de natureza familiar.

Além disso, a variedade de circunstâncias e a necessidade de encontrar no ordenamento jurídico soluções que respondam efectivamente a exigências de justiça, permite defender que determinadas obrigações, embora assumidas apenas no âmbito de determinado contrato, se repercutam positivamente na esfera jurídica de terceiros.

Todavia, o recurso à figura do “contrato com eficácia de protecção de terceiros”, de criação doutrinal, reclama a alegação e prova de factos que evidenciem ou a violação de normas de protecção de terceiros ou uma actuação pautada pela violação grave de regras da boa fé que devem ser observadas por cada um dos contraentes tanto na celebração como na execução ou mesmo depois da execução dos contratos.

Especialmente no que concerne a esta última, a sua aplicação casuística deve ser objecto de um especial cuidado que evite perturbações desnecessárias no comércio jurídico, cujo equilíbrio é preservado quando se mantém afincada a regra geral de que os contratos apenas produzem efeitos inter partes.


3. Este enquadramento jurídico que foi aceite na tese que fez vencimento envolve circunstâncias que de modo algum considero verificadas no caso concreto.

Não observo na matéria de facto provada, nem tão pouco na matéria de facto que foi alegada sustentação suficiente para a aplicação da referida figura, com o efeito que é declarado na posição que obteve vencimento.

Antes da instauração da presente acção houve uma prolongada troca de correspondência entre o A. e a Caixa CC, mas aquele apenas manifestou perante esta a pretensão de que lhe fosse entregue o título de ocupação da fracção (fls. 142 e 145, 151, 155), cumprindo a promessa unilateral de compra que a BB assumira, ao que a Caixa CC foi respondendo no sentido de aguardar a resolução da situação (fls. 150, 153), negando com toda a legitimidade a entrega daquele título, pelo facto de a correspondente obrigação não lhe ser oponível nem lhe ser exigível.

O A. nunca manifestou perante a Caixa CC a vontade de receber o sinal ou qualquer indemnização. Limitou-se a insistir perante a Caixa CC no sentido de satisfazer a sua pretensão principal materializada na entrega do título de DRHP, não se observando em qualquer das comunicações uma pretensão que, correspondendo ao teor da referida cláusula, confrontasse a Caixa CC com a necessidade de, na sequência do compromisso assumido perante a BB, desenvolver diligências (obrigação de meios) no sentido de negociar a posição contratual decorrente das promessas unilaterais de compra, designadamente através da promoção da extinção de tais contratos e consequente restituição do sinal que foi prestado por cada um dos promitentes, nomeadamente pelo A.

Era essa pretensão que poderia despoletar o incumprimento por parte da Caixa CC da obrigação de meios que havia assumido na escritura de dação, legitimando que o A. pudesse invocar, como fundamento da sua pretensão indemnizatória, o incumprimento injustificado daquela obrigação com repercussão na esfera de terceiros, desde que adicionalmente fosse apurado o exigente condicionalismo de que depende o recurso à figura da eficácia contratual perante terceiros.

Ora, através da presente acção, o A. visou essencialmente a condenação da Caixa CC na entrega do título de DRHP, mediante o cumprimento da promessa unilateral de aquisição, efeito inatingível, não apenas pelo facto de a promessa unilateral não lhe ser oponível, como ainda porque a constituição efectiva de DRHP sobre o prédio demandaria uma despesa na ordem dos dois milhões de Euros que não seria legítimo exigir dessa entidade bancária, de capitais públicos e, aliás, sem vocação para este ramo de actividade.

Tal pretensão contra a Caixa CC foi sustentada no ponto 10º da escritura de dação em pagamento que esta outorgou com a sociedade BB, através do qual se comprometeu a “desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas unilaterais de compra respeitantes aos DRHP” que haviam sido negociados pelo devedor relativamente ao prédio que foi objecto da dação em pagamento. Trata-se de uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado que foi assumida perante a BB.

Apenas subsidiariamente surge na petição o pedido de condenação de ambas as RR. no pagamento, a título de indemnização, do preço que o A. pagou à R. BB aquando da outorga da promessa de compra do DRHP e no pagamento de uma indemnização por danos morais atinentes ao facto de não ter podido gozar férias no empreendimento.

Este pedido subsidiário de pagamento de uma quantia nunca foi formulado antes de a acção ter sido proposta, a fim de obrigar a Caixa CC a desenvolver os esforços no sentido de uma solução consensual. Tal pretensão, assumindo um cariz indemnizatório e não restitutório, apenas foi apresentada pelo A. na presente acção, ainda assim a título subsidiário.

Confrontado com a improcedência da acção quanto à Caixa CC, o A., nas alegações apresentadas no âmbito do recurso de apelação, defendeu que aquela tinha assumido as obrigações contratuais da BB, o que manifestamente não é verdade. Foi assim que na presente acção o A. interpretou a referida cláusula, e não como uma mera obrigação de meios, limitando-se a invocar, com bastante vacuidade e sem convicção, a violação das regras da boa fé e a quebra de expectativas do A.

No presente recurso de revista o A. ainda foi mais parco na sua argumentação. Continuando a afirmar, apesar do que foi decidido pelas instâncias, que a Caixa CC assumiu a obrigação que da promessa unilateral de compra emergia para a BB, alegou apenas que a Caixa CC não provou que não teve culpa no incumprimento dessa obrigação (obrigação directamente emergente da promessa e não a mera obrigação de meios constante do ponto 10º da dação em pagamento). Alegou ainda de uma forma genérica que a Caixa CC “criou legítimas expectativas ao A. de que os seus direitos lhe mereciam o devido respeito, tornando a Caixa CC responsável pelo ressarcimento dos danos causados pela não efectivação de tais direitos”, com invocação tabelar da violação das regras da boa fé e da culpa in contrahendo (conclusão 5ª).


4. Carneiro da Frada, pronuncia-se sobre a problemática dos contratos com eficácia perante terceiros a propósito da responsabilidade civil dos concessionários de auto-estradas por acidentes em que intervêm os respectivos utentes. Depois de observar que “o contrato com eficácia de protecção para terceiros é admissível e pertinente perante o direito português”, adianta que para a sua aplicação depende de “razões que não são de mera circunstância, ligadas apenas a um específico e contingente modo-de-ser da nossa ordem jurídica”. Prevenindo o recurso injustificado a tal figura, numa situação em que estava em causa a responsabilização de concessionárias de auto-estradas por parte dos utentes, por violação de normas de protecção com reflexos em terceiros – os utentes das auto-estradas - bem diversa e menos exigente do que a que se nos apresenta no caso sub judice, acrescenta que:

“Daí não se segue contudo a sua aceitação indiscriminada. A fluidez e indeterminação da figura requerem precisão e pontualização dogmáticas, atento o facto de sob esse epíteto se albergarem constelações bastante diversas, algumas delas de rejeitar. Construções jurídicas praeter legem precisam, em geral, justamente porque desamparadas de um apoio legal claro, de ser cuidadosamente fundamentadas. Ao ponderar o seu reconhecimento têm de prescrutar-se convenientemente as possibilidades de intervenção do direito constituído e esgotar-se as suas possibilidades de aplicação. Mas depois, não pode, do simples facto de se afirmar a admissibilidade de tais construções, extrair-se delas, sem qualquer critério, ou sem o devido critério, consequências jurídicas que se acham convenientes. Estas não devem nunca manusear-se livremente, antes hão-de de ser fiéis, quer à índole e ao escopo da figura, quer a outros elementos sistemáticos cuja consideração se impõe de lege lata.

Tudo para dizer, por exemplo, que, embora um contrato de concessão celebrado pelo Estado com uma outra entidade destinado a regular a exploração, por esta, de uma auto-estrada, tenha normalmente, entre outros objectivos, como é natural, a preocupação de acautelar certos interesses de segurança dos utentes das auto-estradas concessionadas — consubstanciando um contrato com eficácia de protecção para terceiros —, daí não se segue de modo algum que ele seja, só por isso, fonte de deveres diversos, para com esses utentes, daqueles que constam do contrato de concessão. Como não se deduz, ainda, ser o regime da responsabilidade aplicável à violação desses deveres mais gravoso para a entidade concessionária do que aquilo que resulta de quanto se estabeleceu nesse contrato” (Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas, na ROA, ano 65º, vol. II).

A eficácia perante terceiros de contratos de concessão, ainda antes de ter sido aprovada legislação especial que veio a estabelecer uma presunção legal de culpa relativamente às concessionárias de auto-estradas quando ao incumprimento de deveres legais, foi defendida no Ac. do STJ, de 1-10-09 (www.dgsi.pt), no qual se concluiu que são os utentes das auto-estradas os titulares dos interesses que as normas que implicam para as concessionárias deveres de informação, de vigilância ou de assistência nas auto-estradas”, contrariando, aliás, o Ac. do STJ, de 14-10-04 (www.dgsi.pt) onde se concluiu que sendo “estranhos ao contrato de concessão, os utentes da via não podem exigir da Brisa o cumprimento das obrigações assumidas naquele contrato, nomeadamente a obrigação de assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas”.


5. Neste contexto, considero que não existe base factual, nem legal para sustentar a condenação da Caixa CC, tanto mais que o litígio apenas se desenvolveu em torno da entrega do título que notoriamente não poderia ser exigido da Caixa CC, atenta a ineficácia externa da promessa unilateral e desequilíbrio existente entre a despesa que implicaria a entrega do título de DRHP e o benefício projectado no A.

O recurso à figura da eficácia obrigacional perante terceiros exigia um acervo factual que iniludivelmente levasse a concluir pela violação grave e insustentável por parte da Caixa CC de regras da boa fé, no que concerne à aludida obrigação de meios, atingindo, por acção ou omissão, a esfera jurídica do A. com interesses conexos com o prédio que foi entregue em dação em pagamento.

No caso concreto, a alegada violação de deveres de protecção de terceiros, para além de nem sequer ter sido debatida nas instâncias ou sequer no presente recurso de revista, a fim de a Caixa CC se poder pronunciar sobre a mesma, é sustentada no texto do acórdão em termos meramente abstractos, sem efectiva ligação aos factos que se apuraram.

Com efeito, estando unicamente provados, no que concerne ao relacionamento entre o A. e a Caixa CC, os factos que emergem dos pontos 7º, 8º, 9º, 10º, 22º e 23º, é manifesta, em meu entender, a falta de sustentação para a extracção dos efeitos que levaram à condenação da Caixa CC com base na figura da “eficácia de protecção de terceiros”.

Por conseguinte, entendo que deveria ser negado provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Abrantes Geraldes

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[1] Mário Júlio de Almeida Costa,A eficácia externa das obrigações , entendimento da doutrina clássica-Estudos em Homenagem  ao Prof. Dr.  Henrique Mesquita vol. I-Pag.521, defende que a nossa doutrina predominante, que considera exacta ,não admite ,em princípio ,o efeito externo das obrigações. E a jurisprudência ,após breves hesitações iniciais, tornou-se unânime na mesma orientação, isto é faz depender a responsabilidade do terceiro cúmplice  de abuso de direito.
[2] -Menezes Leitão – Dtº das Obrigações ,Vol. I, pag. 341
[3] - Tratado de Direito Civil,VII- Direito das Obrigações: Contratos. Negócios unilaterais, Almedina,Coimbra, 2014-pag.656-57)