Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
248/08.0TTBRG.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO DO HORÁRIO DE TRABALHO
COMISSÃO DE TRABALHADORES
do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Dentro dos condicionalismos legais, cabe ao empregador, porque inscrita no seu poder de direcção, a faculdade de fixar os horários de trabalho dos seus subordinados (art. 170.º, nº 1 CT/2003) e só assim não acontecerá se existir disposição legal ou convencional em contrário, ou se o trabalhador tiver sido contratado especificamente para laborar em determinado horário (art.173.º).
II - Tendo o trabalhador (A.) na data da celebração do vínculo laboral ainda vigente anuído em cumprir todos os deveres do contrato anteriormente aprazado com a empregadora (R), sendo que, nesse precedente vínculo, se obrigou expressamente a cumprir o horário de trabalho que aquela empresa fixasse, não se pode afirmar que o seu horário de trabalho foi individualmente acordado com aquela.
III - A alteração unilateral do horário de trabalho, posto que permitida, deve respeitar, em regra, os seguintes requisitos: (a) consulta prévia dos trabalhadores afectados pela alteração; (b) consulta prévia da Comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindical ou dos delegados sindicais; (c) elaboração de um novo mapa do horário de trabalho, contendo a alteração produzida; (d) afixação desse novo mapa em todos os locais de trabalho, contendo a alteração produzida; (e) envio, na mesma data, de novo mapa à Inspecção-Geral do Trabalho.
IV - Não tendo a R. informado nem consultado previamente a Comissão de trabalhadores sobre a alteração do horário de trabalho do A., a sua falta não traduz uma mera irregularidade, mas representa a preterição de uma formalidade indispensável, essencial, no processo de decisão, que afecta a perfeição e validade desta, tornando-a inválida.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
1-1
AA intentou, no Tribunal de Trabalho de Braga, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “B............ Auto-Rádio Portugal, Lda.”, pedindo se reconheça que a Ré alterou de forma ilícita o horário de trabalho do Autor, devendo a mesma ser condenada, por virtude disso, a repor o horário precedente e a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento dessa reclamada reposição.
Nesse sentido e em síntese, alega que o horário anteriormente vigente havia sido individualmente acordado entre as partes, que a Comissão de trabalhadores não foi previamente informada nem consultada sobre a alteração a produzir, que o novo horário implica mudanças significativas nas condições de trabalho do Autor e, por fim, que a actuação da demandada constitui um manifesto abuso de direito, face à desproporcionalidade entre a utilidade do seu exercício (que considera ser inexistente) e as consequências a suportar pelo Autor.
Impugnando os fundamentos aduzidos, a Ré reclama a improcedência da acção.
1-2
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a concluir pela licitude da alteração operada, julgando improcedente a acção e absolvendo a Ré dos pedidos contra ela accionados.
O Autor apelou da sentença, pedindo a alteração da decisão factual, o reconhecimento de que o horário pretendido fora individualmente acordado entre as partes e que, sem embargo disso, a ilicitude da alteração produzida também decorre da omissão do direito de audiência da comissão de trabalhadores.
Mantendo embora a factualidade firmada na 1ª instância, a Relação concedeu integral ganho de causa ao Autor, acolhendo, para isso, o primeiro fundamento convocado – acertamento individual do horário de trabalho precedente – e considerando prejudicado o conhecimento do segundo fundamento coligido pelo Autor.
1-3
Desta feita, o inconformismo provém da Ré, que pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1 – em 11/2/82, o A. celebrou com a “Grundig Electónica Portugal, Lda.”, um contrato de trabalho a prazo pelo período de seis meses, para vigorar a partir do dia 15 do mesmo mês, constando do mesmo contrato que o Autor se obrigava, designadamente, a cumprir o horário de trabalho que aquela empresa fixasse (cfr. 3. da matéria de facto);
2 – este contrato veio a ser renovado pelo período de seis meses, com efeitos a partir de15/8/82 (cfr. 4. da matéria de facto);
3 – em 1/9/92 o A. celebrou com a R. (então denominada “A....-Auto Rádio Portuguesa, Lda.,”) um novo contrato de trabalho, mediante o qual esta última admitiu aquele a partir daquela data, mantendo-lhe todos os direitos e regalias de natureza pecuniária ou outra que usufruía na Grundig Electrónica Portugal, Lda. e obrigando-se o Autor, por seu turno, a cumprir todos os deveres decorrentes do contrato, tal como antes, relativamente ao contrato de trabalho que entre ele e aquela empresa havia vigorado (cfr. 5. da matéria de facto);
4 – no decurso do ano de 1992, a R. criou um 3.º turno, que correspondia ao horário das 22h30 às 7 horas (cfr. 7. da matéria de facto);
5 – até então, o A. desempenhava as suas funções no 1.º turno, correspondente ao horário das 6 às 14h30 (cfr. 8. da matéria de facto);
6 – na sequência da criação do 3.º turno e porque se mostrava necessário colocar trabalhadores a laborar no mesmo, a Ré propôs a vários trabalhadores, entre os quais o A., que passassem a exercer as suas funções no horário que lhe correspondia, o qual foi aceite nomeadamente por este (cfr. 9. da matéria de facto);
7 – no dia 25/7/07, a R., por carta entregue em mão ao A., comunicou a este que passaria a cumprir o horário de trabalho correspondente ao 2.º turno, de 2.ª a 6.ª feira, por “razões imperiosas de funcionamento, nomeadamente de ordem técnica e de racionalização económica (decréscimo das encomendas) (cfr. 10. da matéria de facto);
8 – só não podem ser unilateralmente alterados os horários individualmente acordados – cfr. art. 173.º n.º 1 do C.T.;
9 – ora, o A. não conseguiu provar que o seu horário de trabalho tenha alguma vez sido individualmente acordado com a R.;
10 – pelo contrário, ficou assente que o A. sempre se obrigou a cumprir qualquer horário de trabalho que viesse a ser fixado pela sua entidade patronal;
11 – quanto à mudança do 1.º para o recém-criado 3.º turno, a mesma ficou a dever-se não a um acordo individual entre as partes nesse sentido, mas antes a uma transferência plural de trabalhadores proposta pela R. para possibilitar o início de laboração desse novo turno;
12 – a existência de um concreto e específico horário de trabalho não foi, pois, essencial para a formulação da vontade das partes na celebração do contrato de trabalho, nem posteriormente quando se processou a alteração de turno por parte do Autor;
13 – consequentemente, nenhum obstáculo legal existe à alteração unilateral do horário de trabalho processado pela Ré, que actuou no exercício dos poderes que o n.º 1 do art. 170.º do C.T. lhe confere;
14 – o acórdão revidendo reconhece que o Tribunal da Relação, na medida em que os depoimentos prestados em audiência não foram gravados, não dispõe de todos os elementos de facto para fazer uso do artigo 712.º do C.P.C.;
15 – por isso, não pode proceder a pretensão do Autor de que o horário de trabalho correspondente ao 3.º turno, que cumpriu a partir de 1992 até 25/7/2007, foi acordado individualmente com a Ré;
16 – porém, e contraditoriamente, o acórdão acaba por reconhecer o contrário;
17 – assim, ao decidir como decidiu, o Acórdão violou o disposto nos arts. 170.º, n.º 1 e 173.º n.º 1 do Código do Trabalho, bem como o artigo 712.º do C.P.C..
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o douto acórdão recorrido, mantendo-se a douta sentença da 1.ª instância.
1-4
O Autor contra-alegou, reclamando a improcedência do recurso e, reportando-se à omissão da audiência da comissão de trabalhadores, requer “... a apreciação deste argumento... nos termos do art. 684.º-A, n.º 1 do C.P.C.”.
1-5
Por se ter entendido que as questões colocadas na revista da Ré não assumiam especial complexidade – tendo em conta que estava sobretudo em causa, nessa altura, uma mera divergência interpretativa do acervo factual coligido nos autos, não se vislumbrando qualquer discrepância na aplicação do quadro normativo atendível – o relator proferiu decisão sumária, nos do artigo 705.º do Cód. Proc. Civil.
1-6
Como a sobredita decisão lhe foi desfavorável, veio a Ré requerer que sobre a mesma recaísse Acórdão, nos termos do art. 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, sob motivação que adiante se explicitará.
Sobre tal desiderato se pronunciou o Autor, fazendo-o em termos de pugnar pela confirmação da decisão reclamada.
1-7
Vêm os autos à conferência com dispensa de vistos.
2 - Factos
2-1
A 1.ª instância, com o aval da Relação, fixou a seguinte matéria de facto:
1 – a R. tem por objecto a fabricação e comercialização de auto-rádios e outro material electrónico, explorando um estabelecimento da sua sede e encontra-se filiada na respectiva associação do sector, Associação Nacional das Indústrias Material Eléctrico e Electrónico (ANIMEE);
2 – o A. é associado do Sindicado dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas do Norte e Centro – STIENG – o qual, por sua vez, se encontra filiado na Federação Sindical dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas de Portugal;
3 – em 11/2/82, o A. celebrou com a “Grundig Elecrónica, Lda.,” um contrato de trabalho a prazo pelo período de seis (6) meses, para vigorar do dia 15 do mesmo mês, constando do mesmo contrato que o A. se obrigava, designadamente, a cumprir o horário de trabalho que aquela empresa fixasse;
4 – este contrato veio a ser renovado pelo período de seis (6) meses, com efeitos a partir de 15/8/82;
5 – em 1/9/92, o A. celebrou com a R. (então denominada “ARP – Auto Rádio Portuguesa, Lda.,) um novo contrato de trabalho, mediante o qual esta última admitiu aquele a partir daquela data, mantendo-se todos os direitos e regalias de natureza pecuniária ou outra que usufruía na Grundig Electrónica Portugal, Lda., e obrigando-se o Autor, por seu turno, a cumprir todos os deveres decorrentes do contrato, tal como antes, relativamente ao contrato de trabalho que entre ele e aquela empresa havia vigorado;
6 – o A. exerce as funções correspondentes à categoria de operador especializado e aufere actualmente a retribuição mensal de € 828,32, acrescida da quantia mensal de € 56,20, a título de diuturnidades;
7 – no decurso do ano de 1992, a R. criou um 3.º turno, que correspondia ao horário das 22,30 às 7 horas;
8 – até então, o A. desempenhava as suas funções no 1.º turno, correspondente ao horário das 6 às 14h30;
9 – na sequência da criação do 3.º turno, e porque se mostrava necessário colocar trabalhadores a laborar no mesmo, a R. propôs a vários trabalhadores, entre os quais o Autor, que passassem a exercer as suas funções no horário que lhe correspondia, o que foi aceite nomeadamente por este;
10 – no dia 25/7/2007, a R., por carta entregue em mão ao A., comunicou a este que passaria a cumprir o horário de trabalho correspondente ao 2.º turno, de 2.ª a 6.ª feira, por “razões imperiosas de funcionamento, nomeadamente de ordem técnica e de racionalização económica (decréscimo das encomendas, o que a obriga a uma reorganização dos serviços)”;
11 – todavia, o A. não aceitou, nem aceita, tal alteração do seu horário de trabalho do 3.º para o 2.º turno, dado considerá-la ilegal, conforme transmitiu por carta datada de 30/7/2007;
12 – a comissão de trabalhadores da R. não foi informada nem consultada previamente pela R. sobre a referida alteração do horário de trabalho do Autor;
13 – o agregado familiar do A. é composto por si, pelo seu cônjuge e por dois filhos, BB e CC, com 16 e 20 anos de idade, respectivamente;
14 – no que concerne ao filho BB, que estuda na Escola Secundária Alberto Sampaio, sita ao pé da Estrada do Sameiro, o A. ia de automóvel buscá-lo a essa escola para regressar a casa, o que deixou de fazer em consequência desta alteração do seu horário de trabalho, passando aquele a deslocar-se de autocarro;
15 – a alteração para o actual horário de trabalho implicou que o A. deixasse de auferir no 3.º turno o vencimento mensal global de € 1.360,01 e passasse a receber no 2.º turno € 1.151,91.
2.2
Ao descrito acervo factual, aditou a Relação os seguintes pontos:
16 – O 2.º turno corresponde ao horário das 14h30 às 23 horas;
17 – do contrato referido em 5- consta a cláusula 3.ª, com o seguinte teor: “O segundo outorgante aceita o presente contrato, comprometendo-se a cumprir todos os deveres decorrentes do mesmo, tal como antes, relativamente ao contrato de trabalho que entre ele e a GEP vigorou, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais”.
São estes os factos.
3 - Direito
3-1
A decisão reclamada tem o seguinte teor:
Conforme resulta da exposição supra, a divergência nuclear entre as instâncias, que consequenciou julgados opostos, reporta-se à questão de saber se a Ré estava, ou não, impedida de alterar unilateralmente – como fez – o horário de trabalho do Autor, transferindo-o do 3.º turno (12h30 às 7 horas) para o 2.º turno (14h30 às 23 horas).
A 1ª instância respondeu negativamente, sob a motivação de que o Autor se obrigara contratualmente a cumprir qualquer horário de trabalho que viesse a ser fixado pela sua entidade patronal.
Ao invés, considerou a Relação que a precedente mudança do Autor do 1.º para o 3.º turno, ocorrida logo em 1992, fora acordada individualmente entre as partes, sendo que esse acordo, produzido no decurso da relação laboral, impedia a Ré de efectuar qualquer ulterior mudança unilateral, como aconteceu em 2007.
Como se vê, está em causa uma mera divergência interpretativa do acervo factual coligido nos autos, pois não se vislumbra qualquer discrepância na aplicação do quadro normativo atendível.
É esta, pois, a questão central da revista.
A par dela – e para a eventualidade de vir a ser sufragada a tese da 1.ª instância – haverá que emitir pronúncia sobre o segundo fundamento coligido pelo Autor no petitório inicial, e retomado na apelação, cujo conhecimento foi tido prejudicado em decorrência da solução firmada pelo Acórdão sobre a questão anterior.
A necessidade dessa pronúncia – importa dizê-lo – decorre do comando enunciado no artigo 715.º n.º 2 do Cód. Proc. Civil, que até é de aplicação oficiosa, e não de uma pretensa ampliação do objecto da revista, como sugere o Autor nas suas contra-alegações.
3-2-1
Nos termos do artigo 170.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 (em vigor à data em que se produziu a alteração questionada), “compete ao empregador definir os horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais.”
E, de harmonia com o sequente artigo 173.º n.º 1, “Não podem ser unilateralmente alterados os horários individualmente acordados”.
Decorre da transcrita previsão normativa que, dentro dos condicionalismos legais, cabe ao empregador, porque inscrita no seu poder de direcção, a faculdade de fixar os horários de trabalho dos seus subordinados.
Só assim não acontecerá se existir disposição legal ou convencional em contrário, ou se o trabalhador tiver sido contratado especificamente para laborar em determinado horário.
No caso dos autos, sustenta o Autor que o seu horário de trabalho foi sempre individualmente acordado com a Ré (artigo 6º da P.I).
Este facto foi dado expressamente como não provado.
Ao invés, ficou provado que o Autor, quando celebrou com a Ré, em 1/9/92, o vínculo laboral ainda vigente, anuiu em cumprir todos os deveres do contrato anteriormente aprazado com a Grundig Portugal”.
Ora, nesse precedente vínculo, o Autor obrigou-se expressamente a cumprir o horário de trabalho que aquela empresa fixasse.
É dizer que, no âmbito puramente convencional, não só quedou improvada a tese do Autor como, pelo contrário, ficou provada a tese contrária.
Como está bem de ver, será esta disciplina convencional que rege o diferendo em apreço, a menos que ela tivesse sido entretanto derrogada no decurso da execução do contrato.
3-2-2
A factualidade vertida nos pontos 7 a 9 demonstra que, ao longo dessa execução, o horário de trabalho do Autor já fora alterado uma vez, ainda em 1992, quando a Ré criou o 3.º turno de laboração.
Nessa altura, a demandada propôs a vários trabalhadores, entre eles o Autor, que transitassem para o novo turno, proposta a que o mesmo anuiu.
Todavia – e porque não pode ser ignorada de todo a sobredita cláusula transitada do anterior contrato celebrado com a Grundig – aquele simples circunstancialismo está longe de evidenciar a existência de um acordo individual das partes no sentido da alteração do turno, entendido um tal acordo como determinante para o prosseguimento, pelo Autor, da sua prestação laboral a favor da Ré.
O que ocorreu foi uma mera transferência plural de trabalhadores, na sequência da criação de um novo turno, sendo curial – e até louvável – que a Ré, antes de eventualmente avançar para uma imposição unilateral, tivesse diligenciado no sentido de apurar os trabalhadores que, sem constrangimentos, acedessem a laborar no mencionado turno.
Aqui chegados, logo se alcança que não subscrevemos a tese da Relação.
De resto, o Acórdão em crise procurou desvalorizar a já mencionada cláusula contratual, coligindo uma fundamentação de que também divergimos frontalmente.
Ali se disse o seguinte:
“O contrato de trabalho celebrado em 11.2.1982 com a Grundig... vigorou desde 15.2.1982, pelo período de seis meses e foi renovado por igual período, ou seja, tal contrato teve a duração de um ano (até 15.2.1983). Do teor do contrato de trabalho celebrado com a Ré em 1.9.1992 retira-se a conclusão de que à data de 1.9.1992 o Autor estava a trabalhar na Grundig, mas já não mediante contrato de trabalho a termo (ele nunca poderia ter durado 10 anos – desde 1982 a 1992), mas mediante contrato de trabalho sem termo. E, se assim é, o contrato de trabalho a termo celebrado em 11.2.1982 não tem nem pode ter qualquer relevância – em termos de estipulação de horário de trabalho – por precisamente o mesmo nem sequer estar em vigor à data de celebração do contrato de trabalho com a Ré (1992).” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Sem questionar a validade do pressuposto convocado – passagem do contrato a termo a contrato sem termo – o certo é que tal mutação não afecta o conteúdo negocial mas apenas a duração do vínculo.
De resto, também não se vislumbra – nem a Relação o esclarece – qual teria sido, nesse caso, a intenção das partes quando salvaguardaram, no contrato de 1992, a vinculação do Autor aos deveres assumidos anteriormente no convénio estabelecido com ao Grundig.
Quanto à específica questão em debate, devemos concluir, em suma, no sentido de que importaria repristinar o entendimento da 1.ª instância.
3-3
Esta solução obriga-nos a enfrentar – conforme já havíamos admitido (3-1) – a questão tida por prejudicada no Acórdão revidendo.
Neste âmbito, importa ponderar agora as consequências da reconhecida omissão da Ré, ao deixar de auscultar a comissão de trabalhadores da empresa sobre a alteração do horário do Autor, que se propunha implementar.
Nos termos do n. º 2 do artigo 173.º - e ressalvadas as excepções previstas no seu n.º 4 – “ todas as alterações dos horários de trabalho devem ser precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, ser afixada na empresa com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade, e comunicadas à Inspecção-Geral do Trabalho, nos termos previstos em legislação especial”.
Decorre do transcrito preceito que a alteração unilateral do horário de trabalho, posto que permitida, deve respeitar, em regra, os seguintes requisitos:
- consulta prévia dos trabalhadores afectados pela alteração;
- consulta prévia da Comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindical ou dos delegados sindicais,;
- elaboração de um novo mapa do horário de trabalho, contendo a alteração produzida;
- afixação desse novo mapa em todos os locais de trabalho, em lugar bem visível, com a antecedência de sete dias, em relação à sua entrada em vigor;
- envio, na mesma data, de novo mapa à Inspecção-Geral do Trabalho.
Estes requisitos corporizam o cumprimento de determinados procedimentos e a observância de determinados requisitos formais.
No concreto dos autos, já sabemos que “a comissão de trabalhadores da R. não foi informada nem consultada previamente pela R. sobre a referida alteração do horário de trabalho do Autor” – facto n.º 12.
A 1.ª instância considerou que a preterição deste procedimento não determina a ineficácia ou a nulidade do acto mas, tão-somente, a prática de contra-ordenação grave, com a aplicação da coima correspondente (artigo 659.º n.º 1 do C.T de 2003).
Este Supremo Tribunal já teve ensejo de se pronunciar, por mais de uma vez, sobre a temática em análise, e fê-lo em termos divergentes da solução subscrita na 1.ª instância.
No recente Acórdão de 12/2/2009 (Revista n.º 3086/04), em que o ora relator interveio como adjunto, escreveu-se, a tal propósito, o seguinte:
“No que toca aos procedimentos, e apesar do parecer emitido pelos trabalhadores afectados e pela comissão de trabalhadores ou seu sucedâneo não ser vinculativo para a entidade empregadora – pois nada na lei aponta nesse sentido nem seria razoável que o tivessem, uma vez que a fixação dos horários de trabalho é matéria que contende em primeira linha com os interesses da empresa e, como diz Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12.ª ed., pág. 339), “releva do poder de organização do trabalho que, em geral, pertence à entidade empregadora” – deve entender-se que os mesmos constituem itens necessários à formação da decisão do empregador e que a sua falta representa a preterição de uma formalidade indispensável, essencial, no processo de decisão, que afecta a perfeição e validade desta, como bem se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 24/5/2006, proferido no processo n.º 2134/05, da 4.ª Secção.”
E prossegue:
“Naquele acórdão, discutia-se a (i)legitimidade da ordem de transferência do local de trabalho dada pelo empregador, por este não ter previamente ouvido os delegados sindicais, conforme estabelecido no CCT aplicável. E aí se concluiu pela ilegitimidade da ordem, precisamente com o fundamento de que a audiência prévia dos delegados sindicais e a ponderação dos argumentos da resposta que por ele fosse apresentada constituíam itens necessários à formação e prolação da respectiva decisão final por parte do empregador, o que significa que a falta de audição não constituía uma mera irregularidade, sem virtualidade para inquinar a decisão tomada, representando antes a preterição de uma formalidade indispensável, essencial, no processo de decisão, que afectava a perfeição e validade desta”.
Para assim concluir:
“Embora o litígio na acção, em que o citado acórdão foi fixado, não se prendesse com a alteração do horário de trabalho, as considerações que nele foram aduzidas são perfeitamente válidas para os casos em que esteja em causa a alteração do horário de trabalho”.
Continuando a subscrever este transcrito entendimento, devemos concluir, sem mais, que a preterição da enunciada formalidade determina a nulidade da alteração do horário do Autor.
Como assim, resta confirmar o segmento decisório do Acórdão em crise.
4 -
Em face do exposto, decide-se negar a revista e confirmar, se bem que com fundamento radicalmente diverso, o Acórdão recorrido.”
3.2
A Ré insurge-se contra a transcrita decisão motivando como segue a sua censura:
“(…)
1. Antes de mais, saliente-se que a douta decisão sumária não foi proferida porque o recurso é manifestamente infundado, antes o foi porque Vossa Excelência entendeu que as questões nele colocados não assumem especial complexidade.
2. E, como precedentes decisões do S.T.J., cita dois acórdãos, um de 24/5/2006, proferido no processo n.º 2134/05, da 4.ª Secção, e outro de 12/2/2009 (Revista n.º 3086/04) no qual Vossa Excelência interveio como adjunto.
Se o primeiro era do conhecimento da Recorrente, pois se encontra em www.dgsi.pt.
Já o mesmo não sucedia com o segundo.
3. Sucede, porém, que o primeiro acórdão, como Vossa Excelência expressamente reconhece, não se prende com a alteração do horário de trabalho (questão se discute nos presentes autos).
E não será despiciendo referir que a mudança de local de trabalho em causa naquele acórdão será bem mais gravosa que a simples mudança de horário de trabalho.
Depois, e isso é que cremos ter sido decisivo para a prolação do acórdão favorável à trabalhadora, existiam cláusulas no C.C.T. aplicável que obrigavam à prévia audição dos delegados sindicais.
Portanto, se a empregadora não cumpriu normas constantes do clausulado que acordou, tem necessariamente que suportar as consequências da sua omissão.
3.1. No caso ora sub-judice, não existe qualquer norma convencional que obrigue à audição da comissão de trabalhadores ou de delegados sindicais.
4. No segundo acórdão, a questão fundamental prendia-se com um despedimento, embora motivado na recusa da trabalhadora em cumprir novo horário de trabalho.
5. Se alusão se faz à referida Jurisprudência é, sobretudo, para salientar que, salvo o devido respeito, que é muito e sincero, não pode dizer-se que o nosso mais alto Tribunal tenha decidido de modo uniforme e reiterado a questão da alteração do horário de trabalho sem a observância das formalidades previstas nos artigos 170.º, n.º 2 e 173.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003.
6. Considerando Vossa Excelência que o horário de trabalho do A. nunca foi individualmente acordado, repristinou o entendimento da 1.ª instância.
7. E, salvo o devido respeito, tendo a Relação considerado prejudicado o conhecimento da questão da falta de informação e consulta prévia da comissão de trabalhadores da Ré, impunha-se também a repristinação do entendimento da 1.ª instância.
8. Com efeito, a preterição das formalidades previstas no n.º 2 do art. 173.º do Código do Trabalho de 2003 faz incorrer a Ré na prática de contra-ordenação grave, com a aplicação da coima correspondente, ex-vi do artigo 659.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003.
É, isso, e só isso – sem prejuízo de a Ré se defender se porventura vier a ser instaurado procedimento contra-ordenacional – que pode a Ré ter de suportar.
9. Considerar ineficaz ou nula a alteração de horário de trabalho por preterição das referidas formalidades é manifestamente decidir contra legem.
E os Tribunais não podem fazê-lo, por muito que da lei possam discordar.
De resto, o nosso Código do Trabalho de 2009, mantém exactamente o mesmo regime do Código anterior – cfr. artigo 212.º.
(…)”.

3.3
Subscrevemos a motivação lavrada na decisão reclamada e, bem assim, o segmento decisório que nela se extraiu, sendo que os argumentos ora aduzidos não têm a virtualidade de alterar essa nossa convicção.
Vejamos.
Relativamente à motivação reclamatória, cabe dizer, antes de mais, que a opção pela decisão sumária se estribou num juízo segundo o qual as questões colocadas não assumiam especial complexidade, sendo que a referência ali contida à jurisprudência deste Supremo Tribunal se destinou, tão-somente, a confortar a solução alcançada, sem que esse apelo signifique necessariamente uma orientação “reiterada” quanto à temática em análise.
Por outro lado, a decisão é clara no sentido de que a divergência, que assumimos, relativamente ao segmento decisório da Relação concretamente questionado, impunha a subsequente pronúncia sobre a questão tida por prejudicada no Acórdão em crise.
Essa questão – única ora em debate – reporta-se às consequências que devem ser conferidas à omissão, pelo empregador, do dever de audiência da comissão de trabalhadores, sempre que pretenda alterar unilateralmente o horário laboral de um seu subordinado.
Conforme já se aflorou na decisão reclamada, cabe à entidade empregadora a definição dos horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço – regra que comporta restrição nos casos em que o horário de trabalho haja resultado de convénio firmado entre as partes e daí que, para a sua alteração, haja que recorrer-se à mesma forma.
Não obstante, atendendo à relevância que, na economia do contrato, assume o horário de trabalho, considerou o legislador que, nas situações em que surja a necessidade de alteração unilateral desse horário, promovida pelo empregador, tenha que ser observado o formalismo constante do n.º 2, do art. 173.º, do Código do Trabalho, reconhecendo, assim, a relevância que, em determinadas situações, podem assumir os subsídios resultantes da consulta recolhida junto das estruturas representativas dos trabalhadores (1) .
A nossa legislação laboral exige, em diversas situações, a consulta daquelas estruturas, como diligência prévia à decisão que venha a ser tomada pela entidade patronal. Todas elas têm a ver com o particular melindre de que tal decisão se poderá revestir na relação laboral em si e na própria vida do trabalhador seu destinatário.
Acresce que as sobreditas situações se reportam a um período de plena vigência da relação vinculística, durante a qual é pacificamente reconhecida a desigualdade negocial das duas partes em confronto.
Por isso, bem se compreende que a lei preveja, em tais casos, mecanismos de controlo a cargo de entidade supostamente alheia ao conflito que se perspectiva.
Num tal contexto, estamos em crer que a omissão das referidas formalidades não pode configurar uma simples irregularidade sem outras consequências que não as de mero ilícito contra-ordenacional.
A importância desta fase de consulta – motivada, como dito, pelas implicações e consequências que a alteração do horário de trabalho pode determinar – leva-nos a concluir que a sua postergação – como sucedeu in casu – consubstancie a omissão de acto essencial na formação da vontade do empregador, que inquina a sua validade.
Mal se compreenderia até que a apontada omissão integrasse apenas ilícito contra-ordenacional – satisfazendo, assim, apenas, o interesse punitivo do Estado – e deixasse precisamente sem salvaguarda o interesse que se nos afigura ter estado na base da previsão do n.º 2, do art. 173.º, do Código do Trabalho, e que mais não é senão o interesse do próprio trabalhador (2)
Tal é, aliás, a interpretação que se afigura ser a que melhor se adequa com os princípios constitucionais que tutelam a esfera jurídica do trabalhador, constantes dos arts. 53.º, 59.º, n.º 1, als. b) e d), e n.º 2, al. b), todos da CRP.
4. Decisão
Em face do exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão posta em crise.

Custas pela reclamante.
        Lisboa, 24 de Fevereiro de 2010

        Sousa Grandão (Relator)

        Pinto Hespanhol

        Vasques Dinis

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        (1) Embora não abordando expressamente a consequência decorrente da omissão da fase de consulta mas abordando o processualismo inerente à alteração do horário de trabalho, veja-se Maria do Rosário Palma Ramalho e Júlio Manuel Gomes, respectivamente, em Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2008, pág. 473, e Direito do Trabalho, Volume I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, págs. 671 e 672.

        (2) Veja-se, neste sentido, Francisco Liberal Fernandes, “Notas sobre a flexibilização do tempo de trabalho”, in, Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Volume II, Vária, Coimbra Editora, 2007, pág. 735, ao referir que “(…) o instituto do horário do trabalho tem como ratio legis definir (e limitar) o tempo de disponibilidade do trabalhador para o trabalho, permitindo-lhe ajustar a sua vida pessoal e familiar com as obrigações decorrentes do contrato de trabalho, bem como proteger a saúde e segurança de quem trabalha”.