Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
081043
Nº Convencional: JSTJ00028117
Relator: SANTOS MONTEIRO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALTERAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
MINISTÉRIO PÚBLICO
LITISCONSÓRCIO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ199507040810431
Data do Acordão: 07/04/1995
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC E 6 DEC VOT
Referência de Publicação: ASSENTO 6/95 DR Iª SERIE A DE 10-10-1995, PÁG. 6229 A 6231 - BMJ Nº 449 ANO 1995 PÁG. 25
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM. DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 26 N2 ARTIGO 764 ARTIGO 776 N3 ARTIGO 1411.
OTM78 ARTIGO 150 ARTIGO 182 N1 ARTIGO 186.
CCIV66 ARTIGO 1878 ARTIGO 1905 ARTIGO 1909.
CONST89 ARTIGO 36 N3.
Sumário :
"Sob pena de ilegitimidade, por se tratar de litisconsórcio necessário, deve ser proposta também contra o progenitor que tenha a seu cargo a guarda do menor, a acção intentada pelo Ministério Público para nova regulação do poder paternal para alteração da pensão de alimentos devida ao menor pelo outro progenitor".
Decisão Texto Integral:


Acordam em Tribunal Pleno do Supremo Tribunal de Justiça:

I)- 1 - O Exmo. Magistrado do Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 776 e 764 do C.P.C., interpôs recurso para o Tribunal Pleno do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Junho de 1988, proferido no processo de regulação do poder paternal n. 8-A/84 do Tribunal Judicial de Viana do Castelo (recurso n. 21837 daquela Relação, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, n. 378. pag. 783), com o fundamento de tal aresto estar em oposição com o acórdão do mesmo Tribunal da Relação, de 28 de Janeiro de 1988, proferido no processo de regulação do poder paternal n. 99-A/88 (recurso n. 22729 daquela Relação) também do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, encontrando-se este acórdão publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XIII,


Tomo I, pag. 201.


Segundo o Ilustre Magistrado a oposição reside no facto de no primeiro aresto, se ter decidido que, pedindo o Ministério Público, em acção para nova regulação do poder paternal, apenas a alteração da prestação alimentícia a cargo de um dos progenitores fixada em anterior acção de alimentos, o outro progenitor é parte ilegítima, enquanto no segundo, em idêntica situação se decidiu em sentido contrário, por haver um litisconsórcio necessário passivo.


2 - Seguiu o processo os seus termos regulares.


A folhas 38 e seguintes, decidiu-se, por acórdão de 12 de Maio de 1992, na questão preliminar, que havia oposição entre dois acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo ambos os acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação, já que, durante o intervalo da sua prolação, não ocorreu qualquer modificação legislativa que interferisse, directa ou indirectamente, na questão de direito controvertida, sendo em ambos os acórdãos idêntica a situação de facto, já que o menor estava confiado aos cuidados da mãe e o devedor dos alimentos era o pai.


3 - A folhas 42 e seguintes encontram-se juntas as alegações do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, nas quais se conclui com a proposta da formulação do assento a proferir.


O recorrido não contra-alegou.


II)- 1 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Previamente, há que referir, nos termos do n. 3 do artigo 766 do C.P.C. que existe a oposição de acórdãos reconhecida no acórdão da secção.
Em nenhum dos processos referidos era admissível recurso de revista ou de agravo para este S.T.J. por motivo estranho à alçada do tribunal (artigos 150 da O.T.M. - Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro e n. 3 do artigo
764 do C.P.C.) pelo que era admissível recurso para o Supremo, funcionando em tribunal pleno, dos dois acórdãos em oposição.
2 - De harmonia com o disposto no n. 1 do artigo 182 da O.T.M., quando se torne necessário alterar o que estiver estabelecido, por acordo ou por decisão final, na regulação do poder paternal dos menores, qualquer dos progenitores ou o curador podem requerer ao tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal.
A questão a decidir aqui é precisamente a de saber se, estando apenas um dos pais sujeito à prestação de alimentos ao menor, essa acção de alteração da regulação do poder paternal proposta pelo Ministério Público deve ser também intentada contra o outro pai.
No acórdão, em que se decidiu pela ilegitimidade do progenitor não sujeito à prestação de alimentos, argumentou-se que este progenitor não tinha interesse directo em contradizer, porque a sua esfera jurídica em nada podia ser atingida com a procedência do pedido, sendo, pelo contrário, esse progenitor sempre beneficiado com a condenação do requerido.
Ao invés no outro acórdão em oposição considerou-se o seguinte: o único interesse directo em jogo na acção é o do menor que o Ministério Público representa e não o da sua mãe, pelo que ambos os progenitores devem ser ouvidos sobre tudo o que lhe respeita (art. 1878 CC); a alteração da pensão de alimentos reflecte-se, ainda que indirectamente no próprio progenitor que tem a seu cargo, o menor. O processo é de jurisdição voluntária, pelo que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, verifica-se litisconsórcio necessário passivo, porque, embora aparente e directamente nada se peça contra o progenitor que tem a seu cargo o menor, ele tem na realidade inequívoco e absoluto interesse na alteração, a qual se repercute na sua economia.


3 - Nos termos do n. 1 do artigo 1878 do C.CIV., compete a ambos os pais prover ao sustento dos filhos menores.


Nos casos de divórcio, separação de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento e na separação de facto dos pais, essa obrigação mantém-se (artigos 1905 e 1909 do C.CIV.).
De harmonia com o disposto no n. 3 do artigo 36 da Constituição da República Portuguesa, "os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos. Consagra-se aqui o princípio da igualdade dos cônjuges quanto a direitos e deveres.


Foi o Decreto-Lei 497/77, de 25 de Novembro, que veio harmonizar o C.CIV. com a Constituição da República Portuguesa e no n. 35 do seu preâmbulo explica a disciplina do exercício do poder paternal informado pelo princípio constitucional da igualdade dos cônjuges quanto aos poderes e deveres relativamente aos filhos.


Quando em nova regulação do poder paternal se vem pedir a alteração dos alimentos devidos ao filho menor de pais separados ou divorciados contra o progenitor que os presta, esse pedido pode ser formulado pelo outro progenitor ou pelo Curador de Menores (artigo 186 da O.T.M.). Se a acção é proposta pelo Curador, terá que ser intentada também contra o outro progenitor, porque a natureza da relação jurídica assim o exige para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
Com efeito, como os pais estão de igual modo obrigados a alimentar os filhos menores, cada um deles tem um interesse directo na fixação do montante com que o outro contribuirá para esse fim, pois quanto ao que cada um não dará, nem poderá dar, terá o outro que suprir essa falta na medida das suas possibilidades.


Por outro lado, não se pode decidir nada quanto a qualquer conteúdo do poder paternal, sem que os seus dois titulares sejam demandados.
Mas, há mais. Como a regulação do poder paternal foi decidida, tendo ambos os pais na acção como partes é lógico que qualquer alteração só poderá ser tomada com os dois presentes como partes na nova acção.
Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do n. 2 do artigo 28 do C.P.C., pelo que a falta de intervenção na acção de um dos progenitores é motivo de ilegitimidade.


4 - Para o acórdão em que se decidiu a ilegitimidade do progenitor não sujeito à prestação de alimentos, o argumento ali usado foi o de que, nada sendo pedido contra ele, a sua esfera jurídica em nada podia ser atingida.
Quer dizer, nesta visão do problema a legitimidade só poderia aferir-se pelo facto de ser dirigido um pedido contra alguém.


Mas, esta não é a concepção legal, pois é o próprio artigo 26 do C.P.C. (onde se expressa o conceito de legitimidade), que nos diz que é do interesse em demandar ou em contradizer que deriva tanto a legitimidade activa como a passiva (seu n. 1). O n. 2 desse artigo 26 refere que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e que o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.


E o progenitor não sujeito à prestação de alimentos podia sofrer prejuízos se não interviesse na acção, se não pudesse articular as razões quanto à fixação do novo montante de alimentos a pagar pelo outro progenitor ao filho menor de ambos.


O Prof. Antunes Varela diz-nos que a lei define a legitimidade (como poder de dirigir o processo) através da titularidade do interesse em litígio ("Manual de Processo Civil", edição de 1984, pag. 128).
E no caso trata-se de nova regulação do poder paternal quanto à fixação dos alimentos devidos pelo progenitor que não tem à sua guarda o menor. A regulação do poder paternal é da titularidade de ambos os pais e nada se pode decidir a este respeito sem serem ouvidos ambos.
5 - A alteração do regime estabelecido na regulação do poder paternal está prevista no artigo 182 da O.T.M. e é uma das características dos processos de jurisdição voluntária (artigo 1411 do C.P.C.). E os processos tutelares cíveis são considerados de jurisdição voluntária (artigo 150 da O.T.M.).
Mas, o facto de se tratar de um processo de jurisdição voluntária em nada interfere nos pressupostos processuais, designadamente quanto à legitimidade das partes (artigos 1410 e seguintes do C.P.C.; Prof. Alberto dos Reis, "Processos Especiais", vol. II, pags. 307 e seguintes).


6 - Como consequência do exposto formula-se o seguinte assento:
"Sob pena de ilegitimidade, por se tratar de um litisconsórcio necessário, deve ser proposta também contra o progenitor que tenha a seu cargo a guarda do menor, a acção intentada pelo Ministério Público para nova regulação do poder paternal para alteração da pensão de alimentos devida ao menor pelo outro progenitor."


7 - Este assento não tem influência alguma no acórdão recorrido.
Sem custas, nos termos do n. 1 do artigo 37 do Código das Custas Judiciais.

Lisboa, 4 de Julho de 1995.

Santos Monteiro.


Oliveira Branquinho.


Sá Ferreira (com a declaração de preferência pela redacção proposta pelo Exmo. Cons. Lopes Pinto).


Mário Cancela.


Sampaio da Nóvoa.


Costa Nunes.


Joaquim de Matos.


Sousa Inês.


Afonso de Melo.


Lopes Rocha.


Costa Soares.


Metello de Nápoles.


Correia de Sousa.


Herculano Lima.


Carvalho Pinheiro (com a declaração de preferência pela redacção proposta pelo Senhor Cons. Lopes Pinto).


Araújo dos Santos.


Nunes da Cruz (com a declaração de preferência pela redacção proposta pelo Senhor Conselheiro Lopes Pinto).


Vaz dos Santos.

Lopes Pinto (Daria ao assento a seguinte redacção -- " a alteração da pensão de alimentos devidos a menor pedida pelo aresto deverá, por se configurar litisconsórcio necessário, na proposta contra ambos os progenitores").
Cortez Neves.


Ferreira Vidigal.


Torres Paulo.


Pedro Marçal.


Miguel Montenegro.


Figueiredo de Sousa.


Fernando Fabião (Vencido consoante declaração de voto que junto).

César Marques.

Sá Nogueira.

Roger Lopes.

Ramiro Vidigal.

Martins da Costa.

Pais de Sousa.

Miranda Gusmão (com a declaração de que daria ao assento a seguinte redacção: "a acção intentada pelo Ministério Público para nova regulação do poder paternal com vista à pensão de alimentos devida por um progenitor deva ser intentada contra ambos os progenitores, sob pena de ilegitimidade passiva")

Sá Couto (com a declaração de voto do Exmo. Cons. Gusmão de Medeiros)

Silva Reis.

Cardona Ferreira.

Carlos Caldas (Vencido pelas razões expostas pelo Exmo. Conselheiro
Fernando Fabião).

Declaração de Voto.
Votei vencido, porque entendo que o progenitor não sujeito a prestação de alimentos é parte ilegítima na acção intentada pelo Ministério Público contra o outro progenitor, para alteração da prestação de alimentos devidos ao menor, pelas razões seguintes: a) o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer (artigo 26 n. 1 do C.P.C.) interesse directo, fixa-se, e não meramente reflexo, e o progenitor a quem não é fixada a alteração da pensão alimentar não tem interesse directo em contradizer; b) aliás, esse progenitor contra o qual nada é pedido e à guarda de quem presumivelmente estará o menor sempre poderá intervir no processo como assistente, ao lado do Ministério Público, nos termos do artigo 335 do C.P.C.; c) Tanto o n. 3 do artigo 182 como o n. 2 do artigo 187, ambos da O.T.M., falam em requerido apenas, o que deixa adivinhar que do lado passivo da acção está apenas o progenitor obrigado à prestação alimentar para além de que este último texto manda notificar para a conferência a pessoa que tiver o merecer à sua guarda, se não for o autor, o que aponta no mesmo sentido e significa que o progenitor não obrigado à prestação alimentar também assiste à conferência; d) o artigo 186 n. 1 do O.T.M. admite que o progenitor a quem não é feito o pedido seja o requerente do processo como representante legal ou pessoa à guarda de quem o menor está, o que dá a entender que esse progenitor, a intervir, o faça do lado activo; e) o julgador só poderá usar dos poderes conferidos pelo artigo 1410 do C.P.C., ou seja, não obedeceu aos critérios de legalidade estrita, se tal improcede a conveniência ou a oportunidade em nome dos interesses do menor, mas, para tal, não há necessidade de violar o disposto sobre a legitimidade dos factos no citado artigo 26 do C.P.C.