Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2453
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
PROCESSO URGENTE
CASO JULGADO
AGRAVO NA SEGUNDA INSTÂNCIA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ200609280024534
Data do Acordão: 09/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: INDEFERIDO.
Sumário : I - O art. 144.º, n.º 1, do CPC prevê a regra da continuidade dos prazos processuais.

II - Contudo, essa regra não é absoluta, porquanto a mesma lei prevê a suspensão dos prazos processuais durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processo que a lei considere urgentes.

III - O procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual tem natureza urgente, pelo que o respectivo prazo de interposição do recurso de agravo em 2.ª instância não se suspende nas férias judiciais.

IV - O prazo de interposição do recurso de agravo em 2.ª instância é de 10 dias, ainda que o seu fundamento seja o da violação do caso julgado (art. 80.º, n.º 1, do CPT).

V - A especialidade que, no âmbito dos recursos ordinários, deriva de se fundamentarem na ofensa de caso julgado é a de, no que toca a esse fundamento, serem sempre admissíveis, independentemente do valor da causa e da alçada do tribunal recorrido.

VI - O art. 143.º n.º 2 e o art. 144.º, n.º 1, ambos do CPC, mantêm, cada um, campo de aplicação próprio e assim, em caso de processo urgente, terminando o termo do prazo de interposição do recurso de agravo (que não se destina a evitar dano irreparável) em férias judiciais, transfere-se o termo para o 1.º dia útil seguinte àquelas férias.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


A) - Em 30.06.2006, a fls. 659 e 660 dos presentes autos, foi proferido despacho do ora relator, do seguinte teor:
« I - O requerente AA, Advogado em causa própria, foi notificado, por carta registada expedida em 31.03.2006 (ver fls. 594), do douto acórdão do Tribunal da Relação, proferido na presente providência cautelar de suspensão de despedimento individual que instaurou, em 04.03.2005, contra a requerida Empresa-A, tendo-se como notificado no dia 3 de Abril de 2006, nos termos do n.º 3 do art.º 254º do CPC(1) .

Inconformado, apresentou requerimento de interposição de agravo para este Supremo, entrado na Relação de Lisboa em 04.05.2006 (ver fls. 595), tendo invocado como fundamento do recurso pretensa violação de caso julgado formado por anterior decisão dessa mesma Relação, a fls. 247 a 260.

Admitido o recurso no tribunal "a quo", o requerente alegou-o, a fls. 623 e ss., tendo a requerida, no corpo e conclusões da sua contra-alegação, defendido a inadmissibilidade do recurso, por entender que das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o STJ (art.º 387º-A do CPC) e não se vislumbrar que ofensa de caso julgado poderia estar em causa no agravo interposto.

Notificado da contra-alegação, o requerente não respondeu a essa arguição da requerida.

II - Há que proferir agora despacho liminar de admissibilidade do recurso, sendo que, nos termos do n.º 4 do art.º 687º do CPC, o despacho que o admite no tribunal recorrido, fixa a sua espécie e determina o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior.

Nos termos conjugados dos art.ºs 1º, n.º 2, a) e 32º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho de 1999 (doravante designado por CPT), aprovado pelo DL n.º 480/99, de 09.11 - entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2000 e aplicável aos processos que, como este, foram instaurados a partir dessa data (art.º 3º do referido DL) - e 382º, n.º 1 do CPC, o presente procedimento de suspensão de despedimento individual tem carácter urgente.
Por seu turno, dispõe o art.º 144º, n.º 1 do CPC, na sua actual redacção, preceito também aqui aplicável, por força do art.º 1º, n.º 2, al. a) do CPT:
"O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes".
Da conjugação dos aludidos preceitos resulta que o prazo de 10 dias para o requerente interpor o presente agravo em 2ª instância (art.ºs 80º, n.º 1 do CPT) não se suspendeu nas férias judiciais da Páscoa de 2006, por se estar perante processo urgente - No sentido referido, abordando hipóteses paralelas - do prazo de interposição de recurso no domínio do CPT1999(2).
Assim sendo, tal prazo iniciou-se em 04.04.2006 e correu continuamente, mesmo nas ditas férias judiciais ( que tiveram lugar entre 9 e 17 de Abril de 2006), esgotando-se em 13.04.2006.
Aqui chegados e como se referiu no mencionado acórdão deste Supremo de 24.11.2004, «coloca-se a questão da articulação do disposto no art.º 143º- 2 com o disposto no artº 144º-1 (...):devemos entender, com Lopes do Rego, que, consagrada explicitamente, para efeitos da contagem dos prazos, a figura dos processos "urgentes", a expressão "actos que se destinem a evitar dano irreparável", constante na parte final do n.º 2 daquele artigo, deverá ser interpretada como significando acto integrado na tramitação dum processo que a lei explicitamente configura e qualifica como urgente (3), ou, devemos, antes, defender que as duas disposições mantêm o seu campo próprio e assim, tratando-se de processo urgente e caindo o último dia do prazo em férias, o efeito peremptório produzir-se-á, ou nesse dia ou no primeiro dia útil seguinte às férias, consoante o acto a praticar se destine ou não a evitar dano irreparável ?
Admitindo-se esta posição, isto significaria que se o acto em causa fosse o de interposição de um recurso em processo urgente, mas não incluído na parte final do n.º 2 do citado art.º 143º, o termo do prazo de interposição, caindo em férias, seria transferido para o primeiro dia útil seguinte » (Fim de transcrição).
Perfilha-se, no caso, a bondade da 2ª das referidas posições, e entende-se que, por não se destinar o presente recurso a evitar dano irreparável , o termo do prazo do mesmo, por cair em férias judiciais, se transferiu para o 1º dia útil seguinte, ou seja, para 18.04.2006.
E, nesse quadro, podia ainda o requerimento de interposição do recurso ter sido apresentado, com multa, nos três dias úteis subsequentes, nos termos do art.º 145º, n.º 5 do CPC, ou seja até 21 de Abril de 2006, inclusive.
Ora, como vimos, ele só foi apresentado em 4 de Maio de 2006, manifestamente fora de prazo, mesmo na referida interpretação perfilhada, a mais favorável para o recorrente.
Tanto basta para se concluir pela inadmissibilidade do recurso, sem necessidade de indagar da outra causa, invocada pela recorrida - a não verificação da ofensa de caso julgado.

III - Assim, decido não admitir, por extemporâneo, o agravo interposto pelo requerente AA.
Custas a cargo do mesmo » (Fim de transcrição do despacho).

B) Vem agora o agravante AA, a fls. 686 a 690, reclamar desse despacho para a Conferência, nos termos do artº. 700º, n.º 3 do CPC, pedindo a sua revogação com a admissão do agravo que interpôs.
Invocou, em síntese:
O agravo foi interposto em tempo, porque:
a) Como o fundamento do presente agravo é a ofensa de caso julgado, o prazo para o mesmo "não é o comum de 10 dias, mas o especial de 60 dias, tal como se tivesse interposto recurso extraordinário de revisão";
b) No caso, dado que o recorrente é o requerente da providência cautelar o prazo para o agravo sempre se teria suspendido em férias, pelo que a interposição do mesmo, em 24.4.2006 (e não em 4.5.2006), foi tempestiva.
Invoca ainda eventual nulidade por se ter rejeitado o agravo sem que estivesse junta aos autos a sua resposta - expedida por fax para o tribunal em 27.06.2006 - à invocação feita pela recorrida Empresa-A da inadmissibilidade do recurso.

A recorrida Empresa-A não respondeu à reclamação.

C) Dispensados os vistos, cumpre conhecer.
E há, desde já, que referir, como invoca o reclamante, que o seu requerimento de interposição do agravo foi expedido para a Relação de Lisboa, por fax, em 24.04.2006 (ver fls. 597) , data que, por isso, vale como a de interposição do recurso, nos termos do art.º 150º, n.º 1, d) do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 324/2003, de 27.12.

Estamos perante a admissibilidade de um agravo em 2ª instância, modalidade de recurso ordinário (ver art.º 676º, n.º 2 do CPC), sendo indiscutível que o prazo de interposição do mesmo é, como se deixou consignado no despacho reclamado, de 10 dias, por força do expressamente disposto no art.º 80º, n.º 1 do CPT, ainda que o seu fundamento seja o da violação de caso julgado, e não o de 60 dias, previsto no art.º 772º, n.º 2 do CPC (4), para o recurso extraordinário de revisão.
A especialidade que, no âmbito dos recursos ordinários, deriva de se fundamentarem na ofensa de caso julgado é a de, no que toca a esse fundamento, serem sempre admissíveis, independentemente do valor da causa e da alçada do tribunal recorrido, nos termos do art.º 678º, n.º 2 do CPC, aplicável nos processos laborais, por força do disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 1º do CPT.
Mas esse fundamento não dita o alargamento do prazo do recurso ordinário, com a aplicação do referido prazo de 60 dias.
Não colhe, assim, esta fundamentação da reclamação.

Por outro lado, mantemos também inteiramente o que se deixou consignado no despacho reclamado sobre a não suspensão do prazo de interposição do recurso - de 10 dias - no período de férias de Páscoa de 2006 e sobre a forma de apuramento do dia final de contagem do mesmo, que, como aí se consignou, era 18.04.2006, com a possibilidade de, com multa, poder ser interposto nos 3 dias úteis subsequentes, ou seja até 21.04.2006, inclusive.
Na verdade, o regime legal consagrado e que se deixou referido no despacho reclamado não consente a interpretação defendida pelo ora reclamante de que, estando em causa um recurso interposto pelo requerente do procedimento cautelar , o respectivo prazo não corre em férias.
Não há suporte para tal interpretação, sendo o regime aplicável o que se deixou mencionado no despacho reclamado, como tem sido orientação uniforme desta Secção.
E, assim sendo, o requerimento de interposição do recurso, apresentado em 24.04.2006, foi extemporâneo.

Finalmente há que referir que irreleva para a decisão da questão que nos ocupa o facto de o despacho ora reclamado ter sido proferido sem que estivesse junta aos autos a resposta do reclamante AA, de fls. 665 e 666, à invocação de inadmissibilidade do recurso feita pela requerida, na sua contra-alegação - o que aconteceu por os autos terem subido da Relação sem tal resposta.
É que, na mesma, era abordada apenas a questão da aplicabilidade à suspensão do despedimento da norma do art.º 678º, n.º 2 do CPC, que admite sempre o recurso quando ele se fundamenta na ofensa de caso julgado.
Ora, a decisão reclamada, ora mantida, não admitiu o presente recurso por outra razão, a de extemporaneidade do mesmo.
Assim sendo, o "vício" ou "irregularidade" que tivesse havido e traduzido na prolação do despacho sem a junção de tal resposta - e qualifiquem-se tais "vício" ou "irregularidade" como nulidade processual ou doutro modo - não eram de molde a influir nem influíram no despacho ora reclamado, e, aliás, sempre resultariam agora "supridos" com o presente acórdão.
Ou seja, a dita situação mostra-se totalmente inócua.

D) Assim, acorda-se em indeferir a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante AA, com a taxa de justiça de 4 UCs.
Oportunamente, remeta os autos à Relação de Lisboa, face ao requerido a fls. 682 e 683, e 717 e 718.

Lisboa, 28 de Setembro de 2006

Mário Pereira (Relator)
Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto
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(1) - Dispõe esse n.º 3: "A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja".
(2) - No sentido referido, abordando hipóteses paralelas - do prazo de interposição de recurso no domínio do CPT1999 -, decidiram os acórdãos deste Supremo, 4ª Secção, de 24.11.2004, proferido no Agravo n.º 2851/04, de que foi relatora a Ex.ma Conselheira Maria Laura Leonardo, disponível em www.dgsi.pt/jstj, Processo 04S2851, e de 07.04.2005, proferido no Processo n.º 4128/04, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro Fernandes Cadilha e disponível no referido endereço, Processo 04S4128.
(3) - In "Comentários ao Código de Processo Civil", I, 2ª ed.,pg. 150.
(4) - Dispõe este n.º 2: "O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados: a) No caso da alínea a) do artigo 771º, desde o trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão; b) Nos outros casos, desde que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão".
Sendo que a al. f) do art.º 771º prevê que a decisão transitada em julgado possa ser objecto de recurso de revisão "quando seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente".