Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P3844
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SORETO DE BARROS
Descritores: MAUS TRATOS
HOMICÍDIO
TENTATIVA
CULPA
ALCOOLISMO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200702070038443
Data do Acordão: 02/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL.
Decisão: PROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO.
Sumário : I - Resultando provado, entre o mais, que:
- o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo perfeitamente que a sua conduta não era permitida e era punida por lei, ao atingir a ofendida MA, sua esposa, como pretendeu e conseguiu, na face esquerda com um projéctil de arma de fogo, que sabia serem, como são, local e meio plenamente adequados e procurados para produzir a morte de seres humanos [no dia 7 de Setembro de 2004, cerca das 23h30, no pátio da residência dos pais da ofendida MA (…) o arguido abeirou-se desta, sua esposa, empunhando na mão direita a pistola de calibre 6.35 mm, de marca BBM Police, e de modelo Webly, a qual fora anteriormente de alarme com 8 mm e havia sido adaptada para balas reais de 6.35 mm, com o carregador municiado com 5 destas munições que o arguido havia adquirido dias antes a indivíduo desconhecido (...); após breve troca de palavras, quando se encontrava a cerca de um metro dela, o arguido apontou cuidadosamente à cabeça de sua esposa e desfechou um tiro, atingindo-a com o projéctil na região parotidea e retromolar da face à esquerda; foi a ofendida transportada de urgência ao Hospital de Pedro Hispano, onde chegou pelas 01h25 do dia 08-09-2004 apresentando “orifício de entrada sobre o corpo mandibular à esquerda e vários fragmentos de projéctil de arma de fogo nos tecidos moles da face à esquerda (região parotidea e retromolar)”];
- quis o arguido causar a morte da mesma, o que só não aconteceu por circunstâncias alheias à sua vontade, firmada há mais de dois meses anteriores à ocorrência, desde que a sua esposa saíra da residência do casal, querendo divorciar-se do arguido, pelos constantes maus tratos que este lhe dava;
- sendo a concretização dessa intenção a compra da arma acima referida, em data incerta, mas anterior a Julho de 2004;
- a sua personalidade, intelectualmente mal sustentada, está vincada por traços onde dominam a sensibilidade excessiva aos fracassos ou àquilo que é interpretado como humilhação ou recusa, a desconfiança/ciúme, a concepção agressiva e obstinada dos direitos pessoais, as tendências interpretativas acentuadas, traços que os excessos alcoólicos exacerbam;
- está capaz de avaliar a ilicitude dos actos pelos quais foi arguido e de se determinar de acordo com essa avaliação;
- aquando dos factos, a 07-09-2004, estava, muito provavelmente, etilizado, mas podia e devia ser censurado por se ter colocado nesse estado. Deve ser considerado imputável;
- a injúria tóxica a que, durante décadas, submeteu o seu sistema nervoso central
deterioraram-no, limitando volição e discernimento, prejudicando a margem de manobra no governo-de-si, o que potencia a distorção, mesmo se pouco acentuada, da leitura da realidade que o seu modo de estar (...) impõe, autorizando uma proposta de atenuação da imputabilidade;
- a partir de determinada altura, a dinâmica intrafamiliar passou a ser perturbada pelo comportamento conflituoso do arguido, associado ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, sendo frequentes as discussões com a mulher e os filhos;
- neste contexto, procurou apoio médico, tendo sido acompanhado durante 18 meses no Centro Regional de Alcoologia do Norte, tendo a última consulta ocorrido no dia 26-06-2003, altura em que abandonou o tratamento;
- o consumo exagerado de bebidas alcoólicas repercutiu-se também no desempenho da sua actividade laboral;
- enquanto carpinteiro, embora lhe fossem reconhecidas competências, passou a trabalhar de forma irregular, o que provocou o seu despedimento das empresas para as quais já trabalhou;
- na área da sua habitação possuía também uma oficina, e muitas vezes não concluía as encomendas, gastando as verbas adiantas para as mesmas;
- no período que antecedeu a reclusão, o arguido estava separado da mulher há cerca de 4 meses, altura em que a mesma passou a morar com os pais, residentes numa habitação contígua, sendo que a filha do casal tinha saído de casa em Junho de 2004, atitude também originada pelos conflitos familiares;
- em termos profissionais o arguido encontrava-se desempregado há sensivelmente 2 anos, auferindo o respectivo subsídio de desemprego; tem suporte suficiente na matéria de facto dada como provada o juízo de que o arguido agiu com elevado grau de culpa; quadro que é, igualmente, suficiente para sustentar que o facto ilícito típico pode ser pessoalmente censurado ao arguido [posto que agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo perfeitamente que a sua conduta não era permitida e era punida por lei, embora numa situação “de alguma diminuição da capacidade de se determinar em conformidade com os valores jurídico-penais”], por se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada [o agente pessoa conflituosa e com personalidade intelectualmente mal sustentada e com uma concepção agressiva e obstinada dos direitos pessoais, exacerbada pelos excessos alcoólicos, que não se esforçou por frenar – abandonou hábitos de trabalho regular e foi infernizando, ao longo do tempo, a vida dos familiares, ao ponto de mulher e filhos se terem visto forçados a fugir de casa; tomou a decisão de matar a mulher – que até já tinha “pedido” o divórcio – e, para isso, comprou, com mais de dois meses de antecedência, uma arma de fogo, e, certa noite, após uma breve troca de palavras com a mulher, quando se encontrava a cerca de um metro dela, apontou-a cuidadosamente à cabeça da esposa e desfechou um tiro, atingindo-a na região parotidea e retromolar da face à esquerda, sendo ainda certo que, mais de um mês antes, também de noite, quando a mulher regressava do trabalho, o arguido obrigou-a a parar, atravessando a carrinha que ele conduzia, e, empunhando uma pistola, apontou-a na direcção daquela que gritou e buzinou, tendo o arguido fugido por terem sido alertados os vizinhos)]; e concluir, perante a persistência e demais circunstâncias do propósito criminoso - como demonstram os episódios sumariamente expostos -, que as exigências do dever ser sócio-comunitário não podem deixar de formular um forte juízo de censura sobre a conduta delituosa do arguido.
II - Não suscita intervenção correctiva a pena 6 anos e 6 meses imposta ao arguido pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131.º, 22.º, 23.º e 73.º do CP.
III - Pelo grande sofrimento físico e moral causado pelas lesões de que a assistente foi vítima, decorrentes dos maus tratos e da tentativa de homicídio [a conduta do arguido causou na ofendida profundo sofrimento, angústia, vergonha e humilhação, não só pela intensidade das agressões e ameaças do marido, mas porque alguns desses comportamentos foram perpetrados pelo arguido na presença dos filhos e terceiros, ou, posteriormente, vinham a ser conhecidos pelos mesmos, família e vizinhança; outrossim, causou na ofendida dores e incómodos, tendo-se visto obrigada, inclusive, a abandonar o lar conjugal e ir viver com os filhos para a casa de seus pais; na sequência do tiro com que foi atingida, recebeu múltiplos tratamentos médicos, tendo inclusive permanecido internada no Hospital...durante três semanas, onde foi alvo de intervenção cirúrgica; em virtude das lesões, esteve impedida de exercer o seu trabalho habitual entre 08-09-2004 e 03-07-2005, período durante o qual permaneceu de baixa médica; em virtude dessas lesões, a ofendida ficou com uma cicatriz linear vertical com cerca de 7 cm, na face, mais concretamente, na região pré-auricular esquerda, estendendo-se até ao ramo da mandíbula; por outro lado, essas lesões causaram grandes dores à ofendida, designadamente nos dias seguintes à agressão, e que se prolongaram com os diversos tratamentos a que foi sujeita, sendo que ainda hoje sente dor mandibular, relacionada com movimentos e com mudanças de tempo, além de sentir frequentemente “pedaços soltos” dentro do ouvido, bem como tonturas relacionadas com os movimentos da cabeça; acresce que a sua situação “clínica” ainda não se encontra plenamente estabilizada, continuando a frequentar consultas e fazer tratamentos nas especialidades de otorrinolaringologia e cirurgia maxilofacial, bem como de psiquiatria, uma vez que a ofendida continua a padecer do trauma de ter “apanhado um tiro”, que julgou que a mataria, além do receio de que o arguido, seu marido, procure, no futuro, maltratá-la novamente, e até atentar contra a sua vida, outra vez; o que tudo mantém a ofendida num grande sofrimento, angústia e desespero, sendo que, na altura em que o arguido lhe apontou a dita pistola, e nas horas seguintes ao tiro, a ofendida pensou mesmo que ia morrer, que não sobreviveria, tendo vivido momentos de grande pânico e medo] mostra-se adequada a fixação da indemnização em 35 000, tal como o fez a 1.ª instância. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. O Tribunal da Comarca da Maia, por acórdão de 8 de Março de 2006 (proc. n.º 2492/04), decidiu (para o que, agora, importa) :

2. Julgar a acusação procedente, por provada, quanto à prática pelo arguido AA, em autoria material, e em concurso real de infracções, de:
2.1. um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo Artº 152º, nº 2, do Cód. Penal, pelo qual vai punido com a pena de 2 anos e 2 meses de prisão.
2.2. um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo Artº 131º, em conjugação com o disposto nos Artºs. 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal, pelo qual vai punido com a pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
2.3. de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo Artº 6º, da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na redacção da Lei nº 98/2001, de 25 de Agosto, pelo qual vai punido com a pena de 8 meses de prisão.
E, em cúmulo jurídico, cominar-lhe a pena única de 8 (oito) anos de prisão.
(…)
6. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por BB parcialmente procedente e, em consequência, condenar o Requerido AA a pagar àquela Demandante a importância de € 35.000,00, acrescida dos juros calculados à taxa legal de 4% desde a data da notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento.
7. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por “Empresa-A” totalmente procedente e, em consequência, condenar o Requerido AA a pagar àquela Demandante a importância de € 186,20, acrescida dos juros calculados à taxa legal de 4% desde a data da notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento.
1.1 Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 19.07.06, 'concedeu parcial provimento a tal recurso, condenando o arguido na pena unitária de sete anos de prisão, fixando em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a indemnização a pagar a favor da assistente por danos não patrimoniais, mantendo, no mais, a decisão recorrida' .

1.2 Desta decisão interpuseram recurso o arguido e a assistente .

1.2.1 O arguido termina a motivação com as seguintes conclusões :

1ª O presente recurso vai interposto do acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação do Porto em via de recurso e tem por objecto a matéria de facto e de direito infra.
2ª O arguido-recorrente, AA, no então interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, e ora recorrido, invocou o vício da contradição insanável de fundamentação e com a decisão, consubstanciando-o na circunstância de o texto do acórdão de 1ª instância, não obstante a por si reconhecida imputabilidade atenuada, lhe assacar um grau de culpa muito elevado.
3ª O acórdão aqui recorrido, em análise à questão suscitada, reconhece que o tribunal de 1ª instância conferiu relevo à imputabilidade diminuída, como causa de desagravamento da culpa, em sede de enquadramento jurídico-penal dos factos, recusando-lho no plano da determinação da medida da pena concreta, onde é assacado ao arguido e recorrente, AA, um elevado grau de culpa.
4ª Neste seu labor científico, traz à colação os ensinamentos doutrinários do Prof. Figueiredo Dias, deles fazendo derivar, para a situação sub judice, que a personalidade do arguido, obsta a que a semi-imputabilidade dê causa a uma diminuição do seu grau de culpa, para o efeito de determinar a medida concreta da pena a aplicar.
5ª Nesta sua conformidade, declara improcedente o vício da contradição insanável da fundamentação e da decisão invocado.
6ª O juízo de culpa, porém, entende-se, há-de ser único, no plano da qualificação jurídico-­penal e da determinação da medida judicial da pena, sob pena de contradição intrínseca da decisão.
7ª A construção do acórdão recorrido, ao tentar dar sustentabilidade à decisão de 1ª instância, é, afigura-se, incoerente e artificiosa, diferenciando o quantum da culpa consoante o plano considerado.
8ª Os dois acórdãos em análise contêm duas proposições excludentes, cuja contradição se apresenta como insanável, irredutível e inultrapassável com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência.
9ª O Tribunal da Relação do Porto incorre, ele próprio, et pour cause, como tudo resulta do texto respectivo, no vício da contradição insanável da fundamentação e da decisão ( artigo 410°, nº 2, alínea b ) ), a cuja invocação ora se procede.
10ª Impugna-se, pois, o grau de culpa assacado ao arguido-recorrente, AA, no plano da determinação da medida judicial da pena, no texto dos acórdãos então e ora impugnados.
11ª A imputabilidade constitui o primeiro elemento sobre que repousa o juízo de culpa.
12ª Neste contexto, a um juízo de imputabilidade, afigura-se, corresponderá um único grau de culpa, a considerar para os mais diversos efeitos ou planos da decisão.
13ª O princípio constitucional da culpa é um princípio básico e estruturante do Direito Penal.
14ª O Tribunal da Relação do Porto, no momento de proceder à reapreciação das consequências jurídicas do crime praticado, no que secunda o tribunal de 1ª instância, assaca ao arguido-recorrente, AA, errada e contraditoriamente, como supra se expôs, um grau elevado de culpa.
15ª Esta circunstância tem tanta mais importância, quanto a culpa constitui um limite inultrapassável do quantum da pena a aplicar, impondo-se, por isso mesmo, observar rigorosamente a sua incidência na determinação da medida da pena.
16ª No tocante às demais circunstâncias agravativas, salienta, por remissão implícita para a decisão de 1ª instância, a grande ilicitude do acto e as necessidades de prevenção geral e especial ai declaradas.
17ª O texto do acórdão recorrido introduz uma reconsideração, pelo menos aparente, no tocante ao passado criminal do arguido-recorrente, AA, sem que, contudo, tal resulte numa qualquer inflexão na medida da pena concreta.
18ª No plano das causas atenuativas de carácter geral, mantêm a valoração dada, no acórdão proferido em 1 a instância, à situação sócio-económica e ao problema alcoólico do arguido e recorrente, AA, recusando, especialmente ao último, o reconhecimento de um maior efeito atenuativo, conforme o peticionado.
19ª O acórdão recorrido, ao longo do seu texto, ignora as circunstâncias com relevo atenuante geral invocadas na motivação do recurso perante si interposto, dadas por apuradas, mas, também, inconsideradas em 1ª instância, seguintes: a de as lesões sofridas não terem ocasionado um concreto perigo para a vida da assistente-demandante BB, mormente, as relativas ao percurso em meio institucional e ao projecto de vida do arguido e recorrente, AA.
20ª A idade do arguido, aliás imputável diminuído, conjugada com a ausência de antecedentes criminais por ilícito de relevo, constituirá, também ela, circunstância com valor atenuativo, invocada na motivação do anterior recurso, inconsiderada na decisão impugnada.
21ª A valoração destes três últimos factores de determinação judicial da medida da pena permitem, aliás, concluir, conforme anteriormente se alegou e ora repete, por uma diminuição das exigências de prevenção especial e, consequentemente, de necessidade da pena, inconsideradas no texto da decisão impugnada.
22ª O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, aqui recorrido, et pour cause, procedeu à reapreciação da medida judicial da pena do crime de homicídio voluntário simples tentado, em inobservância do princípio constitucional da culpa, extravasando claramente os seus rigorosos limites.
23ª Num juízo breve dir-se-á, pois, que o acórdão recorrido não ponderou ou não ponderou adequadamente todos os factores a que a lei manda atender em sede de atenuação geral da pena violando, nesta conformidade, o disposto no artigo 71º do Código Penal .
Sem prescindir.
24ª Em qualquer caso, afigura-se absolutamente excessiva a pena aplicada na decisão de 1ª instância e mantida no acórdão aqui recorrido.
25ª A pena parcelar a aplicar pela prática do crime de homicídio simples na forma tentada não deve exceder os quatro ( 4 ) anos e seis ( 6 ) meses de prisão.
26ª A procedência da peticionada redução do quantum da medida judicial da pena parcelar, implica a fixação de pena unitária inferior à aplicada no acórdão recorrido ao concurso de crimes, a qual, ponderada a argumentação aí expendida aquando da sua redefinição, afigura-se, não deve ser superior a cinco ( 5 ) anos de prisão.

Requer, em consequência, seja declarado inválido o acórdão recorrido e reenviado o processo para novo julgamento ou, caso assim se não entenda, deverá proceder-se, em todo o caso, à redeterminação do quantum da pena parcelar aplicada pela prática do crime tentado de homicídio simples e da pena única ou conjunta, em conformidade com as conclusões precedentes.

Termos em que dando provimento ao recurso assim se fará Justiça . (fim de transcrição)

1.2.2 Por sua vez, a assistente terminou a motivação com as seguintes conclusões :

1- Considerando a culpa do Arguido, o grau de ilicitude, as necessidades de prevenção geral e especial e ainda, as molduras abstractas para os ilícitos em causa, entendeu o Tribunal da lª instância (e o Tribunal da Relação do Porto) como justas, certas e adequadas as seguintes penas parcelares:

- 2 anos e 2 meses de prisão para o crime de maus tratos a cônjuge;

- 6 anos e 6 meses de prisão para o crime de homicídio tentado;

- 8 meses de prisão para o crime de detenção ilegal de arma.

2- Segundo o disposto no artigo 77º do Código Penal, na determinação da pena única serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do Arguido, tendo a pena aplicável como limite superior a soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes.

3- Resultando assim, no caso em apreço, 6 anos e seis meses como limite mínimo e 9 anos e seis meses como limite máximo.

4- Daí que se afigure, considerando toda a factualidade provada, o número e a natureza das infracções, o modo como os factos ocorreram e a personalidade do Arguido, justa e adequada a pena única de 8 meses fixada pelo tribunal da 1 a instância.

5- Ao não ter decidido assim, o Acórdão ora recorrido violou o disposto no artigo 77° do Código Penal.

6- Analisando a factualidade dada como provada, designadamente, a contida nos itens 3 a 21 e 29 a 39, constata-se que são muitos e intensos os danos não patrimoniais sofridos pela assistente, resultantes quer da prática do crime de maus tratos a cônjuge, quer da prática do crime de homicídio voluntário na forma tentada, de que foi vítima. Além de dolosa e muito grave a conduta criminosa do Arguido.

7- Por outro lado, a situação clínica da assistente não se encontra plenamente estabilizada, continuando a frequentar consultas e fazer tratamentos nas especialidades de otorrinolaringologia e cirurgia maxilofacial, bem como de psiquiatria, uma vez que a assistente continua a padecer do trauma de ter "apanhado um tiro", que julgou que a mataria, além do receio de que o Arguido a procure, no futuro, maltratá-la novamente, e até atentar contra a sua vida, outra vez (item 36 dos factos provados).

8- As indemnizações não podem ser meramente simbólicas ou miserabilistas, pois visam compensar, de algum modo, sofrimentos e frustrações, por meio de disponibilidade de certas quantias em dinheiro, e que os tribunais, conscientes da natureza irremediável de muito grande número de situações, devem proceder a uma atribuição de montantes que, dado o nível de preços existente na sociedade actual, possam proporcionar algum conforto, no sentido de compensar, pelo único modo possível, perdas afectivas e outros casos de grande sofrimento.

9- Na fixação do quantum indemnizatório deverá atender-se, também, à gravidade da infracção, bem como à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor, sendo que a indemnização por danos não patrimoniais, visa não só compensar o lesado pelas dores, mas também sancionar a conduta do lesante.

10- Pelo que atenta a factualidade provada, afigura-se justa e equilibrada a indemnização fixada pelo tribunal da lª instância, a título de danos não patrimoniais, no valor de € 35.000/00, a pagar pelo Arguido à assistente BB.

11- Ao não ter decidido assim, o Tribunal da Relação do Porto violou o disposto nos artigos 496º, 562º, 564º e 566° do Código Civil.

Pelo que,

deverá o presente Recurso ser considerado procedente e assim, revogar-se o douto Acórdão, substituindo-se por outro que condene o Arguido numa pena unitária de oito anos de prisão, bem como no pagamento de uma indemnização à assistente Adelaide, a título de danos não patrimoniais, no valor de € 5.000,00, com o que se fará JUSTIÇA.

1.3.1 O recurso do arguido foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo . (fls. 1173)

1.3.2 'O recurso interposto pela assistente somente foi admitido quanto ao pedido de indemnização civil, não se admitindo, portanto, quanto à concretização da pena' . (fls. 1173)
Este despacho foi notificado aos interessados, não tendo havido reacção .

1.4 Apenas respondeu o Ministério Público, defendendo, em síntese, a improcedência do recurso do arguido (1) ( fls. 1179 a 1182)
2. Realizada a audiência, cumpre decidir .
2.1 A matéria que as instâncias tiveram por assente é do seguinte teor :
1. O arguido foi casado com BB desde 29/04/1978 até 06/10/2005, data em que tal casamento foi dissolvido por sentença decretada no âmbito do processo de divórcio litigioso nº 855/04.0TMPRT, do 2º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal de Família e Menores do Porto, transitada em julgado em 20/10/2005, tendo nascido desse relacionamento os dois filhos do casal, actualmente com 26 e 22 anos de idade.
2. O arguido, sua esposa, e filhos, residiam na Rua do ..., nº ..., em Águas Santas, área desta comarca.
3. Pelo menos a partir de Janeiro de 2003 o arguido começou a ter uma relação conflituosa com sua esposa, agredindo-a, ameaçando-a e insultando-a, quer em casa quer na rua.
4. Designadamente, em data imprecisa do verão de 2003, agrediu a ofendida BB, sua esposa, na residência do casal, a soco e à bofetada na face, ao mesmo tempo que dizia que se ela pedisse o divórcio a matava.
5. No dia de Natal de 2003 e de novo no início de 2004 chamou "puta" e "burra" à ofendida e disse que a mesma andava de noite ao "ataque".
6. No dia 23 de Maio de 2004, na residência do casal, o arguido agrediu sua esposa, a ofendida BB, a soco e à bofetada na face, causando-lhe contusão na face interna do lábio superior, conforme no auto de exame de fls. 48/50 do Apenso B, que foram causa directa e necessária de dois dias de doença.
7. Na mesma ocasião e lugar o arguido ainda lhe chamou "puta", "filha da puta", e disse-lhe "mato-te... tenho uma arma…”.
8. Entre os dias 29 e 31 de Maio de 2004 o arguido foi dizendo à ofendida, sua esposa, que acabava com a vida dela, e no dia 31, pelas 17H30., à porta da residência disse-lhe em tom ameaçador. "Ou vens para casa ou acabo com a tua vida e não passas de hoje”.
9. No dia 2 de Junho de 2004, pelas 2OH50, na porta de entrada da Escola de Comércio do Porto, na Rua do ..., nessa cidade, local onde a BB estudava, o arguido abordou-a dizendo que necessitava de falar com ela, começou a elevar o tom de voz, após o que a agarrou fortemente pelos braços e ombros, ao mesmo tempo que lhe chamava “filha da puta".
9.1. Dessas agressões adveio para a ofendida equimose na face anterior do terço médio do braço esquerdo com 3 cm de diâmetro, conforme descrito no relatório de fls. 15/17 do Apenso C, que foram causa directa e necessária de cinco dias de doença.
10. No dia 28 de Julho de 2004, cerca das 23HOO, quando a ofendida BB regressava do trabalho, conduzindo o seu veículo automóvel, na Rua do Venal, onde residiam, o arguido, que conduzia uma sua carrinha, atravessou-a na rua obrigando a ofendida a parar e, empunhando uma pistola, apontou-a na direcção daquela, que gritou e buzinou, tendo o arguido fugido por terem sido alertados os vizinhos.
10.1. No dia seguinte o arguido pôs no carro da ofendida recortes de jornais onde dava conta de actos de agressões que provocaram ferimentos e mortes sem esposas pelos respectivos maridos.
11. Todas as referidas actuações do arguido foram levadas a cabo com intenção de atingir a ofendida, sua esposa, na sua integridade física, e de lhe causar receio, medo e inquietação, aproveitando-se, na maior parte das vezes, do recato da residência familiar.
12. Viveu, assim, durante quase dois anos, a ofendida BB sempre temerosa das acções de seu marido e sofrendo continuamente com as agressões e ameaças de que era alvo por parte do arguido.
13. No dia 7 de Setembro de 2004, cerca das 23H30, no pátio da residência dos pais da ofendida BB, no nº .. da Rua do ..., Águas Santas, área desta comarca, o arguido abeirou-se desta, sua esposa, empunhando na mão direita a pistola de calibre 6.35 mm, de marca BBM Police, e de modelo Webly, a qual fora anteriormente de alarme com 8 mm e havia sido adaptada para balas reais de 6.35 mm, com o carregador municiado com 5 destas munições que o arguido havia adquirido dias antes a indivíduo desconhecido, e que foi apreendida a fls. 52.
14. Após breve troca de palavras, quando se encontrava a cerca de um metro dela, o arguido apontou cuidadosamente à cabeça de sua esposa e desfechou um tiro, atingindo-a com o projéctil na região parotidea e retromolar da face à esquerda.
15. Foi a ofendida transportada de urgência ao Hospital de Pedro Hispano, onde chegou pelas 01H25 do dia 08/09/2004 apresentando "orifício de entrada sobre o corpo mandibular à esquerda e vários fragmentos de projéctil de arma de fogo nos tecidos moles da face à esquerda (região parotidea e retromolar) ”.
16. De acordo com a perícia médico-legal de fls. 457/461, “foi submetida a cirurgia maxilofacial em 27/09/2004 para remoção dos fragmentos do projéctil na região parotídea.
Na consulta de ORL, de 17/01/2005, referia sensação de corpo estranho no ouvido esquerdo, relacionada com os movimentos, sem sensação de vertigens ou tonturas. Negava vertigens ou tonturas; no entanto referia hipoacúsia à esquerda associada a zumbido.
Na consulta de ORL, de 16/03/2005, há referência a um audiograma normal, havendo no entanto abolição dos reflexos no tímpano esquerdo. A TAC revelara processo inflamatório (ou infeccioso) no epitímpano/mastóide esquerdo, com possível infiltração sanguínea. Mantinha sensação de corpo estranho solto dentro do ouvido.
Remoção, na consulta externa de cirurgia maxilofacial em 17/12/2004 de fragmento menor na região retromolar exteriorizado espontaneamente.
Observada do ponto de vista maxilofacial pela última vez a 19/01/2005, aparentemente sem sequelas para além das cicatrizes, aguardando ainda resultados de exames auxiliares de diagnóstico e de avaliação por Otorrinolaringologia”.
17. E, ainda conforme o mesmo exame:
1 - "Os elementos clínicos permitem estabelecer que a examinada sofreu um traumatismo de natureza perfurocontundente do qual resultaram várias lesões a nível facial e craniano.
2- Até à data do exame, não se encontrando ainda estabilizada a situação clínica da examinada, o traumatismo sofrido já havia gerado 294 dias de doença, com afectação das capacidades de trabalho geral e profissional por igual período de tempo.
3- das lesões sofridas não resultou em concreto perigo para a vida da examinada,
4- Será de assinalar, contudo, que se tratou de uma lesão infligida em região anatómica (cabeça) que aloja órgão vital (encéfalo) por instrumento vulnerante (arma de fogo), plenamente adequado a causar a morte quando actuando sobre eles".
18. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo perfeitamente que a sua conduta não era permitida e era punida por lei.
19. Ao atingir a ofendida BB, sua esposa, como pretendeu e conseguiu, na esquerda com um projéctil de arma de fogo, que sabia serem, como são, local e meio plenamente adequados e procurados para produzir a morte de seres humanos, quis o arguido causar a morte da mesma.
20. O que só não aconteceu por circunstâncias alheias à sua vontade, firmada há mais de dois meses anteriores à ocorrência, desde que a sua esposa saíra da residência do casal, querendo divorciar-se do arguido, pelos constantes maus-tratos que este lhe dava.
21. Sendo a concretização dessa intenção a compra da arma acima referida em data incerta, mas anterior a Julho de 2004.
22. Na altura em que o arguido acabara de desfechar tiro na sua esposa, alertada pelo barulho, veio ao local a ofendida CC, mãe da BB e sogra do arguido.
23. Então, o arguido com a pistola empunhada e ainda municiada com 4 balas, apontou a mesma na direcção da D. CC.
24. A pistola utilizada pelo arguido, e que comprara antes de Julho de 2004 com coldre e munições, foi apreendida e examinada conjuntamente com um pedaço de projéctil extraído da face da ofendida BB, bem como a cápsula encontrada no local da ocorrência.
25. Desse exame efectuado pelo LPC da PJ resulta, designadamente:
1- A pistola semi-automática enviada, examinada e testada, de marca BBM, de modelo POLICE, sem número de série visível, de origem italiana, munida do respectivo carregador, constitui-se como uma arma de fogo de calibre 6.35mm Browning (.25ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), resultado da transformação/adaptação clandestina a partir da arma original, que era uma arma essencialmente de alarme, encontrando-se em boas condições de funcionamento.
2- A cápsula suspeita enviada foi provavelmente deflagrada na pistola BBM examinada.
3- Não se pode excluir que o fragmento de projéctil, referenciado por nós como 1, tenha sido disparado pela pistola BBM enviada.
26. A pistola em questão não está registada nem é legalizável.
27. O arguido não tem licença de uso e porte de arma de defesa.
28. Sabia o arguido que usava tal arma de fogo fora das condições legais, e que tal conduta é criminalmente punível.
29. A conduta do arguido, referida em 3 a 10.1 causou na ofendida profundo sofrimento, angústia, vergonha e humilhação, não só pela intensidade das agressões e ameaças do marido, mas porque alguns desses comportamentos foram perpetrados pelo arguido na presença dos filhos e terceiros, ou posteriormente, vinham a ser conhecidos pelos mesmos, família e vizinhança.
30. Outrossim, causou na ofendida BB dores e incómodos, tendo-se visto obrigada, inclusive, a abandonar o lar conjugal e ir viver com os filhos para a casa de seus pais.
31. Na sequência do tiro com que foi atingida, a que se alude em 14, a ofendida BB recebeu múltiplos tratamentos médicos, tendo inclusive permanecido internada no Hospital Pedro Hispano durante três semanas, onde foi alvo de intervenção cirúrgica.
32. Em virtude das lesões causadas pelo referido tiro, a ofendida BB esteve impedida de exercer o seu trabalho habitual entre 08/09/2004 e 03/07/2005, período durante o qual permaneceu de baixa médica.
33. Em virtude dessas lesões, a ofendida ficou com uma cicatriz linear vertical com cerca de 7 cm, na face, mais concretamente, na região pré-auricular esquerda, estendendo-se até ao ramo da mandíbula.
34. Por outro lado, essas lesões causaram grandes dores à ofendida, designadamente nos dias seguintes à agressão, e que se prolongaram com os diversos tratamentos a que foi sujeita.
35. Sendo que ainda hoje sente dor mandibular, relacionada com movimentos e com mudanças de tempo, além de sentir frequentemente "pedaços soltos" dentro do ouvido, bem como tonturas relacionadas com os movimentos da cabeça.
36. Acresce que a sua situação "clínica" ainda não se encontra plenamente estabilizada, continuando a frequentar consultas e fazer tratamentos nas especialidades de otorrinolaringologia e cirurgia maxilofacial, bem como de psiquiatria, uma vez que a ofendida continua a padecer do trauma de ter "apanhado um tiro", que julgou que a mataria, além do receio de que o arguido, seu marido, procure, no futuro, maltratá-Ia novamente, e até atentar contra a sua vida, outra vez.
37. O que tudo mantém a ofendida num grande sofrimento, angústia e desespero.
38. Sendo que na altura em que o arguido lhe apontou a dita pistola, e nas horas seguintes ao tiro, a ofendida pensou mesmo que ia morrer, que não sobreviria, tendo vivido momentos de grande pânico e medo.
39. Na sequência do tiro de que foi alvo, a ofendida BB foi assistida na “Unidade Local de Saúde de Matosinhos”, às lesões que apresentava, ascendendo a € 186,20 o custo resultante de tal assistência.
40. A ofendida CC é uma pessoa com idade avançada e com boa formação moral.
41. E é uma pessoa religiosa praticante.
42. Razão pela qual tinha por hábito ir com regularidade à igreja para assistir à missa.
43. Após os factos ocorridos no dia 7 de Setembro de 2004, referidos em II-A-13/23, a ofendida CC deixou de ir à missa com a mesma regularidade, pois teme andar sozinha, saindo habitualmente acompanhada por algum dos seus familiares.
44. Por outro lado, a mesma ofendida passou a ser uma pessoa triste, tristeza que tem deteriorado a sua saúde, necessitando de cuidados médicos regulares.
45. O arguido foi submetido a exame médico-legal psiquiátrico, já no decurso da audiência de discussão e julgamento, em cujo relatório constam as seguintes conclusões:
“1. O examinando, AA, sofre de Toxifilia Alcoólica e de Reacção Depressiva Prolongada (provavelmente relacionada com a reclusão) de acordo com as rubricas 303 e 309.1 da 9ª Revisão da Classificação Internacional das Doenças. A sua personalidade, intelectualmente mal sustentada, está vincada por traços onde dominam a sensibilidade excessiva aos fracassos ou àquilo que é interpretado como humilhação ou recusa, a desconfiança/ciúme, a concepção agressiva e obstinada dos direitos pessoais, as tendências interpretativas acentuadas. Traços que os excessos alcoólicos exacerbam.
2. Está capaz de avaliar a ilicitude dos actos pelos quais foi arguido e de se determinar de acordo com essa avaliação.
Aquando dos factos, a 07 de Setembro de 2004, estava, muito provavelmente, etilizado. Mas podia e devia ser censurado por se ter colocado nesse estado. Deve ser considerado imputável.
3. Por outro lado, a injúria tóxica a que durante décadas, submeteu o seu Sistema Nervoso Central, deterioraram-no, limitando volição e discernimento, prejudicando a margem de manobra no governo-de-si. Isto potencia a distorção, mesmo se pouco acentuada, da leitura da realidade que o seu modo de estar, descrito em 1., impõe, autorizando uma proposta de atenuação da imputabilidade”.
46. O arguido é oriundo de um agregado familiar numeroso, de modesta condição sócio-económica, tendo o pai falecido há cerca de 17 anos e a mãe há cerca de 8 anos.
47. Durante a frequência escolar, acompanhava o pai no exercício da sua actividade de carpinteiro, e aos 12 anos começou oficialmente a exercer funções nessa área, numa empresa do Porto.
48. Devido à actividade laboral abandonou os estudos, após a conclusão do 4º ano de escolaridade; entretanto, mais tarde, viria a frequentar um curso profissional de carpintaria de moldes, durante 2 anos, em regime nocturno, que não concluiu.
49. Contraiu matrimónio aos 24 anos com a ofendida BB, tendo o casal permanecido a viver durante dois anos em casa dos pais do arguido.
50. A filha do arguido tem agregado autónomo constituído, e o filho reside com a progenitora, a ofendida BB.
51. Em 1988, o arguido foi para a Suíça, onde trabalhou como carpinteiro até o ano seguinte, de forma a angariar verbas para a construção de casa própria; após o seu regresso, iniciou funções como subempreiteiro numa empresa situada na Maia.
52. A partir de determinada altura, a dinâmica intra-familiar passou a ser perturbada pelo comportamento conflituoso do arguido, associado ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, sendo frequentes as discussões com a mulher e os filhos.
53. Neste contexto, procurou apoio médico, tendo sido acompanhado durante 18 meses no Centro Regional de Alcoologia do Norte, tendo a última consulta ocorrido no dia 26/06/2003, altura em que abandonou o tratamento.
54. O consumo exagerado de bebidas alcoólicas repercutiu-se também no desempenho da sua actividade laboral.
55. Enquanto carpinteiro, embora lhe fossem reconhecidas competências, passou a trabalhar de forma irregular, o que provocou o seu despedimento das empresas para as quais já trabalhou.
56. Na área da sua habitação possuía também uma oficina, e muitas vezes não concluía as encomendas, gastando as verbas adiantas para as mesmas.
57. No período que antecedeu a reclusão, AA estava separado da mulher há cerca de 4 meses, altura em que a mesma passou a morar com os pais, residentes numa habitação contígua, sendo que a filha do casal tinha saído de casa em Junho de 2004, atitude também originada pelos conflitos familiares.
58. Em termos profissionais o arguido encontrava-se desempregado há sensivelmente 2 anos, auferindo o respectivo subsídio de desemprego.
59. Paralelamente, efectuava biscates de carpintaria numa oficina que possuía na sua residência.
60. AA encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos.
61. Durante a permanência em meio institucional, tem assumido um comportamento adequado, tendo no entanto um registo de natureza disciplinar por posse de € 5,00 após efectivação da visita.
62. Inicialmente ocupado na rouparia, passou para a camarata dos guardas, encontrando-se desde 01/08/2005 a frequentar um curso de formação de Carpintaria, que poderá proporcionar-lhe a equivalência ao 6° ano de escolaridade.
63. Tem recebido visitas regulares dos cunhados e dos irmãos, elementos que se constituem como o seu principal apoio no exterior, sendo ainda visitado pela filha com alguma regularidade.
64. Em meio prisional tem tido acompanhamento regular em consultas de psiquiatria, beneficiando de apoio terapêutico.
65. Ao nível dos seus projectos de vida, o arguido planeia integrar o agregado familiar do irmão mais velho, que está disponível para recebê-lo. 66. Profissionalmente, tenciona retomar a actividade de carpinteiro na oficina de carpintaria que o irmão possui junto da sua residência.
67. Em relação à sua problemática de alcoolismo, considera fundamental retomar o acompanhamento no Centro Regional de Alcoologia do Norte.
68. O C.R.C. do arguido apresenta uma condenação pela prática, em 19/08/2001, de um crime de condução sob o efeito do álcool, tendo-lhe sido cominada uma pena de 70 dias de multa à taxa de Esc. 500$00, e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses.

B. Os Factos Não Provados
De relevante para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos em contrário àqueles, e designadamente:
1. Que nas circunstâncias referidas em II-A-22 e 23, o arguido apontou a arma à cabeça da assistente CC e premiu o gatilho.
2. Que o arguido tinha a intenção de atingir a assistente CC com um tiro na cabeça, e de causar a morte da mesma, sendo apropriado a isso quer o meio empregue, quer a parte do corpo que procurou atingir (cabeça, onde se situa órgão essencial à vida-encéfalo)
3. Que tal facto só não veio a acontecer por a arma se ter encravado, circunstância alheia à sua vontade.
4. Que por causa desse comportamento do arguido a ofendida CC tem vivido dias de horror, vivendo com tanto medo que nem sequer consegue sair à rua.
5. E que ficou severamente traumatizada com o comportamento do arguido.
6. Que por causa desse comportamento do arguido desde então a ofendida CC teme pela sua segurança.
7. Que a ofendida CC ficou de tal forma traumatizada e fragilizada com essa situação que, por via dela, actualmente é uma pessoa assustada, nervosa e muito desconfiada.
8. … Vivendo em pânico constante e sempre com o receio de que mais tarde ou mais cedo o arguido vai consumar o pretendido, ou seja, pôr termo à sua vida.
9. Que com esse comportamento do arguido a ofendida CC deixou de ser uma pessoa alegre, vivendo actualmente amargurada e receosa de tudo e de todos, dependendo inteiramente de terceiros para sair à rua, facto que a constrange e limita a sua liberdade.
10. Que por causa desse comportamento do arguido a ofendida tem vivido dias de horror.
11. Que a relação conjugal entre a ofendida-assistente BB e o arguido tornara-se conflituosa, desde há algum tempo, por causas bilaterais imputáveis aos dois cônjuges.
12. Que desde há três anos, contados do mês de Setembro de 2004, a ofendida-assistente, BB, começara a tratar o contestante, AA, com a mais absoluta indiferença.
13. … Constituindo manifestação inequívoca desta sua atitude, a circunstância de, nos dois/três últimos anos de vivência em comum, haver deixado de confeccionar refeições para o aqui contestante, o qual se via obrigado a comer fora ou a preparar a sua própria refeição.
14. Que nesta mesma sua linha de comportamento, nos últimos seis meses de convivência marital, a BB passou a recusar-se, também, a tratar da roupa do arguido, que se viu obrigado a assumir, ele próprio, esta sua nova tarefa.
15. Que o arguido tudo isto foi suportando, em nome do grande amor, porventura obsessivo, que nutria pela ofendida-assistente, BB.
16. Que neste contexto tornou-se inevitável a degradação das relações conjugais.
17. Que o arguido recebeu da queixosa-assistente, BB, impropérios ofensivos da sua honra, dignidade e amor próprios, como «filho da puta», «corno», «nunca mais morres», «és como o filho da puta do teu pai», e outras expressões quejandas.
18. Que a ofendida BB chegou a rasgar cheques que o arguido lhe entregava, proclamando «não preciso do teu dinheiro para nada».
19. Que a ofendida CC, em consonância temporal e comportamental com a filha, BB, tratava, também ela, com indiferença o arguido.
20. … Não se escusando sequer a apelidá-lo de «filho da puta» e a dirigir-lhe outros mimos afins.
21. Que da agressão física contra a pessoa do arguido incumbiram-se o seu próprio filho DD, e os irmãos da queixosa-assistente, EE e FF.
22. Que esta agressão contra si perpetrada, ocasionando-lhe receio de novos episódios, constitui a causa determinante da aquisição da pistola apreendida nos autos.
23. Que era seu propósito poder defender-se, dela se fazendo acompanhar, preferencialmente, à noite, em que maior perigo se lhe prefigurava existir.
24. Que os problemas conjugais, a saída do lar da ofendida-assistente, BB e, especialmente, o pedido de divórcio por aquela apresentado, deram causa a uma agudização da sua alcoolémia.
25. Que o arguido viu-se num estado doentio de desespero amoroso e de dependência de álcool.
26. Que no dia 7 de Setembro de 2004, à noite, o arguido havia estado na «Churrasqueira Parada» a consumir bebidas alcoólicas.
27. Que à data e hora dos factos que vêm descritos no libelo acusatório encontrava-se, fortemente, sob o efeito de álcool.
28. Que aos factos constantes da acusação pública, nela reportados ao dia 2 de Junho de 2004, não subjaz uma qualquer intenção que não a de conseguir, ainda que a insistência sua, conversar com a ofendida-assistente, BB …
29. … Nunca tendo sido seu propósito concretizar uma qualquer ameaça que possa ter verbalizado.
30. Que o arguido queria o amor impossível de volta.
31. Que o arguido não empregou um qualquer cuidado especial de direcção quando apontou a arma no dia 7 de Setembro de 2004…
32. … Não tendo sido seu especial propósito ceifar qualquer vida humana.
33. Que o arguido se encontra abstinente.
34. Que o arguido é respeitado e considerado no meio onde reside e por quem com ele priva.

2.2 A acusação pública, a que aderiu a assistente, tinha imputado ao arguido a prática, em autoria material, e em concurso, de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo Art.º 152º, nº 2, do Cód. Penal, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos Artºs. 131º e 132º, nº 1, e 2, al. i), 22º, 23º e 73º, do Cód. Penal, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelo Artº 131º, em conjugação com o disposto nos Artºs. 22º, 23º e 73º, todos do Cód. Penal, e de um crime p. e p. pelo Artº 6º, da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na redacção da Lei nº 98/2001, de 25 de Agosto. Mas, no que toca ao homicídio, o Tribunal considerou, como já se disse, que o arguido havia cometido o crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo Artº 131º, em conjugação com o disposto nos Artºs. 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal .

3. Como refere na 1.ª conclusão, o recorrente explicita que 'o recurso tem por objecto a matéria de facto e de direito' . E a primeira questão que coloca é, precisamente, a da subsistência, no acórdão da Relação, do 'vício da contradição insanável da fundamentação e da decisão (art.º 410.º, n.º 2, al.))', uma vez que 'contém duas proposições excludentes, cuja contradição se apresenta como insanável, irredutível e inultrapassável com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência', já que 'o juízo de culpa há-de ser único, no plano da qualificação jurídico-penal e da determinação da medida judicial da pena, sob pena de contradição intrínseca da decisão', (…) 'impugnando, pois, o grau de culpa assacado ao arguido-recorrente em sede de determinação da medida judicial da pena' .

3.1 Sobre a arguição de vícios previstos no n.º 2., do art.º 410.º, do Código de Processo Penal, há que ter presente o seguinte :
"I- A decisão da matéria de facto, tirada pelo Tribunal da Relação, não é susceptível de recurso para o STJ, pois o recurso para este tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (arts. 432.º, al. b), e 434.º do CPP).
II- E é jurisprudência pacífica neste Supremo Tribunal a de que só podem ser invocados os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP perante o STJ em duas circunstâncias : no recurso de decisão final do júri, único caso em que se mantém perante o STJ a ‘revista alargada’ tal como era configurada antes da reforma processual de 1998, ou quando o STJ funciona como 2.ª instância (por ter sido a Relação a 1.ª instância).
III- Se o recurso, fundado na invocação desses vícios, é trazido directamente da 1.ª instância, então o STJ, unanimemente, considera a Relação competente para dele conhecer, pois que não visa exclusivamente matéria de direito.
IV- Se o recurso vem da Relação, reafirma-se a doutrina que se explanou e acrescenta-se que essa é, por maioria de razão, a posição a assumir quando já perante a Relação a questão dos vícios foi suscitada pelos recorrentes, pois então já foi assegurado um efectivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto e encontra-se definitivamente encerrada a questão de facto.
V- Deste modo, não é de conhecer a invocação que o recorrente faz de que o acórdão recorrido, por ter confirmado os factos fixados na 1.ª instância, padece dos vícios a que se reporta o art. 410.º, n.º 2, do CPP.
VI- Todavia, a impossibilidade de o recorrente trazer ao STJ a questão dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, não obstaria a que este tribunal pudesse vir a conhecê-los oficiosamente, caso considerasse que a matéria de facto não era suficiente e adequada para a aplicação do direito : é essa, de resto, a jurisprudência fixada neste STJ (Assento n.º 7/95, DR I série, de 28-12-1995) e, em qualquer caso, o art. 729.º, n.º 3, do CPC sempre o consentiria. (Ac. 06-09-2006, Proc. n.º 2320/06, do mesmo colectivo)

3.1.1 Sucede que a decisão sob recurso, depois de transcrever os segmentos do acórdão da 1.ª instância em que, no momento da qualificação jurídico penal e no da determinação da pena, se aborda a questão do grau de culpa, produziu a seguinte argumentação :
(…)
Segundo Leal-Henriques e Simas Santos, no Código de Processo Penal Anotado, vol. 11, 2.a edição, pág. 739, a propósito do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, por contradição entende-se o facto de se afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas. Para os fins do disposto na aI. b) do n.º 2 do art. 410.° do C. P. Penal, constitui contradição apenas e tão só aquela que se apresenta como insanável, irredutível, que não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência. Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.
Escreveu-se no acórdão, na parte referente ao enquadramento jurídico-penal dos factos provados, que:
"Do exposto extrai-se que as conclusões da perícia não põem em causa que o arguido tenha capacidade para avaliar a ilicitude do facto que praticou e para se determinar de acordo com essa avaliação, nos termos referidos."
"No entanto, deve entender-se que o problema alcoólico de que padece lhe implica alguma diminuição da capacidade de se determinar em conformidade com os valores jurídico-penais."
"E, nesta medida, que tal diminuição volitiva deve conduzir a um menor grau de culpa da sua actuação."
Considerou-se, assim, que, face ao problema de alcoolismo de que o arguido padece, e tendo em conta o resultado da perícia legal a que foi submetido, sofre o arguido de imputabilidade diminuída.
Tal circunstância relevou no enquadramento jurídico do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, de que vinha acusado.
Na verdade, na parte do acórdão atinente à qualificação jurídica da matéria de facto provada, depois de se referir que o arguido praticou factos integradores dos elementos objectivos e subjectivo de um crime de homicídio doloso na forma tentada, decidiu-se que, embora objectivamente se verifique a situação descrita na al. i) do n.º 2 do art. 132.° do Código Penal - agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas - por que o arguido vinha acusado, face às conclusões da perícia médico-legal, o problema alcoólico de que padece, embora não lhe retire a capacidade para avaliar a ilicitude do facto que praticou, sendo, portanto, imputável do ponto de vista criminal, conduz a um menor grau de culpa da sua actuação, e, consequentemente, à não verificação de qualquer das circunstâncias agravantes qualificativas a que alude o art. 132.° do Código Penal, nomeadamente a da aI. i) do número 2, que não são elementos do tipo, mas antes da culpa, não operando automaticamente, qualificando-se a conduta do arguido como constituindo a prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada.
No acórdão recorrido decidiu-se, assim, que a imputabilidade diminuída de que o arguido padece diminui a sua culpa. Tanto assim é que, em função dessa diminuição da culpa, desqualificou-se o crime de homicídio na forma tentada, que se considerou não dever ser qualificado nos termos do art. 132.° do Código Penal.
Mas não relevou na determinação da medida da pena.
Com efeito, quanto a esta, em desfavor do arguido, entendeu-se haver a considerar que a culpa deste se mostra muito elevada, a merecer grande censura ético-jurídica, tendo o elevado grau de culpa relevado em termos da agravação da sua situação no que diz respeito à determinação da pena concreta.
Como circunstâncias que depõem a favor do arguido foram tidos em conta o problema alcoólico, que não é a mesma coisa que a imputabilidade diminuída - esta resulta do problema alcoólico - e a sua situação sócio-económica.
Verifica-se assim que, em sede de determinação da medida da pena, a imputabilidade diminuída não depôs a favor do arguido.
Nem tinha necessariamente de depor. Vejamos.

Refere o Prof. Figueiredo Dias no Direito Penal, tomo I, pág. 540, a propósito da imputabilidade diminuída, que "As consequências que desta concepção derivam para a determinação do grau de culpa e da medida da pena do imputável diminuído divergem assim radicalmente das que são pensadas pela orientação tradicionalista (segundo a qual à diminuição da imputabilidade haveria de corresponder necessariamente uma diminuição da culpa e por conseguinte uma obrigatória atenuação da pena) e permitem, em nosso entendimento, que as soluções impostas se tornem político-criminalmente suportáveis. Se, nos casos de imputabilidade diminuída, as conexões objectivas de sentido entre a pessoa do agente e o facto são ainda compreensíveis e aquele deve, por isso, ser considerado imputável, então as qualidades especiais do seu carácter entram no objecto do juízo de culpa e por elas tem o agente de responder. Se essas qualidades forem especialmente desvaliosas de um ponto de vista jurídico-penalmente relevante elas fundamentarão - ao contrário do que sucederia na perspectiva tradicional - uma agravação da culpa e um aumento da pena; se, pelo contrário, elas fizerem com que o facto se revele mais digno de tolerância e de aceitação jurídico-penal, estará justificada uma atenuação da culpa e a uma diminuição da pena.
Assim, face àquela posição no que diz respeito à imputabilidade diminuída, esta não tem necessariamente de conduzir à atenuação da culpa e à diminuição da pena, podendo mesmo agravá-las se as qualidades do agente forem especialmente desvaliosas de um ponto de vista jurídico-penalmente relevante.
Ora, face à doutrina expendida, não se verifica qualquer contradição insanável da fundamentação.
Isto sem embargo de na questão da determinação da medida da pena se vir a decidir que a imputabilidade diminuída de que o arguido padece depõe a seu favor em termos de se impor a atenuação especial da pena nos termos do art. 72.º do Código Penal.
No acórdão recorrido, não interessando agora saber se bem ou mal, uma vez que não se trata de uma questão objecto do recurso, decidiu-se que a imputabilidade diminuída de que o arguido sofre era de molde a desqualificar o crime de homicídio na forma tentada nos termos acima referidos. Independentemente desse facto, o certo é que a personalidade do arguido, manifestada na sua conduta revelada pela matéria de facto provada, não é de molde a poder beneficiar da imputabilidade diminuída em termos de determinação da medida concreta da pena. Assim sendo, o elevado grau de ilicitude dos factos e de culpa do arguido que os factos provados manifestam tem de ser levado em conta na determinação da pena.
O acórdão recorrido não padece, assim, do apontado vício. "

3.1.3 Sobre tal ponto, o recorrente apenas repete que 'se a imputabilidade diminuída conduz a um menor grau de culpa, em sede de qualificação jurídico-penal dos factos, não poderá considerar-se que, para efeitos de determinação da medida da pena concreta, não deponha a seu favor, considerando-se para o efeito elevado o grau de culpa. O juízo de culpa, feito derivar da imputabilidade diminuída, há-de ser único no plano da qualificação jurídico-penal e da determinação da medida judicial da pena, sob pena de contradição intrínseca da decisão' .
Ora, tal posição deixa inatacado, por falta de argumentação específica, o pressuposto da decisão . Em suma (e independentemente das palavras): o de que o grau de culpa apurado - assente, essencialmente, na constatação da diminuição da imputabilidade - não comporta, para efeitos de integração do elemento do tipo do art.º 132.º, do Código Penal (morte produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade), o específico juízo (2) de 'verificação de um tipo de culpa agravado (3), (4) [a decisão sob recurso não se pronuncia, sequer, sobre a bondade de tal conclusão (…) "não interessando agora saber se bem ou mal" (fls. 1113)], e o de que, agora no quadro das finalidades da aplicação pena (5), 'a culpa do arguido se mostra muito elevada, a merecer grande censura ético-jurídica', não podendo, agora nesta dimensão, ser levada 'a favor do réu'. Assim, no cerne da decisão, a aparência de contradição (das expressões argumentativas da 1.ª Instância) deve ser ultrapassada situando-a, desde logo, na circunstância de, na economia da sentença, se tratar de focalizações de momentos, patamares e dimensões valorativas diferenciadas, sem embargo de, também em termos materiais, considerar tais posições substancialmente fundadas .
Nos termos sumariamente expostos, tendo presente o sentido do acórdão inicialmente citado, rejeita-se este ponto do recurso. (concls. 1.ª a 14.ª)

4. O arguido mostra-se inconformado, também, com a medida da pena que lhe foi imposta, argumentando que 'o acórdão recorrido procedeu à reapreciação da medida judicial da pena do crime de homicídio voluntário simples tentado, em inobservância do princípio constitucional da culpa, extravasando claramente os seus rigorosos limites negativos e positivos ou de sociabilidade', 'ignorando as circunstâncias com relevo atenuante geral invocadas na motivação do recurso perante si interposto', e 'não ponderou ou não ponderou adequadamente todos os factores a que a lei manda atender em sede de atenuação geral da pena violando, nesta conformidade, o disposto no art.º 71.º do Código Penal' [as lesões sofridas não terem ocasionado um concreto perigo para a vida, a idade do arguido, imputável diminuído, conjugada com a ausência de antecedentes criminais por ilícito de relevo], concluindo por 'uma diminuição das exigências de prevenção especial e, consequentemente, de necessidade da pena' . Defende, a final, que 'a pena parcelar a aplicar pela prática do crime de homicídio simples na forma tentada não deve exceder os quatro anos e seis meses de prisão', 'não devendo a pena única ser superior a cinco anos de prisão' .
4.1 A decisão sob recurso, depois de analisar e decidir a questão da pretendida atenuação especial da pena referente aos crimes de maus tratos a cônjuge e de detenção ilegal de arma (6), diz o seguinte :

(…) "A determinação das penas parcelares e única foi feita nos termos já acima transcritos, que por isso nos dispensamos de aqui repetir, sendo os critérios e disposições legais aplicáveis os indicados na decisão.
A ilicitude dos actos praticados pelo arguido é muito elevada, nomeadamente no que diz respeito aos crimes de maus tratos a cônjuge e de homicídio doloso na forma tentada, revelando o mesmo uma enorme insensibilidade para com as exigências que lhe são impostas pela ordem jurídica e uma impreparação notória para o convívio, em liberdade, com os seus semelhantes e para a vida em sociedade.

O crime de homicídio simples na forma tentada é punível com pena de prisão de 8 a 16 anos, reduzida de um terço no seu limite máximo e até um quinto no seu limite mínimo. O tribunal recorrido fixou a pena em 6 anos e 6 meses de prisão. O crime de maus tratos a cônjuge é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, tendo o tribunal fixado pela prática do mesmo a pena de 2 anos e 2 meses de prisão. Por sua vez o crime de detenção ilegal de arma é punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, tendo o tribunal optado pela aplicação de pena de prisão, opção não questionada pelo arguido, que fixou em 8 meses. Atendendo às circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido, levadas em conta na decisão recorrida, mostram-se as penas parcelares bem graduadas, não merecendo a mesma, quanto a este aspecto, qualquer censura.
Vejamos agora a questão da pena unitária.
Operado o cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, fixou o tribunal recorrido a pena unitária em 8 anos de prisão.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português. Parte Geral II . As consequências jurídicas do crime, 1993, §421, págs. 291-292, "tudo deve passar-­se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária ­do agente revelará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira" criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)".
No caso, temos que há uma espécie de conexão entre os três crimes por que o arguido foi condenado nos presentes autos. Com efeito, a aquisição da arma por parte do arguido e o seu disparo sobre a assistente estão directamente relacionados com os maus tratos que infligia à assistente e à circunstância de esta, em virtude disso, ter saído de casa e ter proposto uma acção de divórcio. Não estamos, portanto, em presença de um caso em que se verifica uma tendência por parte do arguido para a criminalidade (a condenação por um crime de condução sob o efeito do álcool é um episódio isolado que tem que ver com a situação de dependência de álcool por parte do arguido, não revelando só por si a tendência do arguido para uma carreira criminosa) .

Deste modo, entendemos que a pena única deve ser fixada em 7 anos de prisão ."
4.1.1 Uma vez que o acórdão da Relação remete para o texto da 1.ª Instância, é necessário ter presente os segmentos mais relevantes :
" Feito o enquadramento jurídico, resta determinar as penas concretas adequadas ao arguido, tendo em consideração os critérios previstos nos Artºs. 70º e segts..
Cumprindo, antes de mais, optar por que pena aplicar ao arguido relativamente ao crime de detenção ilegal de arma, uma vez que é punido, em alternativa, com pena privativa e não privativa da liberdade (…) .
(…) Opta-se, assim, pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão pelo crime em causa.

A determinação da medida concreta da pena far-se-á em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (geral de integração e especial de socialização) que se façam sentir no caso concreto, nos termos do disposto no Art.º 71°, nº 1.
Através das exigências de prevenção, dá-se satisfação à necessidade comunitariamente sentida de reafirmação da validade da norma violada, bem como ao objectivo de reinserção social do delinquente e, deste modo, à realização dos fins das penas no caso concreto (cfr. o Art.º 40°, n° 1).
A consideração de culpa do agente, liga-se à vertente pessoal do crime e decorre do incondicional respeito pela eminente dignidade da pessoa humana - a culpa é entendida como um "princípio liberal, limitador do poder punitivo do Estado" (Roxin), e estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção (cfr. o Art.º 40°, n° 2).
Assim, há a considerar que a culpa do arguido se mostra muito elevada, a merecer grande censura ética jurídica, sendo que agiu com dolo intenso, na sua forma mais grave, o dolo directo.
A ilicitude dos actos é grande, sendo certo que em relação à tentativa de homicídio, está em jogo o valor “vida” que é, aliás, arvorado como o valor fundamental, quer em sede de direitos, liberdades e garantias pessoais, a nível da Constituição da República Portuguesa, em cujo Artº 24º se estatui que a vida humana é inviolável, consagrando-o, assim, o primeiro dos direitos fundamentais, quer em sede do nosso Código Penal.
A conduta do arguido é, pois, nesse sentido, merecedora de forte censura ético-jurídica, pois o homicídio é o acto criminoso por excelência uma vez que “ ofende os estados fortes e definidos da consciência colectiva” - Durkeim, Divisão do Trabalho Social, pág. 99.
É ainda considerável a ilicitude dos factos, tendo em conta a zona do corpo da ofendida BB atingida.
A que acrescem as consequências da prática dos factos atinentes ao crime de maus-tratos e à tentativa de homicídio, quer as contemporâneas, quer as posteriores ao ocorrido, nomeadamente a nível das sequelas de que a sua ex-mulher é portadora.
Quanto ao crime de detenção ilegal de arma há a considerar, para além da detenção em si, não só o uso da pistola, mas também a facilidade com que o arguido partiu para esse uso (resultando, aliás, do depoimento de duas testemunhas - GG e HH - que o arguido já a havia usado anteriormente uma vez, disparando dois tiros para o ar da varanda de sua casa…).
A desfavor do arguido milita ainda a circunstância de ter não ter assumido uma conduta de arrependimento e contrição durante a audiência, chegando ao ponto de tentar inculcar a ideia de que “as culpas do sucedido” foram da própria ofendida BB.
Também desfavorece de algum modo o arguido o seu passado criminal, que regista uma condenação por condução sob o efeito do álcool.
As necessidades de prevenção geral são extremamente elevadas, porquanto têm sido frequentes nos últimos tempos a prática de crimes quer contra a vida – gerando um enorme sentimento de insegurança e de medo nas populações –, quer de crimes contra a integridade física, designadamente a nível de maus-tratos a cônjuge – constituindo um grande factor de desestruturação da própria célula familiar, pilar fundamental da sociedade.
Ao passo que as necessidades de prevenção especial se nos afiguram de médio grau.
Relevando a seu favor o seu problema alcoólico e a sua situação sócio-económica.
Deste modo, tudo ponderado, e considerando as molduras abstractas para os ilícitos em causa, entendemos como inteiramente justas, certas e adequadas as seguintes penas parcelares:
- 2 anos e 2 meses de prisão para o crime de maus tratos a cônjuge;
- 6 anos e 6 meses de prisão para o crime de homicídio tentado;
- 8 meses de prisão para o crime detenção ilegal de arma.

As penas cominadas ao arguido encontram-se em situação de cúmulo jurídico, nos termos do disposto no Art.º 77º, cumprindo operá-lo.
Na determinação concreta da pena única serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, tendo a pena aplicável como limite superior a soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes.
Assim, considerando o número e a natureza das infracções, o modo como os factos ocorreram, a personalidade do arguido, e essencialmente apreciando a sua conduta no seu conjunto, julgamos inteiramente justa e adequada a pena única de 8 anos de prisão ."
4.2 A primeira linha da argumentação do recorrente assentava, como resulta da economia do recurso, na procedência da sua pretensão de ver 'redefinido' o grau de culpa da sua conduta e, consequentemente, o (hipotético) relevo que lhe foi atribuído na determinação da pena . Melhor dito : na procedência do seu juízo de que 'o Tribunal da Relação do Porto (…) lhe assaca, errada e contraditoriamente, um grau elevado de culpa', na determinação da pena referente ao homicídio, na forma tentada . Mas, como se viu, tal pretensão não mereceu acolhimento .
Bastará agora dizer que o juízo de ter o arguido agido com elevado grau de culpa tem suporte suficiente na matéria de facto dada como provada . A saber :
O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo perfeitamente que a sua conduta não era permitida e era punida por lei. (ponto 18., da matéria de facto)
Ao atingir a ofendida BB, sua esposa, como pretendeu e conseguiu, na (face) esquerda com um projéctil de arma de fogo, que sabia serem, como são, local e meio plenamente adequados e procurados para produzir a morte de seres humanos, quis o arguido causar a morte da mesma. (ponto 19.)
O que só não aconteceu por circunstâncias alheias à sua vontade, firmada há mais de dois meses anteriores à ocorrência, desde que a sua esposa saíra da residência do casal, querendo divorciar-se do arguido, pelos constantes maus-tratos que este lhe dava. (ponto 20.)
Sendo a concretização dessa intenção a compra da arma acima referida em data incerta, mas anterior a Julho de 2004. (ponto 21.)
A sua personalidade, intelectualmente mal sustentada, está vincada por traços onde dominam a sensibilidade excessiva aos fracassos ou àquilo que é interpretado como humilhação ou recusa, a desconfiança/ciúme, a concepção agressiva e obstinada dos direitos pessoais, as tendências interpretativas acentuadas. Traços que os excessos alcoólicos exacerbam.
Está capaz de avaliar a ilicitude dos actos pelos quais foi arguido e de se determinar de acordo com essa avaliação.
Aquando dos factos, a 07 de Setembro de 2004, estava, muito provavelmente, etilizado. Mas podia e devia ser censurado por se ter colocado nesse estado. Deve ser considerado imputável.
Por outro lado, a injúria tóxica a que durante décadas, submeteu o seu Sistema Nervoso Central, deterioraram-no, limitando volição e discernimento, prejudicando a margem de manobra no governo-de-si. Isto potencia a distorção, mesmo se pouco acentuada, da leitura da realidade que o seu modo de estar, descrito em 1., impõe, autorizando uma proposta de atenuação da imputabilidade. (ponto 45.)
A partir de determinada altura, a dinâmica intra-familiar passou a ser perturbada pelo comportamento conflituoso do arguido, associado ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, sendo frequentes as discussões com a mulher e os filhos. (52.)
Neste contexto, procurou apoio médico, tendo sido acompanhado durante 18 meses no Centro Regional de Alcoologia do Norte, tendo a última consulta ocorrido no dia 26/06/2003, altura em que abandonou o tratamento. (53.)
O consumo exagerado de bebidas alcoólicas repercutiu-se também no desempenho da sua actividade laboral. (54.)
Enquanto carpinteiro, embora lhe fossem reconhecidas competências, passou a trabalhar de forma irregular, o que provocou o seu despedimento das empresas para as quais já trabalhou. (55.)
Na área da sua habitação possuía também uma oficina, e muitas vezes não concluía as encomendas, gastando as verbas adiantas para as mesmas. (56.)
No período que antecedeu a reclusão, AA estava separado da mulher há cerca de 4 meses, altura em que a mesma passou a morar com os pais, residentes numa habitação contígua, sendo que a filha do casal tinha saído de casa em Junho de 2004, atitude também originada pelos conflitos familiares. (57.)
Em termos profissionais o arguido encontrava-se desempregado há sensivelmente 2 anos, auferindo o respectivo subsídio de desemprego. (58.)
Este quadro é suficiente para sustentar que o facto ilícito típico pode ser pessoalmente censurado ao arguido (posto que agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo perfeitamente que a sua conduta não era permitida e era punida por lei, embora numa situação 'de alguma diminuição da capacidade de se determinar em conformidade com os valores jurídico-penais'), por tal facto se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada (o agente - pessoa conflituosa e com personalidade intelectualmente mal sustentada e com uma concepção agressiva e obstinada dos direitos pessoais, exacerbada pelos excessos alcoólicos, que não se esforçou por frenar - abandonou hábitos de trabalho regular e foi infernizando, ao longo do tempo, a vida dos familiares, ao ponto de mulher e filhos se terem visto forçados a fugir de casa ; tomou a decisão de matar a mulher - que até já tinha 'pedido' o divórcio - e, para isso, comprou, com mais de dois meses de antecedência, uma arma de fogo ; e, certa noite, após uma breve troca de palavras com a mulher, quando se encontrava a cerca de um metro dela, apontou-a cuidadosamente à cabeça da esposa e desfechou um tiro, atingindo-a na região parotidea e retromolar da face à esquerda, sendo ainda certo que, mais de um mês antes, também de noite, quando a mulher regressava do trabalho, o arguido obrigou-a a parar, atravessando a carrinha que ele conduzia, e, empunhando uma pistola, apontou-a na direcção daquela, que gritou e buzinou, tendo o arguido fugido por terem sido alertados os vizinhos ). E, conclui-se agora, perante a persistência e demais circunstâncias do propósito criminoso - como demonstram os episódios sumariamente expostos - as exigências do dever ser sócio-comunitário não podem deixar de formular um forte juízo de censura sobre a conduta delituosa do arguido .
Em suma: não merece censura a densificação e qualificação a que procederam as instâncias sobre a culpa do arguido, no agir delituoso. E deixa-se registado que, neste ponto da decisão, tal conclusão releva para os efeitos determinados no n.º 2., do art.º 40.º, do Código Penal : em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, acrescentando-se, desde já, que, no quadro traçado, a pena parcelar imposta pelo crime de homicídio, na forma tentada, claramente não ultrapassa tal limite .

4.3 O recorrente defende que a decisão não ponderou a circunstância de 'as lesões não terem ocasionado um concreto perigo para a vida da assistente', nem ponderou 'o percurso em meio institucional e o projecto de vida do arguido' .

4.3.1 Há que dizer, em primeiro lugar, que a opinião pericial de que 'das lesões sofridas não resultou em concreto perigo para a vida da examinada', é imediatamente completada pela afirmação de que, 'contudo, se tratou de uma lesão inflingida em região anatómica (cabeça) que aloja órgão vital (encéfalo) por instrumento vulnerante (arma de fogo), plenamente adequado a causar a morte quando actuando sobre eles'. Mas, sobre tais pareceres, sobreleva a decisão judicial - inatacada - de que, 'ao atingir a ofendida (…) quis o arguido causar a morte da mesma'. Em todo o caso, a decisão explicita, detalhadamente, as lesões provocadas pela conduta do arguido e valoriza, com clareza, 'a gravidade das suas consequências' .
4.3.2 O percurso em meio institucional e o projecto de vida do arguido, para lá de incluídos na síntese de que 'releva a seu favor o seu problema alcoólico e a sua situação sócio-económica', não apresentam relevo significativo: o preso tem assumido 'um comportamento adequado, tendo no entanto um registo de natureza disciplinar' ; mantêm-se ocupado, tem tido visitas e acompanhamento regular em consultas de psiquiatria' .
Uma vez que as visitas e o acompanhamento médico não são de levar a mérito pessoal, resta o 'comportamento adequado'(adequado, no sentido de apenas ter uma sanção disciplinar …), que é o que se espera da generalidade das pessoas, reclusos incluídos . Os projectos de vida … são projectos sem factualidade que indicie a opção por vida segundo o direito, tanto mais que, 'não tendo assumido uma conduta de arrependimento e contrição durante a audiência, chegou ao ponto de tentar inculcar a ideia de que "as culpas do sucedido" foram da própria ofendida' .

4.3.3 O recorrente entende, ainda, que 'a idade do arguido, aliás, imputável diminuído, conjugada com ausência de antecedentes criminais por ilícito de relevo, constituirá, também ela, circunstância com valor atenuativo' (…), 'inconsiderada na decisão impugnada' . (Tratar-se-ia, provavelmente, de invocar a atenuante prevista na al. e), do art.º 71.º, n.º 2., do Código Penal) .
O certo é que a motivação não indica a idade do arguido, embora esse dado resulte da decisão de 1.ª instância (o arguido nasceu em 14.06.55, tendo, portanto, 49 anos à data da prática deste crime) - bem como, aliás, a expressa ponderação, a seu favor, "do seu problema alcoólico" - acolhida, como se disse, pelo Tribunal da Relação (7) .
Mas, sobre tudo, o arguido não fez prova, em audiência, da sua alegação de que 'é respeitado e considerado no meio onde reside e por quem com ele priva' (ponto 34., dos factos não provados) . Assim sendo - independentemente da anterior condenação por crime de condução sob efeito do álcool, e do acerto da decisão de levar a favor do arguido 'o seu problema alcoólico' - não se vê fundamento, nem o recorrente tenta qualquer explicação, para tal pretensão .

4.4 Não vêem impugnadas as considerações da decisão sobre a forma do dolo e sobre a ilicitude da conduta, nem sobre a moldura legal da punição, bem como sobre a ponderação das exigências de prevenção geral. Mas, apoiado na consideração das antes invocadas circunstâncias de 'as lesões não terem ocasionado um concreto perigo para a vida da assistente', a 'idade do arguido', a 'ausência de antecedentes graves', 'o percurso em meio institucional', e 'o projecto de vida', conclui o recorrente 'por uma diminuição das exigências de prevenção especial' .
Neste ponto, a decisão considerou que (…) "as necessidades de prevenção especial se nos afiguram de médio grau" .
Ora, esta conclusão representa (para não dizer mais …), pelo menos, uma prognose bastante benévola, face ao que antes se disse sobre a adição alcoólica, a desistência e frustração de anterior tentativa de desintoxicação, bem como à concepção agressiva e obstinada dos direitos pessoais, e á posição assumida em audiência .

Em suma : a pena de seis anos e seis meses de prisão, imposta pelo crime de homicídio, na forma tentada, não suscita qualquer intervenção correctiva .

4.5 O recorrente conclui que "a procedência da peticionada redução do quantum da medida judicial da pena parcelar, implica a fixação de pena unitária inferior à aplicada no acórdão recorrido ao concurso de crimes, a qual, ponderada a argumentação aí expendida , afigura-se, não deve ser superior a cinco (5) anos de prisão" .

Uma vez que improcedeu a pretensão da redução da pena parcelar, improcede, também, a da redução da pena única (aliás, o limite mínimo da moldura do concurso é, no caso, de seis anos e seis meses de prisão (n.º 2., art.º 77.º, do C.P.), sendo certo que o Tribunal da Relação fixou a pena única em sete anos de prisão - portanto, pouco acima do limite mínimo - assim reduzindo, em um ano, a que tinha sido imposta pela 1.ª Instância) .

5. A assistente apresentou recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto que, reduzindo a que tinha sido imposta em 1.ª Instância, impôs a pena de sete anos de prisão e fixou em 25.000 euros a indemnização por danos não patrimoniais .
O recurso não foi admitido no ponto em que pretendia discutir a medida concreta da pena aplicada, não havendo, por isso, lugar a qualquer pronúncia .


5.1 A assistente alega que tendo presente a factualidade dada como provada, designadamente a contida nos itens 3 a 21 e 29 a 39, se constata, como na decisão, que 'são muitos e intensos os danos não patrimoniais sofridos pela assistente, resultantes quer da prática do crime de maus tratos a cônjuge, quer da prática do crime de homicídio voluntário na forma tentada' e que 'a situação clínica não se encontra plenamente estabilizada, continuando a frequentar consultas e fazer tratamentos nas especialidades de otorrinolaringologia e cirurgia facial, bem como de psiquiatria, uma vez que a assistente continua a padecer do trauma de 'ter apanhado um tiro', que julgou que a mataria, além do receio de que o Arguido a procure, no futuro, maltratá-la novamente, e até atentar contra a sua vida, outra vez' (item 36 dos factos provados) .

5.1.1 O recorrido não apresentou resposta .

5.2 A decisão sob recurso, tratou o tema do seguinte modo :

"A fixação da indemnização a favor da assistente foi feita nos termos seguintes:
Como já se referiu, a ofendida BB deduziu pedido de indemnização civil, por via do qual requer a condenação do arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a notificação, até integral pagamento, respeitante aos danos não patrimoniais sofridos, resultantes da actuação do demandado.
Também a "Empresa-A" deduziu pedido de indemnização civil, requerendo a condenação do demandado AA a pagar-lhe a quantia de € 186,20, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento, respeitante aos encargos da assistência médica prestada a BB.
E, finalmente, a ofendida CC deduziu idêntico pedido, no sentido da condenação do arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00, respeitante aos danos morais sofridos, resultantes da actuação do demandado.
Cumpre, pois, apreciar tais pedidos de indemnização.
Nos termos do disposto no Art.º 71° do C.P.Penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo.
E de acordo com o estatuído no Art.º 129° (do C.P.), a indemnização por perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil.
Estamos, pois, perante uma acção civil, que adere ao processo penal, e que como acção cível permanece até ao fim (8) .

Assim, a autonomia da acção cível enxertada na acção penal explica até que a absolvição relativamente ao aspecto jurídico-penal da causa possa não ter reflexos sobre a procedência ou improcedência do pedido de indemnização civil.
O que, aliás, está em consonância com o que a propósito se estipula no Art.º 377°, n.º 1, do C.P.Penal, segundo o qual, "a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no Art. 82°, n.º 3".
No entanto, há que ter ainda em consideração a jurisprudência constante do Assento do S.T.J. n.º 7/99, in DR lª Série, n.º 179, de 03/08/1999, que sobre a matéria decidiu:
"Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no Art.º 377°, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade contratual".
Importa, pois, averiguar se in casu estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, em consonância com a responsabilidade civil extracontratual.
A responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos pressupõe a ilicitude do facto, a imputação desse facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Art.º 483°, nº 1 do Cód. Civil).
No caso dos autos, e relativamente à demandante CC, vimos já que o arguido deverá ser absolvido do crime que lhe era imputado, de homicídio tentado, na pessoa daquela.
Ora, não se tendo apurado a factualidade imputada ao arguido, respeitante à ofendida CC, e que em abstracto era susceptível de se subsumir nos aludidos pressupostos da responsabilidade civil, não ficou demonstrada a verificação de qualquer dano susceptível de gerar obrigação de indemnizar por banda do demandado.
Pelo que o pedido de indemnização civil por aquela deduzido não poderá deixar de soçobrar, com a inerente absolvição do demandado.
O mesmo não se passando quanto aos restantes pedidos, relativamente aos quais se verificam os pressupostos supra aludidos, face às considerações já efectuadas em sede de apreciação criminal da conduta do arguido e que, por economia processual, ora nos abstemos de repetir.
No apuramento do quantum indemnizatório funciona, geralmente, a teoria da diferença, consagrada nos Art°s 562° e 566°, nº 2, ambos do Cód. Civil, segundo a qual importa calcular a diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a situação em que o seu património se encontraria no mesmo momento se a conduta que obriga a reparar não tivesse sido praticada.
Sendo certo que, nos prejuízos a contemplar, atender-se-á aos danos patrimoniais e não patrimoniais efectivamente sofridos (desde que, quanto aos últimos, mereçam a tutela do direito) - Art°s. 483° e 496° do Cód. Civil.
Assim, deverá o demandado, pagar à "Empresa-A" a quantia de € 186,20, custo da assistência prestada por aquela Instituição às lesões que a ofendida BB apresentava, na sequência do tiro de que foi vítima por parte do arguido/demandado.
Quanto à assistente BB, peticiona ela o pagamento da quantia de € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais (admitindo o demandado ser justa a quantia de € 25.000,00).
Os danos não patrimoniais são aqueles danos que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, (9) o que os torna insusceptíveis de avaliação pecuniária, visando, por isso, o seu ressarcimento uma compensação das dores físicas ou morais sofridas pelo lesado, bem como sancionar, em alguma medida, a conduta do lesante.
A ressarcibilidade destes danos está dependente de um juízo de valoração objectivo, tendente a afirmar a sua gravidade, nos termos do disposto no n° 1 do Art.º 496º do Cód. Civil.
Cumprindo assinalar que, como vem salientando a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, a compensação por danos não patrimoniais, para constituir uma efectiva possibilidade compensatória, deve ser significativa e não meramente simbólica .
Ora, no caso dos autos, e quanto a este aspecto, não temos dúvidas em afirmar que, toda a factualidade que a este propósito se apurou, consubstancia, sem qualquer margem para dúvidas, um dano de natureza não patrimonial, a merecer a tutela do direito, nos termos prescritos no citado Art.º 496°, nº1, do Cód. Civil.
Afigurando-se-nos inteiramente justo, certo e equilibrado, fixar em € 35.000,00 o montante da indemnização a esse título, a pagar pelo demandado à assistente BB.
Sobre o demandado impende ainda a obrigação de pagar aos requerentes os juros vencidos por aquelas quantias, calculados à taxa legal de 4%, desde a notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento, nos termos das disposições conjugadas dos Art°s. 805°, nº 3, parte final, 804°, nº 1, 805°, n° 1, 806°, nºs. 1 e 2, e 559°, e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril.

Estabelece o n.º3, primeiro segmento, do art. 496.° do Código Civil, que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.° que, no caso, não se verificam, uma vez que a responsabilidade do arguido não se funda na mera culpa.
Como resulta da matéria de facto provada, são muitos e intensos os danos não patrimoniais sofridos pela assistente, resultantes quer da prática do crime de maus tratos a cônjuge, quer da prática do crime de homicídio na forma tentada, de que foi vítima.
Na determinação da indemnização por tais danos não se pode deixar de ter em conta os montantes das indemnizações que têm vindo a ser fixadas ultimamente pelos tribunais em consequência de crimes de homicídio voluntário na forma consumada, quer em favor das próprias vítimas, quer dos familiares que a elas têm direito.
Face a tais valores, entendemos que se mostra justa e adequada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pela assistente a quantia de €25.000.000.

Deste modo, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, condena-se o arguido na pena unitária de 7 (sete) anos de prisão, fixando-se em €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a indemnização a pagar a favor da assistente por danos não patrimoniais, mantendo-se no mais a decisão recorrida." (fim de transcrição)

5.3 Como resulta da leitura deste segmento, a decisão sob recurso, acolhendo integralmente os considerandos da 1.ª Instância verificação dos pressupostos do dever de indemnizar, critérios legais da (fixação e circunstâncias do caso a ter em conta), decidiu, contudo, reduzir o montante da indemnização, por danos não patrimoniais, de 35 para 25 mil euros, invocando 'os montantes das indemnizações que têm vindo a ser fixadas ultimamente pelos tribunais em consequência de crimes de homicídio voluntário na forma consumada, quer em favor das próprias vítimas, quer dos familiares que a elas têm direito' .
5.3.1 Como se relembra no acórdão de 13.07.06, deste Tribunal (proc. n.º 2172/06) 'a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil' (art. 129.º do CP), sendo certo que à questão dos danos não patrimoniais referem-se fundamentalmente os arts. 496.º e 494.º (este por remissão do art. 496.º, n.º 3), do CC.
Assim, 'o montante da indemnização (por danos não patrimoniais) será fixado equitativamente' (art. 496.º, n.º 1, do CC), isto é, 'tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida' (Antunes Varela e Henriques Mesquita, CC Anotado, vol. 1.°, anotação 6.ª ao art. 496.°).
Por isso, tal como escapam à admissibilidade do recurso 'as decisões dependentes da livre resolução do tribunal' (art. 400.º, n.º 1, al. b), do CPP e 679.º do CPC), devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção - em caso de julgamento segundo a equidade (em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos» (Antunes Varela e Henriques Mesquita, ob. cit., vol. 1.°, anotação 1.ª ao art. 494.°) - às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, 'as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida . (Ac. deste Supremo Tribunal de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04)'.

5.3.2 Como se disse, o Tribunal da Relação do Porto, para decidir a redução do montante da indemnização fixado pela 1.ª Instância, invocou, em abstracto, 'os montantes da indemnização que têm vindo a ser fixadas ultimamente pelos tribunais (…)' . Isto, sem embargo de ter assinalado que, 'como resulta da matéria de facto provada, são muitos e intensos os danos não patrimoniais sofridos pela assistente, resultantes quer da prática do crime de maus tratos a cônjuge, quer na prática do crime de homicídio na forma tentada, de que foi vítima' .
E tal conclusão tem manifesto suporte nos pontos 3. a 20. e 29. a 39., dos factos provados [(…) A conduta do arguido causou na ofendida profundo sofrimento, angústia, vergonha e humilhação, não só pela intensidade das agressões e ameaças do marido, mas porque alguns desses comportamentos foram perpetrados pelo arguido na presença dos filhos e terceiros, ou posteriormente, vinham a ser conhecidos pelos mesmos, família e vizinhança. Outrossim, causou na ofendida dores e incómodos, tendo-se visto obrigada, inclusive, a abandonar o lar conjugal e ir viver com os filhos para a casa de seus pais. Na sequência do tiro com que foi atingida, recebeu múltiplos tratamentos médicos, tendo inclusive permanecido internada no Hospital Pedro Hispano durante três semanas, onde foi alvo de intervenção cirúrgica. Em virtude das lesões, esteve impedida de exercer o seu trabalho habitual entre 08/09/2004 e 03/07/2005, período durante o qual permaneceu de baixa médica. Em virtude dessas lesões, a ofendida ficou com uma cicatriz linear vertical com cerca de 7 cm, na face, mais concretamente, na região pré-auricular esquerda, estendendo-se até ao ramo da mandíbula. Por outro lado, essas lesões causaram grandes dores à ofendida, designadamente nos dias seguintes à agressão, e que se prolongaram com os diversos tratamentos a que foi sujeita. Sendo que ainda hoje sente dor mandibular, relacionada com movimentos e com mudanças de tempo, além de sentir frequentemente "pedaços soltos" dentro do ouvido, bem como tonturas relacionadas com os movimentos da cabeça. Acresce que a sua situação "clínica" ainda não se encontra plenamente estabilizada, continuando a frequentar consultas e fazer tratamentos nas especialidades de otorrinolaringologia e cirurgia maxilofacial, bem como de psiquiatria, uma vez que a ofendida continua a padecer do trauma de ter "apanhado um tiro", que julgou que a mataria, além do receio de que o arguido, seu marido, procure, no futuro, maltratá-Ia novamente, e até atentar contra a sua vida, outra vez. O que tudo mantém a ofendida num grande sofrimento, angústia e desespero. Sendo que na altura em que o arguido lhe apontou a dita pistola, e nas horas seguintes ao tiro, a ofendida pensou mesmo que ia morrer, que não sobreviria, tendo vivido momentos de grande pânico e medo.]

Ora, perante a gravidade deste quadro, não se afigura que a decisão do Tribunal da Maia tenha violado aquelas 'regras de boa prudência, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida'. Sendo inquestionável o grande sofrimento, físico e moral, causado pelas lesões de que a assistente foi vítima - e cuja situação clínica, à data da sentença, ainda se não encontrava estabilizada - tem-se por mais adequado, como na 1.ª Instância, fixar em trinta e cinco mil euros o montante da indemnização por danos não patrimoniais .

6. Nos termos antes expostos, julga-se
- improcedente o recurso do arguido AA e - procedente o recurso da assistente BB, fixando-se em trinta e cinco mil euros o montante da indemnização, por danos não patrimoniais, nesse ponto se revogando a decisão sob recurso .

Custas pelo recorrente, com cinco UCs. de taxa de justiça .

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2007

Soreto de Barros (Relator)
Santos Monteiro
Sousa Fonte
Santos Cabral
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(1) Na resposta vem suscitada, também, a questão da 'falta de legitimidade e de interesse em agir, por parte da assistente, para interpor recurso quanto à medida da pena' . Sucede, porém, que a matéria está decidida por despacho do desembargador relator, que, sem reacção, não admitiu, nesse ponto, o recurso .
(2) Resultante, como se diz na decisão de 1.ª Instância, 'de ponderação global do facto que o agente desenvolveu em conjunto com a sua personalidade' .
(3) Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, I, p.26 .
(4) No acórdão da primeira instância, depois retomado pela Relação, diz-se expressamente que "para se operar a aplicabilidade da estatuição deste art.º 132.º, impunha-se que a factualidade provada convencesse de uma assinalável censurabilidade ou perversidade da conduta do arguido e revelasse a convergência de algum dos critérios que exemplificativamente vêm enunciados no tipo legal em causa", tendo decidido, no quadro da subsunção, que "o conjunto de circunstâncias referidas permite e impõe que se considere diminuído, atenuado parcialmente, o conteúdo da culpa do arguido na prática dos factos" .
(5) A culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu limite inultrapassável .
(6) Pontos que, agora, não fazem parte do presente recurso .
(7) "Atendendo às circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido, levadas em conta na decisão recorrida …" (fls. 1116)
(8) Cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, in "Jornadas de Direito Processual Penal", pág. 15.
(9) Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 07/04/1997, in CJXXII-II-204