Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
945/13.8T2AMD-A.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
LEGALIDADE
INTERPRETAÇÃO DA LEI
DUPLA CONFORME
REVISTA EXCEPCIONAL
REVISTA EXCECIONAL
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO LIMINAR
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE DIREITO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REMETIDA À FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTº 672º, Nº 3 DO C.P.C.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA - PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, 143.
- Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, 704-70.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 1793.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 2, 607.º, N.º 4, 2.ª PARTE (APLICÁVEL POR VIA DO ARTIGO 663.º, N.º 2, E 986.º, N.º 2), 608.º, 615.º, N.º 1, 629.º, N.º 1, 640.º, N.º 1, 662.º, N.º 1, 666.º, N.º 1, 671.º, N.ºS 1 E 3, 672.º, N.ºS 1 E 3, 674.º, N.º 1, ALÍNEA A), 988.º, N.º 2, 990.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 02/06/2016, PROCESSO N.º 1233/14.8TBGMR.G1.S1, E OS OUTROS ACÓRDÃOS DO S.T.J. ALI CITADOS, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :  I. Em sede dos processos de jurisdição voluntária, não cabe, em regra, recurso de revista das decisões finais tomadas com a predominância de critérios de conveniência ou oportunidade sobre os critérios de estrita legalidade, nos termos do n.º 2 do art.º 988.º do CPC.

 II. No entanto, na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza a decisão.

 III. Quando, no âmbito dessas decisões, estejam em causa a interpretação e aplicação de critérios de legalidade estrita, já a sua impugnação terá cabimento em sede de revista, circunscrita ao invocado erro de direito.

IV. Nessa conformidade, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária, de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.    

V. Em sede de revista interposta de acórdão da Relação confirmativo da decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, quando seja invocada a violação de disposições processuais no exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação, este fundamento não concorre para a formação da dupla conforme prevista no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, na medida em que tal violação é imputada apenas à Relação, não ocorrendo, nessa parte, coincidência com a decisão da 1.ª instância.

VI. Porém, caso venha a ser denegada revista no respeitante à alegada violação de disposições processuais, terá então de equacionar-se, subsidiariamente, a ocorrência de dupla conforme quanto à decisão de direito, a começar pela verificação dos invocados pressupostos da revista excecional, para efeitos de levantamento do respetivo impedimento, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, do CPC.

VII. No caso presente, tendo-se concluído pela negação da revista quanto à invocada violação das disposições processuais em sede da reapreciação da decisão de facto, ocorrendo dupla conforme no plano da decisão de direito, mas tendo sido a revista interposta, subsidiariamente, a título de revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, do CPC, há que determinar a remessa do processo à formação dos três juízes do STJ a que se refere o n.º 3 desse artigo, para efeitos de verificação dos pressupostos invocados.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA instaurou, em 01/08/2013, contra BB, por apenso a um processo de divórcio litigioso, então pendente, o presente processo de jurisdição voluntária a pedir que lhe fosse atribuída a casa de morada da família, a título de arrendamento para habitação, pelo prazo de dez anos, mediante a renda mensal de € 150,00, alegando, em síntese, que:

 . Requerente e Requerido casaram reciprocamente em 05/06/2004, sob o regime de separação de bens, existindo dois filhos menores desse casamento;

  . A casa de morada da família pertence à Requerente e ao Requerido, no regime de compropriedade;

. A Requerente saiu de casa em 2013, mas encontra-se desempregada, não possuindo outra casa, enquanto que o Requerido aufere mais de € 6.000,00 por mês.

2. O Requerido deduziu oposição, sustentando que:

. A pretensão da Requerente não é o interesse dos filhos menores do casal nem corresponde à necessidade daquela, já que ela vive em casa dos pais e tem uma remuneração que lhe permite arrendar ou adquirir um imóvel para o efeito;

. A referida casa foi paga integralmente pelo Requerido. 

Concluiu pela improcedência do pedido.

3. Na 1.ª instância, foi proferida a sentença de fls. 501-512, datada de 10/02/2016, a julgar a pretensão improcedente com a consequente absolvição do Requerido do pedido.

  4. Inconformada com tal decisão, a Requerente apelou daquela decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 595-607, datado de 15/ 09/2016, em que, por unanimidade, foi julgada improcedente a apelação com a integral confirmação da sentença recorrida. 

  5. Mais uma vez inconformada, a Requerente vem pedir revista, alegadamente ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC e ainda, por via subsidiária, a título de revista excecional nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do mesmo Código, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - “Em 2013, motivado por um grande desgaste na relação e consequente afastamento entre o casal, a mãe saiu de casa com os dois filhos” (Relatório a fls. 235). Os menores "Provavelmente pelo que presenciaram, associam a aproximação entre os pais a situações de animosidade e conflito constantes pelo que preferem que estes não se vejam" (Idem fls. 237).

2.ª - Em 23-5-2013, a A. saiu da casa de morada da família (facto 13), mas não foi por sua exclusiva vontade, foi porque nem ela nem os seus filhos estavam lá bem por vários atos cometidos; não foi por sua livre e exclusiva vontade;

3.ª - Tomou a decisão de sair uma vez que o ambiente entre os progenitores era de grande tensão com repercussões muito negativas sobre os filhos. O R. sentiu, com a separação, algum alívio e confirmou que o ambiente em casa era de muita tensão (Relatório a fls. 244). Acresce que não releva a culpa na rutura. O R. disse “ter sentido, com a separação, algum alívio uma vez que - confirmando - o ambiente em casa era de muita tensão” (Relatório a fls. 244).

4.ª - Se a A. então desempregada, em julho de 2013, estivesse na rua, se então não tivesse onde dar mínima guarida aos filhos não podia ter a guarda única nem a partilhada. Consta do documento de fls. 72 que a permanência em casa dos pais da A. seria por “todo o tempo que precisarem e for necessário”. Dois dias depois - em 1-8-2013 - a A. pediu a presente atribuição da casa de morada da família, por dela necessitar, que é compropriedade dela e do R., em partes iguais. A A. não podia ter a guarda única nem partilhada se não tivesse onde - a casa dos pais - se abrigar e aos dois filhos, então de 8 e 6 anos (Cfr. supracitado Ac. do STJ de 6-2-1992 Ricardo da Velha).

5.ª - Permanecerem a A. e os menores em casa dos pais daquela “enquanto precisarem e foi necessário” era até eles (o ex-casal) resolverem os problemas deles - até ser decidido o presente processo - porque um ex-casal tem problemas a resolver.

6.ª - No ano fiscal de 2012, para efeitos de IRS, a A. declarou o rendimento bruto anual de € 27.638,68 e o R. o rendimento bruto anual de € 119.543,83 - ou € 9.961,99 mensais - facto 16. No ano de 2014 o R. declarou, para efeitos de IRS, o rendimento anual bruto de € 64.500,00 (€ 5.375,00 mensais) - facto 43. Nos meses de maio a outubro de 2015 o R. auferiu a remuneração líquida mensal de € 906,63, € 5.135,00, € 4.029,96, € 4.116,37, € 2.906,63 e € 4.116,3-, respetivamente - facto 44. Deve porém notar-se que à remuneração líquida de maio (€ 906,63), corresponde a ilíquida de € 6.628,20.

7.ª - O R. ganha 4 a 5 vezes mais do que a A., que ganha só 20 a 25% do que ganha o R.. Se o R. pagar por uma casa para si e os filhos o correspondente a tudo quanto a Requerente ganha sobeja ainda ao R. - limpo ou líquido - 3 a 4 vezes mais do que aquilo que a A. ganha.

8.ª - Por outro lado, ainda considerando a muito elevada situação económica do R. não faz sentido que os avós maternos sofram por parte do R. um confisco da sua casa, dela sendo ilegalmente expulsos e com a agravante - sem que o R. dê às crianças as condições de habitabilidade e bem estar de que elas precisam para o seu normal desenvolvimento e que nenhuma razão há para que – sacrificando-as - lhas não conceda. É esta uma necessidade premente da A. e dos filhos.

9.ª - Os factos descritos na conclusão 1.ª da apelação foram apurados e verificados nos depoimentos transcritos no ponto II, págs. 5 a 15 dessas alegações resultantes da instrução da causa – matéria nela averiguada, descoberta - com a maior relevância para a sua decisão e que o tribunal não pode desconsiderar, atento o disposto nos artigos 986.º, n.º 2, 990.º, n.º 3, e 5.º, n.º 2, do CPC. A A. cumpriu com rigor o art.º 640.º, procedendo no ponto II, págs. 5 a 15 das alegações de apelação à transcrição, com indicação exata das passagens da gravação, dos depoimentos de instrução donde esses factos resultam.

10.ª - Nos processos de jurisdição voluntária, o princípio do inquisitório é assumido em toda a sua plenitude, sobrelevando ao princípio do dispositivo. O princípio do inquisitório onera o juiz com um poder vinculado ou poder-dever, que não um poder discricionário. Por consequência com uma operatividade que a não existir viola a lei; que o juiz está obrigado a conhecer destes factos, mesmo espontaneamente, está à margem de qualquer dúvida. O poder-dever existe e é vinculado; se o juiz não considerar estes factos assim revelados, não está a cumprir a lei.

11.ª - Se o juiz não atende ao facto essencial não alegado e a parte não reage, não vindo ele a ser adquirido para a sentença (com a consequente improcedência da ação ou da exceção), só a apelação desta será passível de retificar a falta e suprir o erro (que o juiz cometeu). Nesta hipótese, o suprimento da falha operará por via de uma ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), segmento final ou mediante a aquisição pelo próprio tribunal de recurso, nos termos do n.º 1, do mesmo artigo 662.º.

12.ª - Trata-se de um poder-dever vinculado, quer aquele que adstringe o tribunal a adquirir factos essenciais não alegados, em certas circunstâncias, quer aquele que o adstringe a determinar as diligências necessárias à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Como tal, salvo situações limite não aceitáveis, salvaguardadas pelo dispositivo e pela auto-responsabilidade, as situações vinculadas do inquisitório hão-de comportar, por princípio e para o interessado postergado, a apreciação recursória e o respetivo suprimento pelo tribunal da Relação."

13.ª - A alegação da violação de normas de direito processual como fundamento do recurso de revista, nos termos do art.º 674.º, n.º 1, al. b), do NCPC justifica a interposição deste recurso de revista em que a Relação não cumpriu os deveres de reapreciação da decisão da matéria de facto nos termos previstos no art.º 662.º. A não ser assim, fulminar-se-ia um grau de jurisdição em situações, como a refletida nos autos, que são tão ou até mais relevantes do que as contidas numa mera leitura literal do último segmento do n.º 1 do art.º 671.º do NCPC;

14.ª - Atentos os princípios que regem o processo de jurisdição voluntária, pode e deve considerar-se na decisão da causa o constante dos Relatórios de fls. 232 a 249:

“Em 2013, motivado por um grande desgaste na relação e consequente afastamento entre o casal, a mãe saiu de casa com os dois filhos” (Relatório a fls 235).

Os menores “Provavelmente pelo que presenciaram, associam a aproximação entre os pais a situações de animosidade e conflito constantes pelo que preferem que estes não se vejam” (Idem fls 237) “decorridos 2 anos sobre a separação, mantém-se uma total falta de comunicação entre as progenitores condicionando e prejudicando o que são as suas responsabilidades parentais" (Idem fls 240).

15.ª – Consta, designadamente da sentença transitada de divórcio que:

  «8. A A. saiu de casa no dia 23/05/2013;

   9. Foi esta a segunda vez que saiu de casa;

  10. Já não existia, à data em que a A. sair, de casa, harmonia familiar e felicidade no lar (...)»

Dos factos provados resulta que:

- Os cônjuges violaram os deveres conjugais de respeito, fidelidade e coabitação, uma vez que o R. dirigiu à A. expressões depreciativas e mantém um relacionamento afetivo com outra mulher na pendência do casamento

- A A. abandonou a casa de morada de família, o que fez pela segunda vez).

«Deste modo a A. cumpriu o seu ónus de prova (art. 342.º/1 do CC), estando verificada a situação de rutura definitiva do casamento, prevista no art. 1781.º, al. d), do CC, podendo a A. requerer o divórcio e dispondo de legitimidade para tal (artigo 1785.º/1 do CC), pelo que a acção deve proceder.»

Também “Referiu a mãe ter tomado a decisão de sair uma vez que o ambiente entre os progenitores era de grande tensão com repercussões muito negativas sobre os filhos. Mencionou o pai ter sentido, com a separação, algum alívio uma ver que o ambiente em casa era de muita tensão” (Relatório a tis 244). Foi neste contexto que surgiu o documento de fls. 72 (facto 20).

16.ª - A pretensão da A. também procederia mesmo se a casa fosse propriedade exclusiva do R.. A decisão é frontalmente contrária à lei.

17.ª - Na casa dos pais da A. não pode manter-se a atual situação quer quanto aos pais (avós) quer quanto à A. e aos filhos. Nem há justificação económica nenhuma no R. para essa situação de sacrifício de netos e avós prosseguir havendo que urgentemente lhe por cobro. É necessária e urgente uma solução de habitação para os menores e é o pai e não a mãe que facilmente a pode proporcionar atentos os rendimentos muito elevados de que dispõe e mesmo a casa de seus pais.

18.ª - Sendo a casa de morada da família atribuída à A. e aos filhos – que dela têm necessidade premente - o R. dispõe da habitação de sua mãe que possui 4 quartos de dormir e onde a CC e o DD – estudantes adolescentes com 11 A e 7M e 9A e 5M - já poderão usufruir de um quarto individual para cada um.

19.ª - A casa de morada da família é compropriedade por igual de A e R e a desproporção de 1 para 4 a 5 de rendimentos entre a A e o R e as necessidades e encargos da vida da A e das vidas da CC e do DD, considerado o rendimento da A determinam a fixação do valor da renda a pagar pela A ao R. no montante de € 150,00 mensais por esta peticionado. Os menores vão necessitar da casa durante dez anos pelo que deverá ser este o prazo do arrendamento.

20.ª - A decisão impugnada não considerou devidamente as atuais necessidades da A e do R e desconsidera a premente salvaguarda do superior interesse da CC e do DD, que se mostra sacrificado, afastando-se do disposto no art. 1793.º do CC do qual não fez boa interpretação e aplicação.

21.ª - A decisão não retirou dos factos 4 e 24, 16, 34, 43 e 44 e da conclusão 1.ª da apelação as devidas consequências de direito face ao disposto no artigo 1793.º.

22.ª - Considera o acórdão que o “interesse dos filhos” não poderá determinar a decisão, porque os menores passam igual período de tempo com cada um dos progenitores." Porém haverá que ver com e em que condições passam os dois menores na metade do tempo, no meio ano, ou no meio mês, em que estão com cada um dos ex-cônjuges. Tal consideração do acórdão escamoteia ou alheia-se da constatação da realidade que é necessário olhar. Está em completo desacordo coma matéria de facto apurada nos autos.

23.ª - Fazendo um entendimento errado da norma do art.º 1793.º, n.º 1, do CC, o acórdão desatende expressamente por completo ao interesse dos menores – “não poderá este determinar a decisão” - e ao interesse, situação e direito dos avós. Constitui matéria de direito a definição e compreensão e determinar a essência e conteúdo do conceito legal “interesse da criança” e o seu âmbito.

24.ª - O acórdão decidiu que a atual situação deve manter-se que é “muito satisfatória”, mas ela colide com os muito elevados rendimentos do R. e o interesse dos menores, na boa interpretação e aplicação da norma do art. 1793.º, n.º 1. Considera que “atentas as condições da casa poderão ser encontradas outras soluções de organização do espaço, no sentido de melhorar o conforto das crianças”, mas esta asserção não surge no acórdão fundamentada. A decisão enferma pois de excesso de pronúncia e falta de fundamentação já que não assenta em nenhum facto apurado e contraria mesmo os apurados de que a casa tem três quartos e duas casa de banho (apenas uma completa) - facto 24.

25.ª - A casa é de diminutas dimensões, os avós tiveram de abdicar do quarto maior, que tem apenas a área reduzida de 3,5x4m (14-15 m2) e cedê-lo aos dois netos, sendo portanto os outros dois quartos ainda mais pequenos e o acórdão não fundamenta a alteração a efetuar nem o que ela ainda implica em diminuição de conforto e supressão de comodidade para os avós. O acórdão contradiz-se ao considerar que “os filhos têm de viver também de acordo com as possibilidades que os seus progenitores dispõem em cada momento” e manter a atual situação desatendendo às elevadas possibilidades de que o R. dispõe.

26.ª - A conclusão final do acórdão, no sentido de que a A. dispõe de casa onde pode viver e tem um salário que lhe permite arrendar ou adquirir outro imóvel,

a) - é injustificada e injustamente lesiva do interesse e direito dos avós matemos, dispondo ilegalmente da casa e do direito destes

b) - não atende ao facto fixado de que a elevada situação económica do R. é bastante superior à da A. que arrendando ou comprando uma casa a A. não dispõe de dinheiro nenhum para transportes (combustível e reparações), sendo que leva os seus filhos de carro à escola (facto 29), para calçado, vestuário, saúde e seguros, seus e de ambos os filhos menores (facto 25);

c) - não considera os muito elevados rendimentos do R. que arranjando uma casa para isso aplicando valor igual à totalidade do rendimento da A. isto representa apenas 20 a 25% do rendimento do R.

27.ª - O acórdão é contraditório entre os seus fundamentos e a decisão pois, invocando que “parece que o fator principal ou mais preponderante será a avaliação da “premência da necessidade” da casa, a do cônjuge que mais precisa dela” - decide negar o direito de utilização da casa de morada à R. em completa desconsideração do apurado interesse dos menores e das capacidades económicas de cada cônjuge.

28.ª - O acórdão considera (sua pág. 11) que o R. tem a casa dos pais para viver - que tem 4 quartos - onde os menores - estudantes adolescentes de sexo diferente - dispõem de um quarto para cada um, mas conserva e sem válida razão esta situação de ingente necessidade de conforto e bem-estar dos menores para o seu normal desenvolvimento.

29.ª - Os avós matemos são pessoas no outono da vida, reformados (facto 21), que têm a sua casa ocupada pelos filhos do réu e seus netos, sem necessidade nenhuma do réu, causando aos avós perturbação e afronta por verem que o pai pode e se nega a proporcionar aos filhos melhores condições de conforto e de bem-estar, situação que nalguns momentos devido à exiguidade do espaço gera instabilidades emocionais e tensões e afeta a boa disposição, alegria e prazer que os avós querem ter no relacionamento com os netos e a filha tudo pelo egoísmo do pai que está há 3,5 anos na casa que é também por igual da A. - sem nada por ela pagar - e opõe-se à atribuição à A. quando dispõe de condições adequadas aos menores na casa de seus pais (do R.) e de rendimentos avultados para arranjar casa que proporcione bem estar aos filhos;

30.ª - Há um aspeto fulcral deste processo que é o facto de a CC – já tem 11 A e 7M – e o DD – terá já 9A e 5M quando este recurso for apreciado (n. 22-6-2007) – viverem e dormirem confinados e muito sacrificados no mesmo pequeno espaço de 3,5x4 m (14-15 m2) na casa dos avós matemos;

31.ª - As decisões das instâncias não consideraram devidamente as atuais necessidades da A e do R e desconsideram a premente salvaguarda do superior interesse da CC e do DD, que se mostra sacrificado, afastando-se do estabelecido no art. 1793.º do CC do qual não fizeram boa interpretação e aplicação e violaram;

32.ª - O acórdão recorrido desatende e contraria os critérios legais primordiais de atribuição da casa de morada da família estabelecidos na norma do art.º 1793.º, n.º 1, do CC: o interesse dos menores e a capacidade económica dos ex-cônjuges, dando maior relevância a que “De escasso interesse, porém, será a circunstância de um dos cônjuges ou ex-cônjuges poder ser ou ter sido acolhido por familiares que não sejam obrigados a recebê-lo, só o fazendo por mera tolerância”; circunstância que o acórdão recorrido sobrepõe àqueles critérios legais primordiais estabelecidos no art. 1793.º do CC;

33.a - Ainda com a consequência de, face à muito elevada capacidade económica do R., sacrificar injustificadamente o interesse, comodidade, conforto e sossego dos avós maternos, de avançada idade, justificando esta situação a intervenção clarificadora excecional do STJ para a boa, justa e melhor aplicação do direito em ordem a definir se em tais circunstâncias, que se verificam, de sacrifício do interesse dos menores, da capacidade económica respetiva de ambos os cônjuges, das presentes condições de habitabilidade dos menores e do sacrifício imposto aos avós devem manter-se situações como esta se apresenta;

34.a - O acórdão decidiu erradamente, vistos os factos 11 e 12, pois, se esgota apenas na renda a totalidade da possibilidade económica da A., sem poder acorrer a outros encargos da família. Também a sentença considerou a renda de € 600,00 para a quota de apenas metade da casa de três quartos de dormir. São € 1.250,00 + € 550,00 (facto 25) + transportes (combustível e reparações), sendo que leva os seus filhos de carro à escola (facto 29), para calçado, vestuário, saúde e seguros, seus e de ambos os filhos menores (facto 25);

35.a - A decisão deste processo não pode, neste caso, considerar, lesando-o, um bem e direito de terceiro e dispor dele ou sujeitá-lo e colocando os avós na iminência de terem de sair do seu quarto e do seu lar. O acórdão viola o disposto no supracitado art.º 1878.º, n.º 1, do CC;

36.ª - Trata-se de situações que são consideradas pela doutrina e que se repetem em múltiplas apreciações pela jurisprudência – cuja atenção merecem - na interpretação e aplicação do estabelecido na norma do art. 1793.º, n.º 1:

   - O interesse dos filhos menores do casal, sempre que existam, é o critério a que deve prevalentemente atender-se na atribuição da casa de morada da família seja a título definitivo seja a título provisório (Ac. da Rel. de Lisboa de 30-3-1995 – Martins Ramires - www.dgsi.pt);

   - Na situação de divórcio litigioso, sendo a situação económica do ex-marido muito superior à da sua ex-mulher, vivendo esta com as duas filhas maiores num apartamento arrendado, é de atribuir a ela a casa de morada de família (Ac. da Rel. de Lisboa de 16-4-2015 – Ilídio Sacarrão Martins – www.dgsi.pt);

   - A casa de morada da,família deverá ser atribuída em função das neces-sidades de cada um dos cônjuges, assumindo particular relevância o «interesse dos filhos», devendo privilegiar-se, na ausência de prova da situação patrimonial das partes, aquela a quem os filhos menores do casal se encontram confiados e com quem residem (Ac. do TRP de 26-5-2015 - Carlos Querido - www.dgsi.pt) e que no presente caso bem justificam ser ponderadas e o esclarecimento pelo STJ, nos termos do disposto nos artigos 629.º, n.º 2, al. d), e 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPC.

37.a - Conhecido o significado destes critérios – estabelecidos na norma do art. 1793.º, n.º l - aferir da integração e compreensão da sua boa ou má aplicação à situação material concretamente apurada e em casos idênticos. Determinar o bom entendimento dessa norma e a solução, perante essa compreensão, oferecida pela decisão.

38.a - Foi feita errada compreensão do art.º 1793.º, porque a materialidade verificada neste e em tais casos, efetuada a melhor exegese do art.º 1793.º, conduz necessariamente à solução oposta à que foi adotada. Está em causa a melhor compreensão da norma do art. 1793.º que não consente o sentido e o âmbito da inclusão nela da matéria apurada com condução à decisão tomada. Esta aplicação do direito neste e em casos idênticos viola a melhor interpretação do art. 1793.º. Saber se perante a situação material concretamente apurada foi a melhor interpretação e aplicação da norma do art.º 1793.º visto o resultado – decisão – da sua aplicação;

39.a - Com repercussão geral em todos os casos semelhantes, a decisão em causa deve ser tomada de acordo com critérios legais estabelecidos no art.º 1793.º do CC, devendo ser conhecidos os factos com base nos quais deve ser atribuído o direito e não podendo a decisão alhear-se ou abstrair da consideração dos factos que preenchem a previsão dessa norma. Na verdade, a atribuição cujo processo o art.º 990.º regula é pretendida nos termos do art.º 1793.º do CC;

40.a - Foi por isso “à luz dos critérios legais”, conforme deixou explícito, que o acórdão "avaliou se o Tribunal a quo decidiu de forma criteriosa”, porém decide em desconsideração e frontal contradição com os factos apurados que integram a previsão da norma legal do art. 1793.º do CC;

41.a - É função e competência do STJ verificar da existência ou não dos fundamentos de facto do preenchimento dos pressupostos previstos no art.º 1793.º. Da existência ou não dos fundamentos de facto que preenchem essa previsão – art.º 682.º, n.º 3, do CPC: o processo volta ao tribunal a quo quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão da matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito;

42.a - Constitui esta uma situação que pela sua relevância social e jurídica convoca claramente a necessária orientação do STJ para a obtenção duma melhor aplicação do direito. Em situações ou casos como este, que se constituem de particular relevância social – nas muito sensíveis relações jurídico-familiares e no Direito da Família - torna-se absolutamente necessária a intervenção do STJ com o fim para que apontam as proposições finais das presentes alegações e às quais o R. abusivamente se opõe;

43.a - Acresce ainda que a decisão do acórdão recorrido encontra-se em contradição com a do acórdão da Rel. de Lisboa de 16-4-2015 (Ilídio Sacarrão Martins), num caso em que apesar de a pretendente da atribuição viver em casa arrendada suficiente o direito lhe foi concedido, considerada a apurada diferença de € 1220,00 para € 680,00 de rendimentos entre si e o ex-marido, aliás muito inferior à existente nos presentes autos e sem proporcionar a esse requerido a muito ampla diferença, de alguns milhares de euros mensais, de que o R. dispõe nos presentes autos, visto o excecional elevado rendimento de que dispõe. O que definiu foi a respetiva capacidade económica dos ex-cônjuges;

44.a Os factos apurados nos autos impedem a decisão impugnada que deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a pretensão formulada pela A.

Proposições

   I - Quando os pais dispõem mensalmente de rendimentos líquidos superiores a cinco mil euros, ou suficientes, são eles e não os avós quem deve assegurar habitação a dois filhos menores;

   1I Sendo a casa de morada de família compropriedade dos ex-cônjuges, ambos jovens e saudáveis, a guarda dos menores partilhada e o rendimento mensal de um deles cerca de mil e duzentos euros e o do outro quatro a cinco vezes superior, o direito da sua utilização deve ser atribuído ao ex-cônjuge com menor rendimento.

III - Devendo assegurá-la os avós, os menores devem habitar na casa destes na qual dispuserem de melhores condições, nomeadamente, sendo estudantes adolescentes de sexo diferente, de quartos independentes.

   6. O Recorrido apresentou contra-alegações, em que arguiu a inadmissibilidade da revista e, subsidiariamente, sustentou o seu não provimento, rematando com as seguintes considerações:

1.ª - As alegações apresentadas pela Recorrente apresentam-se dificilmente cognoscíveis, sendo de igual modo deficientes e obscuras as 44 conclusões de Recurso por si realizadas, a que se adicionam 3 (três) misteriosas "Proposições" (?), o que sempre motivará, segundo se julga, a aplicação, como mínimo, do disposto no art. 639.º, n.º 3, do CPC;

2.ª - No Recurso por si apresentado, a Recorrente repete atos processuais anteriores por si praticados - que são transcritos in totum (i), bem como (ii) ficiona outros atos processuais, obnubilando lamentavelmente a manifesta irrecorribilidade do acórdão proferido;

3.ª - A mesma resulta, desde logo do disposto nos artigos 988.º, n.º 2, e 990.º, n.º 3, do CPC;

4.ª - Em simultâneo, além da manutenção da decisão objeto de recurso, é inequívoca a existência de coincidência entre a fundamentação empregue pela 1.ª Instância e pelo TRL para o mesmo efeito a respeito da decisão tomada;

5.ª - Existe dupla conforme entre as duas pronúncias judiciais, que, nos termos do art.º 671.º, n.º 3, do CPC, impede liminarmente a apreciação do recurso interposto pela Recorrente, sendo essa a lição da jurisprudência, nomeadamente, do ac. do STJ de 10.02.2015 (Relator: Abrantes Geraldes), do ac. do STJ de 08.01.2015 (Relator: João Trindade), do ac. do STJ de 20.11.2014 (Relator: Abrantes Geraldes), do ac. do STJ de 18.09.2014 (Relator António da Silva Gonçalves), do ac. do STJ de 15.05.2014 (Relator: António da Silva Gonçalves), e na doutrina, por todos, Abrantes Geraldes;

6.ª - Não se verifica qualquer dos fundamentos de revista excecional consagrados no art. 672.º, n.º 1, do CPC, a qual é como o próprio nome indica, relevando-se o pleonasmo, excecional;

7.ª - A Recorrente nem sequer enuncia devidamente tal fundamento recursório, limitando-se a invocar … todos os três fundamentos possíveis de revista excepional;

8.ª - O disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC pressupõe, consoante ensina, uma vez mais, Abrantes Geraldes, e contrariamente à atividade processual desenvolvida pela Recorrente, a identificação da mesma questão fundamental de direito, sendo certo, ainda, que os dados de facto presentes no acórdão da Relação de Lisboa de 16.04.2015 são manifestamente distintos dos dados dos presentes autos;

9.ª - Deverá ainda verificar-se (i) oposição frontal e não apenas implícita ou pressuposta entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, bem como (ii) essencialidade da questão de direito sobre a qual existe controvérsia para determinar o resultado num e noutra das decisões, o que não é o caso dos autos;

10.ª - Aliás, o acórdão proferido pela Relação de Lisboa objeto de Recurso de Revista segue, no essencial, a orientação do ac. da Relação de Lisboa de 26.06.2014 (Relator: Tomé Ramião), sendo ainda citado pelo próprio Tribunal da Relação outro acórdão, da lavra da Relatora Maria de Deus Correia, de 14.11.2013: é assim ficcional a contradição de julgados;

11.ª - Por outra via, não existe no caso dos autos, consoante ensinam Abrantes Geraldes, Teixeira de Sousa e Ribeiro Mendes, e resulta dos acórdãos do STJ de 09.05.2012, de 10/ 07/2012, de 05.07.2012 e de 05.06.2012 enumerados pelo primeiro, qualquer "questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito";

12.ª - Por fim, são ilusórios quaisquer “interesses de particular relevância social”, que nem sequer são devidamente invocados pela Recorrente, não bastando, na lição de Abrantes Geraldes, “o mero valor económico dos interesses presentes no processo”; in caso apenas se vislumbra uma tentativa de satisfação dos interesses egoísticos da Recorrente, nada mais;

13.ª - Em suma, não se verificam os pressupostos legais, nem (i) para a admissão de um Recurso de Revista Ordinário, atenta a existência de normas jurídicas que excluem tal recurso e de dupla conforme com fundamentação coincidente, nem (ii) para a admissão de Recurso de Revista Excecional, por não preenchimento de qualquer um dos fundamentos de que esta Revista depende;

14.ª - O Recorrido pronuncia-se sobre os putativos fundamentos do Recurso apresentados enquanto simples exercício de raciocínio e por motivo de patrocínio;

15.ª - A Recorrente ignora todos os ensinamentos jurisprudenciais existente no mesmo âmbito, em que, aliás, se louvaram os acórdão e sentença, ou seja, quais sejam os critérios que presidem à atribuição da casa de morada de família, maxime a doutrina resultante do ac. do TRL de 26.06.2014, do ac. do TRL de 20.02.2014, do ac. do TRL de 18.06.2009; do ac. do TRP de 21.06.2012; do ac. do TRP de 26.05.2015; do ac. do TRG de 27.02.2014; do ac. do TRL de 24.06.2010;  

16.ª - Consoante foi ilustrado, desde logo, na sentença proferida, e replicado no acórdão recorrido, não existe qualquer razão para que a casa de morada da família fosse atribuída à Recorrente: tal solução (i) "não favorece a estabilidade e bem-estar das crianças pois é com o pai que elas estão aí habituadas a viver há perto de três anos"; (ii) "a requerente dispõe de outro apartamento onde pode fixar a sua residência sem nada pagar por isso"; (iii) esta não se encontra numa situação de carência económica, tendo uma remuneração que lhe permite arrendar outra casa, se assim o pretender, e até comprar uma, nomeadamente na Amadora onde as rendas e os preços do imobiliário são mais baratos do que noutras localidades da área metropolitana de Lisboa: (iv) a requerente não fez qualquer esforço financeiro para adquirir a casa de morada de família: e (v) foi a requerente que tomou a iniciativa de abandonar a casa de morada de família. dando azo à falta de coabitação entre os ex-cônjuges que contribuiu para que o divórcio fosse decretado”;

17.ª - Como se consignou na sentença, e se replicou ipsis verbis no acórdão recorrido, “nada justifica que o Tribunal obrigue o requerido a sair da casa de morada de família que ele pagou na totalidade e cujas despesas continua a pagar sozinho e onde habita com os filhos menores cuja guarda partilha com a requerente quando esta tem uma alternativa habitacional, dispondo de outra casa onde pode viver de graça, tem um salário que lhe permite, querendo, arrendar ou adquirir outro imóvel, e deixou, de livre vontade, a casa de morada de família. Perante esta conclusão o pedido da requerente até se afigura abusivo”;

18.ª - Por fim, a renda e o prazo de arrendamento pretendidos pela Recorrente ignoram igualmente o ensinamento da jurisprudência - maxime do ac. do TRL de 19.03.2013 - bem como o disposto no art.º 1024.º, n.º 1, do CC, sendo a sua abusividade também manifesta;

19.ª - A Recorrente litiga nos limites da litigância de má-fé, atenta a abusividade da petição de uma situação jurídica inexistente.


      Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


      II – Quanto à admissibilidade da revista


     Antes de mais, convém reter que, tendo o processo sido instaurado em 01/08/2013 e as decisões impugnadas sido proferidas em 10/02/2016 e 15/09/2016, respetivamente pela 1.ª instância e pela Relação, é aplicável o atual regime recursório do CPC, por via do preceituado no artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06, em vigor desde 1 de setembro de 2013.


Como já foi referido, a presente revista foi interposta, em primeira linha, declaradamente ao abrigo do fundamento especial de contradição jurisprudencial previsto na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC e, subsidiariamente, como revista excecional ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 672.º do mesmo diploma.

    Por seu lado, o Recorrido arguiu a inadmissibilidade da mesma, sustentando quer o seu não cabimento nos termos dos artigos 988.º, n.º 2, e 990.º, n.º 3, do CPC, quer a não verificação dos invocados pressupostos de revista excecional.

     Tendo sido o recurso mandado subir pela Relação para o STJ apenas a título de revista excecional, conforme despacho exarado a fls. 683, datado de 27/10/2016, foi deduzida reclamação pela Recorrente, a qual foi deferida, nos termos do despacho proferido a fls. 61-68 dos autos de reclamação apensos, datado de 22/12/2016, no sentido de:

«[…] se admitir a revista, em termos gerais, quanto ao fundamento de violação das disposições processuais invocadas, sem prejuízo da sua admissão, pelo fundamento subsidiário, a título de revista excecional, pressupondo que se encontrem verificados os demais requisitos gerais de admissibilidade, devendo observar-se, após o suprimento das omissões acima identificadas, o disposto na parte final do n.º 6 do artigo 643.º do CPC


      No mesmo despacho, foi considerado que, no caso presente, não estamos perante uma situação de inadmissibilidade de recurso por motivo exclusivamente estranho à alçada do Tribunal da Relação, pelo que não era convocável o fundamento especial previsto na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC.

      Em cumprimento do assim decidido, foi proferida pela Exm.ª Relatora da Relação a decisão de fls. 693-694, datada de 06/02/2017, a considerar que das alegações e conclusões do recurso não consta “a arguição de nulidades” do acórdão recorrido, apesar de ali se invocar “excesso de pronúncia, falta de fundamentação e contradição entre esta e a decisão”, concluindo, não obstante isso, que o referido acórdão não enferma de qualquer nulidade, dispensando a convocação da conferência. No mais, admitiu-se a revista quanto ao fundamento de violação das disposições processuais invocadas, sem prejuízo da sua admissão, pelo fundamento subsidiário, a título de revista excecional.

        

Não obstante tal admissão liminar e arrumada que está a questão da irrecorribilidade ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC, importa agora ajuizar sobre a questão prévia da verificação dos restantes pressupostos de admissibilidade da revista.  

    Nesta linha, o primeiro passo é o de saber se do acórdão recorrido cabe revista nos termos gerais, mormente em conformidade com o disposto nos artigos 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 1, do CPC.

     Ora, estamos perante um acórdão da Relação que, proferido sobre decisão da 1.ª instância, conheceu do mérito de uma pretensão para atri-buição da casa de morada da família deduzida ao abrigo do artigo 1793.º do CC, por via do processo especial de jurisdição voluntária previsto e regulado pelo artigo 990.º do CPC.     Nos termos do n.º 3 deste último artigo, da decisão final cabe sempre apelação com efeito suspensivo.    

      Acresce que, segundo o artigo 987.º do CPC, nas providências a tomar em sede dos processos de jurisdição voluntária, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

      Por sua vez, o n.º 2 do artigo 988.º do mesmo diploma prescreve que:

   Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.  

     Significa isto que, sendo as providências de jurisdição voluntária tomadas com a predominância de critérios de conveniência ou oportunidade sobre os critérios de estrita legalidade, delas não caberá também, em princípio, recurso de revista.

      Com efeito, na esfera da tutela de jurisdição voluntária, em que se protegem interesses de raiz privada mas, além disso, com relevo social e alcance de interesse público, são, por isso, conferidos ao tribunal poderes amplos de investigação de factos e de provas (art.º 986.º, n.º 2, do CPC), bem como maior latitude na determinação da medida adequada ao caso (art.º 987.º do CPC), em derrogação das barreiras limitativas do ónus alegatório e da vinculação temática ao efeito jurídico especificamente formulado, estabelecidas no âmbito dos processos de natureza contenciosa nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º (quanto ao pedido e causa de pedir) e 609.º, n.º 1, do CPC.

      É, pois, tal predomínio de oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, que justifica a supressão de recurso para o tribunal de revista, vocacionado como é, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º e 682.º, n.º 3, do CPC.           

     Foi nesse sentido que, no acórdão do STJ, de 20/01/2010, proferido no processo n.º 701/06.0TBETR.P1.S1[1], se observou o seguinte:

«Explica-se desta forma que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (…) ou adjectiva (…), não possa, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 1410.º [atual 987.º] do CPC. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (…), a lei restringe a admissibilidade de recurso até à Relação.»                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

      No entanto, na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.

      Assim, quando, no âmbito das próprias decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária, estejam em causa a interpretação e aplicação de critérios de legalidade estrita, já a sua impugnação terá cabimento em sede de revista, circunscrita ao invocado erro de direito.

       Como se ressalva no aresto do STJ de 20/01/2010 acima citado, a propósito da inadmissibilidade de revista nos referidos processos:

«A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.

[…]

Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça (…) a apreciação da respectiva verificação.»    


Em conformidade com tal entendimento, quanto ao essencial, na linha da jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal[2], haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.       


     No caso presente, das conclusões da Recorrente, ainda que prolixas, colhem-se, em síntese, a enunciação das seguintes questões:    

i) – A violação da lei processual, pelo tribunal a quo, consistente em inobservância dos poderes de reapreciação da decisão de facto impugnada, previstos no artigo 662.º, n.º 1 e 2, alínea c), do CPC, por não terem sido contemplados naquela decisão factos essenciais resultantes da instrução da causa;

ii) – A viciação do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão;

iii) – A violação dos critérios legais aplicáveis, em especial em sede de interpretação e aplicação dos artigos 1793.º, n.º 1, e 1878.º, n.º 1, do CC, no que respeita às necessidades de cada um dos ex-cônjuges e ao interesse dos filhos do casal.

E para efeitos de admissibilidade excecional da revista, ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, são invocadas, respetivamente:   

a) - a relevância jurídica da situação em causa para uma melhor aplicação do direito;

b) - a relevância social dos interesses em jogo;

c) - a contradição jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/04/2015, proferido no processo n.º 399-09.3TMLSB-A.L1-8, transitada em 25/05/2015, conforme certidão junta a fls. 698-711.


     Nesse quadro impugnativo, suscitam-se questões quer de violação de norma substantiva, quer de violação de normas processuais disciplinadoras do exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação, constituindo tanto aquelas como estas fundamento de revista, respetivamente, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC, além dos invocados vícios de excesso de pronúncia, falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão contemplados na alínea c) do mesmo normativo.

    Sucede que o acórdão recorrido confirmou integralmente, sem voto de vencido, a sentença da 1.ª instância, o que importa a ocorrência de dupla conforme, quanto às questões substantivas, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC.  

     Porém, no que respeita à invocada violação das disposições processuais, como se ponderou na decisão proferida em sede de reclamação, tem vindo a ser entendido pela jurisprudência corrente deste Supremo que esse fundamento não concorrerá para a formação da dupla conforme prevista no n.º 3 do citado artigo 671.º, na medida em que tal violação seja imputada apenas à Relação, caso em que não ocorrerá, nessa parte, coincidência com a decisão da 1.ª instância, não sendo, portanto, a recorribilidade alcançada pelo impedimento da dupla conforme ali prescrito.

      Porém, caso venha a ser negada revista nessa parte, ou seja quanto à alegada violação de disposições processuais, terá então de equacionar-se, subsidiariamente, a ocorrência de dupla conforme quanto à decisão de direito, a começar pela verificação dos invocados pressupostos da revista excecional, para efeitos de levantamento do impedimento dessa dupla conforme, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, do CPC.     

É nestes termos que se tem por admissível a revista, havendo, por ora, que apreciar, prioritariamente, os fundamentos da invocada violação das disposições processuais e dos vícios de excesso de pronúncia, falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão, conexamente alegados.


       III – Fundamentação


      1. Factualidade dada como provada


       Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade

1.1. A Requerente e o Requerido contraíram entre si casamento civil em 5 de junho de 2004, tendo celebrado convenção antenupcial pela qual acordaram o regime de separarão de bens;

1.2. Por sentença de 14/07/2014, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre a Requerente e o Requerido;

1.3. A Requerente tem 38 anos de idade e o Requerido 43;

1.4. Do casamento existem dois filhos. CC, nascida em 01/04/2005, e DD, nascido em 22/06/2007;

1.5. Até dezembro de 2006, a família residiu reunida na Alameda …, n.º …, 1.º A, em …, Lisboa;

1.6. De janeiro de 2007 até 23/05/2013, a família residiu reunida na Rua …, n.º …, 3.º esquerdo, 2790- C….;

1.7. Este imóvel corresponde à fração autónoma V do prédio urbano descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 65… da freguesia de C…, inscrito na matriz sob o artigo P1…, estando-lhe associada a quota parte indivisa de seis vírgula sete mil avos indivisos do prédio urbano designado por lote oito, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 65... da freguesia de C..., e inscrito na matriz sob o artigo provisório PI 11….

1.8. Tal imóvel foi comprado em 29/09/2006 pela Requerente e pelo Requerido pelo preço de € 256.500,00;

1.9. Este preço foi pago na totalidade pelo Requerido com dinheiro seu;

1.10. Por sentença de 22/09/2015, não transitada em julgado, proferida pelo Juiz 4 da l.ª Secção Cível da Instância Central de … da Comarca de Lisboa Oeste, a Requerente foi condenada a pagar ao Requerido a quantia de € 135.843,94, a título de restituição de metade dos valores por este pagos em função da aquisição daquele imóvel.

1.11. O imóvel em causa é uma fração autónoma de tipologia T3, composta por sala com varanda, cozinha, uma instalação sanitária, dois quartos, uma suite com casa de banho, parqueamento para dois carros e arrecadação, tem acesso a zona de lazer em compropriedade onde existe campo de ténis, piscina e jardim, tem a área privativa de 118,6 1m2 e o valor patrimonial de € 169.017,31 determinado no ano de 2012.

1.12. No mercado de arrendamento, tem o valor locativo presumível de € 1.250,00 por mês.

1.13. Em 23/05/2013, a Requerente saiu dessa casa com os filhos, aí permanecendo o Requerido;

1.14. A partir do verão de 2013, os menores passaram a residir, alternadamente, com ambos os progenitores, por períodos de uma semana;

1.15. Por acordo dos progenitores, homologado por sentença de 29/ 09/2015, proferida no apenso B de regulação do exercício das responsabilidades parentais e transitada em julgado, ficou definido que os filhos menores do casal ficavam a residir, alternadamente, com a mãe e com o pai, por períodos de uma semana;

1.16. No ano fiscal de 2012, para efeitos de IRS, a Requerente declarou o rendimento bruto anual de € 27.638,68 e o Requerido o rendimento bruto anual de € 119.534,83;

1.17. Em 23/05/2013, a Requerente foi viver para a casa propriedade dos seus pais, sita na Avenida …, n.º …, 2.º esquerdo, em A…;

1.18. Não possui outra casa própria ou arrendada;

1.19. Quando foi ouvida pelo ISS para elaboração dos relatórios sociais no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais que constitui o apenso B, a requerente declarou ter a intenção de, com a brevidade possível, adquirir uma casa para si e para os seus filhos;

1.20. Em 30/07/2013, os pais da Requerente subscreveram a declaração de fls. 72 com o seguinte teor:

«AA, nossa Filha, Podes informar o Tribunal de Família de Cascais de que podes residir com a CC e o DD na casa da Avenida …, n.° …, 2.° esquerdo, em A…, todo o tempo que precisarem e for necessário, pois temos todo o gosto nisso. O apartamento tem três quartos de dormir, sala, cozinha e duas casas de banho e a CC e o DD permanecem nele quase todos os dias desde pequeninos. Nele estamos todos muito confortáveis, e nós, que já não trabalhamos, passamos alguns períodos aqui na T…. De agora em diante, permaneceremos na T…, como aliás o temos feito desde o início de Julho, para que os três, tu, EE, e os nossos netos, CC e DD, possam estar em A… completamente à vontade. Sempre que necessites da nossa ajuda, iremos prontamente e de bom grado a A….»

1.21. Os pais da Requerente encontram-se reformados e também residem nesta casa da Avenida …, com exceção de dois fins de semana por mês (3/4 dias cada um) e períodos de férias de verão que passam noutra casa que possuem em …, A…;

1.22. Desde 23/05/2013 que a Requerente e os filhos menores, quando se encontram com esta, habitam no referido apartamento;

1.23. A Requerente nada paga aos seus pais como contrapartida por habitar esta casa;

1.24. Esta casa tem três quartos e duas casas de banho (apenas uma completa), sendo um dos quartos para os pais da Requerente, outro para a Requerente e sendo o terceiro partilhado pelos filhos;

1.25. A Requerente tem despesas mensais com consumos domésticos, televisão, telefone, internet, limpeza da casa e alimentação sua e dos filhos de cerca de € 550,00 em média, e com vestuário, calçado, transportes, saúde e seguros de montante não apurado, usando um veículo automóvel que os seus pais lhe cederam;

1.26. Os filhos menores frequentam escolas em A…, sendo a do menor DD a Escola Básica da ….;

1.27. A casa dos avós maternos sita na Avenida …., n.º …, 2° esquerdo, em A…, dista cerca de 200 a 300 metros dessa Escola Básica;

1.28. A escola frequentada pela menor CC fica a meio caminho entre essa casa e a casa de C….

1.29. Quando os menores residem com a Requerente é esta quem os leva à escola de manhã e são os avós maternos quem aí os vão buscar à tarde, sendo as deslocações efetuadas de carro;

1.30. Em 2013, a Requerente sofria de depressão, carecendo de medicação para o seu tratamento e tendo ideação suicida;

1.31. A Requerente é licenciada em medicina …. e possui plenas capacidades cognitivas e plena capacidade para o trabalho;

1.32. Esteve desempregada parte do ano de 2013, recebendo subsídio de desemprego;

1.33. Desde janeiro de 2014 a Requerente desempenha atividade profissional na FF - Estética e Fisioterapia, S.A., enquanto “Product Manager”, exercendo as funções de “Branc Manager” das marcas P…, G… e S…. ;

1.34. No ano de 2014, para efeitos de IRS, declarou o rendimento anual bruto de € 20.781,68;

1.35. Nos meses de fevereiro a julho de 2015, a Requerente auferiu a remuneração líquida mensal de € 1.189.87, € 1.212,74, € 1.188,06, € 1.200,40, € 2.203,36 e € 3.493,68, respetivamente;

1.36. Desde 23/05/2013 que os menores residem com o Requerido, quando estes com o mesmo se encontram, na casa sita na Rua …, n° …, 3° esquerdo, 2790- C…;

1.37. É nesta casa que os menores pernoitam, tomam as suas refeições, estudam, brincam e recebem visitas de familiares e amigos quando se encontram com o Requerido;

1.38. O Requerido não possui outra casa onde possa viver com os menores;

1.39. A mãe do Requerido habita uma casa com quatro quartos na D…., A…;

1.40. O Requerido tem despesas mensais com alimentação, limpeza da casa, condomínio, consumos domésticos, comunicações. Seguros, combustível e sustento dos filhos de montante não apurado;

1.41. Desde que a Requerente saiu da casa sita na Rua …, n.º …, 3.º esquerdo, 2790- C…, que todas as despesas correntes relativas à mesma são suportadas na íntegra pelo Requerido;

1.42. O Requerido é diretor geral na sociedade “GG Portugal, S.A.”;

1.43. No ano de 2014, para efeitos de IRS, declarou o rendimento anual bruto de € 64.500,00;

1.44. Nos meses de maio a outubro de 2015 auferiu a remuneração líquida mensal de € 906,63, € 5.135,00, € 4.029,96, € 4.116,37, € 2.906,63 e € 4.116,37, respetivamente.


        2. Factualidade dada como não provada


      Foi dada como não provada pela 1.ª instância e assim mantida pela Relação a seguinte matéria:

- Os factos constantes dos artigos 5.º. em parte, 8.º, 10.º. em parte, 11.º, 12.º, em parte, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, em parte, 21.º, 22.º, em parte, 23.º, 25.º a 38.º, em parte, do requerimento inicial;

- os factos constantes dos artigos 13.º, 20.º, 21.º, 27.º, 28°, 29.º, em parte, 33.º, em parte, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 40.º e 44.º da oposição, por falta de suporte probatório, quer documental quer testemunhal, ou por estarem em contradição com outros que resultaram provados.

E, nomeadamente, foi considerado não provado que se mantenha a situação de desemprego da Requerente, porquanto a mesma admitiu trabalhar quando foi ouvida em depoimento de parte e por estarem juntos aos autos recibos de vencimento daquela que comprovam o exercício de atividade laboral. Quanto às despesas mensais alegadas pelo Requerido, foi considerado não existir documento que as comprove.

A par disso, a 1.ª instância não respondeu à matéria tida por conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão como a constante dos artigos 7.º, terceira parte, e 24.º do requerimento inicial e dos artigos 23.º, 24.º, 41.º, 42.º, 43.º, 45.º, 46.º, 49.º, 51.º, 52.º. 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 61.º, 62.º e 63.º da oposição.


3. Quanto aos fundamentos do recurso relativos a violações processuais em sede de reapreciação da decisão de facto


     3.1. Enquadramento e delimitação das questões suscitadas


       A Requerente impugnou a decisão de facto da 1.ª instância, formulando, em sede de apelação, no que aqui interessa, as seguintes conclusões:

1.ª - Reapreciada a prova gravada deve a decisão deste processo, atento o disposto nos artigos 986.º, n.º 2, 990.º, n.º 3 e 5.º, n.º 2 do CPC, considerar e apreciar que:

45. Em 23-5-2013 os pais da requerente mudaram-se para um quarto mais pequeno e a CC e o DD ficaram com o quarto maior da casa;

46. Muitas nas vezes dá birra porque normalmente é a CC que se queixa que o DD acorda muito cedo, que o DD faz barulho e o DD também se queixa de estarem no mesmo quarto;

47. Ao fim de semana o DD levanta-se muito cedo;

48. A CC está diferente, já está mais crescidinha, já aconteceu eles estarem nos banhos ou assim e eles têm muito cuidado um com o outro e mesmo para a gente (tia e avós) não ver;

49. Existe algum pudor, é normal, faz parte da idade e o DD também está a crescer;

50. Os pais da requerente sentem que têm uma dívida com a irmã desta porque a requerente está lá morar;

51 – O quarto para os 2 menores o que é 1 quarto que eles partilham exatamente, a partilha do quarto não é confortável para eles, de todo;

52. As crianças cresceram e obviamente têm necessidades diferentes;

54. Não foi por exclusiva vontade da requerente que esta abandonou a casa de morada da família, no sentido em que nem ela nem os filhos estavam lá bem, por vários atos cometidos;

55. Não foi por sua livre e exclusiva vontade, ou seja não foi, um dia pensou bom vou sair desta casa, não;

56. O R. dispõe da casa dos pais;

57. Quando foram para casa dos avós as condições eram boas, eram ótimas, só que, com o crescer das crianças. neste momento já não são;

58. Vão tomar banho, e o outro tem de sair do quarto. Eles não se sentem à vontade no mesmo quarto, já;

59. Embora eles se dêem muito bem, mas eles não se sentem já à vontade. E eles próprios fazem notar isso. E dizem isso;

60. Em termos do descanso, dos trabalhos de casa, do estudo;

61. Os avós cederam-lhes esse quarto, que era o quarto maior da casa, e foram para um quarto pequenino. Foi um sacrifício que fizeram;

62. Eles ficavam melhor em quartos separados, pronto;

63. Não se sentem à vontade no mesmo quarto;

64. Ela vai tomar banho e pede para a mãe ir com ela, e depois saí da casa de banho e vai para o quarto e pede à mãe para ver se está o DD no quarto. Não se sente à vontade a despir-se à frente do irmão;

65. Não há harmonia, harmonização, dos tempos de descanso de cada um. E um que quer dormir e o outro vai e acende a luz;

66. A CC sai mais cedo para a escola e depois ao mínimo barulho o DD acorda sem necessidade de acordar tão cedo. Não tem essa necessidade;

67. E mesmo fora desse período da manhã, durante o dia e à noite;

68. Por vezes os avós vão dar uma volta, saem da sua própria casa para eles ficarem mais à vontade;

69. Permanecerem em casa dos pais da requerente “enquanto precisarem e for necessário era até eles (o ex-casal) resolverem os problemas deles, porque um ex-casal tem problemas a resolver;

70. Não era uma situação definitiva;

71. No caso de atribuída à A, lá está que o R. não ia dormir nos cartões na rua;

72. A casa da mãe do requerido tem 4 quartos de dormir;

73. Nessa casa a CC e o DD podiam ter um quarto individual para cada um deles;

74. “enquanto precisarem e for necessário” era até resolverem os problemas deles;

75. Passaram 3 anos (desde 23-5-2013), a CC portanto está numa idade em que é recomendável ter já um quartinho individual;

76. Aquele quarto tem entre os 14 - 15m2

77. A mãe do R., HH, reside na Rua …, …, 1° Esq. na D… (fls. 68. 120, 465), precisamente encostada a A… e a 1 km da escola do DD;

78. Os avós paternos colaboram no transporte escola/casa dos menores (fls. 244) e há um suporte familiar nas pessoas dos avós paternos (fls. 247) com quem o R. tem uma boa relação (fls. 248).

Deve dar-se como não provado o facto 38 da decisão.

2.ª – “Em 2013, motivado por um grande desgaste na relação e consequente afastamento entre o casal, a mãe saiu de casa com os dois filhos" (Relatório a fis 235). Os menores "Provavelmente pelo que presenciaram, associam a aproximação entre os pais a situações de animosidade e conflito constantes pelo que preferem que estes não se vejam" (Idem fls 237);

3.ª - Em 23-5-2013, a A saiu da casa de morada da família (facto 13), mas não foi por sua exclusiva vontade, foi porque nem ela nem os seus filhos estavam lá bem por vários actos cometidos; não foi por sua livre e exclusiva vontade, ou seja não foi porque um dia pensar, bom vou sair desta casa, não...

4.ª - Tomou a decisão de sair uma vez que o ambiente entre os progenitores era de grande tensão com repercussões muito negativas sobre os filhos. O R. sentiu, com a separação, algum alívio e confirmou que o ambiente em casa era de muita tensão (Relatório a tis 244);

5.ª - A A. não abandonou a casa de morada da família;

6.ª - A guarda dos menores é partilhada desde Junho de 2013 por proposta do R. pois a A. pretendia na regulação que residissem consigo.

      E no corpo das alegações, a Requerente e ali apelante transcreve vários excertos do depoimento da própria requerente e dos depoimentos das testemunhas II, JJ, KK, HH e LL.

      Ora, no âmbito dessa impugnação de facto, a Requerente/ Apelante pretendia que:

 i) – por um lado, a decisão de facto da 1.ª instância fosse ampliada no sentido de compreender, como juízos probatórios positivos, os enunciados vertidos nos pontos 45 a 78 da conclusão 1.ª das alegações da apelação;   

ii) – por outro lado, fosse dado como não provado o facto tido por provado sob o ponto 38 da sentença recorrida.

 

      Sobre essa impugnação, no acórdão recorrido, considerou-se que:

«No caso em apreço a Apelante limita-se a transcrever excertos dos depoimentos das testemunhas, após o que escreve: as questões de facto tratadas nos depoimentos transcritos não foram consideradas na sentença, mas devem ser consideradas. Não especifica a Apelante quais as “questões de facto” que entende que deveriam sido considerados.»

      E depois de ali se transcreverem as conclusões da Apelante, no mesmo acórdão, foi considerado o seguinte:

«Ora, ainda que se tente suprir a falta da indicação dos factos que a Recorrente entende que deveriam ter sido dados como provados, através da descrição supra e que consta da conclusão 1.a, ao ler tal descrição, facilmente se verifica que não se elencam factos relevantes para a decisão da causa, mas apenas uma transcrição de depoimentos.

Não está, pois, cumprido o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, pelo que deve ser rejeitado o recurso relativamente a essa matéria, no que se refere ao elenco dos factos supra transcritos.

Relativamente ao ponto 38 da matéria de facto com o seguinte teor: "O requerido não possui outra casa onde possa viver com os menores", pretende a Recorrente que esse facto deve ser dado como "não provado". Relativamente a este ponto podemos admitir o recurso por considerarmos cumprido o ónus a que alude o art.° 640.° do CPC. Na verdade, da transcrição dos depoimentos, resultam excertos relativos à matéria em apreço.

A questão está em saber se esses depoimentos são suficientes e permitem a alteração da decisão sobre tal facto.

Do depoimento da testemunha JJ resulta que esta testemunha referiu que o Apelado tem para viver “a casa dos pais”. Este depoimento é confirmado pelo depoimento da mãe do Requerido que afirmou que, em sua casa, cada um dos seus netos, CC e DD, poderia ter o seu quarto. Conclui a Apelante que destes depoimentos deveria resultar dar-se como "não provado” que “o Requerido não possui outra casa onde possa viver com os menores”. Na verdade, a Apelante não tem razão. Até aceitando que a casa dos pais do Apelado tenha quatro quartos, tal como referiu a sua mãe, no julgamento, tal não é razão suficiente para se dar como "não provado" o facto em causa. Pois, o alcance do facto é dizer apenas que o Requerido não é titular ou proprietário de outra casa.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.»

        

    Em face dessa decisão, a Recorrente, no que aqui releva, vem sustentar que, no acórdão recorrido, foram violadas as normas dos artigos 662.º, n.º 1 e 2, alínea c), do CPC, na medida em que o tribunal deveria atender à matéria a aditar por força do princípio de investigação oficiosa genericamente consagrado no artigos 5.º, n.º 2, do CPC e reforçado, nos processos de jurisdição voluntária, pelos artigos 986.º, n.º 2, e 990.º, n.º 3, do CPC.    

     A par disso, alega ainda que o mesmo acórdão enferma dos seguintes vícios: 

- de excesso de pronúncia, por considerar que poderão ser encontradas outras soluções de organização do espaço, no sentido de melhorar o conforto das crianças;

- de falta de fundamentação por tal consideração não assentar em facto apurado, até os contradizendo;

- de contradição entre os fundamentos e a decisão, quando, tomando como fator principal ou mais preponderante a avaliação da premência da necessidade da casa, desconsidera o apurado interesse dos menores e as capacidades económicas de cada cônjuge, negado o peticionado direito da Requerente. 


      Feita esta segmentação das questões suscitadas em sede de violação das disposições processuais, cumpre agora apreciá-las pela seguinte ordem:

i) – Em primeiro lugar, sobre os invocados vícios de excesso de pronúncia, falta de fundamentação e contradição entre esta e a deci-são; 

ii) – Seguidamente, quanto à alegada violação das indicadas nor-mas processuais em sede de reapreciação da decisão de facto.


3.2. Quanto aos vícios de excesso de pronúncia, falta de fundamentação e contradição entre esta e a decisão


     Neste capítulo, não pode deixar de se referir que, na decisão proferida em sede de reclamação, fora mencionado que a Recorrente alegara os indicados vícios e que, portanto, competia ao Tribunal da Relação pronunciar-se sobre eles nos termos do artigo 617.º, n.º 1, aplicável por via do artigo 666.º do CPC.

     Todavia, a Exm.ª Relatora da Relação no despacho de fls. 693-694, datado de 06/02/2017, considerou que, apesar de a Recorrente se referir a “excesso de pronúncia, falta de fundamentação e a contradição entre esta e a decisão”, nunca “usara” a palavra nulidade, não se podendo, por isso, te-rem por invocadas tais nulidades, não se afigurando haver lugar ao pronunciamento indicado no despacho que deferiu a reclamação. Não obstante isso, concluiu, sem mais, não se verificarem essas nulidades, em face do que se dispensou a convocação da conferência.

     Salvo o devido respeito, tal entendimento pauta-se por uma leitura demasiado formalista do ali alegado, mal se compaginando com o critério do “efeito prático-jurídico” que vem sendo adotado na interpretação das pretensões deduzidas pelas partes.

Bem ou mal, o certo é que a Recorrente invoca aqueles vícios como fundamentos, além do mais, da concessão da revista, o que só pode significar, nesse particular, a pretensão do correspetivo efeito legal.

Assim sendo, impõe-se apreciar tais fundamentos, por mais inconsistentes ou inconsequentes que possam parecer.


Ora, os vícios típicos de nulidade de sentença previstos nas alíneas b) a e) do n.º 1 do atual artigo 615.º, aplícáveis aos acórdãos da Relação por via do art.º 666.º, n.º 1, do CPC respeitam a erros de atividade ou de procedimento (error in procedendo) em sede da disciplina legal sobre a elaboração da sentença, cuja relevância decorre do facto de constituírem obstáculo à prolação de um juízo de mérito.  

     Assim, por exemplo, quando o tribunal se ocupe de questões que lhe estão vedadas, nos termos do artigo 608.º do CPC, ou quando, na apreciação daquelas, tenha incorrido em falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito, em contradição insanável - que não mera inconcludência jurídica - entre a fundamentação dada e a decisão, em obscuridade ou ambiguidade de tal fundamentação de modo a tornar ininteligível a própria decisão, em todas essas situações mostra-se pertinente a sanção de nulidade cominada, consoante os casos previstos nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do citado artigo 615.º.

Porém, na caracterização do vício de excesso de pronúncia, importa distinguir o que constituem “questões” a resolver, nos termos e para os efeitos dos artigos 608.º e 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do CPC, do que se reconduz a meros argumentos, linhas de raciocínio ou considerações adentro dessas questões[3].

Não se verifica, pois, excesso de pronúncia quando o tribunal, ocupando-se da questão litigiosa, se socorra de factos de que lhe seja vedado conhecer ou da factualidade provada extraia ilações por ela não consentidas.

Por sua vez, não ocorre vício de falta de fundamentação nos casos em que esta se mostre apenas insuficiente ou medíocre. Nem existe contradição relevante entre a fundamentação e a decisão a não ser nos casos em que os fundamentos acolhidos se mostrem de todo incompatíveis com a solução decretada, em termos de manifesta contradição formal entre aqueles e esta.

Tanto nos casos em que a fundamentação seja insuficiente ou meramente inconcludente como naqueles em que o tribunal atenda a factos de que lhe seja vedado conhecer não ocorrerão os vícios de nulidade de sentença previstos nas alíneas b), c) e d), 2.ª parte, do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, mas, quando muito, erro de julgamento a apreciar em sede de mérito. 

À luz desse entendimento, no caso vertente, a consideração feita no acórdão recorrido de que, atentas as condições da casa habitada pela Requerente, poderão ser encontradas outras soluções de organização do espaço no sentido de melhorar o conforto dos filhos do ex-casal não consubstancia, minimamente, qualquer vício de excesso de pronúncia. Nem a ponderação também ali feita quanto às condições da habitação da Requerente e do Requerido, na perspetiva de ajuizar sobre a pretendida atribuição àquela da cada de morada da família, se traduzem em falta absoluta de fundamentação ou em contradição insanável nos termos acima expostos.

Improcede assim, de todo, a arguição dos vícios de excesso de pronúncia, de falta de fundamentação e de contradição entre esta e a decisão.


3.3. Quanto à alegada violação das normas processuais em sede de reapreciação da decisão de facto


Neste capítulo, a Recorrente sustenta que o acórdão recorrido violou as normas processuais que disciplinam o exercício dos poderes conferidos à Relação em sede de reapreciação da decisão de facto, mormente as constantes dos artigos 5.º, n.º 2, 662.º, n.º 1 e 2, alínea c), 986.º, n.º 2, e 990.º, n.º 3, do CPC. E alicerça essa violação na não inclusão de pretensos factos que teriam resultado da instrução da causa.

       Vejamos.

       Desde logo, importa esclarecer que a sobredita disciplina processual suscetível de constituir fundamento de revista a coberto da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC pode segmentar-se nas seguintes vertentes:

i) – no que respeita à completude, clareza e coerência de cada um dos juízos probatórios da decisão de facto, nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), segunda parte, e 682.º, n.º 3, parte final, do CPC;   

ii) – quanto à insuficiência da decisão de facto para uma adequada decisão de direito, nos casos em que se mostre indispensável ampliar essa decisão a factos alegados pelas partes ou que possam ser oficiosamente adquiridos para os autos, mas que se encontrem ainda controvertidos, nos termos dos artigos 5.º, n.º 1 e 2, 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, e 682.º, n.º 3, do CPC;

iii) – ainda, quanto à insuficiência da decisão de facto também para uma adequada decisão de direito, nos casos em que se mostre necessário ampliar essa decisão a factos alegados pelas partes ou que possam ser oficiosamente adquiridos, mas que já se encontrem provados nos autos, nos termos dos artigos 5.º, n.º 1 e 2, e 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por força das normas remissivas dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC;

iv) – no que concerne aos parâmetros de reapreciação da decisão de facto, nos termos estabelecidos nos artigos 640.º, 662.º, n.º 1 e 2, alínea c), primeira parte, e 663.º, n.º 2, com referência ao artigo 607.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC.

      Nas hipóteses enunciadas em i), ii) e iv), a violação das normas processuais pertinentes é suscetível de implica a anulação da decisão recorrida na parte afetada com vista ao suprimento do vício, em regra, por via da repetição do julgamento. A hipótese enunciada em iv) não importará a anulação da decisão recorrida, mas, quando muito, a sua revogação, em virtude da incorporação dos factos tidos por necessários que já se encontrem provados, nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, do CPC.


     No caso dos autos, a Recorrente pretendia, como ainda pretende, que sejam aditados factos por ela tidos como resultantes da instrução da causa e como provados, o que nos reconduz precisamente à vertente enunciada em iii).

     Nessa base, pretende que seja aditada os seguintes factos:

i) - Em 2013, motivado por um grande desgaste na relação e consequente afastamento entre o casal, a mãe saiu de casa com os dois filhos - relatório a fls. 235;

ii) - Os menores, provavelmente pelo que presenciaram, associam a aproximação entre os pais a situações de animosidade e conflito constantes pelo que preferem que estes não se vejam – o mesmo relatório a fls. 237;

iii) - Decorridos 2 anos sobre a separação, mantém-se uma total falta de comunicação entre as progenitores condicionando e prejudicando o que são as suas responsabilidades parentais – o mesmo relatório a fls. 240;  

iv) - A A. saiu de casa no dia 23/05/2013 – constante da sentença de divórcio;

v) - Foi esta a segunda vez que saiu de casa - constante da sentença de divórcio;

vi) - Já não existia, à data em que a A. sair, de casa, harmonia familiar e felicidade no lar - constante da sentença de divórcio.

      E pretende ainda que seja aditada a matéria especificada na conclusão 1.ª das alegações da apelação resultante dos depoimentos prestados em audiência, consistente no seguinte: 

45. Em 23-5-2013 os pais da requerente mudaram-se para um quarto mais pequeno e a CC e o DD ficaram com o quarto maior da casa;

46. Muitas nas vezes dá birra porque normalmente é a CC que se queixa que o DD acorda muito cedo, que o DD faz barulho e o DD também se queixa de estarem no mesmo quarto;

47. Ao fim de semana o DD levanta-se muito cedo;

48. A CC está diferente, já está mais crescidinha, já aconteceu eles estarem nos banhos ou assim e eles têm muito cuidado um com o outro e mesmo para a gente (tia e avós) não ver;

49. Existe algum pudor, é normal, faz parte da idade e o DD também está a crescer;

50. Os pais da requerente sentem que têm uma dívida com a irmã desta porque a requerente está lá morar;

51 – O quarto para os 2 menores o que é 1 quarto que eles partilham exatamente, a partilha do quarto não é confortável para eles, de todo;

52. As crianças cresceram e obviamente têm necessidades diferentes;

54. Não foi por exclusiva vontade da requerente que esta abandonou a casa de morada da família, no sentido em que nem ela nem os filhos estavam lá bem, por vários atos cometidos;

55. Não foi por sua livre e exclusiva vontade, ou seja não foi, um dia pensou bom vou sair desta casa, não;

56. O R. dispõe da casa dos pais;

57. Quando foram para casa dos avós as condições eram boas, eram ótimas, só que, com o crescer das crianças. neste momento já não são;

58. Vão tomar banho, e o outro tem de sair do quarto. Eles não se sentem à vontade no mesmo quarto, já;

59. Embora eles se dêem muito bem, mas eles não se sentem já à vontade. E eles próprios fazem notar isso. E dizem isso;

60. Em termos do descanso, dos trabalhos de casa, do estudo;

61. Os avós cederam-lhes esse quarto, que era o quarto maior da casa, e foram para um quarto pequenino. Foi um sacrifício que fizeram;

62. Eles ficavam melhor em quartos separados, pronto;

63. Não se sentem à vontade no mesmo quarto;

64. Ela vai tomar banho e pede para a mãe ir com ela, e depois saí da casa de banho e vai para o quarto e pede à mãe para ver se está o DD no quarto. Não se sente à vontade a despir-se à frente do irmão;

65. Não há harmonia, harmonização, dos tempos de descanso de cada um. E um que quer dormir e o outro vai e acende a luz;

66. A CC sai mais cedo para a escola e depois ao mínimo barulho o DD acorda sem necessidade de acordar tão cedo. Não tem essa necessidade;

67. E mesmo fora desse período da manhã, durante o dia e à noite;

68. Por vezes os avós vão dar uma volta, saem da sua própria casa para eles ficarem mais à vontade;

69. Permanecerem em casa dos pais da requerente “enquanto precisarem e for necessário era até eles (o ex-casal) resolverem os problemas deles, porque um ex-casal tem problemas a resolver;

70. Não era uma situação definitiva;

71. No caso de atribuída à A, lá está que o R. não ia dormir nos cartões na rua;

72. A casa da mãe do requerente tem 4 quartos de dormir;

73. Nessa casa a CC e o DD podiam ter um quarto individual para cada um deles;

74. “enquanto precisarem e for necessário” era até resolverem os problemas deles;

75. Passaram 3 anos (desde 23-5-2013), a CC portanto está numa idade em que é recomendável ter já um quartinho individual;

76. Aquele quarto tem entre os 14 - 15m2

77. A mãe do R., HH, reside na Rua …, …, 1° Esq. na D…. (fls. 68. 120, 465), precisamente encostada a A… e a 1 km da escola do DD;

78. Os avós paternos colaboram no transporte escola/casa dos menores (fls. 244) e há um suporte familiar nas pessoas dos avós paternos (fls. 247) com quem o R. tem uma boa relação (fls. 248).


      Sucede que, no acórdão recorrido, foi entendido que a apelante se limitara a transcrever excertos dos depoimentos das testemunhas, sem especificar quais as “questões de facto” que entendia deverem ser consideradas e que, além disso, não “elencara” factos relevantes para a decisão da causa, concluindo-se, nessa base, pela inobservância do ónus de impugnação da decisão de facto, nos termos do artigo 640.º do CPC.

      Porém, não se vê que esteja aqui propriamente em causa a inobservância dos requisitos de impugnação da decisão de facto estabelecidos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, porquanto a Recorrente, nessa parte, não impugna factos que tenha por incorretamente julgados como provados ou não provados, limitando-se tão só a pretender o aditamento de factos omitidos que entende pertinentes e tidos por provados; 

Também não está aqui em causa a disciplina processual relativa aos parâmetros de reapreciação pela Relação sobre pontos de facto concretos dados por provados e/ou não provados que tenham sido especificamente impugnados, para que se mostre convocável o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

A questão que se coloca é simplesmente a de saber se o não atendimento pelas instâncias da matéria que a Recorrente pretende aditar como factos provados constitui violação das disposições conjugadas dos artigos 5.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, 2.ª parte, sendo este aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º, bem como do artigo 986.º, n.º 2, todos do CPC.

 

Como estamos no âmbito de uma providência de jurisdição voluntária que tem por finalidade a atribuição da casa de morada da família, nos termos do artigo 1793.º do CC mediante o processo especial previsto no artigo 990.º do CPC, a relevância dessa matéria terá de ser aferida em função do preceituado no n.º 1 daquele artigo, segundo o qual:

Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

      Por outro lado, não obstante a matéria em foco não ter sequer sido alegada no requerimento inicial, há que ter presente que, no âmbito do referido processo de jurisdição voluntária, “o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes” que “considere necessárias”, nos termos do artigo 986.º, n.º 2, do CPC.

Equacionada deste modo a questão, uma de três soluções se impunha:

i) – ou considerar tal matéria relevante e provada, procedendo ao seu aditamento;

ii) – ou considerar tal matéria relevante mas não provada, denegando a pretendida ampliação;

iii) – ou então considerar essa matéria irrelevante para a solução de direito.

     Seja como for, do acórdão recorrido colhe-se ainda assim o entendimento de que a matéria indicada pela Recorrente para efeitos de ampliação se traduz em excertos dos depoimentos das testemunhas e não em factos que relevem para a decisão, o que corresponde à terceira alternativa indicada.

      Posto isto, a questão que agora se coloca é a de saber se a matéria indicada pela Recorrente se afigura adequada, necessária ou indispensável para constituir base suficiente para a decisão sobre a pretendida medida de atribuição da casa de morada da família.


      Ora, quanto aos motivos por que a Requerente saiu de casa em 23/ 05/2013, na sentença da 1.ª instância foi considerado, a dado passo, que embora os motivos do divórcio não sejam aqui relevantes, foi a requerente que tomou a iniciativa de abandonar a casa de morada de família, dando azo à falta de coabitação entre os ex-cônjuges que contribuiu para que o divórcio fosse decretado.

      Já no acórdão da Relação, tais motivos não foram sequer convocados.

      Acresce que a matéria que, neste particular, a Requerente pretende incluir na decisão de facto, extraída dos excertos do teor do relatório de fls. 235-240 acima transcritos e também vertida nos pontos 54 e 55 da 1.ª conclusão da apelação, não permite tão pouco imputar a qualquer dos cônjuges os motivos da degradação da vida conjugal que levaram a que a mesma Requerente tivesse saído de casa, o que torna irrelevante tal matéria para a ponderação da pretendida atribuição da casa de morada da família.  

       Quanto à restante matéria vertida nos pontos 45 a 52 e 56 a 78 da 1.ª conclusão das alegações em sede de apelação - respigada dos depoimentos prestados - pouco ou nada de substancialmente relevante e objetivo vem trazer para além do que de essencial já consta da factualidade provada.

      Com efeito, dessa factualidade consta já a configuração do espaço habitacional em que habita a Requerente e os seus dois filhos, quando com ela residem, na casa dos pais daquela, conforme se alcança dos pontos 1.17, 1.21, 1.22 e 1.24. E dos pontos 1.11 e 1.36 a 1.39 constam as condições da casa de morada da família em que o Requerido habita e onde recebe os filhos nos períodos em que passam com ele.

No que respeita às dificuldades de convivência dos filhos do ex-casal na casa em que a Requerente habita, a matéria por esta indicada traduz-se em meras exemplificações episódicas do quotidiano daqueles menores, de resto próprias de adolescentes com a sua idade e do seu processo de desenvolvimento (pontos 46, 47, 48, 58, 59, 60, 61, 64, 66, 67, 68) ou então em meras considerações de pendor subjetivo, tais como as constantes dos pontos 49, 50, 51, 52, 57, 58, 2.ª parte, 62, 63, 69 e 70, mas sem uma estruturação factual caracterizadora de um tipo de vivência patológico. E isto porque, como se observa no acórdão recorrido, a Recorrente se limitou a transcrever passagens esparsas dos depoimentos, sem curar de especificar, a partir delas, em moldes de técnica processual, os factos essenciais que tem por provados. Nem se afigura que aquela tão diluída matéria impusesse, por si só, o delineamento de outros factos essenciais, para além dos já dados como provados, com relevo substancial para a solução de direito.   

      Por fim, mostra-se também irrelevante a matéria indicada em 56 e 71 a 78 relativa à habitação da mãe do Requerido, face aos factos dados como provados nos pontos 1.38 e 1.39.


Nesta conformidade, conclui-se que o acórdão recorrido não violou as disposições processuais invocadas, mormente as constantes dos artigos 5.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, e 986.º, n.º 2, todos do CPC, ao não atender à ampliação da decisão de facto pretendida pela Recorrente, improcedendo assim os fundamentos na revista nesta parte.   


3.4. Quanto aos fundamentos do recurso a título de revista excecional


A Recorrente sustenta que o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e aplicação à factualidade provada dos critérios normativos constantes do artigo 1793.º, n.º 1, e ainda do art.º 1878.º, n.º 1, do CC, mormente na definição e alcance das necessidades dos ex-cônjuges e no interesse dos seus filhos.  

Porém, como neste âmbito ocorre dupla conforme, interpôs o recurso a título de revista excecional, ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, invocando:

a) - a relevância jurídica da situação em causa para uma melhor aplicação do direito;

b) - a relevância social dos interesses em jogo;

c) - a contradição jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/04/2015, proferido no processo n.º 399-09.3TMLSB-A.L1-8, transitada em 25/05/2015, conforme certidão junta a fls. 698-711.

      De referir que, quanto a este último fundamento, a Recorrente sustenta que a decisão recorrida se encontra em contradição com a do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-4-2015, proferido no processo n.º 399/09.3TMLSB-A, transitado em julgado em 25/05/2015, conforme certidão de fls. 69…, num caso em que, apesar da ali pretendente da atribuição viver em casa arrendada suficiente o direito lhe foi concedido, considerada a apurada diferença de € 1220,00 para € 680,00 de rendimentos entre si e o ex-marido, muito inferior à existente nos presentes autos e sem proporcionar a esse requerido a muito ampla diferença, de alguns milhares de euros mensais, de que o aqui Requerido dispõe.


       Ora, o acórdão recorrido convocou o disposto no artigo 1793.º, n.º 1, do CC, considerando que, para a atribuição da casa de morada da família se deve adotar como critérios essenciais, em primeira linha, as necessidades da casa por parte de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos para, só depois, se recorrer a outros fatores relevantes, em caso de dúvida ou em situação de igualdade entre os cônjuges.

Nessa base, teceu as seguintes considerações: 

«No caso, em apreço, vistos os factos, quanto ao critério do “interesse dos filhos”, não poderá este determinar a decisão visto que os menores passam igual período de tempo com cada um dos progenitores em virtude da guarda alternada que está estabelecida, como resulta do ponto 15.° dos factos provados.

Resta apurar relativamente a qual dos cônjuges é mais premente a necessidade da casa, sendo certo que nenhum deles tem outra casa para viver, a não ser a casa dos pais de cada um deles. Com efeito, é na casa dos pais que a ora Apelante já reside, desde que saiu da casa de morada de família. Ambos os cônjuges têm capacidade profissional e desenvolvem-na, auferindo rendimentos que lhes permitem suportar as despesas com o seu sustento. São ambos saudáveis e ambos jovens (38 e 43 anos).

Comparando o rendimento de um e de outro é evidente que a situação económica do Requerido é bastante superior à da ora Apelante. Mas ainda assim, considerando os rendimentos da Apelante, constantes dos pontos 34 e 35 dos factos provados, verifica-se que o seu rendimento é acima da média, pelo que o simples facto de ser inferior ao rendimento do Apelado, tal não constitui motivo suficiente, a nosso ver, para se concluir pela atribuição da casa de morada de família.

A Apelante queixa-se de que os seus filhos cresceram – têm actualmente 11 e 9 anos - e na casa onde reside, aliás gratuitamente, por ser a casa dos seus pais, os seus filhos não estão confortáveis porque não podem ter cada um o seu quarto. Parece que, atentas as condições da casa, poderão ser encontradas outras soluções de organização do espaço, no sentido de melhorar o conforto das crianças. Porém, sempre se dirá que o facto de uma das crianças querer dormir e o outro "vai e acende a luz" como foi dito em julgamento, não é argumento válido para alterar a decisão. Com efeito, as crianças só beneficiam se forem educadas no sentido de respeitar o espaço e as necessidades daqueles que as rodeiam, e é no meio familiar o local ideal para absorver tais valores.

Tal como foi escrito em acórdão que também foi subscrito pela ora Relatora, “os filhos têm de viver também de acordo com as possibilidades que os seus progenitores dispõem em cada momento” e se a mãe actualmente não lhes pode proporcionar exactamente as condições que eles dispõem na casa de morada de família, onde de resto passam metade do seu tempo, não se pode exigir ao pai que saia da casa que adquiriu precisamente para alojar a família, obrigando-o a procurar outra casa para viver, sendo certo que a Apelante e os seus filhos têm as suas necessidades habitacionais resolvidas de forma muito satisfatória. Repare-se que são os avós que vão buscar os netos à escola, quando os menores residem com a requerente.

Por conseguinte, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, impõe-se concluir, tal como concluiu a sentença recorrida, que a “a requerente não demonstrou ser o ex-cônjuge que mais necessita da casa de morada de família, não tendo feito a prova que lhe cabia por força do artigo 342°/1 do C. Civil. Em suma, nada justifica que o Tribunal obrigue o requerido a sair da casa de morada de família (...) onde habita com os filhos menores cuja guarda partilha com a requerente quando esta tem uma alternativa habitacional, dispondo de outra casa onde pode viver de graça, tem um salário que lhe permite, querendo, arrendar ou adquirir outro imóvel".

A sentença recorrida, não merece, portanto, qualquer censura, devendo ser confirmada.»

     Por seu lado, a Recorrente sustenta que esta decisão viola, por erro de interpretação e aplicação à factualidade provada, os critérios normativos do artigo 1793.º, n.º 1, e ainda o disposto no artigo 1878.º, n.º 1, do CC, respeitantes ao sentido e alcance a dar às necessidades dos cônjuges e ao interesse dos seus filhos menores.

      Assim, como já acima foi referido, não obstante estarmos no âmbito de uma decisão proferida em processo de jurisdição voluntária, afigura-se que o que a Recorrente aqui questiona é a interpretação e aplicação daqueles critérios normativos, de estrita legalidade, o que constitui fundamento de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

      Por outro lado, encontram-se verificados os requisitos gerais de admissibilidade da revista, nomeadamente os previstos nos artigos 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 1, do CPC. 

      Aqui chegados, face à ocorrência de dupla conforme, nesta parte, nos termos do n.º 3 do citado artigo 671.º, importa agora que sejam verificados os invocados pressupostos da revista excecional, para o que é competente a formação dos três juízes deste Supremo Tribunal de Justiça a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do mesmo Código.


    IV – Decisão           

        

   Pelo exposto, acorda-se em:

a) – Julgar improcedente a arguição dos vícios de excesso de pronúncia, de falta de fundamentação e de contradição entre esta e a decisão;

b) – Negar, desde já, a revista quanto à invocada violação de disposições processuais pertinentes à pretendida ampliação da decisão de facto; 

c) – Determinar a remessa dos autos à formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC para verificação dos invocados pressupostos da revista excecional.

As custas ficarão a cargo da Recorrente, em caso de não admissão da revista excecional; caso contrário, serão determinadas em função do que vier a ser decidido a final. 

 

Lisboa, 25 de Maio 2017

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

João Luís Marques Bernardo

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[1] Relatado pelo Juiz Cons. Lopes do Rego, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] A este propósito, podem consultar-se o acórdão do STJ, de 02/06/2016, relatado pelo Juiz Cons. Salazar Casanova, proferido no processo n.º 1233/14.8TBGMR.G1.S1, e os outros acórdãos do STJ ali citados, acessíveis na Internet, – http://www.dgsi.pt/jstj.  
[3] A este propósito, veja-se, entre muitos outros, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, p. 143; Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, pp. 704-705.